À meia luz, iluminados somente pela fraca lâmpada amarelada do abajur, null e null deleitavam-se da presença um do outro, as pernas umas sobre as outras, sem saber dizer onde começava a dele e terminava a dela. O dia estava especialmente frio, então além do aquecedor, o calor humano era indispensável. null deslizou as mãos geladas por dentro da calça de moletom de null, fazendo-a recuar a perna e voltar sua atenção a ele. null abriu um sorriso sapeca, esquentando-a por dentro.
- Você não vai ficar enfiada nesse quarto os vinte e seis dias que ainda te restam aqui, vai? – null soltou um suspiro pesaroso, vendo-o se inclinar sobre o seu corpo.
- Nós vamos visitar sua mãe, não vamos? Eu vou sair. – deu de ombros e ele girou os olhos para cima em descrença. Apoiou os braços um em cada lado do corpo dela, deslizando o nariz desde sua testa até o seu pescoço, inspirando o seu cheiro gostoso de ervas finas.
- Nós só vamos lá à noite, entregar os presentes pros pirralhos. Qual é, null, vamos pelo menos almoçar em algum lugar? Você escolhe. – ele lhe deu um selinho rápido, encostando sua testa na dela. – Por favor...
Ao senti-lo tocando seus lábios, fechou os olhos fortemente, tentando espantar a vontade repentina de chorar que lhe atingira. Era um pedido simples, feito com tanta doçura e vindo de alguém que apenas lhe queria bem... Mas, ainda assim, andar por aquelas ruas significava levar um banho de água fria de todas as memórias que possuía lá. Já havia se passado cinco anos desde a morte de seu pai, mas ainda doía sempre que voltava à Amsterdã, para visitar a sua segunda família.
O fato de crescer com os pais divorciados nunca incomodou a null. Crescera na cidade holandesa do queijo, Alkmaar, com a sua mãe, Femke, e seu padrasto, Frederik, mas sempre estava visitando o pai, Constantin, em Amsterdã, onde ele possuía outra família. Embora o divórcio tivesse ocorrido antes mesmo de null poder associar o que acontecia e não ter crescido aos olhos do pai, a ligação que tinham era extremamente forte e única. Constantin fazia questão de fazê-la se sentir acolhida pela sua outra família e, honestamente, todos possuíam um grande carinho por ela. Nöra, sua madrasta, os gêmeos Duka e Aart de 18 anos, Nicoline de treze anos, Gus de cinco anos e... null, com quem desenvolvera um carinho diferente.
- Tudo bem. - a garota se rendeu, enlaçando-o pela nuca e puxando-o para um beijo terno. – Mas pelo amor de São Nicolau, - ela brincou - Nada de queijo!
null riu sobre seus lábios, jorrando o hálito quente e fazendo-a formigar por dentro. Era um sentimento gostoso e talvez por ser proibido se tornasse ainda melhor.
- Me promete uma coisa? – ele pediu, manhoso, soltando um pouco o peso sobre o corpo de sua garota, sentindo-a lhe abraçar.
- Qualquer coisa. – respondeu sincera.
- Melhor... – se corrigiu, após refletir por alguns segundos. – Vamos combinar uma coisa...
- O que?
- Você vai listar todos os lugares que ia com o papai, e então eu vou te levar a todos eles, e nós vamos criar novas memórias lá. Assim você não vai sentir tanta saudade quando voltar.
- null... Nós já fomos a todos esses lugares juntos. Somente você e eu; Você, eu, Nöra, os pequenos; Você, eu, os gêmeos e o Gus...
null afundou o rosto no colo de null, mas respondeu, com a voz saindo abafada:
- Mas dessa vez vai ser especial, confia em mim... – choramingou, e null não resistiu ao charme, puxando-o para um abraço e lhe enchendo de beijos. Na bochecha, na testa, no nariz, nos lábios...
- Sabe... – ela disse, invertendo suas posições e ficando por cima dele. – Isso que nós temos pode estar errado em muitos meios, mas o que eu sinto por você é muito certo. Estar com você parece certo. – ela deu um sorriso doce, porém entristecido e null inclinou a cabeça para o lado, admirando-a com o sorriso de quem segura barra de ouros nas mãos.
- null... Desde quando amar é errado? – ele a abraçou pela cintura, deslizando as mãos por dentro do casaco e fazendo um carinho gostoso ali.
- Você me ama? – null agarrou suas bochechas com a mão, forçando-o a fazer um bico com os lábios.
- Com toda a minha alma.
Os termômetros marcavam três graus nas ruas de Amsterdã. O vento gélido machucava as bochechas sensíveis de null, deixando-as ainda mais vermelhas do que já eram.
- Eu quero morder as suas bochechas. – null riu, provocando-a, enquanto caminhavam pela Spuistraat. Haviam almoçado no restaurante Kantjil & De Tijger, sendo ele o primeiro local da lista de lugares onde null estivera com o pai...
- Cale a boca, para de ser ridículo. – null lhe empurrou pelo ombro, fingindo estar brava, mas apenas fazendo-o rir ainda mais. Ela mesma não se conteve e soltou uma leve risada, tentando disfarçar logo em seguida.
- Estão parecendo dois lindos tomates, me deixa morder! – as mãos de null aquecidas pela luva apertaram as bochechas de null, mas a garota se esquivou, mudando rapidamente sua feição risonha para uma mais entristecida. O sorriso sempre radiante nos lábios de null foi aos poucos se esvaindo.
- O que foi? – ele se apressou em perguntar, acariciando seu rosto com as mãos e descendo-as para os seus braços, alisando-os de cima para baixo, numa forma de carinho.
- Nada... – respondeu rapidamente, afobada e com a voz embargada. null a abraçou, encaixando a cabeça dela em seu peito e sentindo as lágrimas molharem o seu casaco. – É que às vezes você é tão parecido com ele, o modo como você sorri e as coisas que você fala... É horrível. – sua voz era nada além de um soluço abafado e entrecortado pelo choro preso em sua garganta. null apertou o abraço e, diferente do que null esperava, começou a rir.
- Do que você está rindo? – a garota levantou o rosto, fitando-o com os olhos avermelhados e marejados, e fungou dando um sorriso triste. null riu ainda mais, depositando um beijo em sua testa.
- Eu sou horrível? – ele perguntou divertido e null franziu a testa. – Eu sou tão parecido com o papai que sou horrível?
null rolou os olhos, mas se desmanchou em risadas logo em seguida.
- Você é um idiota... – balançou a cabeça negativamente e null abriu um sorriso ainda maior. null acreditava que uma garota não precisa dizer que te ama para demonstrar o seu sentimento. Pelo contrário, ela irá te chamar de idiota e desviar o olhar e, naquele instante, você irá se sentir o homem mais sortudo do mundo. E era exatamente o sentimento de sorte e gratidão que lhe apossou naquele instante.
- Por você. – completou a frase de null sem se importar com o grande clichê que havia se tornado depois que se apaixonara por ela.
- Como você consegue?
- Consigo o que, null?
- Lidar tão bem com... a morte de papai. Vocês dois viviam doze meses juntos e você parece tão firme, como se já tivesse conseguido juntar seus cacos e colar... E eu, contando com feriados e férias, não o via nem por seis meses, e sinto como se esse buraco no meu peito nunca irá embora.
null sabia detalhadamente o porquê de lidar tão bem com a situação mais devastadora pela qual ele já tivera que passar, mesmo assim demorou-se em responder.
Constantin era o seu herói, o exemplo de homem que seguia e torcia para se tornar um dia. Era fato que viver sem ele era difícil, uma dor constante e quase devastadora, mas se entregar à tristeza do luto definitivamente não era algo que o pai gostaria. Constantin era o pai mais presente, carinhoso, atencioso e honesto; Ou pelo menos era o que null via nele. Então ele sempre deixava claro que na vida não podíamos perder nenhum segundo lamentando sobre algo que não poderia ser feito nada a respeito. Era difícil? Era. Mas null era novo e possuía uma vida inteira para construir e dar orgulho ao seu pai onde quer que ele estivesse. E era naquilo que null acreditava para se manter firme. Em colocar a vida para frente, se manter firme e forte e construir sua vida ao lado de null e realizar todos os seus sonhos.
- Porque eu tenho você, null. Eu estaria mentindo dizendo que não dói, porque a saudade que eu sinto de papai é como se chutassem meu saco com variados golpes de karatê. – ele riu. – Mas daí eu lembro que tenho você, que eu te amo e que um dia eu vou ser exatamente igual o papai, mas com o nosso filho, e eu entendo que não vale a pena me trancar num quarto e lamuriar.
null estava pensativa, fitando algum ponto perdido pela praça Spui, então null lhe deu alguns segundos para refletir. Após algum tempo, virou-se para ele e sorriu.
- Por um instante eu pensei que você fosse dizer que precisava ser forte por mim. Não preciso que ninguém faça nada por mim.
- Eu sei que não. – ele riu, abraçando-a de lado de modo que pudessem caminhar confortavelmente. – Você é a garota mais independente e forte que eu conheço, de verdade. Eu sei que isso está te machucando mais do que você demonstra e sei também que você vai conseguir superar tudo isso...
- E como você sabe tudo isso?
- null... Você tem a opção de se trancar no quarto e ficar lá até que as comemorações natalinas te obriguem a sair, mas você preferiu sair e escolher os lugares que ia com papai para eu poder te ajudar com isso. Se você não fosse forte, não estaria aqui em pé, caminhando pela praça preferida de papai, e sim trancafiada naquele quarto escuro, fechado e com o aquecedor quebrado.
- Você quebrou o aquecedor antes da gente sair?
null lhe fitou com cara de culpa e começou a gargalhar.
- Tá vendo? Eu faço um puta discurso e você se liga no aquecedor que eu quebrei...
O casal sabia que o motivo pelo qual null dava importância às coisas banais em seu discurso era uma forma de se defender, mas null queria mostrar que ela podia ser forte do seu próprio jeito e null apreciava isso.
- null... – null parou de andar, pegando carinhosamente seu rosto com as mãos. – Eu gostaria de ter certeza de pelo menos metade das coisas que você fala sobre mim... Mas fico feliz que você me apóie tanto, acredite em mim... Isso é o que me faz estar aqui, em pé... Um pouco destruída, mas mantendo a vida andando. Eu não consigo lidar igual você, mas sem você acho que não conseguiria lidar de jeito algum. Eu adoro cada pedacinho seu. – null terminou o pequeno monólogo dando lhe um beijo na bochecha.
- Cada pedacinho meu é inteiramente seu, null. Inteiramente. – null acariciou sua bochecha com o polegar, e inclinou-se para lhe dar um selinho, mas null recuou. Não gostava de se beijarem em público...
- null! – o repreendeu.
- Tudo bem, tudo bem... – ele sorriu, abraçando-a novamente e voltando a andar. – Vamos logo na livraria comprar o presente de Nicoline para voltarmos para casa, nos arrumarmos e irmos para mamãe.
- Sim, capitão!
A casa dos null exalava baunilha e o doce aroma de torta de maçã. Estava quentinha, aconchegante e com cheirinho de lar. Um velho ditado diz que lar é onde o coração está, mas o de null possuía dois lares, então não tinha peso nenhum na consciência ao se sentir totalmente acolhida envolta àquela atmosfera de Natal junto de sua segunda família. Amava sua mãe, mas também tinha um amor imenso por Nöra, seus irmãos mais novos e null.
A casa estava barulhenta, os gêmeos corriam pelos corredores brincando com Gus enquanto Nicoline dançava no Xbox com null. Nöra e null estavam sentadas na bancada da sala de jantar de onde conseguiam observá-los dançando. null pegou mais um pedaço de torta, mantendo o olhar sobre null e seu rebolado.
- Gus quase chorou de alegria quando encontrou o G de chocolate na entrada de casa. Eu disse para ele que esse ano o Sinterklaas não iria deixar nada porque ele tinha quebrado o meu vaso na semana passada. – Nöra contava casualmente, cortando mais um pedaço de torta para si também.
- Tadinho, ele é sempre o primeiro a colocar o sapato com a cenoura na porta! – null riu e a sua risada fez com que null desse uma rápida virada para trás, lançando-lhe um beijo e logo voltando sua atenção ao jogo. Nicoline o repreendeu, pedindo que prestasse atenção e null não conteve a vontade de sorrir ainda mais.
- Você e o null são muito ligados, né... Parece até você e o seu pai. – Nöra falou, fazendo null se voltar para ela no mesmo minuto. Ela sorriu maternalmente e deu de ombros. – Se não fossem irmãos, poderiam formar um belo casal.
null sentiu um arrepio incômodo subir pela sua espinha e o seu estômago se afundar fazendo a torta de maçã voltar. Por sorte, ela não teve que se manifestar a respeito. Duka irrompeu na cozinha, vermelho de tanto correr e com Gus sorridente em seu colo.
- Tem alguém louco dizendo que o Sinterklaas deixou os presentes dele lá na porta. – ele apontou para o pequenino agitado em seus braços. Duka sorriu, bagunçando os cabelos do irmão e, por alguns segundos, a semelhança entre seu pai, null e Duka lhe atingiram como um trem. Era engraçado porque, separadamente, não eram totalmente parecidos com Constantin. null e Duka eram bem diferentes. Duka era bem mais atlético, cheio de músculos e gominhos; null não era magricelo, mas era bem menos atlético do que o irmão. O sorriso de null e Duka eram da mãe, mas os olhos, sem dúvidas, eram de Constantin.
null respirou fundo, transformando a tristeza em um sentimento bom de nostalgia e guardando-o bem no fundo do seu coração. Abriu um sorriso sincero e divertido para os irmãos e bateu palmas.
- Então vamos descobrir se o bom velhinho foi bonzinho esse ano? – null saltou da cadeira em direção ao Gus, fazendo-lhe cócegas. E então Aart entrou na cozinha, as bochechas vermelhas de tanto correr.
- Aí estão vocês, procurei por todo lado! – ele riu, forjando uma cara de indignação.
Aart e Duka eram irmãos gêmeos não idênticos. O que Duka possuía de esportivo, Aart possuía de intelectual. Embora ambos fossem tão divertidos quanto, um sempre complementando a brincadeira do outro. Já fisicamente, Aart era completamente parecido com a mãe, ruivo e branquinho. Enquanto Duka puxara o pai.
Nöra levou todos os presentes até a sala, postando-os em frente à lareira. Todos se sentaram no tapete branco e felpudo, tradição que repetiam todos os anos para as crianças abrirem os presentes, embora null, null e Nöra sempre os recebessem também. Os gêmeos sentaram ao lado de Gus, com Nöra logo ao lado. Nicoline sentou-se no outro extremo do tapete, ao lado de null e null. A garotinha era apegada com o irmão e simplesmente amava null.
- Vamos começar com o Gus. – null pegou os embrulhos destinados a ele, e os entregou para o garotinho pipocando de felicidade.
- Meu próprio videogame! – ele exclamou maravilhado com o primeiro presente. – E dois carrinhos de controle remoto!! – Gus pulou de felicidade, jogando-se em cima dos irmãos e da mãe, agradecendo-os.
- Agradeça a null, ela também te deu o videogame. – Nöra falou para Gus e ele correu para se jogar no colo da meia-irmã.
- Você merece, tortilha de queijo! – ela o abraçou, beijando-lhe a bochecha. null abraçou os dois também e Nicoline, enciumada, jogou-se entre eles.
- Vocês são dois gordos! – null beliscou Nicoline e Gus na barriga e eles voltaram aos seus lugares.
- Agora os presentes da Colly. – Nöra entregou os embrulhos para ela que, como sempre, quase explodiu por ganhar o que queria. null sempre fazia as suas vontades.
Assim se sucedeu a entrega de presentes: Os gêmeos abriram os seus presentes, null em seguida, finalizando com null e Nöra. A família estava cada qual entretido com seu presente que a esgueirada de null passara despercebida por todos. Somente quando o rapaz irrompeu na sala com um embrulho dourado reluzente em suas mãos, deram conta de que ele havia sumido. null sentiu o ar fugir com a velocidade da luz de seus pulmões e teve certeza de que só voltou a respirar quando ouviu a voz sempre risonha e gostosa de null ressoar pela sala.
- Você não pensou que só por que você me pediu eu não iria te dar nada, não é? Aliás, você me falou disso esse último mês inteiro, então... – o sorriso sempre presente em seus lábios estava lá quando ele estendeu o embrulho e, aos tropeços, null levantou do tapete, e indo direto para abraçá-lo.
- Se for o que eu estou pensando, eu juro que vou te bater. – null tomou o embrulho e o abriu. O sorriso rasgou a cara porque era óbvio que era o que ela estava pensando. null era design, simplesmente amava desenhar e havia se apaixonado por um estojo incrível com uma grande quantidade de lápis de cor. Mas ainda havia outra caixinha, pequena, vermelha e aveludada. Assim que null a abriu, largou o estojo imediatamente, pegando o colar de ouro com as duas mãos. O pingente pendurado no colar era um delicado pincel.
null abraçou null, forte, apertado e quase se esquecendo da sua família ao redor. Mas lembrou-se a tempo e lhe deu um beijo estalado na bochecha.
- É lindo! É tudo lindo, obrigada!
- Você merece muito mais, null. – null lhe deu um beijo na testa. – Deixa eu colocar o colar. – pediu, pegando o colar da mão dela. null sentou-se no chão novamente com as crianças e null se ajoelhou atrás dela para colocar o colar. Assim que o fechou, null colocou a mão no pingente e virou-se para trás, abraçando-o de novo.
- Você é o melhor. – disse, depositando um discreto beijo embaixo da sua orelha.
- Isso não é nada perto do que você merece. – null pegou seu rosto com as mãos, delicadamente, sorrindo-lhe terno e fitando-as nos olhos. null manteve o olhar, tentando transpassar tudo o que seu coração estava cheio para falar, mas não podia. Pelo sorriso lindo e radiante de null, podia dizer que ele estava lhe lendo certo.
- Por que vocês se olham como se estivessem prestes a se beijar? – a voz inocente de Nicoline soou entre os dois, cortando imediatamente o elo criado pelos olhares.
- Acho que você tem visto muito filme de romance. – null deu um peteleco na testa da irmã.
- Sem Nicholas Sparks pra você. – null fingiu a repreender.
Mas, no fundo, ambos estavam com a alma congelada. Crianças sempre percebiam tudo. Sempre.
- Quem quer torta de maçã? – Nöra entrou na sala com a torta em mãos, dissipando o ar tenso que se instalara.
- Você ta me enrolando a semana inteira, null... – null aproveitou o farol fechado para fitá-la, mas a garota estava com a cabeça virada para a janela, observando as pessoas se encolherem em seus casacos. O dia estava gelado, beirando a um grau.
- Eu já falei que não precisa, bebê. Você trabalha a manhã inteira, não precisa ficar me levando de um lado para o outro aqui em Amsterdã. – as mãos de null procuraram a coxa de null, apertando-as para assegurar de que não precisava, realmente. Desde o dia seis, null insistia na ideia de levá-la aos lugares onde estivera com o pai, mas como ainda faltava uma semana para as férias, sua mãe apenas lhe liberou do serviço (pois trabalhavam juntos) no período da tarde. E, honestamente, para null não importava o lugar, desde que estivesse com null. A presença dele já estava fazendo-a conseguir se animar com os passeios, mas null queria fazer aquilo por ela...
- Não preciso, mas eu quero. – respondeu frustrado e null percebeu. Ela lhe fitou, sorrindo-lhe terna e null deu um sorriso de canto. – Estou te achando mais animadinha... Vamos só mais hoje e prometo que não insisto mais.
- Só hoje e não se fala mais nisso. – null deu um beijo terno e rápido nos lábios de null e o farol abriu logo em seguida.
O lugar escolhido foi a Ponte Blauwbrug, ficava próxima ao Albert Cuypstraat e uma das praças mais animadas de Amsterdã, Rembrandtplein onde null costumava frequentar um bar e café com Constantin. Na realidade, null gostava de ir até a praça, pois bem no centro está localizada a escultura do quadro “A ronda Noturna” de Rembrandt e quando era pequena gostava de brincar com Constantin, fingir que faziam parte da escultura e que podiam dar vida a ela.
Era final de tarde, a pouca luz do Sol já havia ido embora e o frio se fazia muito presente, então null e null decidiram irem para o Smokey porque mais eficaz para esquentar do que o café, somente o álcool. E lá tinha os dois.
A facha do bar/café era toda em neon, com o nome do local em verde e coqueiros amarelos e verdes ao lado, com alguns detalhes em vermelho. Era bem chamativo, mas ao mesmo tempo simples. Totalmente a cara de Constantin.
- Eu acho que deveríamos pedir o muffin com marijuana. – null concluiu após passar os olhos pelo cardápio e perceber que null não lera nem uma palavra nele.
- Eu acho que você está ficando louco. – ela revidou, fechando o cardápio. – Eu quero um chocolate quente com creme e um bolo de maçã com caramelo.
- Overdose de açúcar... – null provocou e a garota mostrou a língua. – Ok, eu vou querer um café preto e um curry chiken.
- Gordo!
- Sou gostoso, admita. – null disse estufando o peito e abrindo um sorriso galanteador e null gargalhou.
- Você realmente é, mas finge que eu não falei pra você não ficar se achando.
- Combinado! – ele riu e piscou para ela. – Mas ainda acho que deveríamos pedir o muffin com maconha...
- null null!
Após a repreensão de null, null fez os pedidos que logo foram trazidos à mesa. Como estavam na metade da semana e as férias seriam apenas dali a uma semana, o movimento era pequeno e o atendimento mais rápido. Mas desde que null se lembrava, o lugar era tranquilo e era um dos motivos pelos quais seu pai sempre lhe levava ali. Quando null e ela eram pequenos, Constantin os levara lá juntos um dia...
- Lembro quando papai nos trouxe aqui juntos. Você era louco pra se pendurar na mesa de sinuca que tinha aqui... – null relembrou, após dar uma grandiosa mordida no bolo.
- E você chorava pra cantar no karokê junto com Mizzï... – null gargalhou, quase engasgando com o café.
- Não tem graça, eu adorava cantar! – null se defendeu, torcendo o nariz.
- E você era adorável cantando com aqueles seus vestidos rodados e trancinhas no cabelo. – null abaixou a cabeça, tímida com o elogio repentino e null levou a mão até a sua bochecha, acariciando-a de leve.
- Não acredito que você se lembra disso tudo!
- Foi quando eu me apaixonei por você, não tem como esquecer!
- A gente tinha dez anos, null!
- Não sabia que o amor tem idade, null...
null aproveitou o tempo em que estava mastigando o último generoso pedaço de seu bolo e parou para refletir. Lembrou-se de como sempre achava fofo quando null usava bermuda e suspensório quando tinha dez anos, e como ficava ansiosa quando seu pai dizia que eles sairiam juntos...
- Sabe? – perguntou, chamando a atenção de null. – Eu já era apaixonada por você com 10 anos, também.
null abriu o seu característico sorriso radiante que deixava qualquer uma com as pernas bambas e se inclinou sobre a mesa para dar um selinho em sua garota. Diferente das outras vezes, null não recuou e deixou o lábio quente dele acariciar o seu por alguns segundos. E, definitivamente, não sentiu que aquilo era errado.
- Eu me lembro de uma vez... – null começou, ao voltar ao seu lugar. – Que papai saiu da mesa pra pagar a conta e eu peguei o canudinho do seu refrigerante e você ficou brava...
- Cara, olha que maldade! – ela o interrompeu e null franziu o cenho.
- Shiu, não terminei. – a repreendeu. – Aí você ficou brava, mas então eu fiz um anel e te pedi em casamento.
null sentiu, não somente as bochechas, mas o corpo inteiro queimar por dentro. Havia se lembrado do dia e principalmente da sua resposta.
- E eu respondi que se não achasse ninguém melhor, eu casaria com você. – completou, risonha e null forjou uma cara triste.
- Exatamente. E o mais incrível é que eu fiquei feliz aquele dia.
- Pode ficar agora também, porque até hoje não encontrei ninguém melhor do que você.
Fora a vez de null abaixar o olhar, tímido, mas com um sorriso de orelha a orelha, quase rasgando o rosto. Era inegável que se amavam. A princípio, pensou que estivesse confundido o amor fraternal com paixão, mas ao longo dos anos cada momento que dividiam apenas confirmava que tinha encontrado em sua meia-irmã, o amor de sua vida. Mesmo que tivesse tido duas ou três mulheres, sempre voltava para ela. Sempre.
- Você é muito a mulher da minha vida! – ouvir aquilo fizera o coração de null pulsar em sua garganta e um incômodo gostoso se instalou em seu estômago. Por sorte, já havia terminado o seu bolo, senão teria que jogá-lo fora.
- Come logo, seu bobo. – ela abanou o ar com as mãos, tentando disfarçar o desconforto (bom), e null balançou a cabeça negativamente, rindo.
- Eu disse que ia te fazer ter novas lembranças aqui, então tenho um desafio. – null lhe fitou, uma sobrancelha arqueada, sorrindo como se guardasse um segredo perverso.
- Diga, null.
- A gente come um muffin com maconha, e depois vai pro fundo do bar e pede pra Mizzï colocar uma música pra gente dançar.
null respirou fundo, tentando conter o sorriso que escapava pelos cantos dos lábios.
- Eu não tenho como dizer não, não é? – mordeu os lábios e null deu de ombros.
- Ou você vai por bem, ou eu enfio o bolo guela abaixo...
- Sempre um cavalheiro. – ela riu, se levantando e lhe dando mais um selinho. – Vamos logo antes que eu me arrependa.
- Eu te amo!
- Eu sei, null, eu sei...
Mizzï era a melhor amiga de Constantin e vira null e null crescerem. Acompanhou a jornada que começou com o leite na mamadeira, depois suco natural no copinho, refrigerante na lata, até alcançar a cerveja na lata, no copo, na caneca... Sempre esteve presente e sempre observou... Muito. Os dois devoraram o segundo pedaço do muffin especial, enquanto ela tragava um cigarro de maconha.
- Pensei que não fosse ver vocês aqui esse mês. – comentou, atraindo a atenção deles.
- Ela não queria vir. – null apontou para null, dando de ombros.
- Estou ofendida, null! – Mizzï levou a mão no peito, fingindo indignação.
- Hey, não é bem assim! – null apressou-se em se defender. – Eventualmente, eu iria te visitar, mas não aqui. Mas esse cara aqui. – ela empurrou null pelos ombros. – É insistente, então viemos!
- Eu sei, estou brincando. – Mizzï deu uma tragada no cigarro, sorrindo para eles. – É só que eu gosto de ver o meu casal favorito aqui. – deu de ombros, oferecendo o cigarro para null, que aceitou, sem se afetar com o que a amiga acabara de dizer. Já null, apesar de não ter nenhum mínimo pedaço de bolo na boca, engasgou-se ao ouvir a palavra casal.
- Gostamos de vir aqui também. – a garota sorriu amarelo, sentindo que poderia vomitar o bolo a qualquer momento. – Acho que já podemos dançar agora, não?
- Claro! – null concordou, devolvendo o cigarro para Mizzï.
Something in the way she moves
Attracts me like no other lover
Something in the way she woos me
Ao primeiro acorde da música, null posicionou suas mãos na cintura de null, enquanto ela envolvia o pescoço dele com seus braços. O rapaz colou seus corpos e também seus rostos, roçando os narizes num beijo de esquimó, balançando-se num ritmo lento e harmonioso.
I don't want to leave her now
You know I believe and how
- Não quero que você vá embora. – ele sussurrou, o hálito quente beijando o lábio de null.
- Eu também não quero, null! – respondeu no mesmo tom, roubando um selinho dele. O gesto aquecera o coração dele.
- Então vem morar em Amsterdã. – pediu, a voz manhosa e quase rouca soprando no ouvido de null.
- Você é louco... – null riu, balançando levemente a cabeça.
- Por você.
- null! – null aumentou um pouco o tom de voz, sempre repreensiva às declarações de null.
- Acha que as coisas vão ser a mesmas se eu ficasse por aqui?
- Fique e a gente irá saber...
null não respondeu, apenas dançou até que a música acabasse...
Somewhere, in her smile, she knows
That I don't need no other lover
Something in her style that shows me
I don't want to leave her now
You know I believe and how
You're asking me will my love grow
I don't know, I don't know
You stick around now it may show…
Assim que a música acabou, voltaram para o bar e Mizzï os esperavam com um sorriso nos lábios e dois copos nas mãos.
- Aqui, um pouco de cerveja para brindar o meu casal preferido no mundo.
null e null aceitaram de prontidão, mesmo que a forma tão explícita que a amiga falava sobre eles incomodasse null.
- Um brinde a nós. – null ergueu o copo.
- E a Mizzï, por sempre nos mimar. – null completou.
Os três viraram a cerveja em, praticamente, um gole só e riram.
- Bom... – null olhou o relógio no pulso. – Acho que temos que ir andando. A ponte deve estar bem iluminada agora e se não quisermos pegar trânsito, temos que ir.
- Verdade. Além de que temos que passar no mercado e comprar leite pro Gus! – null lembrou a null e ele assentiu. Miz concordou, dando um beijo e um abraço em cada um.
- Eu espero ser convidada para o casamento! – disse, finalizando a despedida.
- Você irá. – null riu e mandou um beijo no ar para ela.
- Que história é essa, null? – null lhe puxou pelo braço, sussurrando em seu ouvido.
- Relaxa, null...
A Ponte Blauwbrug era o lugar mais freqüentado naquela época do ano, inclusive pelos casais apaixonados. Os turistas não perdiam a oportunidade de aproveitar as belas luzes natalinas e a paisagem do local para fotografarem um romântico beijo. Já deveria ser o terceiro ou quarto que o casal null presenciava.
- Nós deveríamos tirar uma foto aqui também. – null propôs e null fez uma careta engraçada.
- Não sou mais turista pra fazer essas coisas... – ela deu de ombros.
- E desde quando precisa ser turista pra tirar uma foto? – a voz de null saiu falha devido ao frio, fazendo null se aproximar automaticamente para esquentá-lo.
- A gente já tem inúmeras fotos aqui, dá pra fazer um álbum só com fotos nessa ponte... – a garota se explicou e null arqueou uma sobrancelha, com uma expressão esperta.
- Mas eu tenho certeza de que não temos uma foto nos beijando!
null voltou o olhar para ele, apertando os olhos para ele.
- Diz que você não ta morrendo pra me beijar aqui. – null provocou, aproximando do rosto de null e sussurrando próximo ao seu lábio.
- Não estou. – a garota riu, tentando recuar, mas ele foi mais rápido e a abraçou pela cintura. Aproveitando da aproximação, null roçou seus lábios no dela, fazendo um arrepio subir pela espinha dela.
- Tem certeza? – continuou a provocação, mordendo o lábio inferior de null, finalizando um selinho leve. Ela fechou os olhos e, dispensando resposta, avançou nos lábios de null, beijando-o com vontade e ternura. Ele subiu as mãos até os cabelos da nuca dela, fazendo ali um carinho gostoso, enquanto null levava suas mãos até o rosto de null, passando o polegar em sua bochecha em movimentos circulares. O beijo foi lento, passional e intenso; Seus gostos já eram conhecidos, mas era como se a cada beijo conseguissem descobrir algo a mais de que gostavam um no outro.
null cortou o beijo, dando um selinho nos lábios e depois no nariz de null, mas sem se afastar dele. O rapaz abriu um sorriso apaixonado e roçou seus narizes num carinhoso gostoso.
- Vem morar em Amsterdã. – pediu, a voz baixinha e com aquele tom de criança pidonha que era irresistível para null.
No entanto, o pedido repentino lhe deixara sem chão. Seus pulmões ardiam e o ar era escasso ali naquela ponte.
- C-omo assim? – ouviu sua voz perguntando, mais firme do que esperava. null acariciou a bochecha de null.
- Vem morar aqui. Vem morar comigo!
null sabia que era loucura, mas era tão tentador e certo ouvir aquilo dos lábios de null..
- null, isso é muito sério... – null falou, agora tomando o rosto dele com suas mãos delicadas e fitando-o nos olhos. – Nas nossas condições, morar juntos significaria que...
- Exatamente, null! – null a cortou, alargando o sorriso. null franziu a testa, um expressão presa entre confusão e euforia.
- null...
- Deixa eu esclarecer pra você... – null soltou-a do abraço e se ajoelhou em frente a ela. null levou a mão até a boca, realmente surpresa. Àquela altura, as pessoas que estavam próximas ao casal pararam para observar a cena.
- null null, você aceita se casar comigo? – null propôs, recebendo vários suspiros apaixonados e um “oh” de surpresa de null. Os joelhos dela estavam prestes a ceder e, assim que null levou a mão até o bolso interno do casaco e tirou de lá uma caixinha azul marinho, soube que não iria se agüentar em pé. Muito menos conteria as lágrimas.
null abriu a caixinha, revelando um belíssimo anel de brilhantes. null não hesitou em puxá-lo para um beijo.
- Eu te amo, null null!
Definitivamente, null possuía uma nova e maravilhosa lembrança na Ponte Blauwbrug. A primeira de muitas...
Fim!
Nota da autora: Mais uma short feita com amor e carinho pra um especial <3 Espero que gostem do tema e não achem corrido (porque eu to achando) haha Digam o que acharam ali embaixo, ficarei feliz! :p
Lots of love,
Laura. xx