“Algumas mulheres acreditam que, para manter o interesse do cara, é preciso fazer jogo duro durante os dois primeiros encontros para só entregar o ouro no terceiro. Mas será que isso é válido nesse caso?”
– Você pode decidir – null respondeu, ajeitando a barra do vestido e se lembrando dos acontecimentos de mais cedo, enquanto passava para o null a responsabilidade de escolher o que iriam comer.
Fazia pouco mais de trinta minutos que havia chegado ao restaurante na companhia de null e, desde que colocou as pernas fora do carro, percebeu que deveria ter escutado o conselho de null de vestir uma calça ao invés do de null e null.
Mas, afinal de contas, ela ao menos estava atraente, não estava? Ainda que mostrasse um pouco mais que o necessário das coxas e usasse um par de sandálias que a faziam ficar quase da altura de seu acompanhante – que, não por um acaso, estava maravilhoso.
null tinha os cabelos meticulosamente desarrumados naquela noite, usava uma colônia capaz de embriagá-la e jeans que delineavam o traseiro mais do que o aconselhável para a biomédica conseguir ser discreta nas olhadelas.
E ainda assim... Ainda assim o maldito conseguia soar como se estivesse terrivelmente casual demais para que a sanidade dela permanecesse intacta.
– null? null? – ele perguntava, estalando os dedos em frente ao rosto da morena.
Ela, então, percebendo que fazia papel de idiota, aprumou o corpo na cadeira e tratou de focar a atenção no que acontecia.
– Foi mal, viajei aqui – acabou se obrigando a confessar, e viu quando um sorriso tristonho se formou nos lábios dele.
– Se você estiver me achando um chato, eu posso levá-la embora – o null sugeriu, ainda que soasse relutante demais com a idéia que se obrigou a propor.
– Não! – null se descontrolou por um segundo, e então pigarreou para que a voz voltasse ao normal. – Não, eu estou me divertindo. É só que...
– Só que...? – null estimulou, esperando que ela continuasse.
– É só que estou me sentindo uma completa palhaça com esse vestido curto demais e saltos gigantescos.
Ele riu, mais por alívio do que por realmente achar graça da situação.
– Deixe-me adivinhar... Isso é obra da null e da null?
– Bingo! – a garota suspirou, feliz por saber que, como amigo de suas amigas, ele provavelmente conhecia bem o jeito ora destrambelhado, ora controlador das duas garotas.
– Não te culpo, sofremos do mesmo mal para falar a verdade. Deixei que null e null me ajudassem com as coisas essa noite.
– Eles escolheram o que você iria vestir também? – ela riu escorando o rosto na mão, já mais confortável com a situação.
– Eu não pareço um rapper ou um cafetão, pareço? – o null apontou para si mesmo, e null negou aos risos. – Eles só me orientaram quanto ao restaurante que iríamos jantar, porque eu queria que fosse... Especial.
Naquele momento, o coração da morena palpitou como o de uma menininha, e ela só percebeu que sua mão estava suando quando o próprio null a tomou em cima da mesa, e o contato da pele dele contra a dela a fez reconhecer a própria situação. E embora soubesse que ele havia percebido o fato, viu-se envolvida pelo cavalheirismo do garoto de olhos azuis que não fez qualquer menção a esse pequeno ocorrido além de sorrir de forma doce.
O ambiente do restaurante era extremamente agradável, ainda que não soasse perfeitamente como os dois. Luzes baixas, decoração com detalhes talhados em madeira e algumas flores sempre em tons claros envolvidas em pequenas trepadeiras aqui e ali.
Na noite em que haviam se conhecido, em uma festa badalada em uma casa noturna da cidade, null conversava com null e null, quando o null gritou em seu ouvido de um jeito brincalhão, achando que se tratava de null. As duas tinham quase a mesma altura e os cabelos igualmente escuros.
E, além disso, e ainda em defesa dele, a iluminação do ambiente não era lá essas maravilhas. De forma que enquanto as amigas gargalhavam da situação, null tentava explicar o mal entendido para a desconhecida a qualquer custo, amolando-a o restante do evento.
Não que null achasse aquilo ruim. Afinal, passado o sobressalto inicial, um calor a arrebatou com a visão jovial daquele homem com jeito de menino, engraçado, desconcertado e somente alguns poucos anos mais novo do que ela.
Conversaram sobre as próprias vidas. Ele fazia piadas sem graça e ela ria, porque as expressões que tingiam o rosto dele ao contar o que quer que fosse, eram bem engraçadas. null descobriu a cor favorita dela, e ela, o filme que ele mais gostava. Falaram sobre as ambições, os anseios e até mesmo sobre nada em específico. E embora não estivessem pensando a respeito disso no momento, era evidente que tinham bastante sintonia.
Quando ela já estava indo embora, resolveu pegar o número dele e, não muitas mensagens trocadas depois, saíram para ver um filme novo em um dos vários cinemas do centro, para então terminar o fim da tarde trocando beijos com gosto de refrigerante, cheeseburguer e batatinhas fritas perto do drive-thru da lanchonete que haviam comprado toda aquela porcaria.
Mas isso tinha sido somente o primeiro encontro e, quando saiu com null e null depois do trabalho no dia seguinte, as duas se entreolharam com um olhar especulativo e ligaram uma chamada com null no Facetime ao mesmo tempo em que se esforçavam para arrancar todos os detalhes de null.
– Mais duas vezes vendo nosso amiguinho e você irá finalmente mostrar o playground e chamá-lo para brincar – null, que namorava null, disse chacoalhando as sobrancelhas de forma engraçada e fazendo null gargalhar, enquanto null balançava a cabeça negativamente.
– Ainda existe isso de regra dos três encontros? – null perguntou, e seu estômago pareceu dar um giro no espaço.
Depois de um namoro de quase cinco anos com um cara chamado null, a biomédica ainda se sentia um pouco insegura com essa coisa toda de ter que voltar a sair com outros homens.
null deveria ser apenas o quarto da lista pós-termino, e de longe era o mais agradável de todos.
Não que ela tivesse chegado aos "finalmentes" com algum dos outros três, mas a ideia de fazer qualquer coisa da forma errada, em específico com o amigo de suas amigas, a incomodava mais do que deveria.
Ele era mais novo. E se ela não se adequasse? E se ela não soasse tão experiente quanto deveria? Por Deus, além do ex-namorado só havia tido outro cara em sua cama, e isso nos tempos do colégio.
– Isso é pura bobagem, null – foi null quem a tranquilizou. – Eu e o Michael saímos um montão de vezes antes de rolar alguma coisa. E olhe que nem chegamos a namorar.
null concordou em um pequeno momento de solidariedade.
– Comigo e com o null também demorou um pouquinho, null. Mas acho que, no nosso caso, foi só porque ele é um lerdo mesmo. A null é o único orgulho desse grupo, porque já no segundo encontro enlaçou o null e montou nele como se...
– Acho que ela já entendeu o recado, null. – null interveio, e null gargalhou disposta a dar mais detalhes para a amiga se ela quisesse.
Depois daquela conversa toda com as meninas, null começou a ficar um pouco paranóica e mais distante de null – já deixava que apenas ele a chamasse para bater papo na madrugada, e também evitava as ligações que fossem no FaceTime. E percebendo a estranheza aparentemente sem sentido dela, o null resolveu surpreendê-la em um dia aleatório ao final do expediente.
A biomédica estava saindo do centro de pesquisa que trabalhava, quando ouviu um assovio e viu seu homem-cara-de-menino parado em frente a um carro ao se virar. Ele fez um sinal para que ela entrasse no veículo e não houve qualquer recusa. Até porque, especialmente naquele dia cansativo, tudo o que null mais queria era poder espairecer.
E ela nunca seria capaz de negar, mesmo em tão pouco tempo, que null era a pessoa perfeita para ajudá-la nisso.
O segundo encontro começou em um pub não muito longe de onde eles estavam. O null conhecia o dono, e havia pedido para que ele guardasse a mesa mais afastada para que os dois pudessem ter alguma privacidade.
Ele segurou na mão de null como havia feito há pouco no restaurante, e então deixou que ela falasse sobre todas as coisas que a perturbavam.
Obviamente a biomédica ocultou tudo o que estivesse relacionado a ele. Mas ainda assim... Não é preciso ser qualquer tipo de gênio para saber como tudo isso acabou terminando, não é?
O hálito dos dois era quente e tinha o cheiro de cerveja, e eles estavam dando amassos no banco de trás do carro como dois adolescentes.
Ao menos, é claro, até o telefone dele tocar, indicando que ele ainda tinha algumas coisas pendentes do trabalho para resolver.
E então um null frustrado teve de deixar null em casa.
Mas não sem antes prometer um terceiro encontro que soasse com a grandiosidade apropriada.
Grandiosidade apropriada... Para ela aquela era uma forma educada de dizer que os dois terminariam a noite na casa do null.
E bem, a ideia não parecia incomodar null ou null, já que dois dias depois as duas arrastaram a amiga para uma loja de lingeries no horário de almoço, arrancando até mesmo null do serviço para ir junto.
– Vermelha. Definitivamente.
– Vermelha o caralho, null! A null não é piranha assim para chegar causando na primeira vez dos dois. Que tal preta? – null argumentou, segurando o cabide em que a peça a que se referia estava.
– E ela é o que então, a viúva negra? – a quase loira colocou as mãos na cintura, rebatendo de volta. – O que você acha, null?
null olhou das duas amigas para null, e de null para as duas amigas.
– Hmmm... Branca?
null e null dispararam a rir.
– Pelo amor de Deus, não é como se eles já fossem se casar. E a null não é "piriguete", mas não tem toda essa cara de santa não! – null acusou e null concordou.
– Tanto faz Tweedledee e Tweedledum¹, só se lembrem de que estamos usando o nosso horário de almoço para isso.
null pigarreou, pela primeira vez chamando a atenção das amigas somente para si.
– Vocês sabem que podem pedir a minha opinião para isso, não sabem?
Um pequeno momento de silêncio se estendeu, mas null o quebrou, se manifestando para concordar com null:
– Você está certa, Tweedledee. Definitivamente tem que ser vermelha.
Em um suspiro, a biomédica se pegou piscando algumas vezes para sair de novo daquele novo transe.
Onde estava com a cabeça quando se deixou levar por aquela dupla de malucas?
– Sabe, você está bem aérea hoje. – null comentou, dando uma garfada em sua comida. Era bom. Como não conhecia muito da culinária italiana além de pizza e macarrão, se ateve a seguir as recomendações de null na hora de fazer o pedido. – Nem tocou na sua comida.
– Me desculpe, problemas demais no trabalho. Acho que não estou sendo a melhor companhia hoje – ela mentiu e sorriu timidamente, o fitando para logo depois passar a encarar a própria comida. Nem havia percebido que já tinham os servido até vê-lo mastigando algo.
– Você é a melhor companhia sempre, null. Mas algo me diz que isso talvez possa ter alguma relação com certa... regra do terceiro encontro.
A biomédica havia acabado de encher a boca com um pouco da deliciosa massa. E embora o sabor estivesse maravilhoso, acabou se engasgando com a declaração de seu acompanhante. null riu suavemente.
Ela levou as mãos na direção das bochechas coradas, tentando esconder a face com as palmas. E por um momento, se sentiu como uma criança.
– Quem te contou?
– Pesquei uma conversa entre o null e a null outro dia quando eles acharam que eu estava na sala com a null e o null. Depois disso, os dois acabaram me contando todo o lance com o seu ex. Eu não quero ser invasivo, me desculpe se...
Mas null o cortou.
– Tá tudo bem, null.
E naquele momento ela reconheceu a verdade das próprias palavras.
Quer dizer, na época não havia sido fácil para a morena chegar em casa e pegar null na cama deles com outra. Mas depois que a poeira baixou... Depois que ela se deu o tempo necessário para respirar um pouco sozinha e, depois que, principalmente, colocou os olhos sobre null, foi como se algo entrasse nos eixos de novo. Ou pela primeira vez. Ou finalmente, da maneira certa.
null sorriu e uma sensação morna a aqueceu por dentro diante da constatação. E a partir dali, não demorou muito para que os dois embarcassem em alguma conversa maluca e divertida enquanto se deliciavam com a culinária maravilhosa e bebiam mais e mais vinho.
Além disso, null havia feito questão de enfatizar entre linhas que jamais iria forçá-la a qualquer coisa. E até acrescentou que ela não deveria ouvir muito o quê null ou null diziam, porque apesar de serem ótimas amigas e se preocuparem, obviamente não batiam muito bem das idéias. Bônus!
No final das contas, não havia neura, vestido curto e salto alto, lingerie vermelha, ex-namorado imbecil, insegurança, amigas falastronas, experiência demais ou de menos ou qualquer outra baboseira que a separasse do que ela realmente queria.
Porque quando beijou null mais tarde, enquanto os dois caminhavam no estacionamento, ah, ela não soube... Ela apenas teve uma confirmação que deveria ser chamada de divina.
E só para deixar registrado, tudo o que rolou depois foi no apartamento dela. E mais uma coisa eu posso garantir: não foi preciso de nenhuma regra do terceiro encontro influenciando nisso.
– Vermelho... Minha nova cor favorita. – null sorriu, abraçando o corpo de null novamente embaixo do lençol de linho branco.
Lá fora, o sol já começava a nascer. Mas nem mesmo aquela dorzinha de cabeça lhe insinuando uma pequena ressaca que estava para vir seria capaz de retirar o sorriso que ela agora tinha estampado no rosto.
Bem, talvez Tweedledee e Tweedledum soubessem de alguma coisa, afinal de contas.
FIM
¹ Tweedledee e Tweedledum são personagens fictícios do livro de Lewis Carroll “Through the Looking Glass”. Seus nomes originais podem ter vindo originalmente de um epigrama escrito pelo poeta João Byrom. Eles concordam com tudo entre si, como duas das melhores amigas fazem nas situações em que se encontram presentes.
Nota da autora (14/01): E aí, gostaram? A personagem é uma biomédica porque essa short, na verdade, foi presente de amigo oculto que fiz para uma amiga minha (e eu quis preservar esse detalhe). Se o retorno for positivo, tentarei escrever mais algumas para vocês! Ah, e fica aí o meu twitter para quem quiser bater um papinho e comentar mais sobre #ardte @karaheyoh