Mais uma noite fria. Mais uma vez todos aqueles ventos fortes me lembravam ela. Todos os momentos que passamos. Tudo. Eu sabia que não era à toa. Mas quem sou eu para descobrir que o nosso destino não era ficar junto? Quem?
Eu só queria poder reencontrá-la.

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O que eu estava fazendo ali, dentro daquele carro? Ele me olhava da sacada com um olhar tão frio como todas as noites que passamos juntos no jardim que nós havíamos achado. O nosso jardim. Que tinha todos os nossos sonhos. Tudo que planejamos passar juntos. O nosso futuro.
Mas ali, dentro daquele carro, eu pude perceber que não era pra ser assim. Eu sentia que quando meu pai ligasse o carro, eu abriria uma torneira e todas as novas conversas escorreriam. Pois sim, eu não queria lembrar. Eu não suportaria ficar longe dele. Não dele.
Quem foi o meu melhor amigo, quem me ajudou, quem me acolheu. Foi ele. Ele que escutou todos os meus segredos. E era exatamente isso que eu apertava cada vez mais no peito. Os segredos. Ele virou um deles.

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Mais uma vez. As noites frias voltaram. O inverno se aproximava, e eu sabia que teria de suportar aquela dor.
Remexi-me na cama e abri a gaveta do criado mudo ao meu lado esquerdo. Estava de bruços e não consegui sustentar minha cabeça no ar. Tive de me sentar pra ler aquele papel que havia acabado de pegar. E que eu já não sabia pra que eles serviam a não ser causar mais lembranças. Mais dor.

“You tell me all the things you do
Tell me that it’s hard to you
Crying in the peaceful night
Telling all the things you hide”


Eu realmente devia estar bêbado para ter tirado uma cópia disso. E também na hora que eu entreguei isso a ela. Ela merecia muito mais.
E eu prometi que eu nunca mais seria tão cretino a ponto de cometer o mesmo erro do meu último relacionamento. Mas como um péssimo pagador de promessas, eu fiz. “Sem sentimentos, sem música.” Eu sabia que aquilo não daria certo.

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Passei mais um dia inteiro pensando nele. Nem aquelas aulas me faziam esquecer ele. Lembrar em como ele gostava de me contar sobre suas idas a todos os estados do nosso país, de todas as viagens... A geografia me fazia lembrar muito bem disso. Bem até demais.
Estava rabiscando em um papel, quando percebi que não era a folha de meu caderno. Estava em branco. Até eu virá-lo. Ali estava. A música que ele tinha me dado. Queria pelo menos tê-la escutado em sua voz. Aquela que cantava em meu ouvido as minhas músicas preferidas, junto com seus braços em volta do meu corpo, esquentando-me, e que me faziam dormir naquele sereno gostoso nos outubros em que passamos juntos.
Foi eu fechar os olhos e abrir um sorriso lembrando-se disso que o sinal estridente tocou. Meu humor foi pros meus pés. E de repente eu já não estava tão feliz lembrando daquilo.
Na volta pra casa, eu só conseguia me lembrar do seu sorriso. E de todas as variações dele. Eu nunca me acostumaria a tê-lo apenas na memória. Toquei meus lábios e pude sentir tudo que eu já havia sentido quando as nossas bocas se tocavam. Aquele choque. Sempre naquele clima frio. Que se contrastava com a temperatura de nossos corpos que só subiam.
Abri os olhos a tempo de ver um poste a minha frente, e parar. Já não aguentava. Segui com pressa até a casa, com uma ideia em mente.

“But I think in the future
Maybe all the rainbows
There’s no song without love
With your eyes shut you cry in your bed”


Se ele me deu aquela música com a intenção de me machucar, seu desejo não foi realizado. Mais vale uma música como presente, do que mais um ferimento. Disso eu já tinha o suficiente.

x


“Is that what you wanted?
Songs about love?
Is that what you hoped you would find?
When it’s burning inside
But a song about love’s not enough”


Andava na rua com minhas mãos no bolso, minha voz ecoando, com aquela maldita música na minha cabeça. Eu não acreditava que completaria dois anos. Dois anos.
O quanto ela teria mudado? Seus cabelos continuariam com aquele perfume que ainda me atormentava? E sua pele, tão gelada quanto a minha? Eu não suportaria mais um ano. Eu precisava encontrá-la.
Será que ela havia se esquecido de mim? Pois eu pensava nela todas as noites. Eu podia beijar qualquer outra boca, mas eu lembraria o gosto da sua. Eu podia ver profundidade em qualquer outro olhar, mas era o dela que me deixava extasiado.
Mais a frente, um bar. Meninas de todos os tipos. Mais novas que eu, como sempre. Sorriam-me travessas, com más intenções. A claridade me fazia enxergar seus lados escuros. Ela não tinha um lado escuro. Sua ingenuidade era tamanha perfeição. Beirava o absurdo.
Quanto mais eu queria esquecê-la, mais eu me lembrava dela.

x


Atormentava-me o sonho. De um lado, ele. Do outro, eles. Como se numa balança, todos os garotos daqueles dois anos e meio de tristeza, nunca fossem compensar o que eu vivi com ele. Porque ele nunca saia da minha cabeça? Eu devia ter superado. Eu devia ter jogado aquela música fora.
Estive errada ao pensar que sua intenção não contava quando me a deu. Doía ao pensar que ele quis me ferir. Doía pensar que eu não fui capaz de perceber o quanto eu sofri. Doía tanto que eu preferia não lembrar.
Depois daquilo, levantei-me, suada, e pude escutar minha voz cantando baixinho.

“So what are you up for?
What are you needing?
Songs about memories that hide
And then shatter your mind
Like a constant reminder
I just want to find where you are”


Não, eu não queria me esquecer. Eu queria ele. Queria vê-lo. Abraçá-lo. E não suportaria mais nenhum tempo.
Eu só pedia, implorava, para não vê-lo com outra. Para não encontrá-lo. Para que ele não estivesse tão mal quanto eu.
Mas a verdade era que eu já não sabia de nada. Minha vontade era de sair correndo. Deixar tudo que construí naquela cidade para trás. Nada mais importava. Apenas ele.

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Foi ali, naquela noite de natal, que completava três anos. Eu não sei como sobrevivi aquele ano. Minha mãe, minhas tias, comentavam o quanto emagreci. Mas elas não se lembravam do motivo. Ninguém mais lembrava. Apenas eu.
Comia quieto, com meus pensamentos. Percebi o quanto mudei. O quanto ela me fez mudar. Amargurado, talvez. Meu sorriso nunca foi tão faltoso. E quando alguém percebia sua falta, falava “Ponha um sorriso nesse rosto! Você não sabe o quanto fica bonito com ele”. E você não sabe nada da minha vida. Era o que pensava.
Subi para meu quarto, e peguei meu violão. Mal pensei no que tocar e os primeiros acordes da minha música pra ela começaram a ser tocados. Meus dedos mais uma vez foram mais ágeis que meus pensamentos.

“Hold you and your eyes fall down
You barely even make a sound
Crying in the peaceful night
Showing all the things you hide”

Me entristecia mas ao mesmo tempo me fazia bem. Lembra-la já não era tão ruim. Era como se fosse a melhor parte da minha vida. A que eu daria tudo pra reviver.

x


Quanto mais perto chegava o ano novo, mais meu espírito renascia. Mas por quê? De toda aquela sombra que eu vivi aqueles três anos, só agora eu iria dar felicidade a mim? O que tinha de errado comigo?
Sai de casa com essa impressão, e quando cheguei em frente ao centro comercial da minha cidade, notei que nada daquilo combinava comigo. Eu queria a minha vida de volta. Mas, ao mesmo tempo, queria seguir em frente. Eu poderia estar confusa mas nada esteve tão claro para mim quanto aquela ideia que brotava em minha mente.
Peguei meu iPod e coloquei o fone no meu ouvido. Coloquei no shuffle e escutei minha voz. Como se num apagão, meus olhos se fecharam e me lembrei de quando havia me gravado cantando a música. Foi de primeira. Sem nada no fundo. A não ser o barulho da chuva. E, parecidas com elas, algo saia dos meus olhos.
Escutei ávida e senti um arrepio ao sentir o tremor da minha voz na gravação.

“But out there in the future
Maybe are the rainbows
There’s no song without love
With your eyes shut you cry in your bed”


x


Passado uma semana de ano novo, eu estava vivo. Completamente. Conseguia conviver com a ideia de que havia outras até melhores que ela. Nada é tão bom que não possa ser substituído.
Andava calmo na rua, podia ver as nuvens se afastando. Um sorriso se manifestou, e eu me senti feliz. Como não me sentia em anos. Esperava chegar em casa a tempo de pegar meu violão e aproveitar aquele tempo novo que estava aparecendo.
Desprendi-o do suporte e fui pra escada de mármore que havia do lado da minha casa, de onde eu podia ver ainda o céu, e não só as nuvens. Comecei a dedilhar e lembrar-me das músicas que meu pai havia me ensinado. Lembrei o quanto ele influenciou na minha vida. O quanto ele e minha mãe foram importantes na minha formação. E que eles estavam apenas no fim da rua, onde eles acharam que seria melhor sua estadia. Num asilo. Não lembrava que eles haviam envelhecido tão cedo. Talvez ocupei demais meus pensamentos com outras coisas.
Seguiu-se aquela tarde e eu toquei todas as músicas possíveis. Menos a dela.

x


Era bom estar de volta. Melhor ainda foi ver todos os meus parentes juntos, me passando aquela vontade de viver. Como eu sentia falta dos abraços quentinhos de minha vó. Com seus bolos e comes e bebes numa mesa.
Comi feliz, como fazia quando criança. E gargalhei. Quanto tempo que eu não fazia isso. Meus primos haviam crescido, e eu estava feliz por eles. Haviam poucas crianças na família, mas elas alegravam o lugar.
“Vá passear um pouco. Você tem que ver o quanto Tuilhonwyt mudou”. Minhas tias apoiaram o que minha vó dissera e pegaram seus filhos para ir com elas. Minha mãe havia ficado na cidade vizinha, por isso fui sozinha.
Vê-las com eles me deixou num clima nostálgico. Mas não por tanto tempo. Ver o quanto a cidade havia mudado, mas ao mesmo tempo estava igual, me despertou a vontade de ir num lugar que eu achava que não deveria ir, mas acabei indo. A curiosidade fora mais forte.
O jardim continuava o mesmo. Mas agora flores estavam ali. E de contraste com todos os arbustos verdes, havia um céu. Azul. Como nunca estivera. E bem lá no fundo, de plano de fundo, chovia. E foi quando eu vi. Um arco íris. E um sorriso surgiu em meu rosto.
Meus pés me guiaram a um caminho de volta. E foi ali que eu ouvi. Uma voz ao fundo, cantando. Adorava as festividades que tinham por ali. Quanto mais andava, menos pessoas apareciam. E a noite começou a surgir. Apressei meu passo. Chegava perto da voz cada vez mais, e fiquei curiosa. Maldita curiosidade. Queria eu que fosse uma festa, com pessoas dançando, gente sorrindo, alegria vibrando. Mas não. Era ele.
Ele, que agoniou toda minha vida. Que acabou e também construiu. Meu coração pulou. Não pude evitar. Meu sorriso realçou e meus pés correram. No primeiro degrau eu o vi. Nossos olhares se cruzaram. E foi aí que tudo começou. De novo.

x


O que ela fazia ali? Ou estaria eu vendo coisas? Minhas mente me pregava peças?
Não, diz que ela não falou meu nome. Diz que tudo isso é um sonho e que irei acordar agora. Então porque continuo ouvindo passos em minha direção? Abri os olhos e a vi. Mais bela como nunca.
Parei de cantar, e quando vi, ela havia sentado do meu lado. Deve ter desistido de me chamar. Senti seu braço perto do meu. Agora eles estavam quentes. Como o meu corpo. Vê-la foi como voltar no tempo, e ao mesmo tempo realizar um sonho. O que eu ainda acreditava que era mentira. Sonhei tanto tempo com isso, que pensei que nunca iria acontecer assim. Muito menos dessa maneira.
Meus braços a abraçaram, e senti que toda aquela calmaria era pra ela. Meu corpo se desmanchou. Peguei meu violão novamente e com nossos olhos ligados, cantei finalmente pra ela. A música sobre meu amor.

“Is that what you wanted?
Songs about love?
Is that what you hoped you would find?
When it’s burning inside
But a song about love’s not enough
So what are you up for?
What are you needing?
Songs about memories that hide
And then shatter your mind
Like a constant reminder
I just want to find where you are”



Fim.



Nota da autora: Oi, pessoal! Tudo bom? Minha segunda fanfic (definitiva) aqui no FFObs e estou muito feliz que... Consegui! Consegui me encontrar e finalmente estou seguindo o que acho que pode ser meu destino. Resolvi brincar de shortfics e estou me dando melhor nisso. Essa primeira fic foi baseada na música do Jake Bugg, A song about love, que vocês podem ou não conhecer (recomendo!) Peço desculpas por não ser interativa, pois sei que a vontade geral é ler uma fanfic com seu próprio nome. Inicialmente seria, porém tomou outro rumo. Em suma, espero que tenham gostado, e que comentem bastante. Quero saber se gostaram e se não, o que mudariam. Beijos, de uma autora iniciante :-)

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