mundo, em que eu nunca pudesse encontrá-la. E há alguns anos deixei de tentar, afinal, ela foi embora porque quis. O mais próximo que tive de família desde então foi o meu tio Tom, ele mandava-me cartas todos os meses, contando algo sobre o lugar onde vivia, um lugar onde minhas cartas nunca chegavam. Um lugar que já deixara de existir segundo muitos mapas, um lugar chamado Graceland, onde a música comanda. E isso era tudo o que eu sabia, a musicalidade daquele lugar, mas no fundo sempre esperei algo mais... Um mistério que eu precisaria viver lá para conhecer.
Outra coisa que me intrigava sobre aquele lugar é que eu nunca recebi sequer um telefonema. E nunca achei meu tio, ou Joe, em nenhuma rede social. Era como se aquele lugar fosse isolado do resto do mundo. Eu não sei... Talvez seja apenas mais uma invenção da minha cabeça. Não me culparia... Este lugar é entediante, sempre seguimos a mesma rotina: Acordamos, rezamos, estudamos, almoçamos, cantamos na capela, temos aulas de dança clássica e para encerrar o grandioso jantar. Isso foi tudo o que fiz durante todos esses anos.
A carta que eu segurava em mãos, não era apenas mais uma que eu guardaria na gaveta, porque mesmo se tentasse não conseguiria responder, ele estava dando o meu passaporte para a tão sonhada felicidade, Graceland. Nunca estive tão feliz e nervosa, nunca senti algo sequer parecido com o que estava sentindo. “Como vai, ?
Não pense que esqueci de você, broto. Sei como é difícil comunicar-se comigo. Acredito que possa desculpar a minha ausência, eu estava providenciando uma passagem para Londres, sim, broto eu estou indo te ver. Ver não, buscar você. Após uma longa briga judicial, finalmente sou o responsável por você. Imagino que tenha planos e sonhos, mas deixo avisado que vir para Graceland, é praticamente como aceitar ser aprisionado, sair daqui é muito difícil, não será assim por mais tantos anos. Se aceitar morar comigo, terá que se adaptar a cidade e viver sob suas regras, mas prometo que irá gostar. É um lugar incrível. Em poucos anos todos saberão sobre nós, mas até lá este continua sendo o nosso segredo. Sei que prometi contar mais uma de minhas aventuras, mas acho que teremos muito tempo para isso.
Com carinho, Tom.”
...
Eu segurava as malas, aquele lugar era atípico, nunca vi nada igual. Poderia jurar ter sido transportada para os anos 50. Meu tio desceu do ônibus, seus cabelos castanhos compridos esvoaçavam e seus olhos azuis cintilavam.
- Welcome to Graceland! – Ele gritou de braços abertos. Segundos antes eu me sentia como um cego em meio a um tiroteio, não sabia o que esperar daquele lugar. Mas era melhor do que qualquer coisa que eu pudesse imaginar, toda uma cidade com um ar vintage incrível. As pessoas vestiam-se como se vivessem nos anos 50. Era tudo tão diferente de tudo que eu poderia ver. As barbearias eram idênticas àquelas de desenhos. Era tudo tão distante. Eu me senti perdida, desnorteada, eram tantas informações. Aquilo me parecia um set de filme, eu não sei.
- Tio... Que lugar é esse? – Perguntei um pouco desconfiada. – Ele é tão... Estranho.
- Acredite se quiser, broto, estranha aqui é você. – Meu tio falou e logo soltou uma gargalhada. E foi aí que percebi que todos me olhavam como se eu fosse alguma aberração, mas os olhares não se direcionavam ao tio Tom em nenhum momento.
Então meu tio parou à frente de um Ford V-8 Thunderbird, uma velharia. E por incrível que pareça, era normal ali, todos os outros carros seguiam a mesma linha antiga, mas não como os de colecionador decorados e de cores vibrantes. Meu tio entrou no carro branco e eu o acompanhei, jogando as malas no banco de trás, com medo do que aconteceria se eu tentasse abrir o porta-malas. Pelo que eu entendia de carros, o que não era pouco já que eu fazia alguns bicos na mecânica do David sempre que possível, o carro apesar de um modelo antigo não havia rodado muito.
- Hm... Você tem esse aqui há quanto tempo? – Perguntei ao meu tio referindo-me ao Ford.
- O quê? – Ele perguntou e eu bati no painel do carro, talvez ele entendesse. – Ah, sim, essa belezura! Comprei não faz nem seis meses. Linda não?
- Uhum... Você pretende reformar ele? – Perguntei como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
- Reformar? Você está louca, menina? A Betty está com tudo em cima. – Ok! Isso estava ficando estranho. Acredite se quiser, este lugar realmente era pura música, o rádio não estava ligado e por isso pude perceber que muitos artistas de rua tocavam ao lado de fora e vez ou outra passávamos por uma lanchonete com a música super alta. Voltando a resposta de meu tio, quem é Betty?
- Betty? – Perguntei arqueando as sobrancelhas.
- Sim, o carro. – Ele respondeu simplesmente, como se dissesse a coisa mais normal do mundo.
- Você coleciona? – Sim, eu já ouvi o ditado “Errar é humano, mas persistir no erro é burrice.”, mas eu precisava entender o que estava acontecendo, não é a coisa mais normal do mundo você pegar um ônibus e voltar para os anos 50 do nada. – Carros antigos? – Conclui já que ele não me respondeu.
- Antigo? Isso aqui é o lançamento do ano, mal chegou às lojas. – Eu o olhei incrédula.
- Ok, tio! Você poderia me explicar o que está acontecendo aqui? – Disse irritada e ele deu uma tragada em seu cigarro e continuou dirigindo, ignorando a minha pergunta. – TIO TOM!
- Certo... Você lembra o que te contei sobre a terra dos sussurros? – Eu assenti com a cabeça, lembrando-me de uma das histórias de meu tio, mais uma entre tantas. Inicialmente ele me contava fábulas e inventava aventuras, mas conforme fui crescendo ele passou a contar-me sobre seus amores, suas galinhagens, suas armações, eu sabia de tudo sobre ele, ou era isso que eu pensava até chegar aqui. – Quanto menos se sabe, mais seguro se está. – Ele falou depois de algum tempo e foi neste momento que eu percebi que isso tudo era muito maior do que eu imaginava.
Nós chegamos a casa, em uma parte afastada da cidade, era ao mesmo tempo bonita e confortável, não como uma mansão, mas com certeza digna de alguém em boas condições. Com um jardim à frente. Logo pude ver aquele que deduzi ser Joe, meu primo. O garoto era alto, possuía belos olhos azuis, como os do pai e os mesmos cabelos castanhos. Ele era lindo, ainda mais com aquele belo sorriso que estampava em seu rosto.
- Uau! O senhor não me avisou que Brigitte Bardot viria nos visitar. – Ele comentou sorrindo. – Ela é linda, pai.
- Oi, Joe! – Falei pulando em seu pescoço, sei que pode parecer estranho, mas eu conhecia aquela família, independente de nunca tê-los visto ou ter tido algum contato quando mais nova, o simples fato de ler tanto sobre eles, já me fazia conhece-los e amá-los.
- Vai com calma, princesa... – Eu dei um beijo em seu pescoço, e ele sorriu. – Não faz isso comigo... Eu não posso me apaixonar pela minha priminha. – Ele falou com uma cara doída e eu ri. – Se eu soubesse que você era tão bonitinha não deixava meu pai te contar meus podres. – Ele concluiu e eu gargalhei.
- Você estava louco para me conhecer, fala sério! – Falei dando um tapinha em seu ombro.
- Eu não... Achava que você era uma baranga. – Ele falou e eu forcei uma cara de mágoa. Ele tinha todo um ar rebelde, com a jaqueta de couro, seus cabelos eram bagunçados o que o deixava ainda mais sexy.
- Os dois podem me ajudar com as malas, ou a paquera está boa? – Eu fiz uma careta para o meu tio e meu primo prontificou-se a ajudar o homem.
Entramos pela casa, um tanto ajeitada para dois homens solteiros. Vi em um retrato uma foto de minha tia Hannah, com as roupas de Marilyn Monroe em o pecado mora ao lado. Toda a decoração era retrô, inclusive a linda vitrola, ou como eu mesma chamaria o toca-discos. Inclusive a geladeira me parecia velha. Joe me levou até o segundo andar do sobrado. A escada de madeira dava para um corredor onde um lustre simples iluminava as quatro portas.
- Bem, este é o seu quarto, priminha. – O quarto estava cheio de poeira, como se fosse intocável há anos. Após largar minhas malas próximo ao armário, ele pulou na cama de casal e eu o acompanhei. Ambos começamos a tossir com a quantidade de poeira que foi levantada. – Talvez... Você precise de ajuda com isso daqui. – Ele falou com uma careta divertida. Então ele se levantou e estendeu-me a mão.
- Venha, vou te mostrar o quarto luxo deste apartamento. – Joe falou cômico. Assim que me levantei ele enroscou meu braço ao dele e seguimos assim até a porta dos fundos. – Bem-vinda ao paraíso, minha querida. – Ele falou como os apresentadores de circo. Ele mordia o lábio inferior e eu o observava, a decoração do quarto dele era repleta de pôsteres pin-up, com as beldades da época.
- Seu quarto é muito... Interessante. – Falei simplesmente e ele riu, um pouco envergonhado.
- Ah... Podemos dar um jeito nisso. Ele falou olhando para um, onde uma menina da Coca-Cola estava com um daqueles vestidos brancos com bolinhas pretas e deixava parte de seu bumbum à mostra.
- Relaxa, priminho, não vou contar seus segredos eróticos para ninguém. – Ele me olhou pasmo, como se eu acabara de falar o maior palavrão da história. - Ah, fala sério que aqui isso ainda é... Algo tão errado. – Joe gargalhava.
- Meu Deus! Preciso visitar o lugar de onde veio, uma menina falar isso... Uau... – Ele falava pausadamente entre seus risos. Machismo, tudo que eu precisava depois de anos em um internato só com mulheres.
- Realmente, acho que não vejo homens há muito tempo. – Comentei e ele me olhou sacana.
- Talvez, você não saia há muito tempo... – Ele sorriu. – Ah, vamos, se troque, te espero aqui, aliás você pode ficar aqui enquanto... Damos um jeito naquele negócio que meu tio chama de cômodo.
Coloquei um short jeans, que eu não usava há anos devido às regras do internato, um top e uma camisa xadrez vermelha a qual fechei o último botão na altura de minha cintura. Amarrei uma fita vermelha em meus cabelos e desci. Assim que coloquei os pés no andar de baixo pude ver meu primo boquiaberto e meu tio com uma expressão séria. Talvez, eu tenha perdido o senso de moda naquele lugar, eu estava muito... Country, roqueira? Ah, não sei.
- Não gostaram? – Perguntei confusa.
- Mas que pedacinho de mal caminho em... – Joe falou sentado no balcão da cozinha após dar uma golada na coca, daquelas de vidro que eu não via há séculos.
- Você está linda, broto. – Meu tio falou. – Mas... É... Talvez aqui... As pessoas não se vistam assim.
- Não me culpe. Eu me inspirei no Joe. – Eu falei e meu tio sorriu.
- Vendo por esse lado, você está perfeita. Da próxima vez use algo mais feminino e menos... Ousado. – Ele falou e voltou a ler seu jornal. Então olhei para a televisão antiga que ruía.
- Vocês não usam TV de antena, usam? – Eu falei impressionada, o vício do meu tio estava me preocupando.
- Hm... Mas é claro que usamos... Porque usaríamos outra coisa? Isso aqui é revolucionário. – Não sei porque, mas não me convencia com as palavras de meu tio. Tinha certeza que ele me escondia algo, mas não precisava fingir que eu era uma idiota e não sabia sobre televisão em cores, internet...
- Prima, não sei de onde você veio. Mas deve ter vindo de outro mundo. Você é a mais gata que eu já vi e ainda tendo esse ar feminista. – Eu fui educada para ser uma mulher independente porém prendada (Eram esses os termos que eles usariam nos anos 50). – Sério... Você entende de carros, de antenas... É... incrível.
- Eu também não sei... – Conclui. Eu me sentia um extraterrestre naquele lugar, mas eu estava pronta para aceitar qualquer coisa, inclusive um tio louco, um primo gato e uma cidade completamente estranha.
Peguei uma coca na geladeira e comecei a tomar. Então seria assim daqui para frente. De certa forma as respostas viriam na hora ou outra.
- Psiu... Vamos a uma danceteria, broto. – Joe falou pulando do balcão. – Vai, não vou deixar a princesinha entediada em plena sexta à noite.
- Ah, eu estou cansada, Joe, podemos deixar isso para outro dia? – Ele me olhou inconformado.
- Vai deixa de ser quadrada. – Estava com um ponto de interrogação na testa e ele percebeu. – Careta... – Ele explicou divertido. – Por favor. – Ok, não dava para resistir ao beicinho do meu lindo primo.
- Desista, , esse meu filho é da fuzarca. – Eu juro que tentei entender essa frase, mas não entendi.
- Eu vou. – Falei com muito esforço.
Subi as escadas rapidamente passei o meu batom vermelho e coloquei uma bota preta de salto. Coloquei um par de brincos de argola e finalizei com rímel. Dei uma última olhada no espelho e desci.
- Pronta para matar? – Perguntei com a mão na cintura e os dois me olharam assustados. – Ah, qual é... Isso é tipo estou arrasando?
- Ah... Por um momento pensei que minha priminha era assassina. – Joe falou batendo em sua testa como se fosse burro. – Você está um arraso. – Ele falou no mesmo tom que eu. – Vou pegar as chaves, me espera lá fora? – Eu assenti com a cabeça.
Estava ao lado de fora encostada no muro branco. Ele demorou um pouco, mas valeu a pena esperar. Pegar as chaves não é? Pensei comigo mesma ao ver o garoto com um ar mais rebelde e mais arrumado. Ele me chamou e subimos na Harley 671, se estivéssemos em qualquer outro lugar do mundo as pessoas se matariam para ter uma dessas, era uma peça raríssima para colecionadores, mas a essa altura queria saber se aquele negócio andava.
- Uma Harley 671...
- Bacana, não? – Ele falou com orgulho.
- Super... – Acho que nos divertíamos um com o outro, não apenas pelo modo estranho de falar, mas por sermos tão parecidos e ao mesmo tempo tão diferentes. Era como se vivêssemos em duas épocas completamente distantes.
Subi na garupa da moto e ele sorriu, eu o apertava muito forte. Sim, já pulei o muro do internato, já fiz bicos como mecânica em um purgatório, ou quase isso, mas nunca andei de moto. E isso me soava perigoso.
- Se segura em... – O apertei ainda mais forte. Ele saiu o mais rápido que podia, senti meus cabelos ao vento e ao mesmo tempo que amava aquela sensação, eu estava morrendo de medo.
A cidade à noite era toda iluminada e ficava mais linda do que nunca. O que me parecia uma pacata cidade com cara de anos 50 agora me lembrava Vegas. Não que eu já tenha ido à Las Vegas, mas pelo que pesquisei sobre o lugar, seria algo parecido com Graceland agora. O meu primo dirigia como um louco, mas eu não me importava, sabia que se não me soltasse dele não cairia. Ele pode ser maluco e galanteador, mas eu sempre soube que poderia confiar nele, para me proteger e cuidar de mim. O vento estava me congelando, mas observando cada detalhe, cada letreiro e outdoor, eu soube que valeria a pena, não só ter uma família, mas incorporar um personagem em Graceland.
A moto parou e eu continuava a apertá-lo com todas as minhas forças. Ele olhou para mim e sorriu.
- Priminha... – Eu murmurei um “hm?” e ele prosseguiu. – Pode soltar, a gente já parou de andar.
- Ah, claro. – Eu ri envergonhada.
Descemos da moto e meu primo me puxou para dentro. O lugar seguia o estilo da cidade, como o esperado, uma juke box comandava a música da danceteria. As garçonetes usavam uma roupa curta mas muito fofa, acho que era isso o clássico pin-up, afinal, eu me divertia com isso, todos naquele lugar aceitavam vestir-se ao estilo dos anos dourados.
- Quem é a boazuda? – Um garoto de cabelos claros perguntou ao meu primo.
- Quem? Ah, sim. Ei, mais respeito com a minha priminha. – O menino gato estava falando de mim? – Mas pode tirando o cavalinho da chuva que ela não pro seu bico. – Joe conclui um pouco mais irritado e eu comecei a rir que nem uma louca. Boazuda? Cavalinho da Chuva? Meu Deus, isso merece um oscar de melhor comédia.
- Acho que ela gostou de mim. – Ele falou com um sorriso malicioso. – J.D. – Ele completou beijando minha mão. Sua voz era grossa e extremamente atraente. – John Daniel Sumner mas me chame de J.D.
- É claro, J.D. Sou Parker. – Falei e logo sorri.
- Eu sou Al Strada, às suas ordens. – Ele falou galante. Aquele nome não me era estranho. Eu sorri ele era lindo, tinha lindos olhos castanhos e cabelos negros.
- Acho que vou sair depois desse grude todo... – Meu primo falou parecendo um pouco chateado.
- Venha cá, chatinho. – Sabe aquela cara de inconformado com o que eu disse? Já tinha me acostumado com isso, então apenas ignorei. – Você está muito cheiroso, meu Deus! – Falei e ele sorriu.
- É o meu borogodó. – Ele falou e eu ri, mesmo sem saber exatamente o que ele quis dizer com aquilo.
Fiquei ali sentada, conversando com os meninos e decidi colocar uma música na juke box. E a música? Johnny B Goode. Ah não podem me culpar por gostar dessa música, ela é um pouco doida, mas tem um ritmo inegável e irresistível.
- Música negra, broto? – Joe perguntou um pouco espantado. – Sei que o preconceito é mais leve em Graceland, mas ir colocando música negra em seu primeiro dia é um tanto... Inovador. – Ele falou sorrindo.
- Não ligo para primeiras impressões.
- Ainda bem, porque não vai se incomodar em dançar comigo. Não vou deixar você ser chá de cadeira. – Chá do que? Esses termos eram no mínimo exóticos, não? Eu ri, só porque não tinha nada a dizer. – Tá, eu sei que hora ou outra um marmanjo ia te tirar para dançar porque você é bonita. – Olha eu não estava aqui a nem um dia, mas já sabia que ele falava pelos cotovelos.
- Joe? – Eu o interrompi. – Cala a boca e dança comigo. – Ele fazia passos muito estranhos, a vida inteira eu soube dançar ballet e rebolar, porque o ballet eu era obrigada e rebolar era necessário quando eu dava pequenas fugidinhas daquele internato. Deduzi que a segunda opção era melhor para o momento.
Go, go, go, Johnny, go
Go, go, Johnny, go
Go, go, Johnny, go
Go, go, Johnny, go
Go, Johnny B. Goode
Joe dançava muito bem, com passos de época que vez ou outra eu tentava imitar, eu rebolei, talvez, se tivesse um espelho eu acharia que era uma dançaria de boate, porque estava o provocando, sabia disso, mas era a minha maneira de dançar.
He used to carry his guitar in a gunny sack
Go sit beneath the tree by the railroad track
Oh, the engineers would see him sittin' in the shade
Strummin' with the rhythm that the drivers made
People passing by they would stop and say
Oh my, but that little country boy can play
Go, go, go, Johnny, go
Go, go, Joh...
A música foi interrompida e os poucos que dançavam, pararam de dançar. Todos os olhares se direcionaram ao palco. O palco estava escuro por isso não pude entender o que estava acontecendo.
- 1, 2, 3. – Uma voz masculina rouca falou. – 1, 2, 3, testando. – Ele repetiu a primeira parte. – Desculpa, o incomodo... Er... A banda que iria tocar hoje deu cano... Er... Eu vou cantar uma música para vocês.
O holofote iluminou o rosto do rapaz, ele era lindo, seus cabelos negros contrastavam com sua pele branca. E seus olhos... Eram azuis tão belos que chegavam a hipnotizar. Seu corpo era perfeito. E sua voz era envolvente, eu não sei.
Well, since my baby left me
Well, I found a new place to dwell
Well, it's down at the end of Lonely Street
At Heartbreak Hotel
Well, I'll be
I'll be so lonely baby
Well, I'm so lonely
I'll be so lonely, I could die
Oh, although it's always crowded
You still can find some room
For broken hearted lovers
To cry there in their gloom
Já ouvi falar de amor à primeira vista? Eu me apaixonei à primeira nota. A voz dele me lembrava algo ou alguém e eu gostava disso. Ele levava o violão no pescoço, era um charme.
They'll be so
They'll be so lonely, baby
Well, they're so lonely
They're so lonely, they could die
Now, the bell hop's tears keep flowin'
And the desk clerk's dressed in black
Well, they been so long on Lonely Street
They'll never ever look back
And it's so
Well, it's so lonely baby
Well, they're so lonely
Well, they're so lonely, they could've die
Ele passava os olhos por todos até os fixar em mim. Então um sorriso se formou em seus lábios. Nós trocávamos olhares e isso não era segredo, eu queria o conhecer. Por um segundo pude me perder naquela troca e continuaria ali perdida se ele não fechasse seus olhos.
Well, if your baby leaves you
You got a tale to tell
Well, just take a walk down Lonely Street
To Heartbreak Hotel
Where you will be
You'll be so lonely, baby
Well you'll be lonely
You'll be so lonely you could die
Oh, although it's always crowded
You still can find some room
For broken hearted lovers
To cry there in their gloom
Eu nunca sofri por amor, nunca sequer tive tempo para isso. Eu vivia isolada em um mundo cor de rosa. E por isso eu fugia, mas nunca para longe. Em minha adolescência, queria ser rebelde e achava o máximo fugir para a mecânica, sem contar que era apaixonada pelo irmão de Abby, mecânico. Mas passou... E eu passei a fugir para cinemas e danceterias.
They've been so
They're be so lonely, baby
Well, they're so lonely
They'll be so lonely, they could die
Eu vivi solitária. Sim, passei grande parte dela trancafiada. Mas agora eu estava livre. Eu não podia bater à porta do Hotel De Corações Quebrados e pedir para entrar, mas podia ficar lá e ouvir seus desabafos. Eu estava hipnotizada e sabia disso.
- Você está bem? – Meu primo perguntou enquanto me chacoalhava.
- Quem é aquele garoto? – Eu perguntei mais empolgada do que deveria.
- Aron? – Meu primo me pareceu inconformado. – Sério, babe? Você merece coisa tão melhor. O que quer saber sobre ele? O pai foi preso anos atrás, ele vive com o pouco que tem. Se é que tem alguma coisa. Ele é caminhoneiro quando pode. Já serviu ao exército. Um drogadinho qualquer...
- Aron, é o nome dele então. – Falei o que o deixou aparentemente irritado.
- Vamos embora. – Ele falou irritado e saiu me puxando forte pelo braço. Fiquei parada à frente da moto de braços cruzados. – Sobe logo nessa moto, .
- Não. Você do nada dá a louca e quer sair me arrastando? Vá se foder!
- , sobe nessa moto agora! – Eu não entendia o que deu nele, porque mudou de humor tão rápido, subi na moto tentando segurar em qualquer lugar atrás da moto. – Segura em mim, porra! – Olha nessa época já existia a palavra porra.
Ele acelerou. Nunca vi ninguém correr tanto com uma Harley 671.
- Qual é o problema, Joe? Ciúmes da prima que mal chegou a cidade? Você está com medo que o Aron seja melhor que você?
- Cala a boca, . – Ninguém começa uma briga comigo do nada e me manda calar a boca.
- Não, Joe! Não porque eu não sei o que está acontecendo e até eu ficar sabendo... Eu posso gostar de quem eu quiser, posso ser louca por ele.
- De verdade? Mesmo? – Ele falava cada vez mais nervoso.
- Eu estou aqui com você, agora. E eu nunca havia visto você antes. Achei que pudesse amar você, como fazem as famílias. – Eu estava com raiva, sim!
Nós estávamos nos aproximando do sobrado, enquanto ele processava o que eu tinha dito.
- Você não devia estar aqui. Se sua mãe te abandonou, meu pai deveria ter feito o mesmo. Graceland não é lugar para patricinhas, como você. – Eu não sei o que passou pela minha cabeça, mas aquelas palavras estavam me corroendo. Tocar ele me dava nojo e me soltei. Não acho que tenha pensado muito antes de fazer isso.
- . – Ele gritou, minha cabeça estava doendo o meu corpo também. Joe se aproximou parecia mais preocupado do que eu poderia esperar, afinal, eu não deveria ser prima dele, como ele mesmo disse. A dor que estava sentindo por dentro era com certeza maior que a sentia por fora. – Merda, , fala comigo. – Eu revirei os olhos, não como pirraça e uma escuridão me envolveu.
Eu estava no quarto do Joe. Podia ouvir uma discussão lá em baixo.
- Desculpa, pai. A culpa não foi minha! Mas ela estava se envolvendo, você sabe que eu não podia deixar.
- Mas não podia deixar ela correr nenhum tipo de perigo! Não sei se fiz a coisa certa quando resolvi enfrentar o Sistema, para tirar ela de lá, mas você sabe o quanto eu amo a .
- Sei. Mas você não pode deixar ela mudar a história, colocar em risco o que você trabalhou anos para conseguir. Lembre-se pai, tem muita gente envolvida nisso, tem que dar certo dessa vez.
- Acho que coloquei tudo em risco, quando te contei.
As vozes foram ficando mais baixas, então tentei levantar-me para ouvir mais de perto. Mas senti minhas pernas fraquejarem e fiz um barulho muito alto.
- . – Joe gritou do andar de baixo e subiu correndo. Eu precisava dizer que não era a pessoa que eu mais queria ver no momento?
- Broto... – Ele se aproximou, colocando-me delicadamente na cama. – Eu não quis dizer nada daquilo, desculpa. – Não respondi. – Por favor... – Ele suspirou e deitou ao meu lado.
- Eu gosto de você, . Gosto muito de você. É por isso que você tem que ficar longe do Aron, entendeu?
- Por acaso ele é algum tipo de assassino? – Joe negou com a cabeça.
- Na hora certa você saberá de tudo. – Ele sorriu e me abraçou. No começo hesitei, mas logo correspondi. – Broto, acredita em mim, só quero o seu bem. Nunca mais se solte da moto, pelo amor de Deus. – Eu assenti com a cabeça.
Um silêncio se instalou entre nós, que perigo o Aron poderia trazer e o que este tal sistema tem a ver com ele? Meu Deus, essa cidade além de um retrato dos anos 50, escondia algo mais. E parecia perigoso. Meu primo se levantou e seguiu em direção a porta.
- Boa Noite, broto. – Ele falou sorrindo.
- Hm... Joe... Fica, o quarto é seu... – Falei calma.
- Os pôsteres estão te incomodando? – Ele perguntou divertido.
- Não, mas o quarto é seu, eu que deveria sair. – Falei tentando me levantar.
- Nem pense nisso, . Você fica aqui. – Ele ordenou.
- Então fica, comigo. – Dizem que devemos manter os amigos próximos e os inimigos mais ainda. E por um ou outro eu o manteria por perto. Ele se acomodou na cama e assim dormimos.
Apesar do clima hostil que se instalou desde nossa briga, Joe se esforçava para me divertir, ele pedia desculpas quase todos os dias pelo que disse. Eu não o culpava mais, não depois que meu tio veio com um papo de eu ganhar uma personagem em Graceland.
Estava me arrumando ao estilo dos anos dourados, afinal, eu tive que me adaptar a cidade. Esses dias fui às compras com o Joe, inclusive conheci uma menina muito divertida, Ginger, ela trabalhava na Lanvin, era muito bonita, morena de olhos claros. O vestido new look – que cá entre nós, não tinha nada de new. – era branco com bolinhas cor de rosa, mais longo do que os que eu costumava a usar, tinha um detalhe em renda ao meio da saia e uma fita no mesmo tom dos detalhes a baixo dos seios. Coloquei um salto dourado, o típico colar de pérolas, prendi meus cabelos em um coque, deixando a franja cair.
Desci as escadas vestindo o look antigo do qual me orgulhava, mas não sem antes passar o batom rosa e o blush para dar cor a minha pele. Joe estava na beca – significa bem arrumado. – com um terno escuro e uma calça que combinava, acho que era azul marinho.
- Joe, cinema aqui é tão importante assim? – Ele me olhou confuso, eu juro que estava tentando parecer o mais normal possível.
Saímos juntos dali. Ele parou à frente de sua Harley e logo me encarou, balançando a cabeça e seguindo ao V-8. Não era como se eu estivesse traumatizada, mas preferia não ter que segurar no meu primo para não cair a ir, sei lá, a 50 km/h. Ele abriu a porta para mim e logo entrou. Sua cara tristonha deu lugar a um sorriso breve. Por um momento pude sentir sua tensão.
- Joe, você sabe dirigir carros, certo? – Perguntei um pouco desconfiada.
- Ah, é claro que sei, broto. – Ele falou mexendo as chaves. – É só que... – Eu apontei para o encaixe da chave e ele sorriu. O barulho do motor pode ser ouvido e então partimos.
Fizemos uma parada na casa de Ginger, ela vestia um clássico da Lanvin, algo que me lembrava um terno feminino. Seus cabelos curtos estavam perfeitos. Ela entrou no carro ainda retocando a maquiagem.
Pouco tempo depois chegamos ao Drive-In, pegamos pipoca, refrigerante e alguns doces. Paramos à frente do grande telão. Passaram alguns avisos: Motoristas desliguem os faróis, nós temos dois lanterninhas dispostos ajudar com o escuro e blá blá blá. O filme era Bonequinha de Luxo. – Ops, dessa vez eles erraram a época. – Pensei, porque eu sabia que o filme era de 61 e nós estávamos mais para os anos 50 nessa cidade.
Já assisti aquele filme um milhão de vezes, por isso ficava encarando a reação dos outros. O casal ao meu lado me encarava como se eu fosse louca. Eu não sei se a expressão ficar de vela já existia, mas eu com certeza estaria de vela nos tempos atuais, ou meu antigo tempo, que vinha a ser mais recente que esse... Enfim... Vocês me entenderam, certo?
- Joe, Ginger, minha coca acabou, acho que vou pegar mais uma... – Os tempos poderiam mudar, mas as desculpas para deixar um casal a sós, nunca.
Fui andando entre os carros, a esta hora nenhum casal assistia ao filme, eu tenho que dizer que sempre sonhei em vir a um Drive-In, mas com um namorado não sei... Estava à procura de um banheiro para enrolar um pouco, mas acho que achar ele seria mais demorado do que eu imaginava.
- Ai! – Falei quando alguém esbarrou em mim, fazendo com que eu caísse.
- Está tudo bem? Desculpe senhora, eu não tive a intenção. – O garoto se desculpava neuroticamente. Ele estendeu-me a mão e eu a aceitei. Conseguia ver através da luz que vinha de sua lanterna.
- Sim, eu estou bem. – Falei tentando arrumar meu vestido para que não amassasse ou limpar qualquer coisa que pudesse ter o sujado, ainda no chão.
Quando ele me puxou para cima, nossos rostos ficaram próximos demais. Os nossos corpos também, eu não sei aqui, mas na minha terra ele deveria me beijar. Segurei o riso com meu pensamento.
- Hm... Precisa de alguma coisa? – Ele perguntou um pouco nervoso.
- Da localização do toilette. – Respondi.
- Depois da cabine do projetor a esquerda. – Sentia a luz da lanterna próxima demais. – Er... Posso te fazer uma pergunta? – Ele mantinha seu tom nervoso.
- Acho que acabou de fazer uma. – Respondi com um sorriso nos lábios.
- Sim... Quero dizer, não. Er... Sim, mas... Não... – Ele estava se enrolando com suas próprias palavras.
- Tem outra pergunta? – Tentei o ajudar.
- Você hm... Podia... Er... Como se chama? – Eu soltei um riso irônico, não foi de propósito, mas toda essa enrolação era só para saber o meu nome?
- . Parker. – Conclui estendendo minha mão, mas acho que ele não percebeu por estar escuro. Ele ficou em silêncio, então perguntei. – E você... como se chama?
- Isso depende. – Ele respondeu calmo.
- Depende de que? – Perguntei no mesmo tom. A essa altura eu já estava apoiada em um carro qualquer, e não queria sequer imaginar o que o casal deveria estar fazendo para não ter surtado comigo ainda.
- Você quer conhecer o astro do rock ou o irmão dele? – Ele perguntou. Se sentia mais confiante em nossa conversa.
- Quero conhecer você... – Respondi, não acho que meu tom provocativo funcionava em Graceland.
- Aron, Aron Presley. – Ele apresentou-se e virou a lanterna para seu rosto. – Você é a menina do show... – Ele afirmou.
- E você é o Elvis Presley de Graceland... – Afirmei depois de relembrar o show na danceteria.
- Como sabe? – Só porque você cantou uma música dele e tem uma voz impressionantemente parecida com a dele.
- Você cantou uma música dele... – Falei simplesmente. – Eu ainda quero ir ao banheiro.
- Ah claro... – Ele respondeu. – Posso te acompanhar?
- Eu estava esperando você convidar, porque está... Escuro. – Ok, eu conseguia chegar ao banheiro sozinha, mas eu queria saber mais sobre ele.
Apesar de Joe ter suplicado para que eu não chegasse perto deste garoto, eu não via risco nenhum em estar com ela. E outra, estávamos em Graceland, os crimes acontecem uma vez a cada vinte anos. Fomos andando em silêncio, chegamos a sala de projeção, onde a iluminação era melhor, então podia ver seus olhos azuis cintilarem.
- Hm... Ali, à esquerda. – Ele apontou. E eu segui em direção ao banheiro me checando no espelho, retoquei a maquiagem e saí.
- O céu está bonito, não? – Perguntei olhando para as estrelas que iluminavam o céu e a lua, era noite de lua cheia. Encostei-me a uma das paredes da sala de projeção como ele fazia.
- Eu que compus. – Ele falou repentinamente. – A música do show.
- Não, Aron, essa música é antiga... Do rei do rock, Elvis Presley. – Eu discordei.
- Meu nome é Jesse Aron Presley. – Poderia dizer que Graceland era uma réplica perfeita dos anos dourados, porém vez ou outra encontrava erros.
- ARON, O FILME TRAVOU! CORRA AQUI! – Alguém gritou de dentro da sala.
- Tenho que ir... – Ele falou no mesmo tom calmo. – Amanhã, é meu aniversário... – Ele sorriu. - Você estará lá, certo? – Assenti com a cabeça. O homem continuou gritando. – Cemitério de Graceland, passo horas lá nessa data.
Eu não sei se era paranoia da minha cabeça, mas passar os aniversários em um cemitério era no mínimo esquisito, certo? Eu não sabia mais o que era certo, não naquele lugar. Mas tinha certeza que estaria lá amanhã. Dia 8 de janeiro, eu deveria saber algo sobre essa data?
Passei para pegar um refrigerante, só para concluir meu teatrinho e voltei para o carro de Joe, mesmo sendo um pouco difícil reconhecer qualquer carro naquele escuro. Ao entrar no carro me deparei com uma Ginger de batom borrado e um Joe com o figurino amassado. Eu gargalhei internamente, mas para eles, apenas sorri.
- Você demorou muito... – Ele resmungou.
- Espero que tenham aproveitado o tempo. – Retruquei e ambos coraram.
O filme não demorou muito a acabar. Deixamos Ginger em casa e fomos para o sobrado do Tio Tom. Ao abrir a porta me deparei com Tom Parker vestido de mágico deitado no sofá. Então soltei um riso e fui acompanhada por Joe.
- Eu preciso te falar uma coisa sobre o meu pai... – Ele falou segurando o riso. – Ele trabalha em um circo nas horas vagas.
- Realmente não esperava que tio Tom tivesse tantos truques na manga, se é que me entende. – Falei dando uma piscadinha e Joe revirou os olhos com a minha péssima piada.
Amanheceu, mas dessa vez a luz forte do sol não entrava pela janela. E eu sabia que ela estava aberta, por isso levantei-me rapidamente, sentindo uma tontura por ter ido rápido demais. Então caminhei lentamente de olhos fechados em direção da janela. Estava chovendo, um dia não tão bonito como os outros em Graceland.
Eu amo a chuva, por isso não me importei muito. Fui ao meu quarto, ainda um pouco bagunçado, coloquei um conjunto de blazer e saia lápis cinza, o típico look de silhueta H da Dior. Eu estava empolgada para passar o dia no cemitério, por mais estranho que isso possa ser. Arrumei meus cabelos, passei um batom vermelho e desci para o café.
- A onde você vai assim? – Meu primo perguntou ao me ver.
- Ao cemitério. – Respondi no tom mais confortável que encontrei.
- Quem morreu? – Ele me perguntou assustado.
- Não sei. Acho que ninguém. Eu só queria... Hm... Visitar. – Falei pegando um pouco de leite na geladeira.
- Quer que eu vá com você? – Joe perguntou, olhando estranho para mim. Eu o entendia perfeitamente, quem vai para o cemitério só porque quer visitar?
- Não precisa...
- Ok, quer que eu te leve? – Ele continuou com um tom desconfiado.
- Não, priminho, não precisa, vou de táxi. – Eu espero que exista táxi nessa cidade, porque se meu primo descobrir o real motivo para eu ir ao cemitério, eu estarei completamente encrencada. – Você tem o número de algum?
- Número? – Ele perguntou como se eu fosse louca. – A placa de algum táxi? Não, não tenho. – Dã... Pensa comigo, os filmes são em preto e branco e você quer ligar para um carro em movimento? Realmente você me decepciona. Ri com meus próprios pensamentos.
- Deixa. – Ele assentiu com a cabeça, ainda meio confuso. – Hm... O que tem para comer? – Perguntei simplesmente.
- Pão, geleia, geleia e pão. – Eu o encarei cômica.
- Joe, não tem comida em casa? – Perguntei.
- Tem, mas eu não sei fazer comida, por isso preciso me casar logo, comida é tão bom. – Sim, pensei merda depois do casar. Não consegui segurar a gargalhada e ele me olhava como se olha para uma pessoa completamente louca. – O que foi? – Ele falou quando eu parei de rir, ele já levava um sorriso em seus lábios, por minha risada ser tão contagiante.
- Nada... Bobeira minha... – Ele balançou a cabeça com um sorriso maior ainda. – Acho que vou fazer bolo de laranja, me ajuda?
- Desde quando você sabe cozinhar? – Joe fez careta e dei a língua. – Olha que na minha terra quem mostra a língua pede beijo. – Ele brincou e ambos rimos.
- Sou uma menina prendada. – Respondi em um tom divertido e ele riu. Falou algo como “Quero só ver!”, mas falou tão baixo que eu pude fingir não escutar. Mesmo assim respondi mentalmente um “Cuidado para não se apaixonar”.
A cozinha que estava perfeitamente limpa, minutos antes, se desfez, acho que nunca vi duas pessoas bagunçarem tanto para fazer um bolo de laranja. O Joe era um tanto quanto desastrado para essas coisas, chegava a ser engraçado como ele quebrava ovos, ou se lambuzava enquanto segurava a batedeira. Eu estava com as mãos sujas de farinha, então acariciei o rosto do meu primo deixando-o branco.
- Joe. – Falei com uma voz alterada. – Já pode trabalhar com seu pai, mas você seria o palhaço. – Comentei e ele passou o dedo de chocolate em meu nariz.
- Só se você for junto comigo. – Terminou provocativo. Eu começaria uma guerra de comida se não soubesse que meu vestido ainda estava em perfeitas condições.
Com o pouco de massa que sobrou enchi uma caneca branca que foi ao forno com o resto. Eu sei que as irmãs estariam orgulhosas se vissem essa cena, eu cozinhando por vontade própria.
- Sabe, eu nunca pensei que cansaria tanto cozinhar... – Joe comentou enquanto se ajeitava no sofá.
- Eu te acordo quando o bolo estiver pronto. – Disse sorrindo para ele. Em poucos minutos ele estava dormindo como um anjo. Sorri vendo aquela cena, erámos como crianças de 5 anos.
Fiz a calda de laranja que iria acompanhar o bolo, quando estava pronta brinquei com ela na panela vendo-a escorrer da colher. O bolo ficou pronto logo, despejei a calda sobre ele e deixei na boleira. Fui para a sala e acordei o Joe, delicadamente, passando a mão pela extensão de seu rosto e sussurrando “Acorda, Joe, o bolo está pronto”. Na terceira tentativa ele acordou. E por um segundo eu me perdi nos olhos dele, tão azuis que poderiam alagar uma cidade, acho que tenho um fraco por olhos azuis. Balancei a cabeça para afastar os pensamentos.
- Broto... – Ele falou e eu sorri. – Significa menina bonita. – Ele concluiu, já se levantando. Aquilo foi um elogio lindo, ainda mais pela frequência com que era usado e sem nenhuma pretensão, porque eu sequer sabia o significado.
Depois de comer, peguei o bolo de caneca, um guarda-chuva e minha bolsa preta e saí. Joe comentou que iria para uma lanchonete com Al e J.D. Por isso me sentia mais segura em fazer o que o mesmo havia me pedido para não fazer. Não foi um ato rebelde, mas alguma coisa me dizia que eu precisava conhecer aquele garoto, não só por ser extremamente gato e ter uma voz envolvente, mas eu sentia necessidade em saber mais sobre ele. E era isso, somente isso.
Cheguei a Avenida, onde sem muito esforço um táxi parou. Um homem já de idade, cabelos grisalhos e expressão serena o dirigia. Dei as instruções para ele, sua expressão mudou um pouco com o endereço. Não devia ser muito agradável levar pessoas para o cemitério.
- Hm... Eu sinto muito. – Ele falou e eu sorri, surpreendendo-o.
- Ninguém morreu. – Respondi e ele me olhou confuso.
- Vai ter alguma algazarra no cemitério? Acho uma pena, uma garota como você, jovem e bonita, andar com meninos encrenqueiros. – O homem disse sem esperar minha resposta.
- Não senhor, não sei de algazarra nenhuma. Mas vou sim encontrar um amigo. Imagino que ele não fará mal nenhum. – A minha expressão suave o tranquilizou.
- Que dia é hoje? – Ele perguntou.
- 8 de janeiro. – Falei e o homem sorriu. Eu ainda acho que deveria saber algo sobre essa data.
Chegamos, paguei ao homem e saí do táxi. Balancei o guarda-chuva meio sem jeito até que ele abrisse. O cemitério estava vazio. Nunca tive medo dessas coisas, mas senti um arrepio por um instante. Fui andando entre as lápides até encontrar perto do lago um garoto de cabelos escuros e roupas excêntricas, Aron Presley. Ele não se incomodava com a chuva, já estava encharcado.
- Aron... – Chamei.
- Você veio. – Ele falou em um tom indiferente, mas pude perceber que sua voz estava mais grossa. – Apostava que não viria.
- Estou aqui, não? – Respondi e ele rolou os olhos.
- Jesse, acho que você tem visita. – O garoto disse olhando para a lápide.
- ... – Ele mesmo chamou, agora, com o ar tímido que eu conheci. – Fico feliz que veio. Não ligue para o Elvis, ele é um grosso. – Meu Deus, agora nada mais fazia sentido. E isso estava me assustando.
- Fiz um bolo para você. – Entreguei o bolo de caneca para ele sorrindo. – Afinal, é seu aniversário.
- Nosso aniversário. – Ele falou, olhando para o túmulo.
- Aron... – Ele apontava para a lápide como se soubesse o que eu iria perguntar. Por tanto, direcionei meu olhar a ela.
Jesse Aron Presley, nasceu já morto, há exatos 19 anos. – Então estávamos no século XXI, aqui também. Por isso tudo me soou ainda mais estranho.
- Quantos anos você tem? – Eu perguntei meio sem jeito.
- Dezenove anos completos hoje. – Respondeu. Eu estava confusa, então o irmão gêmeo de Aron nasceu morto. E ele se passava por ele? Ele percebeu minha confusão.
- Eu venho aqui todos os anos. – Explicou. – Porque há 19 anos meu irmão morreu e eu sobrevivi...
- Sinto muito.
- Eu também... – Aron sorriu. – Foi há muito tempo... Quer que eu te conte?
- Sou toda ouvidos.
- Meu pai namorava minha tia Clettes, irmã de minha mãe. E minha mãe namorava Vester, imão de meu pai. – Ele começou cômico. – Sim, era tudo muito confuso. Depois de um tempo, minha mãe e Vester brigaram, então os dois casais deixaram de se encontrar. Tempos depois, Veron, meu pai, se aproximou de minha mãe e os dois começaram a namorar.
- Que loucura! – Comentei atenciosa, eu prestava atenção em cada palavra que ele me dizia.
- Com certeza! – Sentei ao seu lado na lápide olhando em seus olhos.
- Como ela é? Conte sobre sua mãe. – Pedi e assim ele fez.
- Ela tem uma personalidade difícil, mas muito divertida, super-protetora, nós temos uma relação muito forte e meu pai não é tão diferente, mas é um tanto ausente, talvez porque seu pai fosse assim com ele. E os seus pais?
- Nunca soube ao certo, ela me deixou há muito tempo. E meu pai é um empresário que não queria ter uma filha, colocou-me em um internato, sempre pagando todas as contas, mas nunca apareceu de verdade. O mais próximo que sempre tive de família foi meu tio Tom e o Joe.
- Dizem que ele é um larápio, seu tio. – Ele falou com a voz mais grossa.
- Eu sei. – Ri. – Ele não é tão ruim. Mas digamos que ganha a vida aprontando. É um homem muito inteligente. – Expliquei. – Ah e pare com isso!
- Isso o quê? – Aron parecia confuso.
- Engrossar a voz. Não sei, parece que são dois personagens. – Respondi.
- Ah, sim, me desculpe... É o hábito.
- Continue sua história. – Falei o encarando nos olhos.
- Teve um furacão e eles perderam a casa que haviam construído há pouco. Dias depois mamãe descobriu que estava grávida. E por mais estranho que meu pai seja, ele se esforçou muito para manter tudo bem, passou a trabalhar em dois empregos e conseguiu construir uma nova. Ela sabia que teria gêmeos, estava enorme e sentia ambos chutarmos. Mas no dia do nascimento, todos quase morremos, foi um parto muito difícil. – Eu o acompanhava e ele sorria por saber que eu estava prestando atenção. – Jesse não resistiu, ele nasceu morto. Mas eu sobrevivi e minha mãe sempre me explicou que a culpa não foi minha. Ela dizia que quando um dos gêmeos morre, aquele que sobreviveu fica com toda sua força. E eu acho que tenho isso.
- Com certeza! – Interrompi e Aron sorriu.
- Não só a força, sei que pode parecer loucura, mas eu ajo como se fosse os dois. Jesse é mais tímido e Elvis um bad-boy. – Gargalhei com o comentário e ele corou. – Não ria. Estou falando sério. – Riu também. – Eu criei uma personalidade para o Elvis e uma para o Jesse.
- Então seu verdadeiro nome é Elvis Aron Presley? – Perguntei curiosa.
- Não. – Ele soltou um riso. – Enquanto minha mãe sofria no parto, meu pai sofria no cartório, estava tão nervoso que acabou errando nos nomes. Ele escreveu apenas Aron Presley, no meu nome. E no do Jesse, ele esqueceu do G de Garon. – Ele riu novamente e eu o acompanhei.
- Não acredito! – Falei entre risos. – Mas esse erro foi de certa forma, muito bom.
- Por quê? – Ele perguntou confuso.
- Porque já existiu um Elvis Presley no mundo, mas nunca um Aron Presley, simplesmente. – Respondi e ele me pareceu ainda mais confuso. Um dia ele me entenderia.
- ... – Aron chamou. – O bolo estava muito bom. Acho que estava tão fissurada na história que nem percebi que ele comeu o bolo.
- Obrigada... Hm... Pode me chamar de , Aron, Elvis, Jesse. – Eu sorri e ele fez o mesmo.
As horas passaram voando, ficamos conversando sobre assuntos aleatórios, a certo momento fechei o guarda-chuva e deixei a água me molhar. Isso já não realmente importava. Foi tudo tão divertido. Nós deixamos o cemitério, caminhando lentamente, chegamos a um parque com gramado verde encharcado pela chuva.
- Você tem um rádio? – Ele perguntou do nada.
- Tenho iPod, serve?
- Esse negócio aí, toca música? – Aron fez uma cara de desentendido e eu assenti com a cabeça. – Tendo música, tudo serve.
Coloquei o iPod que tinha como única utilidade escutar música, já que não tinha sinal algum naquele lugar, para tocar. Com a minha playlist muito sofisticada, que ia de música gospel á heavy metal em questão de uma faixa. A primeira música logo reconheci pelo ritmo Love Me Do, dos Beatles.
- Uau! Esses caras são ótimos, quem são? – Achava impressionante alguém não conhecer os Beatles, digo até eu conhecia, como ele não? Não sou muito fã de músicas antigas, tenho bastante porque era o permitido no Internato, mas até mesmo eu, conhecia os Beatles e sabia o básico sobre eles.
- The Beatles. – Falei simplesmente.
Em seguida Perfect – Simple Plan. O garoto parecia sentir cada nota, era maravilhosa a maneira como ele era música, sentia ela. Não sei se prestava atenção as letras, mas ele me passava exatamente o significado delas. Conforme a música passava Aron, mexia os dedos como em uma bateria que em poucos minutos dava lugar a uma guitarra. Estava no último refrão quando ele começou a cantarolar.
- I’m sorry, I can’t be perfect. – E aquilo era perfeito, se encaixava nele e em mim ao mesmo tempo. Por mais que eu não soubesse quase nada sobre o Elvis, rei do rock; imaginava que as coincidências iam muito além do nome. Será que Aron era o perfeito rei do rock? Estaria ele indo de acordo com algum plano para ser perfeito? Acho que eu deveria evitar escutar músicas porque eu refletia demais sobre elas, talvez fosse apenas loucura da minha cabeça.
Tocaram ainda Faint- Linkin Park, Have You Ever Seen The Rain? - Creedence Clearwater Revival, Shadow- Austin Mahone. Eu avisei que minha lista era extremamente eclética. Aron apreciou todas, às vezes arriscava uma nota ou outra. E então começou a tocar uma música que eu sequer imaginava que tinha.
The warden threw a party in the county jail
The prison band was there and they began to wail
The band was jumpin' and the joint began to swing
You should've heard those knocked out jailbirds sing
Let's rock, everybody, let's rock
Everybody in the whole cell block
Was dancin' to the jailhouse rock
O garoto estava fascinado com essa música, era perceptível, ele me puxou para dançar. Seus movimentos eram incríveis, nunca via nada sequer parecido antes. Eu arriscava qualquer passo de ballet ou dança de festas mesmo.
Spider murphy played the tenor saxophone
Little joe was blowin' on the slide trombone
The drummer boy from illinois went crash, boom, bang
The whole rhythm section was the purple gang
Let's rock, everybody, let's rock
Everybody in the whole cell block
Was dancin' to the jailhouse rock
A letra não fazia sentido para mim, porém era dançante, Aron me rodopiava, jogava de um lado para o outro com muita segurança em seus paços. Ele tinha um gingado incrível.
Number forty-seven said to number three
"you're the cutest jailbird I ever did see
I sure would be delighted with your company
Come on and do the jailhouse rock with me.
Let's rock, everybody, let's rock,br>
Everybody in the whole cell block
Was dancin' to the jailhouse rock
The sad sack was a sittin' on a block of stone
Way over in the corner weepin' all alone
The warden said, "hey, buddy, don't you be no square
If you can't find a partner
Use a wooden chair.
Let's rock, everybody, let's rock
Everybody in the whole cell block
Was dancin' to the jailhouse rock
Em meio a um de nossos passos, caímos no gramado molhado, eu por cima dele, tão próximos que eu podia sentir seu coração acelerado contra o meu. Ambos estávamos sérios, mas a música continuava a tocar... Ele continuava a segurar minha cintura, mas não se movia. Rolei para o lado sendo encharcada pelo gramado, mas o braço dele apoiou, de certa forma, minha cintura. Encostei a cabeça em seu peitoral. E ficamos assim. Não tentava mais reconhecer as músicas que tocavam. Aron se afastou de mim, estranhei, mas não demonstrei nenhuma reação.
- Você é linda. – Ele falou apreciando cada detalhe do meu rosto até parar em meus olhos . – A mais linda de todas.
- Você realmente me acha bonita?
- Você sabe disso... – Ele passou a mão pelo contorno de meu rosto, foi inevitável não sorrir. – E se não souber, eu posso dizer quantas vezes forem necessárias. Mas você sabe disso. – Aron falava com toda a certeza do mundo. E eu o admirei, como jamais fez antes.
Pouco tempo depois nos levantamos. Ele me levou para casa em um carro que ele explicou ser de um amigo. Aron talvez se envergonhasse de não ter um carro, mas eu me orgulhava dele em cada detalhe. Em sua múltipla personalidade, sua beleza, sua voz, seu jeito maluco de ser.
Ele estacionou em frente ao sobrado e soltou um suspiro. Acho que foi isso, um dia perfeito que começou com a chuva e passou pelo cemitério.
- Obrigado. – Aron disse do nada.
- Pelo quê? – Perguntei confusa, olhando em seus olhos.
- Por estar aqui comigo, agora. Sabe, eu fui muito solitário minha vida toda, acho que nunca tive uma companhia como você em meus aniversários, para ser sincero a única pessoa que deve se lembrar é minha mãe. Obrigado, , por ser você.
- Aron. – Sussurrei. – Eu estou aqui, sempre vou estar, ok? Somos amigos, afinal, não somos?
- Com certeza, .
Aron deu a volta e abriu a porta para mim. Eu estava o encarando, com um sorriso em meu rosto. Quando ele estava na porta, soltou um suspiro e eu o chamei.
- Presley! – Gritei. – Espera... – Continuei em um tom mais baixo. – Parabéns. – Desejei tirando da minha bolsa o iPod prateado. – Fica com ele...
- É o seu... Como se chama mesmo? IPod? – Ele fez uma voz afetada no final. E eu assenti.
- É o seu iPod. – Conclui entregando para ele.
- Você só precisa deslizar o dedo na tela e depois apertar o triângulo para dar play. – Ele sorria como uma criança faz. – Você gosta tanto de música, pode te ajudar.
- Obrigado, . – Ele sorriu.
Entrei em casa e tomei um bom banho. Debaixo da água me lembrei que não havia entregue a ele o carregador, mas veria ele novamente em breve, assim esperava. Saí enrolada na toalha e dei de cara com um Joe completamente esparramado na cama.
- Boa Noite, Joe. – Desejei e fui me trocar no meu quarto.
Já de pijama, desci para a cozinha para tomar um copo de água. Eu percebi que fiquei a tarde inteira com um pedaço de bolo de laranja, fiz uma omelete rapidamente e enquanto comia, pude ver alguns papéis em cima do balcão, Priscilla Ann Wagner Beaulieu, era o título da pasta que estava por cima. – Será que o tio Tom estava namorando? – Pensei e depois pude ver o símbolo de confidencial e o meu nome Parker. Eu não mexeria nas coisas de meu tio, mas aquilo com certeza me deixou desconfiada.
Há quase uma semana tudo que eu fazia era sair com o Joe, Al e J.D, não poderia reclamar, afinal eles são bacanas. Mas como um raio que vem de repente e do mesmo jeito se vai, não vi mais Aron, ou sequer ouvi falar nele. Sobre os documentos de Priscilla? Sumiram na manhã seguinte. E isso estava me enlouquecendo, o meu quarto já estava pronto, mas continuava no de Joe, porque gostava da sensação de proteção que ele me passava. E cada palavra que eu achei que fosse ficar gravada em mim, passou. Não sei ao certo, mas dizem que isso é amor “perdoar as imperfeições dos outros”.
Estava de madrugada quando o telefone tocou. Aquele barulho era ensurdecedor, por isso desperte de meus pensamentos.
- Oi, Sam! Isso são horas? – Meu tio perguntou.
- Ah, o garoto... Sim... Tenho que fazer com que ele seja mais Elvis e menos Jesse. – Ele respondeu ao outro.
- Ela não é um risco, Philips. Em breve será tão submissa a Graceland como os outros. – O homem do outro lado da linha falou algo, pelo silêncio de meu tio. – Já disse que não podia tentar nenhum truque com ela ainda, só tem a mim, Sam. Com certeza vai entender o plano.
Peguei o telefone ao lado da cabeceira de Joe. Para escutar a conversa.
- ... o risco. Os dois saíram novamente, tempos atrás. Chegaram a dançar juntos, não podemos deixar as influências de colocar todo o SISTEMA em risco. – O que era o Sistema? O que meu tio teria a ver com isso?
- Eu cuido dela, ela será para Aron o que Priscila foi para o rei. A primeira dentre as muitas beldades. – Meu tio completou. – Farei com que ela se apaixone por ele, e que seja recíproco.
- Assim, espero, Tom. Ainda não aceitei bem a sua ideia de implantá-la aqui. – Uma das coisas que eu me arrependi em não ter feito em meus 16 anos de vida, foi nunca ter pesquisado sobre Elvis Presley, porque neste momento isso seria essencial.
- A garota morava com freiras, Sam, passavam o dia rezando e o máximo que conheciam de música era a nona sinfonia de Bethoven. – Mas que cretino...
- Preciso que faça uma sessão no rapaz. – O homem falou.
- Estarei aí em breve. – Meu tio respondeu.
- Até, Andreas. – Sem resposta, meu tio desligou o telefone. Quem seria Andreas, isso era algum tipo de codinome? Joe se mexeu então coloquei o telefone novamente no gancho, fazendo o barulho alto.
- Está tudo bem, ? – Ele perguntou com uma voz sonolenta.
- Sim, Joe. – Respondi. – Eu acordei com o barulho do telefone, estava tentando desligar.
- Ok... – Ele falou e mesmo no escuro sabia que fechara seus olhos. – Você sabe que está próxima demais né? – Eu corei, mas ele não perceberia sem a iluminação.
- Desculpa... – Pedi me afastando.
- Não. – Ele me puxou de volta. – Acho que encontrei o melhor remédio para insônia. – Joe riu.
Costumávamos a dormir em pontas distantes da cama, mas agora eu estava com a cabeça no ombro dele e ele estava com seu braço em minha cintura. Por algum tempo, esqueci completamente da conversa com o tal Sam.
- Joe... – Sussurrei. – Você ainda está acordado?
- Uhum. – Ele murmurou.
- Quem é Sam Philips? – Perguntei curiosa.
- Ele é o bambambã da cidade. Manda em tudo por aqui. – Joe respondeu com a sua voz de sono. – Por quê?
- Nada... Curiosidade. – Respondi.
- Amanhã você me explica, broto. – Ele disse. – Promete?
- Prometo.
Pouco tempo depois pude perceber que ele dormia. Quem seria Sam Philips? O que eu poderia ter a ver com tudo isso? Eu me perdi em meus pensamentos e acabei sendo levada pelo sono momentos depois.
Abri os olhos, Joe estava fazendo cafuné em meus cabelos. O dia parecia não ter melhorado muito com a tempestade de ontem, mas as luzes estavam acesas. E eu vi a definição dos músculos de Joe.
- Bom dia, broto. – Ele sorriu.
- Bom dia, priminho.
- Nós temos que conversar. – Joe comentou.
- Agora? – Perguntei fazendo beicinho.
- De preferência quando meu pai não estiver em casa. – Respondeu sério e eu concordei com a cabeça.
Para o café fiz panquecas. Tio Tom não estava em casa, por isso decidi explicar ao Joe o que escutei na noite anterior. Contei enquanto comíamos e ele prestou atenção.
- ... Presta atenção, isso é muito maior do que nós imaginamos. Então se meu pai te disser qualquer coisa acredite, se mandar obedeça. Vai ser melhor assim. – Seu semblante mais sério do que o de costume.
- Assim farei, mas por quê? – Ele suspirou.
- Tudo o que eu sei é que manter-se perto de Aron é perigoso, Sam Philips quer algo daquele rapaz, e ele consegue tudo o que quer. Ninguém aqui pode sair de Graceland, ou entrar, meu tio lutou muito por você. E acredite isso significa muito vindo dele. Todos nascemos com funções, relações predefinidas e isso realmente soa melhor para cada um. Isso é tudo o que eu sei. Sei que desafiar ao Sistema não é uma opção.
- É como uma prisão? Nunca vamos sair daqui? – Gritei um pouco assustada e atordoada com as novas informações.
- Não exatamente... É... Não sei explicar... Em breve, meu pai, vai te explicar melhor sobre o Sistema. Mas até lá, não se meta em confusão, ok? – Assenti.
Aceitei que perder meu tempo, pensando no Sistema, seria em vão por isso decidi tentar ao máximo esquecer-me disso. Eu aceitei viver sobre quaisquer fossem as circunstâncias em Graceland e assim eu faria. O Joe saiu para uma danceteria e eu fiquei em casa à espera do meu tio.
Horas e horas se passaram, quando já era quase noite, o homem de cabelos castanhos claros e belos olhos azuis, entrou pela porta fechando-a atrás de si. Trazia consigo muitos papéis. Estava com o olho roxo.
- Tio... O que foi isso? – Perguntei espantada.
- Briga de rua, pequena, nada com que se preocupar. – Ele respondeu e eu não acreditei, mesmo assim assenti.
- Vou pegar o kit de primeiros socorros. – Falei, mesmo com seus resmungos. Peguei gelo na geladeira e pedi para que ele segurasse.
- , preciso conversar com você. – Ele disse.
- Sou toda ouvidos. – Eu imagino que saiu em um tom mais provocativo que o necessário.
- Sei que deve ter escutado por muito tempo para se afastar de Aron, mas acharia necessário que se aproximasse agora. – Eu o olhava incrédula. – Olhe no fundo dos meus olhos, , o Sistema quer fazer dele um grande artista e você terá de estar ao lado dele. Incentive-o! Motive-o! Torne-o imbatível. – Ele sorriu, eu estava perdida em seus olhos, aceitava suas palavras. Então percebi, Tio Tom tentava me hipnotizar. Em qualquer outro momento sorriria um sorriso cínico, mas dessa vez apenas foquei em suas sobrancelhas, isso seria o suficiente. – Você será para Aron, o que Priscila foi para Elvis, dará a ele o primeiro filho. – Ele fez uma pausa. – Desculpe-me por isso, .
Joe me levou a um bar à beira da estrada, ele pediu que eu ficasse próxima a Al e J.D enquanto ele estivesse fora. O bar era bonitinho por fora, mas a parte de dentro era horrenda, algo com ar abandonado. Muitos homens batiam os copos na mesa do que eu reconheci ser o bar. Outros puxavam uma biscate para cima de si. Apertei o braço de J.D ainda mais forte.
- , relaxa, ninguém vai tocar um dedo em você. Só se mantenha por perto, ok? – Ele falou percebendo meu nervosismo.
Ao fundo do bar, uma escadaria, uma multidão descia descontrolada por ela, muitas pessoas gritavam números e nomes estranhos. Pude ver quando chegamos ao fim dela, uma grande arquibancada, ao centro uma grade preta.
- O que é esse lugar? – Sussurrei no ouvido de J.D.
- O lugar das brigas. – Ele falou um pouco apressado. – Brigas de pitbulls. – O garoto terminou deixando-me de boca aberta.
- Vocês vão deixar os cães brigarem? – Perguntei indignada.
- Qual é, ? É a diversão dos adolescentes daqui. – Al retrucou em um tom despreocupado.
Eu nunca tive um cachorro ou qualquer contato com um animal, afinal eles não eram permitidos no lugar onde eu cresci, porém, deixar os animais se atacarem era no mínimo desumano. J.D me puxou para um dos lugares próximos a grade.
- Cadê o meu primo? – Estava realmente preocupada com Joe, porque este lugar não era nem um pouco agradável.
- Não se preocupe com o Joe, ele sabe se cuidar. – Al respondeu.
Eu estava sentada entre Al e J.D, muitos homens gritavam alguma coisa, outros se debatiam próximo a grade. Tanta gente soada, vibrando com sangue, é isso que eles queriam ver... Sangue!
- Boa Noite! – Um homem falou de um palco de metal suspenso. – Espero que já tenham feito suas apostas. – Ele soltou um riso cínico no microfone. – QUE COMECEM AS LUTAS! – Gritou ao microfone.
Dois jovens apareceram de lados opostos da arena, com seus respectivos cachorros. Um deles era ruivo, forte e usava uma blusa xadrez rasgada, o outro loiro, baixinho porém incrivelmente bombado.
- Qual das beldades aqui presentes quer dar início à batalha da noite? – O apresentador gritou e pude ouvir uma grande resposta feminina, algumas meninas pulavam de mãos levantadas. – Uau, essa noite temos muitas candidatas maravilhosas. Você! – Ele gritou e um holofote me iluminou fortemente. Neguei com a cabeça. Eu não vou contribuir para essa violência, mas não vou mesmo.
- Qual é, Mark, ela está comigo! – J.D gritou ao homem, como forma de tentar me proteger daquilo.
- Deixe de ser mandraque, Sumner. – O homem mordeu o lábio inferior me medindo dos pés à cabeça. – Traga sua boazuda, para que todos nós possamos ver. Não confia no seu taco? – Ele disse provocativo.
- Confio, Mark. Porém diga a esses babões que a menina está comigo, não quer se expor assim. – Continuou firme.
Sem mais discussões o homem chamou uma garota loira que usava roupas ao estilo rebelde, curtas e ousadas. Ela segurou uma placa e disse “que comecem as lutas!”. Balançou seu quadril e os grandes seios acompanharam o movimento.
Os donos soltaram seus cães, era algo violento, não aguentava mais ver. Mesmo assim assisti a três lutas em que os donos pediam a carta branca e os animais eram separados. Mas há pouco tempo havia começado uma luta, a principal, como muitos gritaram. Os dois animais eram maiores que os outros, pareciam perigosos, dava aflição só de ver. A luta entre eles foi a mais sangrenta e violenta, acabou com um deles morto.
- Puta que pariu! – Al gritou ao meu lado. – Merda! Apostei tudo naquele cachorro. – J.D ria do amigo.
- John. – Falei. – Vamos embora?
- Ah, , a melhor parte ainda nem começou. – Ele resistiu. – Mas se quiser posso te levar, não sei... – Tentou ser eficiente.
- Hm... Não precisa. Onde tem um telefone? Vou ligar para o tio Tom. – Eu não queria incomodar meu tio, mas seria impossível pegar um táxi no meio da GL 35, ainda mais a essa hora. E também não aguentava mais aqueles brutamontes.
- Eu te levo lá. – O garoto sorriu.
Fomos andando entre os homens estranhos até chegarmos a um corredor um pouco mais vazio, com dois orelhões nas paredes e sanitários. Prontamente liguei para casa.
- Tio, vem me buscar... Estou no Diablos na GL 35. – Falei em um tom um pouco mais desesperado do que pretendia.
- Está tudo bem, ? Alguém te fez algum mal? – Ele perguntou preocupado.
- Não. Os meninos estão cuidando muito bem de mim. Só quero sair daqui. – O tranquilizei.
- Onde está o Joe? – Perguntou no mesmo tom preocupado de antes.
- Eu não sei, tio.
- Me espere na porta. Não aceite carona de desconhecidos e se qualquer coisa acontecer, volte para casa com Al ou J.D. Tome cuidado, . – Não sei porque, mas isso me deixou preocupada, parecia que o meu tio estava aflito com alguma coisa. E ele andava realmente paranoico desde a ligação do misterioso Sam.
- Ok. Tchau, tio. Minha ficha está acabando. – Falei e em seguida a ligação foi cortada.
J.D me acompanhou até a porta, ele era lindo. Assim que cheguei lá pude ver Ginger. O garoto se animou ao vê-la.
- , agora você tem companhia, fique por perto de Ginger, ok? – Ele perguntou sorrindo e eu assenti.
- Sim, senhor. – Respondi batendo continência.
- Cuide bem dela, ok, Gin? – J.D falou sério.
- Pode deixar, Sumner. – Ela respondeu. De onde eles se conheciam? Como se eu pudesse questionar isso, eu sou a extraterrestre da cidade. Ri com meus pensamentos.
- Tchau, . – Ele falou depositando um beijo em minha testa e seguindo para dentro.
- Ah, você está com o SUMNER! – Ela gritou o final e eu neguei com a cabeça como uma louca. - Fala sério! Está tão na cara...
- Ele é meu amigo, Gin. – Respondi calma.
- Mas e a mão-boba do J.D?
- Nada demais, Gin. Aliás, eu acho que você está muito interessada nele. – Quando a situação estiver ruim para você... Vire o jogo!
- Tenho que admitir que ele é boa-pinta! – Ela riu um pouco. – Mas, tenho uma quedinha pelo Joe. – Admitiu e corou.
- Uau, meu priminho está bem na fita. – Comentei. – Vocês formam um belo casal.
A estrada estava vazia e a lua estava bonita. Estávamos sentadas no acostamento, jogando conversa fora. A garota era muito bonita realmente e ao mesmo tempo muito legal. Do outro lado tinha um telefone público, decidi tentar ligar para saber se meu tio realmente vinha.
- Gin, eu vou ali fazer um telefonema. – Avisei e ela assentiu.
Esperei dois carros passarem e fui andando em direção ao orelhão. Um barulho impressionantemente alto se aproximou e eu gelei, óbvio. Dizem que quando a morte está próxima você vê sua vida passar à frente de seus olhos, é lógico que não a vida inteira, mas parte dela, as partes importantes. E eu espero que meu filme pelo menos passasse em cores. O caminhão freou bruscamente, levantando poeira inclusive chegou a balançar, mas por centímetros não chegou a encostar em mim.
- Tudo bem? – Uma voz preocupada perguntou atrás de mim. Minha respiração estava ofegante. Nunca se espera ser atropelada por um caminhão, muito menos ele conseguir parar tão perto de você.
Um garoto pulou pela porta, usava uma regata branca, calça jeans de lavagem escura e um colete xadrez. Os cabelos negros e os belos olhos azuis que seriam uma bela visão se eu estivesse no paraíso. Mas eu esperava não ter morrido, e acho que isso não aconteceu.
- , está tudo bem com você? – Ele perguntou ainda mais perto de mim.
- Está. Só estou digerindo o que aconteceu. – Respondi e a esse momento, Ginger já estava ao nosso lado gritando com uma louca.
- Cale a boca, Ginger! – Aron gritou. – Eu vou te levar para casa! – Ele voltou a mim.
- Tudo bem.
- Como assim tudo bem? Ele quase te mata e você vai aceitar uma carona dele? Você é louca? – A garota estava descontrolada.
- Tudo isso porque você é maluca ou está morrendo de ciúmes, Ginger? – Ah... Então ela também conhecia o Aron. – Ou porque é uma patricinha, mimada?
- Um pouco de tudo, menos do ciúmes, é claro. Porque, eu era sua única amiga, Elvis, e mesmo assim você é completamente louco. Insanidade poderia ser o seu sobrenome. – Ela estava bufando. – Você vem comigo certo, ? Vamos esperar seu tio.
- Desculpa, Ginger... – Decidi com algum esforço. – Vamos Presley. – A garota atravessou a rua batendo o pé.
Aron me ajudou a subir no caminhão e logo se jogou no banco. Pude ver pela janela Ginger sumir para dentro daquele bar-purgatório-de-animais. O garoto estava soando.
- Está tudo bem? – Perguntei.
- Você é louca? Eu podia ter te matado. – Estava com a voz alterada. Agora ele que quase me atropela e ainda se acha no direito de ficar bravo?
- Eu? Você me culpa porque você quase me atropelou? – Retruquei.
- Não atravesso uma estrada do nada. O que você tinha na cabeça? – Putz! Eu lembrei que esperava ligar para o tio Tom, mas depois do susto, tudo o que queria era chegar em casa.
- Eu precisava fazer uma ligação. – Respondi.
- Puta que pariu! – Ele realmente estava bravo.
Seguimos o resto do caminho em silêncio. Ele parou à frente do sobrado, a rua parecia muito estreita para o caminhão, mas apesar de tudo ele era um bom motorista.
- . – Ele começou já parado. – Eu estou muito decepcionado com você. Acho que deveríamos parar de nos ver. – Como assim? Ele estava triste comigo porque eu não sei atravessar a rua? Ele é um babaca.
- Eu também acho melhor, não nos vermos mais. Elvis, Aron, Jesse, ou a porra que seja, Presley. – Falei irritada.
Depois de um riso cínico, respondeu baixo:
- Por hoje eu sou o Elvis.
Desde quando o Aron dirigia caminhões? Eu hein... Ele não trabalhava no drive-in? Tentei afastar meus pensamentos e achar a chave de casa. Provavelmente Ginger o avisaria que eu voltei com o Aron, e tio Tom ficaria muito feliz, por seu plano estar “funcionando”. Estava deitada em casa quando meu tio chegou aos berros com Joe.
- Não acredito! Você podia ter morrido! Qual o seu problema, Joe?
- Ele iria acabar com o Al se ele continuasse ali, pai.
- Então você simplesmente quebra o regulamento do Diablos e se mete na briga?
- Desculpa...
- Tudo bem, Joe. Você está péssimo. Sabe que poderia ter morrido... – Tio Tom fez uma pausa. – O que importa é que todos estão vivos.
Desci a escada e pude ver meu primo em péssimo estado, um corte em seu supercílio, sua costela estava inchada. O garoto estava jogado no sofá.
- O que aconteceu, Joe? – Perguntei correndo para a sala.
- Nada demais, broto. Começou uma briga por causa das apostas, eu tentei separar, mais um ruivo folgado me deu um soco. E começou, chegou a voar cadeiras, dei graças a Deus que você não estava lá. Depois a polícia chegou e levou alguns arruaceiros. Foi a maior algazarra.
- Você está péssimo. – Falei ainda analisando o rapaz. – Por que não está no hospital?
- Ah, você não viu o mané que veio mano a mano comigo, eu posso ter levado uma surra, mas ele não parava de pé. – Ele riu. – Se eu for para o hospital vou parecer fraco. – Rolei os olhos.
- Deixe-me te ajudar com isso, então. – Estava prestes a subir quando lembrei de dar satisfações ao meu tio. – Tio, desculpa... Eu fiquei assustada com aquele lugar então peguei uma carona com um amigo.
- Que amigo? – Joe perguntou tentando se levantar do sofá e soltando um gemido de dor.
- Tudo bem, . – Meu tio respondeu-me.
- O Aron. – Esclareci, mas meu primo ficou ainda mais irritado.
Em pouco tempo estava na sala com o kit de primeiros socorros. A costela de Joe estava inchada, acho que não estava quebrada, mas não podia afirmar com certeza. Sem que ao longo de seu tronco muitos outros cortes e roxos me preocupavam. Estanquei o sangue de seu supercílio, passei uma pomada em sua costela, ele gemia de dor, mas eu só queria ajudar.
- Acho que se eu estivesse com um terço dos seus machucados eu já tinha morrido. – Comentei cômica.
- Por isso está me torturando? Para ver até onde eu resisto? – Fez falso drama.
- Besta. – Falei e ele sorriu. Acabei os curativos, meu tio estava sentado na poltrona, lendo jornal enquanto eu terminava com o Joe.
- Hm... Tom, me ajuda a levar ele até o quarto. – Pouco depois meu priminho já estava na cama.
- Eu vou para o meu quarto. – Meu tio disse fechando a porta.
- Acho que vou tomar um banho. – Joe falou e eu o repreendi com o olhar.
- Vou para o meu quarto também. – Disse. – Não quero te machucar enquanto estiver dormindo.
- Ah, por favor... – Ele fez beiço. – Você dorme que nem uma princesinha, nem toca em mim. – Será Joe? Será mesmo? Acho difícil porque eu acordo praticamente de ponta cabeça.
- Vou para lá por hoje, ok?
- E se eu te disser que eu preciso que você fique para cuidar de mim? – Eu sorri, aceitei que não adiantaria discutir com o meu priminho. Já havia tomado banho, mas agora minhas mãos estavam sujas de sangue. Enfim, deitei-me mesmo assim. Cobri a nós dois. – Você podia chegar mais perto e me abraçar.
- Joe! – Repreendi. – Não posso, não quero machucar você. – Ele assentiu.
Acho que minha vida nunca foi tão movimentada como nos últimos tempos. Nunca pensei que fosse morrer tantas vezes, tive tantos amigos, ou senti o que eu sentia por Joe, muito menos a paixão e o desejo que Aron me provocava. Ao mesmo tempo eu sentia raiva, porque ele estava sendo um babaca comigo, mas eu tinha certeza que se ele aparecesse ali agora, eu iria correndo para seus braços, seja ele quem for.
Eu não estava apaixonada por ele, mas sabia que era errado estar e isso me mantinha por perto. Aron era bonito, cantava bem, mas eu decidi que não era louca por ele. É inegável que ele me atraía e provocava, mas acho que alguém como o J.D ou o Joe combinavam muito mais comigo.
Os dias passaram mais rápido do que eu imaginava. Eu saía com Joe, Al e J.D quase todas as sexta-feiras, sábados e domingos. Os outros dias eu gastava com Ginger na Lanvin. Cheguei a mandar meu currículo para lá, quem sabe posso trabalhar com a minha melhor amiga. Já estava em Graceland há dois meses, acostumei-me com tanta coisa que chego a me surpreender comigo mesma. Eu não perdi o hábito de dormir no quarto do Joe, mas isso vinha acontecendo com menor frequência, até porque, mesmo entre tantas brigas, Joe e Ginger estavam finalmente namorando.
Eu ia a todos os shows de Aron, ainda mais depois de conhecer Scotty Moore, guitarrista, dono de belos olhos cor de mel e cabelos castanhos invejáveis. Digno de uma boyband nos tempos atuais. Ele tocava na Hooters, uma lanchonete, a qual eu já podia ser considerada freguesa. Os meninos arriscavam alguns acordes lá também, cheguei a cantar com eles uma vez. Eu morri de vergonha, não que eu cante mal, canto razoavelmente bem, afinal, fui criada tendo que cantar música gospel na igreja.
Aron estava me evitando. Não correria atrás dele, afinal, depois que incorporou seu lado Elvis, deixou de ser alguém que gostaria de ter por perto. Eu tentei falar com ele mais de uma vez, mas sempre acabava sendo ignorada e foi assim que conheci Scotty. Ele estava tocando com o Presley, quando eu me aproximei, fiquei encarando Aron como de costume, mas ele sequer notou minha presença, então notei os olhos de Scotty vidrados aos meus e ambos sorrimos. A partir de então, quase não nos separávamos, eu ia a alguns ensaios da banda composta por ele, Bill Black e Aron Presley – Outro trio que prometia dar muito trabalho a mim. – Sim, vi o Aron várias e várias vezes e não, não trocamos sequer uma palavra. No final, quem se importa? Eu estava muito feliz com o Moore.
Acho que neste período Joe esqueceu seu ódio mortal por Aron, na verdade os dois trios andavam mais próximos do que algum dia se poderia imaginar. E eu e Ginger, obviamente, acompanhávamos nossos garotos a todos os lugares. O relacionamento com Scotty era bem tranquilo, sem muitas cobranças, ele me tratava bem, cuidava de mim. Al continuava o galinha de sempre. J.D não ficava atrás. Quanto a Bill... Bem, as coisas não andavam muito bem entre ele e sua namorada Tanya.
O dia estava claro, a casa perfeitamente arrumada e o café da manhã pronto. Não tinha muito o que fazer... Eu observava os passarinhos na árvore, é impressionante como até mesmo no mundo animal se percebe o amor, tão puro e leve. Algo que aprendi a sentir em Graceland. Pude ver o menino da bicicleta verde passar jogando o jornal do dia. Fui busca-lo como meu tio me pedia para fazer nas manhãs que ele não estava. Coloquei em cima da mesa virado para trás. Passei os olhos por cima, coisa que eu não costumava a fazer.
Descanse em paz, Gladys Presley. – Dizia uma notícia em um canto escondido do jornal, algo tão pequeno que chegava a ser imperceptível. Mas aquilo me chamou a atenção de tal maneira.
Naquele segundo não pensei duas vezes, peguei a chave do Ford V-8 do meu tio e fui para o cemitério. É óbvio que eu sabia o que esperar. O meu coração estava apertado. Acho que ele poderia ser o babaca que fosse, me evitar o quanto quisesse, mas eu me preocuparia com ele, sempre.
Em poucos minutos já havia estacionado à frente do cemitério. Corri o mais rápido que pude. Algumas pessoas estavam ali ouvindo o discurso de despedida. Eu pude perceber que estava no lugar certo, porque pude avistar mesmo que longe o padre da cidade, falando algo que eu não entendia. Todos estavam vestidos de preto, mas eu não, não tive tempo para me preocupar com um vestido.
- E com a graça do senhor, que Gladys Presley descanse em paz. – Ele disse com as mesmas palavras do jornal.
Aos poucos o local foi esvaziando, ela reconheceu imediatamente, era a cova ao lado do túmulo de Jesse. O lugar no qual passei um momento tão bom com Aron. O clima estava hostil. Pude avistar, não muito longe o garoto de cabelos negros que eu sabia estar péssimo. Uma coisa eu sabia sobre aquela mulher, ela tinha um filho que a venerava, o vínculo entre aqueles dois era mais forte do que qualquer um possa imaginar. E isso me preocupava, ele estava morrendo. Não fisicamente, mas por dentro.
Andei em sua direção, lentamente. Quando me aproximei pude ver seus olhos vermelhos, pele pálida, chegava a parecer doentio. As lágrimas escorriam livremente por seus olhos, enquanto terra era jogada sobre o caixão. Respirei fundo e me aproximei ainda mais dele.
- Eu sinto muito. – Falei com a voz fraca.
- Sente muito? – Sua voz embriagada pelo choro chegava a passar dor e raiva ao mesmo tempo. – Você não a conhecia. Veio aqui para debochar da minha cara. – Ele continuou. – Eu a amava e a amo, como você nunca entenderia. E se veio para olhar para mim com pena... Saiba que não quero isso de você. Foi tudo culpa sua. Se eu não tivesse saído para tentar te evitar... – O seu choro estava abafado e soluços vieram.
Não ligava para as palavras do garoto. Ele não se conformava com a dor, mas este é problema delas, ela precisa ser sentida. Eu o abracei tentando conforta-lo. Eu sabia que não adiantaria, mas faria o que estivesse ao meu alcance. Ele afundou sua cabeça em meu ombro e deixou as lágrimas virem mais e mais.
- Eu não entendo porquê. – Aron falou em meio ao choro. – Ela era jovem, era boa, tinha fé... – Ele fez uma pausa. – Por que Deus faria isso? Por que não me levou em seu lugar? Eu não tenho ninguém nesse mundo agora, ninguém que se importe. Ninguém além dela.
- Shhh... – Pedi silêncio esperando que ele se calasse. – Eu te amo, Aron. – Seu choro aumentou cada vez mais. Então era isso, eu confessei, que amo o Aron, mas não foi em vão, não só uma tentativa de confortá-lo. Veio de dentro do peito e era mais verdadeiro do que eu poderia suportar.
O vento podia nos congelar a qualquer momento. Mas eu não me importava. Já não havia nada a ser feito, a não ser lamentar. O garoto levou a mão a seu coração e ficou segurando por algum tempo.
- Nós precisamos sair daqui. – Sussurrei em seu ouvido. Aron assentiu.
Eu o levei até o Audi V-8 e ele desabou. Não o impedi de fazer isso, mas meu coração doía com aquela cena.
- Me leva para casa... – Ele falou simplesmente, concordei, não discordaria de nenhum pedido dele.
Dirigi até a casa de Aron. Ele pediu que eu fosse embora e eu assenti. Talvez não quisesse dividir aquele momento com ninguém. Entendia-o. Cada um tem sua maneira de lidar com a dor.
- Me desculpa, . – Aron falou, mas ignorei, não havia nada para desculpar. Nunca senti rancor nenhum, eu sentia saudades. Saudades de tê-lo por perto, de suas maluquices. Não sentia pena, eu queria vê-lo bem.
Deixei-o ali, fui para casa, ainda teria que explicar a meu tio tudo o que estava acontecendo. Afinal, eu saí com a Betty sem dar-lhe nenhuma explicação. Voltei devagar observando a paisagem, era como se para toda a cidade faltasse algo, sua magia não estava tão vibrante, mas todos continuavam suas atividades normais. Passei à frente de um bar e vi Vernon, pai de Aron, bebendo, parecia despedaçado.
Cheguei ao sobrado, deveria estar destruída. A porta estava aberta. Pude ver meu tio sentado em um dos degraus da escada. Seus olhos estavam marejados.
- Desculpe-me por isso, . – Ele disse quando me aproximei.
- A culpa não foi sua. – Respondi. – Vocês eram amigos? – Perguntei em referência a Gladys.
- Na época de colégio, ela era uma linda mulher. Disputada entre os irmãos Presley. Um doce de pessoa, mas quando se irritava também... Não havia quem pudesse controla-la. Eu era seu melhor amigo... Mas depois que começou a namorar com Vernon perdemos o contato. – Ele parecia sincero, mesmo eu tendo dúvidas sobre alguma coisa dita ali. – Que ela, Gladys Smith, descanse em paz. – Tio Tom usou o nome de solteira da amiga.
Depois de conversar um pouco com meu tio decidi tomar um banho e em seguida tirar uma soneca. Isso me relaxaria, com certeza. A água percorria toda extensão de meu corpo, aliviando cada parte tensa. Eu suspirei, não aguentaria vê-lo sofrer daquela maneira. Ao sair do banho coloquei um pijama simples e deitei-me, talvez os sonhos afastassem os pesadelos da vida real. Estava exausta então não demorou para que eu fosse levada pelo sono. Ela estava lá, como nas fotos. Eu andava pela casa e a mulher me acompanhava, fazia algum pedido em um tom quase inaudível. Continuei a andar, cheguei a uma porta no final do corredor escuro. Então ela falou “cuide bem dele, eu confio em você” e desapareceu. A porta estava trancada eu batia nela, mas não havia resposta. Então pude ver uma mesa e a luz refletia a única coisa sobre ela, uma chave. Quando encostei na chave um vento passou por mim “salve-o”, a mesma voz feminina, me arrepiei inteira. Voltei até a porta e então a abri. Estávamos em uma sala de hospital e Aron estava deitado lá. A frase que o garoto me disse pela manhã ecoava pela minha cabeça: Por que ela e não eu? Por que Ele faria isso? Então o garoto começou a ficar distante, eu não podia alcança-lo, vi um homem de costas, ele riu. Era o chefe do sistema. Comecei a gritar, estava perdida em um lugar escuro.
Abri os olhos com a respiração ofegante, foi tudo um sonho, um sonho muito estranho, mas estava agoniada eu precisava voltar a casa do Aron e falar com ele.
- Está tudo bem, broto? – Joe perguntou entrando no quarto.
- Sim, eu só... Preciso ver o Presley. – Falei em um quase pânico.
- Foi só um pesadelo, . – Ele falou tentando me acalmar. – O Aron é um babaca, , ele só te machuca porque você ainda corre atrás dele?
- Porque ele, Joe, é o babaca que eu amo. E ele precisa de mim. – Coloquei uma blusa de tricô e uma saia, de qualquer jeito, sem escolher muito.
- Ok, eu te levo até lá. – Joe podia não concordar, mas aceitaria que ele precisava de mim. Terminei colocando o salto vermelho, ainda de meia. – Vamos ter que ir de moto. Tudo bem? – Ele perguntou preocupado. Assenti com a cabeça e o puxei pela escada.
Ele dirigiu até a simples casa próxima ao centro da cidade. Eu o segurava firme, com medo, não de cair, de não chegar a tempo na casa de Aron. Uma sensação muito ruim se instalou dentro de mim com aquele sonho. Assim que a moto parou, saltei dela. A porta da casa ainda estava aberta como eu deixei ao sair.
- Eu vou te esperar um tempo... Se quiser que eu vá, faça um sinal na janela. – Meu primo falou se ajeitando ao lado da Harley.
Corri até o final do corredor, espero que esse seja o quarto de Aron, pensei enquanto tentava abrir a porta.
- Aron? Aron você está aí? – Eu batia loucamente nela.
- Vai embora, ! Não tem nada que você possa fazer! – Então eu vi a mesa e uma chave sobre ela. O que mais me surpreendia era em como aquele sonho me pareceu real.
Adentrei o quarto, muitos papéis estavam jogados ao chão amassados e ele segurava em mãos um pote, semelhante ao de remédios, em cima da cômoda uma caixa, que indicava, barbitúricos. Merda!
Aron ainda estava acordado, mas se preparava para levar mais uma dose a boca. Sem pensar duas vezes, pulei em sua direção, derrubando o potinho no chão.
- Puta que pariu, Aron! Você quer morrer? – Eu entendia pouco sobre a substância, mas sabia que a diferença entre uma dose tóxica e medicinal era muito pequena.
- Quero, e você não vai me impedir. – O garoto se levantou bruscamente. Mas eu peguei o pote mais rápido me direcionei a parede perto a janela. E ele deu um tapa em minha cara. – Devolve, , você não pode me impedir de acabar comigo mesmo. – Será que ele escutava suas próprias palavras?
Joguei aquele veneno pela janela. Ele me encostou pelo pescoço na parede e pressionou, fechou os punhos, estava alterado, o uso da droga poderia ter mais efeitos do que eu imaginava. Fechei os olhos para esperar pelo que viria, mas não veio.
- Eu não consigo. Não consigo te machucar nem que eu queira. – Ele falou irritado.
Escorregou as costas pela parede, eu tomava ar, o choro apertava cada vez mais. Então os soluços vieram. Sentei-me ao seu lado e o puxei para um abraço. Não sentia medo dele. Eu era completamente apaixonada por ele.
- Aron... Quantas foram? – Perguntei preocupada.
- Três pílulas. Eu tive que comprar mais, só que você chegou e estragou tudo.
- Nunca mais faça isso. Eu te amo seu, idiota. – O meu coração estava acelerado, nunca tive tanto medo na minha vida, medo de perde-lo.
Ele afundou a cabeça em meu ombro e voltou a chorar. O levei para a cama com muito esforço. Aron levou novamente a mão ao coração e soltou um gemido, como o de dor.
- Você está sentindo alguma coisa?
- Estou, , nunca doeu tanto. – Entendi que não era nada físico. Aquilo poderia ser o começo de uma depressão.
Eu o abracei novamente, acho que era a única coisa que eu podia fazer, não tinha palavras para tentar aliviar essa dor. Então lembrei-me do sonho.
- Sua mãe, Aron, me pediu para cuidar de você. Eu sonhei com ela. – Ele deu meio sorriso, entre tantas lágrimas e isso foi gratificante.
O choro foi se cessando depois de um tempo, afinal ele tomou dose o suficiente para ser dopado, os meus olhos marejaram e eu deixei as minhas lágrimas escorrer por todo o susto do dia, meus olhos ardiam. Liguei para Nick, o único médico que eu conhecia na cidade, ele com certeza entenderia mais do que eu sobre o assunto.
Pouco tempo depois, Nick e Joe entraram no quarto.
- O que aconteceu, ? Vi o doutor entrando e fiquei desesperado. – Meu primo parecia mais preocupado do que nunca. – Você está bem? Ele te fez algum mal?
Eu apontei para o garoto na cama. Ele parecia fazer mal a alguém? Eu sabia a resposta, é óbvio que não. Ele dormia como um anjo. Mas seu estado continuava péssimo, qualquer um que o visse naquele estado teria pena. Qualquer um, incluindo Joe.
- Estou bem. – Respondi ainda com a voz fraca. – Doutor, ele queria morrer, pode ter abusado da dose de barbitúricos.
- Sorte nossa terem acabados as pílulas, ou você ter chego a tempo. – Nick falou depois de examiná-lo. – Foi uma boa dopagem, mas ele ficará bem. Você sabe se ele tinha mais pílulas? – Assenti com a cabeça.
- Eu as joguei pela janela. Desculpe, foi um ato desesperado.
- Eu e Joe vamos tentar achar, para evitar a dopagem de algum animal, ou até mesmo uma criança que venha a ingerir. Certo Joe? – Nick praticamente intimou.
Os dois saíram, cobri o garoto e depositei um beijo em sua testa. Eu estava feliz por tudo ter acabado bem. Mas sabia que ainda não era o fim, ficaria de olho em Aron por um tempo, não posso permitir que ele faça alguma loucura.
- Que susto você me deu em... – Sussurrei. – Você nem imagina o quanto eu preciso de você. Eu te amo. – Eu sorri. – Te perder não era uma opção.
Antes de deixar o quarto, peguei um dos papéis jogados no chão. Rabiscado no papel:
Oh, mama liked the roses she grew them in the yard
But Winter always came around and made the growing way too hard
Oh, mama liked the roses and when she had the time
She'd decorate the living room, for all us kids to see
When I hear the Sunday bells ringing in the morning
I remember crying when she used to sing
Oh, mama liked the roses but most of all she cared
About the way we learned to live
And if we said our prayers
You know I kept the family bible
With a rose that she saved inside
It was pressed between the pages
Like it had found a place to hide
Oh, mama liked the roses in such a special way
We bring them every Mother's Day
And put them on her grave
Oh, mama liked the roses MM
Aron abriu os olhos após três dias. Eu estive lá todos eles, às vezes ficava tão próxima que podia ouvir seu coração e era isso que eu queria, ter certeza de que ele se mantinha vivo. Joe não tocou mais no assunto comigo, eu voltava todas as noites para casa e vinha aqui pelas manhãs. Ele ficou olhando para o teto sem dizer sequer uma palavra, parecia pensar em algo.
- Você deve estar morto de fome. – Falei fazendo sinal que iria para a cozinha. Ele murmurou um “uhum”. – Tome um banho, quando acabar o café já estará pronto.
Fiz panquecas, ovos mexidos e um suco de laranja. Coloquei em uma bandeja e subi as escadas levando isso a ele. Quando adentrei o quarto, Aron estava enrolado a toalha, com seu abdômen bem definido à mostra. Eu corei.
- ... – Ele disse um pouco envergonhado. – Er... Me desculpe por isso.
- Eu que tenho que pedir desculpas... Eu vim... Er... Trazer o café. – Acho que me enrolei mais que ele.
- Uhum, eu vou me trocar e depois... Como... – Assenti com a cabeça, deixei a bandeja em cima da cama e me retirei do quarto.
- Pode entrar, . – O garoto gritou.
Nós estávamos comendo e jogando conversa fora, eu não tinha certeza de que ele se lembrava que sua mãe havia nos deixado, preferi não tocar no assunto. Depois de um silêncio constrangedor, Aron arriscou:
- Por quanto tempo eu dormi?
- Três dias. – Ou tempo o suficiente, pensei.
- Nossa... – Ele olhou no fundo de meus olhos, aquele azul intenso era tão irresistível. – É verdade? – Ele continuou calmo. Eu o olhei confusa. – Você me ama? – Eu corei novamente, tomei ar.
- É, Aron Presley, eu te amo. – Ele parou por um tempo e sorriu.
- Hm... Se eu fosse o Jesse, eu diria que sou completamente apaixonado por você. – Acredite se quiser o seu tom era sério.
- O que o Elvis me diria? – Perguntei cômica.
- Ele te acha uma uvinha. – Aron entrou na brincadeira. – Mas, sabe, ele jamais faria isso com o irmão, por mais rebelde que ele seja.
- E você, Aron, o que diria a mim? – Ele me olhou curioso, acho que todos na cidade o tratavam com Elvis ou Jesse, por isso ele nunca tentou ser simplesmente o Aron.
Ele alternou o olhar entre meus olhos e meus lábios e sorriu. Eu sabia que a resposta viria a seguir. E seria a melhor que ele poderia dar. Nossos lábios foram selados em um beijo doce e calmo. Ele segurava meu rosto e eu entrelaçava meus dedos em seus cabelos negros.
- Eu preciso te mostrar uma coisa. – Aron disse interrompendo o beijo. – Mas isso pode esperar...
Quando nos afastamos um pouco devido à falta de ar, ele parou por um segundo, pegou seu violão e olhou para mim.
- Eu andei... Hm... Pensando que você merecia saber... Eu tenho um presente para você. – Aron estava com os olhos brilhantes.
Sentei ao seu lado na cama. Ele estava arriscava alguns acordes quando começou: - Evening shadows make me blue. When each weary day is through. How I long to be with you. My happiness. – Ele cantarolou. - Every day I reminisce. Dreaming of your tender kiss. Always thinking how I miss. My happiness. – Ele fez uma pausa.
Aron colocou o violão ao seu lado. Olhando intensamente para mim. E eu estava sonhando com aquele beijo terno. O beijo da minha felicidade. Nossas cabeças se encostaram, depois nossos narizes e logo me entreguei ao beijo terno. Ao nosso tender kiss.
- Talvez você seja minha felicidade. – Ele falou entre um beijo e outro.
- Eu te amo. – Foi tudo o que consegui dizer. Eu não esperava que ele correspondesse, não agora, sem a magia de meu tio o possuindo.
- Eu não acabei... – Aron comentou quando nos afastamos. – Não acabei a música ainda.
Desde o nosso primeiro beijo, conseguimos nos manter juntos. Eu conversei com Scotty e expliquei a situação, no começo ele pareceu magoado, mas logo conheceu Judy Smith, uma ruiva de beleza extraordinária, também conhecida como prima de Elvis, por parte de mãe.
Caminhei até o quarto de Joe e bati na porta. Sabia que ele estava com Ginger, aliás isso também mudou nos últimos tempos, eu passei a dormir integralmente em meu quarto, já que Gin, passava a maior parte do tempo com o Joe no quarto que já podia ser considerado deles.
- Joe! – Gritei. – Preciso roubar a sua namorada por algum tempo.
- Ah, broto! Você passa cinco dias por semana com ela na Lanvin. – Ele fez charme. Ah, e eu estou trabalhando na Lanvin agora, arrumei uma ocupação para minhas manhãs, a tarde costumava a arrumar a casa e a noite podia sair com os meninos e a Gin.
- Deixe de ser bobo. – Ginger falou saindo. – Diga, , no que posso ajudar? – Ela olhou desafiadora e ambas rimos.
- O que se usa em uma ópera? – Perguntei fazendo careta.
- Uau, é um programa inusitado para um garoto do subúrbio. – Concordei, afinal, Aron era muito contraditório, por mais que vivesse em uma casa simples e tivesse descendência humilde, ele sempre frequentou lugares incríveis. Entendia da boa música. Agora que ganhava bem devido ao sucesso da banda então...
- Não sei o que vestir! – Surtei. E Ginger riu.
Depois de um longo tempo praticamente dentro do meu guarda-roupa, optamos por um vestido de bainha sereia cor de vinho, com um decote nas costas. Era um vestido muito bonito que combinava com meus cabelos . Passei um pó e um batom vermelho. Deixei os cabelos perfeitamente lisos como de costume.
Desci as escadas, e pude ver um Aron na beca, à minha espera. O terno claro, combinando com a calça e gravata borboleta fina, estava mais bonito do que nunca. Mantinha o topete perfeito e escolheu mais uma roupa excêntrica tipicamente Presley.
- Uau, uvinha. – Aron falou analisando-me da cabeça aos pés. – Você está... Deslumbrante.
- Você não está nada mal. – Comentei.
- Ah, pode falar que ele é um tipão. – Ginger gritou. E todos rimos.
- Que isso, o Joe que é... – Respondi.
- Admito que sou boa-pinta, mas o garanhão aí está até com pinta de galã. – Joe falou sorrindo.
- Madmoiselle. – Aron disse com um péssimo sotaque francês e depositou um beijo em minha mão. – Me acompanha? – Ele perguntou já entrelaçando nossos braços.
Chegamos ao Cadillac conversível, novo carro de Aron, na verdade o carro fora comprado para sua mãe. Era azul claro, mas ele pintou de vermelho e deu a mim, como prova de sua gratidão, eu não poderia aceitar jamais um presente como esse. Portanto acabou ficando com Aron, mas ele fazia questão de me levar onde eu quisesse ir com aquele carro.
O teatro era bonito, sentamo-nos no camarote, sessão mais alta do teatro. E então o espetáculo começou. Estávamos assistindo ao fantasma da ópera. Era impressionante cada detalhe, a sinfonia era perfeitamente dirigida. Prestávamos atenção a cada movimento, cada nota. Aron estava vidrado. Tocava All I Ask Of You, era a cena em que a personagem principal, Christine foge para o telhado com Raoul e conta a ele sobre seu encontro com o fantasma da ópera, ele jura amar e protegê-la, ao ouvir a conversa o fantasma inconsolável jura vingança e faz o lustre cair e assim as cortinas se fecham. Uau, foi uma cena e tanto. Uma pausa foi feita entre o primeiro e o segundo ato, Aron me puxou até o Cadillac estacionado estrategicamente em uma rua deserta, pertíssimo do palco.
Uma música alta começou a tocar: Phantom of The Opera. Aron sabia o que estava fazendo, me puxou para um beijo intenso e terno ao mesmo tempo. Ele segurou minha cintura e puxou sob seu corpo, voltando a me beijar. Suas mãos se alternavam entre minha cintura e meu quadril, ele seguia a música em cada movimento seu. Ele tirou sua camisa.
- Ar... Aron... – Interrompi. – Eu sou virgem. – Eu já entendera o que ele queria, e daria isso a ele, bastava ele aceitar.
- Eu sei, . – Sorriu sacana.
Abriu o zíper do meu vestido que saiu com facilidade. Em poucos segundos o sutiã cônico também já não estava mais lá, ele passou a língua contornando os meus seios. E depois voltou a minha boca, apertou nossos corpos cada vez mais. Retirou sua calça, podia ver o quanto me desejava. Prendeu minhas coxas em seu quadril encaixando nossas pélvis. Aquilo era perfeito demais para ser verdade. Girei o quadril ficando por cima dele, roçando nosso ponto de contato. Minha calcinha fina já nos atrapalhava demais, ele apertava minha coxa com força. Eu arranhava suas costas e nuca para demonstrar o quanto aquilo estava bom... Passei o dedo pelo V que se formava em seu quadril e me levava até onde eu queria estar e ele sorriu. Sem mais delongas invadiu meu corpo, como só ele poderia fazer, estava bom, excitante, os movimentos acompanhavam a música. Os seus passos de dança na horizontal eram ainda mais eróticos, sensuais e maravilhosos. Eu gemia alto cortando a música em certos momentos, seus movimentos inquietantes estavam me deixando sem fôlego, aquilo não poderia ser assim tão bom. Seus beijos úmidos em meu pescoço estavam me deixando desnorteada. Ele mordiscava o lóbulo da minha orelha. Estávamos em uma coreografia múltipla, meu corpo pedia o seu. Como se não bastasse me ensandecer brincando com o meu corpo, e fazendo-me rebolar para acompanha-lo, teve de levar uma das mãos aos meus seios e apertá-los enquanto a outra pressionava a minha coxa. Pude sentir o orgasmo se aproximar, mas não me rendi ao meu ponto auge, ajudei Aron a chegar ao seu. Ele atingiu seu ponto máximo, soltando o que poderia se comparar a um rugido de tão alto. Minha respiração estava ofegante, nos separamos com muito esforço e logo desabei sobre seu corpo. Depois de um bom tempo nossa respiração já estava normalizada, eu subia e descia sobre seu peitoral. Podia ouvir os batimentos de seu coração de desacelerando.
- Uau. – Ele falou simplesmente.
- Nunca achei que pudesse sentir tanto prazer. – Comentei.
A luz do carro estava escura e a rua deserta. Eu esperava que ele não pudesse ver tudo, sei que fiz de tudo com ele, mas não sabia o que esperar.
- Você é linda, , a mais linda. – Ele repetiu as palavras do 8 de janeiro. Como se percebesse a minha insegurança.
Acredite se quiser, estamos em Hollywood. Acho que para eles Hollywood foi tão chocante quanto Graceland para mim. Afinal, eles estavam como em uma cúpula de vidro onde a única pessoa que entrou fui eu e as únicas que saíram Tom Parker e Sam Philips. Sim, este é o meu mundo. No começo até eu estranhei voltar a usar short jeans e mini blusas, mas com certeza foi um impacto menos brusco, porque eu já conhecia esse lugar, já conhecia esse mundo.
Meu tio, apesar de todas as picaretagens, não nos deixava faltar nada e fez questão de nos acompanhar pela turnê de Aron Presley, o príncipe do rock, os meninos continuavam a tocar em sua banda, suas roupas excêntricas viraram moda. A música My Hapiness, que ele fez para mim estava em primeiro lugar na Billboard. Um movimento a lá anos dourados explodiu.
Todos se divertiam horrores com as entrevistas de Joe, Ginger, Al, J.D, Scotty e Bill. Eu e Aron nos tornamos o casal queridinho da América, isso em menos de três meses, desde que gravamos o primeiro disco pouco depois que sua mãe morreu. Acho que minha vida nunca voltaria a ser exatamente normal, mas era irônico como saí anônima de Londres, passei pela cidade onde a música comanda e cheguei como a namorada da maior sensação do momento.
Podem achar que tudo parece certo, mas não estava. Aron não me amava, era tudo parte da sessão de hipnose de meu tio. E isso me machucou muito, porque eu o amava com todas as minhas forças sem nunca ter feito nenhuma sessão. Mas tio Tom ia a casa de Aron, todas as semanas.
Aron filmava em um set em Vegas, o filme Viva Las Vegas, com uma loira peituda, sueca, e muito gata, Ann-Margret. Não sei quantas vezes me peguei chorando à noite sozinha em meu quarto, porque eu sabia que ela o desejava. Ela falou em entrevista que era louca por Aron, mais de uma vez.
Eu e Ginger ensaiávamos com as bailarinas para o show de Aron, com todos os sucessos que conquistaram o mundo. A voz potente voz do rapaz incorporou músicas famosíssimas e fez sucesso com autorais.
- Um, dois, três, quatro. – Ela repetia fazendo a sequência. – Quadril, quadril, giro e giro. – Ginger rebolava ensinando a elas.
Eu estava com uma garota de cabelos cor de cobre, olhos verdes, ela dançaria com Aron, My Happiness e Jailhouse Rock, sim as nossas músicas. Ensinei a ela a coreografia em dupla, envolvia muitos giros e pegadas, tinha que lembrar a nossa primeira dança. Eu fazia com Joe os movimentos e depois a garota repetia os mesmos. Começamos a dança lenta, com três giros de My Happiness, quando dei meu segundo giro pude sentir minhas pernas falharem, sei que Joe me segurou e de repente a escuridão invadiu meus olhos.
Abri os olhos novamente em uma cama de hospital. Uma forte luz era direcionada a eles por um médico, jovem e muito bonito.
- Srta. . Fico feliz que tenha acordado, seu namorado está ao lado de fora esperando por notícias. – Joe entrou no quarto.
- Meu namorado, certo? – Eu ri.
- Não me deram tempo para responder o questionário. – Ele falou se fazendo de inocente. - Como está, broto? – Deixou a expressão cômica dar lugar a uma de preocupação.
- Bem. O que aconteceu? Caí fazendo algum passo? – Perguntei.
- Acho que o doutor poderá nos explicar melhor. – Ele hesitou em responder.
- Você estava muito tempo sem comer e devido ao calor, a sua pressão abaixou. – O homem fez uma pausa. – Tome mais cuidado, mocinha, você tem de comer por três.
Olhei para Joe, que parecia tão confuso quanto eu. Como assim por três? Esse homem estava querendo me deixar uma balofa, só porque eu atrasei uma refeição? Ah, fala sério, né?!
- Sim, parabéns ao casal pelos bebês.
- Joe, você e a Ginger vão ter filhos? – Perguntei tentando entender em que situação me encontrava.
- Não, você e Aron vão ter gêmeos. – Esclareceu.
- Mas como isso é possível... Nós... – Merda! Não usamos camisinha na nossa primeira vez, há três meses e algumas semanas.
- Então você não será o pai? – O doutor perguntou a Joe, que negou com a cabeça em resposta.
...
Tentei ligar para Aron, mas como nunca atendia deduzi que estaria muito ocupado para mim. Quando recebi alta, decidi que viajaria para Vegas. Teria de dar a notícia para Aron, pessoalmente. Nós teríamos dois filhos. Eu só espero que os dois sobrevivam. A sensação de ser responsável por duas coisas tão pequenas e frágeis era assustadoramente maravilhosa.
A primeira coisa que fiz foi arrumar minhas malas, e na mesma noite já estava em Vegas. Um lugar muito bonito, as luzes da cidade, me lembravam Graceland à noite. Peguei o telefone e liguei para o meu Tio.
- Hey, tio... – Falei quando ele atendeu.
- Brotinho. – Ele respondeu, sua voz estava fraca, parecia que chorava.
- Está tudo bem? – Perguntei devido a voz embriagada.
- Sim... Fiquei muito feliz quando Joe me contou, só isso. – Ele respondeu, mas não me convenceu.
- Ah, ele já te contou? Canalha! – Falei fazendo com que ele soltasse um riso.
- Se cuide, broto. Eu te amo. – O meu tio nunca havia dito isso, talvez escrito, mas nunca ouvi aquelas palavras de sua boca, por isso demorei um pouco para digerir as palavras, mas eu sabia que era recíproco eu o amava também, ele foi o pai que nunca tive.
- Também te amo, tio. – Falei e ele logo desligou o telefone. Que estranho! Ele não costumava a fazer isso.
Livrei-me de meus pensamentos e adentrei o grande hotel onde Aron estaria. Alguns repórteres me encheram de perguntas, mas logo estava à frente da porta do garoto. Respirei fundo antes de abrir a porta, precisava pensar muito bem no que dizer. Será que nem isso seria capaz de quebrar o efeito de hipnose de meu Tio? Abri a porta lentamente e dei de cara com uma sueca nua na cama em um sono profundo e segundos depois saía do banheiro um Aron de toalha. Meus olhos marejaram. Era para ser o dia mais feliz da minha vida, mas foi o pior. Sabe quando dizem que se as coisas estão ruins elas podem piorar? Me sentia mal pela hipnose, mas em algum lugar no fundo do meu coração eu tinha esperança de não ser mais uma marionete do sistema, mas eu estava enganada.
- ! – Ele gritou quando me viu, após observar meu estado dirigiu seu olhar para o mesmo lugar que eu, a cama. – Não é nada disso que você está pensando.
- Não é, Aron. Eu estava pensando que você ficaria feliz ao me ver aqui, surpresa Presley. – Falei entre soluços e o garoto veio atrás de mim.
- Uvinha, eu te amo! Você realmente acha que eu fiz isso? Deve ter sido algum paparazzi, eu não sei. Eu te amo, , acredita em mim!
- Não, Aron. Eu acredito em mim. Acho que me iludi, entrei em um jogo e fiquei presa nele, eu não pude controlar.
- Merda! , foi uma armação do Sistema. – Ele falou e eu ri cínica.
- Não, o Sistema sempre batalhou para que nós dois ficássemos juntos. Você é um drogado filho da puta! – Falei e ele me olhou com raiva, mas nada se comparado com o que eu senti por ele.
- Você acha que fui eu? – Perguntou sincero.
- Não era você quem estava negando? Você não lembra o que fez? – Eu ri. – Me esquece! Porque eu não estou mais em Graceland, e eu posso fugir de você, sumir do mapa! Eu posso amar alguém como te amei, Aron, mas você nunca vai ser amado como eu te amei. – Cuspi as palavras em sua cara, eu o odiava, porque o dediquei todo meu amor, eu fui sincera. Respirei fundo mas não adiantava. Os meus olhos já ardiam, era como se meu mundo estivesse desabando.
- , eu vou provar para você que te amo. Vou fazer você acreditar em cada palavra. – Gargalhei novamente.
- Aceite que você perdeu, Aron. Tem uma uvinha nova em cima da sua cama, ou vai me chamar de louca também? – Eu não podia parecer fraca, mas não pude evitar, minha voz saiu entre soluços. – E não me chame de , isso me enoja.
- Eu te amo, .
Pretendia ligar para o Joe vir me buscar, ele estava na linha quando recebi uma ligação de meu tio.
- Broto... O sistema, quer acabar com você. – Ele falou e logo depois pude escutar um tiro.
- Meu Deus, o que foi isso? Pai? – Joe gritou. - , fique aí estou indo te buscar agora. – Meu primo parecia preocupado. Em menos de vinte minutos estávamos no aeroporto, voltando para um lugarzinho no centro de Hollywood, Graceland.
Abrimos a porta do sobrado e encontramos tio Tom ensanguentado. Minha respiração estava pesada e a de Joe mais ainda.
- Pai! Fala comigo. – O garoto gritava.
- Oi, Joe. – Disse com a voz fraca.
- Vou pegar o kit de primeiros socorros. – Falei subindo desesperada, antes que eu chegasse ao segundo andar ele me parou.
- Não, , não vai adiantar. Eu preciso que me escute. ISSO É UMA ORDEM. – Voltei relutante. – O Sistema foi fundado anos atrás com uma única intenção, lançar o próximo rei do rock, tão bom quanto Elvis, tão original como o mesmo. Foram reunidos fãs fanáticos, e à frente deles Liza Presley, Sam Philips, Andreas Cornelius Van Kuijk ou, Tom Parker. Nós criamos Graceland, , para termos um novo rei. A quem o mundo iria venerar, Lizza tinha todos os conhecimentos sobre o pai, Sam entrou com o dinheiro e eu poderia fazer todos confiarem em nós. – O homem falava rápido quase sem para respirar. – Eu os enfrentei quando te trouxe para cá, novamente quando Joe arrumou briga no Diablos e uma vez hoje, eu tinha que fazer Aron trair-te, mas não fiz – Meu choro se apertou, então ele realmente não foi obrigado a me trair. – Desculpe-me , e eu te amo filho. – Meu tio parecia cada vez mais fraco.
- Tio... Foi em vão... – Falei entre soluços, isso era o que mais me irritava, o meu tio fez isso por mim, mas não conseguiu me proteger de levar um belo par de chifres, talvez estivesse escrito pelo Sistema que assim aconteceria e assim aconteceu.
- E se eu te disser que eu nunca o hipnotizei. Todas as vezes foram de verdade. Ele te ama, . – Foram as últimas palavras de meu tio.
Então Aron estava sendo sincero. Ele me amava. Mas isso não fazia sentido. Se ele me amasse por que teria me traído? Desabei junto ao Joe, sem o meu tio seria impossível vencer ao sistema.
...
O enterro do tio Tom mobilizou a cidade, por pior que fosse sua fama, eu sabia que gostavam dele, afinal, ele era um grande homem. Mas tinha que seguir um papel em Graceland, para o seu bem e ao nosso. Nós estávamos em uma cúpula de vidro, onde não parecia haver vida lá fora. Um lugar onde a música comandava. E não qualquer música, uma boa música antiga, com roupas de luxo da época, era o lugar perfeito, um lugar perfeito demais para ser real. Para não ter nada perigoso por trás, o Sistema, só cairia se Aron caísse, e eu jamais deixaria que isso acontecesse.
Eu tive dois bebês, Elvis e Jesse, realmente esperava que não puxassem a múltipla personalidade do pai. É óbvio que Aron, acabou descobrindo que os filhos eram dele. E ele exigia que eu os levasse para vê-lo de tempos em tempos. Ann-Margret casou-se, assim como Joe e Ginger. Scotty tentou voltar comigo e prometeu assumir as crianças, mas eu desisto de pessoas desse ramo. A FAMA vem com um preço, um preço que eu nunca quis pagar. Descobrimos que todos conheciam perfeitamente bem a nossa história, porque além dar vida a um novo astro, Graceland era uma série, um Reality Show, em um set no meio de Hollywood.
O Sistema não me perseguiu, não tinha porque, eu cumpri o meu papel, fui chifrada e dei a Aron seus primogênitos. Eu ninava Jesse que tinha acordado. Coloquei o bebê no berço quando percebi que ele estava em seu quinto sono. Aron tocava algo em seu piano, na sala. E eu não poderia evitar encontrar com ele. Então segui a melodia.
Whoa, my love, my darling,
Whoa, meu amor, minha querida, I've hungered for your touch,
Eu tenho ansiado por seu toque, A long lonely time.
Um longo tempo solitário. And time goes by so slowly,
E o tempo passa, tão lentamente, And time can do so much,
E o tempo pode fazer tanto. Are you still mine?
Você ainda é minha?
Eu infelizmente sabia a resposta para pergunta. Eu seria dele para sempre, por mais que eu tentasse evitar, por mais que eu quisesse o odiar, só conseguia amá-lo. E seria assim até o último dia de minha vida. Porque naquele dia eu menti, eu jamais poderia amar ninguém que não fosse ele. E isso me irritava eu sabia que não poderia ceder a ele.
I need your love.
Eu preciso do seu amor, I need your love.
Eu preciso do seu amor, God speed your love to me.
Deus, mande depressa seu amor para mim. Lonely rivers flow to the sea, to the sea,
Rios solitários fluem para o mar, para o mar, To the open arms of the sea.
Para os braços abertos do mar. Lonely rivers sigh, wait for me, wait for me,
Rios solitários suspiram, espere por mim, espere por mim, I'll be coming home, wait for me.
Estarei chegando em casa, espere por mim.
Era típico do Aron, se desculpar com uma música, eu me derretia por ela, e o beijava intensamente. Não sei do que eu senti raiva, de saber que ele realmente me amava ou que ele não foi obrigado a me trair. Tudo foi real, mais real que eu esperava. Mais real do que eu suportaria, mas eu tive de suportar porque não era uma questão de ou Aron, era uma questão de dois seres frágeis que precisariam de mim.
Whoa, my love, my darling,
Whoa, meu amor, minha querida, I've hungered for your touch,
Eu tenho ansiado por seu toque, A long lonely time.
Um longo tempo solitário. And time goes by so slowly,
E o tempo passa, tão lentamente, And time can do so much,
E o tempo pode fazer tanto. Are you still mine?
Você ainda é minha? I need your love.
Eu preciso do seu amor, I need your love.
Eu preciso do seu amor, God speed your love to me.
Deus, mande depressa seu amor para mim.
Eu me entreguei pela última vez a ele. Em beijos ternos, toques suaves. Foi tudo o que eu precisava, mas acabou, e eu fui usada novamente, então saí dali, sem mais explicações. Acho que eu era mestre em persistir em burrices, me arrepender delas. Sumi de casa por algum tempo, voltei à tarde.
Os gêmeos choravam no quarto, isso eu não esperava. Apesar de tudo Aron, cuidava muito bem de nossos filhos. Amamentei os dois, a casa estava silenciosa. Ele jamais os deixaria sozinhos. Pareciam dois anjinhos.
- Aron! Onde você está? – Gritei. Puta que pariu, mas que mandraque! Ele transar comigo e sumir era de se esperar, afinal até um belo par de chifres ele me colocou; porém abandonar dois bebês indefesos... Decidi ir embora da mansão, porque eu estava lá pelos meus filhos.
Liguei para a Ginger que minutos depois já estava na casa de Aron. Contei a ela tudo, desde a música até o sumiço.
- Eu não acredito que ele abandonou os bebês! Já namorei com o Presley, ele podia ser o babaca que fosse, mas jamais faria uma coisa como essa. – Ela falou incrédula.
- Mas fez! Venha, não quero passar mais um segundo neste lugar. – Disse com raiva.
- Posso usar o banheiro antes? – Ela perguntou e eu concordei com a cabeça.
Eu sentei-me no sofá, observando os pequenos no carrinho. Um tinha os meus olhos, verdes e o outro os belos azuis do pai. Um grito vindo do banheiro me assustou, meu Deus, será que Ginger está bem? Corri para o banheiro e ao chegar lá me deparei com o corpo de Aron caído no chão. Meu coração disparou em cima da pia um vidro de barbitúricos, tentei achar o pulso, mas foi em vão.
- Fala comigo, Aron! – Eu gritei. – Eu te amo! – Não pude controlar as lágrimas, agora e entendia a dor que ele sentia. Levei a mão ao coração assim como ele fez, doía mais do que qualquer parto. Era uma dor que corria por dentro e que parecia que nunca ia acabar.
A ambulância chegou, todos os garotos estavam lá, Joe me abraçou forte, eram duas perdas muito importantes na minha vida. Ver o meu tio caído sem vida doeu, mas ver Aron sem vida me matou, foi como uma facada em meu coração. Eu resisti pelos gêmeos, porque não suportaria. Não ele. O bilhete em cima da pia dizia: Eu vou provar que te amo, , eu te amo. Isso é prova o suficiente?
Uma culpa imensa invadiu meu peito. Eu amava aquele moleque. Eu o amo. Eu nunca deixei de amar, nunca consegui sentir raiva ou ódio, não dele. Eu me odiava por tê-lo amado tanto, e por ter tentado odiar ele, nos últimos segundos que eu poderia amar.
O Sistema veio a baixo, queriam restaurar Graceland, e deixar que os gêmeos tentassem, mas dessa vez não, não com os meus filhos. Porque viver em Graceland era maravilhoso, mas estar na mira do sistema não era um risco que eu iria deixar que corressem. A imprensa pirou, ele foi como um flash que veio tão rápido como se foi.
Al, Bill, J.D, Scotty e Joe fizeram sucesso como uma banda que lembrava muito uns tais de Backstreet Boys, mas eu desisti desse mundo. Decidi criar os dois em Londres, mas não como eu cresci, eu seria o melhor que pudesse para eles. Voltaria para lá em breve, com Elvis e Jesse, dois seres frágeis que me deram uma força incrível.
Estava há algum tempo na cidade, os dias passavam rápido quando se tinha dois pestinhas para cuidar e eu estava feliz, talvez não completa, mas com certeza estava feliz. Empurrava o carrinho de Jesse e Elvis quando um homem me parou na rua. Seus olhos me lembravam alguém, sua boca, seu nariz. Era uma miragem, uma ilusão.
- . – Ele disse, não era possível, não podia ser... – Posso ver nossos filhos? – Ele falou tirando o chapéu que cobria seus cabelos.
Eu o beijei. Intensamente, cheia de saudades. Era o meu Aron, mas ele não poderia estar lá. Isso não importava. Se eu fosse louca, agradeceria minha loucura por recriar ele.
- Eu te amo. Você acredita agora? – Ele perguntou me dando um abraço e depois um selinho longo.
Aron me contou sobre o seu plano de forjar sua morte para acabar com o Sistema. Então foi isso, ele acabou com o sonho de dezenas de pessoas para realizar o meu. Estávamos deitados na cama, ele acariciava a minha cabeça.
- Eu sempre soube sobre o sistema, . – Ele sorriu. – Mas eu sabia que tinha muita gente envolvida naquilo. Só que quando eles passaram a envenenar e matar, eu desisti. Nunca quis fama, . Eu sempre quis você, eu preciso de você.
O rádio começou a tocar magicamente, ou não, a música Love Me Tender. Nós dançamos juntos. Os bebês pareciam entender que aquele momento era importante para nós, não soltaram um pio.
Love me tender, love me sweet, never let me go.
Me ame com ternura, Me ame com doçura, nunca me deixe partir. You have made my life complete, and I love you so.
Você tornou minha vida completa, E eu te amo tanto. Love me tender, love me true, all my dreams fulfilled
Me ame com ternura, Me ame de verdade. Todos os meus sonhos realizados, For my darlin'
Porque, minha querida, I love you, and I always will.
eu amo você, E eu sempre amarei. Love me tender, love me long, take me to your heart.
Me ame com ternura, Me ame por muito tempo. Leve-me ao seu coração, For it's there that I belong, and we'll never part.
Pois é lá que eu pertenço. E nós nunca nos separaremos. Love me tender, love me dear, tell me you are mine.
Me ame com ternura, Me ame, querida. Diga-me que você é minha I'll be yours through all the years, till the end of time.
Eu serei seu durante todos os anos, Até o final dos tempos (When at last my dreams come true Darling this I know Happiness will follow you Everywhere you go).
(Quando finalmente meus sonhos tornarem-se realidade, querida, isto eu sei, a felicidade te seguirá em todo lugar que você for).
- Me desculpe, se eu não fui perfeito. – Ele falou. – Eu, Elvis e Jesse somos loucamente apaixonados por você. Acho que poderia ser qualquer um deles, mas eu sempre, sempre escolheria você.
Uma coisa eu tinha que confessar, o Sistema foi impecável em criar um novo Elvis Presley, porque até na morte os dois eram parecidos. Afinal, Aron não morreu.
FIM
Nota da autora: Hey, brotos, espero que tenham gostado e que não deixem de comentar. Bem... Eu queria contar a vocês que no começo achava 40 páginas um exagero, mas depois que comecei a escrever BVAG, eu estava pirando porque não tinha páginas o suficiente para escrever tudo. Antes que me perguntem, não eu não era fã, do Elvis antes de saber do especial. Quando vi sobre o que seria o especial achei que seria bem chatinho... Elvis Presley? Esse cara já morreu, ele era drogado né? Decidi pesquisar um pouco sobre ele e MEU PAI DO CÉU, que homem extraordinário. Fiquei apaixonada por ele. E descobri umas coisas também como por exemplo que ele nunca pegou a sexy diva Marilyn. Ainda encontrei um menino incrível David Thibault, 16 aninhos e que voz em amigo... Enfim eu pesquisei bastante para escrever BVAG e realmente adorei os anos dourados. Curiosidade da fic: Aron é o nome do meio de Elvis para quem não sabe. Os personagens têm de certa forma a ver com ele: Joe, Al, J.D, Ginger, Scotty, Bill, Tom e a Priscilla; foram pessoas especiais para o Elvis e agora para o Aron também. Gente acho que deixei faltar uma explicação melhor sobre O Sistema e seus esquemas, mas quem sabe eu explique em uma longfic? Tenho que dizer que Sam Philips era perigoso e armou um esquema genial, imagine uma cidade que acredita estar nos anos 50, em pleno ano de 2015? Vocês leriam uma long do rei? E do Aron? * Queria agradecer a Luna, a primeira leitora de BVGA e dizer que ela vai aprontar em breve com MW e a Paty minha beta por me aturar, merece um oscar, e ainda ser fofa. #AronImortal #NovoReiDoRock #BVGALONG #MadWorldEmBreve #ComentemUvinhas e para acabar vamos defender o #ElvisNãoMorreu. * Xx, Lavis. *