Dia 1 – A Chegada
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Desde pequena, costumo pensar em uma estrada como algo pacato e silencioso. Sempre as mesmas coisas para se ver: o mesmo asfalto devidamente sinalizado com as mesmas placas, sempre com as distâncias erradas. O mesmo cenário sem graça tentando se passar por uma paisagem. Alguns pássaros e pares de tênis enroscados no fio elétrico. Acredito que o barulho violento do vento, sendo cortado pela alta velocidade dos milhares de carros que passavam por aquele asfalto diariamente, era o único sinal de emoção que uma estrada poderia oferecer. Não é a toa que dormir sempre foi meu principal passatempo em viagens, ainda que esse hábito me deixasse irritada por várias horas dentro do carro, pois meu irmão sempre dava um jeito de ocupar mais espaço que eu no banco de trás.
Mas não durante a primeira segunda-feira de todas as minhas férias de verão.
Por mais pacífica e sonolenta que fosse a estrada que saía de Manchester e levava a Newcastle, os ânimos dentro do ônibus eram os mais agitados possíveis.
- Ok, vamos lá... – Todd Wilkson, um garoto que eu conhecia desde minha primeira vez naquele ônibus, quando tinha apenas dez anos de idade, agitava um spray de espuma em suas mãos. – Qual é o time que vai vencer os jogos desse ano, ?
O grupo gritava entusiasmado em seus assentos, enquanto meu irmão se agitava sem sucesso, as mãos e os pés presos em dois pedaços de corda e segurados por mais dois outros rapazes.
- Sh... Sharks! – Ele gritou, entusiasmado, levando como resposta de Todd um jato de espuma no meio da cara.
Um coro de “Tigers!” invadiu o ônibus, e agora possuía um bigode de pasta de dente para chamar de seu. Para combinar com o batom vermelho, a espuma e o banho de cerveja que já havia levado. Os garotos finalmente o deixaram em paz, e então me levantei do meu assento acolchoado para ir ao encontro de meu irmão.
- Não está cansado de passar por isso todos os anos? – Indaguei, dando risada de seu novo bigode. – A única pessoa dentro desse ônibus que não faz parte dos Tigers é você. Até o motorista ganhou uma bandana. – Eu ri.
- Faz parte. , a culpa não é minha que meus melhores amigos são do time adversário. Logo, eu também sou. - deu de ombros. – Mas acho que eu não sou o único traidor desse lugar. – Ele ergueu uma sobrancelha e olhou para , uma de minhas grandes amigas. – me disse que ela estava muito ansiosa para vê-lo...
Rolei os olhos. Aquele romance de verão entre e já alcançava o terceiro ano consecutivo. Eram Romeu e Julieta de Camp Newcastle – ela dos Tigers, ele dos Sharks: a maior rivalidade de todos os anos do acampamento. O ano anterior havia sido a quarta vitória do time de , contra apenas uma vitória de nosso time. Mas aquilo estava prestes a mudar, e o motivo de todo o meu otimismo me abraçou por trás, puxando-me pela cintura.
- Nate! – Exclamei, animada. – O que você acha do que fizeram com o meu irmão mais velho? – Perguntei, apontando para um sujo, maquiado e molhado.
Os olhos cor de mel do garoto o analisaram, com um sorriso divertido estampado em seu no rosto.
- Quando você me disse que era uma competição, não pensei que fosse ser estilo medieval, . – Ele riu. – Preciso confessar que agora sim fiquei ansioso para participar.
Era a primeira vez de Nathaniel Grant no Camp Newcastle, e ele seria nossa arma secreta no futebol de campo, uma das modalidades dos esportes que competiam no acampamento. Ok, talvez não tão secreta assim, afinal já sabia do potencial assombroso do garoto e com certeza contaria para todos de seu time na primeira oportunidade. Mas isso não iria diminuir o talento de meu...
Parei para pensar em Nate. Com certeza não era meu namorado, embora eu viesse esperando por um posicionamento da parte dele havia alguns dias. Por enquanto nada, mas não seria eu que iria me desesperar. O que importava para mim é que ele havia atendido minhas milhares de súplicas para jogar pelos Tigers naquele ano, quando descobri que jogava futebol com a mesma facilidade com que eu escovava os dentes. E, com certeza, com ele iríamos ganhar. Não havia ninguém tão bom quanto ele nos Sharks. Nem mesmo , pensei.
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Consultei o relógio de meu celular, discretamente. Seis da tarde em ponto. Olhei para o grande portão de madeira que delimitava aquele imenso local conhecido como Camp Newcastle, sem sinal de movimentação. Estávamos todos muito bem camuflados, uma tarefa não muito difícil graças às grandes árvores centenárias, os bancos e mesas de madeira maciça e os arbustos e floreiras da entrada do acampamento. Um local que aparentava ser tranquilo, se não estivesse prestes a virar cenário de um massacre. Ri comigo mesmo pensando no que estava prestes a acontecer.
- Parece que tô escutando alguma coisa. – sussurrou, e eu mirei o portão mais uma vez. Enquanto eu divagava, um grande ônibus aparecera no horizonte, adentrando o local com cuidado.
– Está na hora! – Ele disse, empolgado, e apertei mais firme o objeto em minhas mãos, provavelmente assim como todos que estavam pacientemente esperando.
Os primeiros rostos de membros dos Tigers começaram a surgir quando a porta do ônibus se abriu. Reconheci usando um vestido rosa florido, todos os centímetros de sua pele cobertos por mil tipos de produtos nojentos, e os cabelos arrepiados por alguma coisa grudenta. É, daquela vez eles pegaram pesado com o garoto. Não consegui conter um riso baixo ao ver meu amigo naquele estado deplorável. também se segurava para não rir.
Um por um dos garotos e garotas saía do ônibus, a maioria espreguiçando-se devido à longa viagem de Manchester a Newcastle. E, como eu previra, quando ninguém mais saiu por aquela porta, o primeiro “splash” foi ouvido. Uma bexiga de tinta violentamente estourada contra as costas de alguém, juntamente com o grito de um Tiger desavisado. Era o sinal para todos nós sairmos de nossos esconderijos e fazer o que sempre fizemos de melhor: atacar.
correu em nossa direção, pedindo qualquer tipo de munição para atacar o time adversário. Dava para ver que os olhos dele gritavam por vingança. Em meu campo de visão consegui enxergar acertando três caras com uma jogada só. Eu realmente não sei como, mas ele conseguiu, deixando-os completamente melecados de tinta azul. Não demorou muito para que o desespero e os chiliques das meninas começassem. Tudo o que eu conseguia ouvir eram gritos e xingamentos avulsos.
- AAAAH! Meu cabelo! Eu fui ontem no salão! – Lucy Spitz chorava, enquanto se escondia em uma árvore após ser atingida por alguém do Sharks.
- Isso é coisa do ! – Alguém que eu não reconheci gritou. - Ele se aproveita só porque o pai dele é dono disso aqui. Sempre sendo favorecido! – Mal ouvi o que tinham a dizer. Estava ocupado demais prestando atenção em entrando em ação.
- , seu filho da puta, você vai me pagar! – Todd Wilkson gritava, apontado para ele. Meu amigo havia se vingado daquele imbecil: eu e havíamos previamente preparado uma mistura com todos os tipos de ingredientes que provavelmente foram usados contra ele no ônibus: farinha, tinta, água e um pouquinho de cuspe. Nojento, eu sei.
- Cacete! Tem tinta no meu nariz! Tem tinta no meu nariz! – Gritava um nerd dos Tigers, enquanto Phillip Winters, de meu time, corria atrás de outro alvo.
Andrew Watts chegara por trás de um Tiger e puxara a cueca do menino para cima e com toda a força existente. Mesmo eu cheguei a fazer uma careta involuntária de pena: o oponente urrava de dor, enquanto Andrew rolava no chão de tanto gargalhar. , que estava em cima de uma árvore, esperou o momento certo para despejar todo o saco de farinha que estava em suas mãos. Ela caiu como neve em cima de um menino que eu nunca havia visto nas outras edições do Camp, meio loiro e com cara de mauricinho. O cara ficou realmente puto enquanto a farinha grudava na tinta de seu corpo, enquanto praticamente se contorcia de tanto rir em cima do tronco. Num movimento ninja, apareceu e tacou três ovos no peito de uma das competidoras do Tigers, que com o susto, tropeçou na raiz de uma árvore e deu de cara no chão. Ainda escondido, eu ria a ponto de chorar. Aquilo estava perfeito, melhor do que eu pudesse esperar.
Lauryn Woods, a garota mais gostosa do Sharks, veio correndo por trás de dois Tigers que estavam em vão procurando um abrigo para se esconder do tiroteio de tinta. Sem que eles esperassem, com um único empurrão, Lauryn jogou os dois contra a terra próxima ao portão de entrada. O local estava parecendo um grande formigueiro de Avatar, quase um cenário digno de terceira guerra mundial. Vi meninas gritando e chorando pelas chapinhas destruídas. Outros caras corriam, caíam, a calça de alguns eram puxadas para baixo e para cima. O caos estava instalado, e eu estava curtindo cada segundo.
Os gritos e a correria aumentavam enquanto cada um do time adversário era bombardeado com tinta azul em todo lugar de seus corpos. Saindo de trás do tronco em que observava tudo de camarote, não escolhi meu alvo, simplesmente surpreendi uma garota que corria de costas para mim, tentando fugir em vão. Splash – fez a bexiga num tiro certeiro a sua cabeça.
- Porra, ! – Ela gritou, quando virou-se e descobriu que era eu quem havia a acertado. Não tive muito tempo de identificá-la, apenas aproveitei a oportunidade e arremessei a outra bexiga que tinha em mãos contra ela, estourando certeiramente em seu rosto.
Enquanto eu apenas ria de sua ingenuidade, a garota colocou as mãos no rosto logo depois, cobrindo todo o rosto e ficando assim por alguns segundos. Pensei que houvesse acertado seus olhos e me preocupei, correndo em sua direção. havia me dito que a gente podia cegar alguém com aquela tinta, mas eu duvidei. Merda.
- Você está bem? – Perguntei, chegando mais perto. – Não era pra ter acertado seu olho, desc...
Não tive tempo de terminar a frase. Com a mão manchada da tinta azul que escorria por sua face, ela avançou repentinamente e conseguiu sujar meu rosto. Filha da puta. Recuei um pouco e finalmente consegui reconhecer quem era a espertinha, não me surpreendendo nem um pouco.
- . – Cerrei os olhos, esfregando meu nariz, que agora estava apenas levemente manchado de azul, ao contrário do rosto da garota, que ainda escorria tinta. – Está bonita. Podia até fazer parte do Blue Man Group. – Provoquei.
Ela se limitou a franzir a sobrancelha e dar as costas pra mim. Não era a primeira vez que ela me deixava falando sozinho – vários anos se passaram desde a primeira vez que chegamos a Camp Newcastle, e ela continuava com a maturidade de uma pré-adolescente.
Quando não havia mais nenhuma bexiga a ser estourada, e todos os Tigers se juntaram em um grupo manchado e assustado, subi em uma das grandes mesas de madeira com em meu encalço.
- Isso foi pelo que vocês fizeram com . – Ele gritou, para todos os presentes escutarem.
- É apenas uma pequena recepção dos Sharks para vocês. – Sorri, com os olhos faiscantes para cada um dos cobertos por tinta azul. – Apenas uma demonstração do que os espera durante essa semana. Boa sorte para vocês, Tigers. Acho que ficou bem claro que vocês vão precisar. – Finalizei, descendo do banco no meio de muitas risadas dos membros de meu time, todos saindo com ar de vitoriosos. Nada melhor que reduzir os “tigres” a pequenos gatinhos, e logo no primeiro dia.
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A água quente da ducha caía em meus ombros, enquanto eu tentava massageá-los por conta própria. Dei um longo suspiro inalando o vapor, ainda tentando me acalmar dos últimos acontecimentos. Não conseguia acreditar que havíamos caído nessa, e o mais chocante de tudo era que não deixou escapar uma palavra! Ele realmente era um traidor. Sentindo-me limpa pela primeira vez desde que desci do ônibus, desliguei o chuveiro. Troquei-me dentro do banheiro do quarto que dividia com e Savannah, outra amiga, saindo de lá apenas para pentear os cabelos.
As duas estavam em suas camas, entretidas com um de nossos assuntos preferidos: .
- Eu não sei, mesmo com raiva dele eu ainda o acho super sexy. – desabafou, com um travesseiro cobrindo o rosto, envergonhada, enquanto Savy riu e eu fingi fazer barulho de quem estava vomitando. – Eu o acho mais sexy que o Nate.
Logo após os dizeres de , uma sirene tocou, nos avisando que era hora de seguir ao gramado central. Já era mais de oito horas da noite, e meu estômago gritava por um pouco de comida. Savannah abriu a porta para sairmos, dando de cara com Nate, que provavelmente estava me esperando sabe-se lá há a quanto tempo.
- Então quer dizer que é mais sexy do que eu? – Perguntou para , cujo rosto ficou vermelho imediatamente. Ele apenas riu, segurando minha mão. – Calma, era brincadeira.
Ela balbuciou algumas palavras que nenhum de nós entendeu e puxou Savannah, andando na nossa frente visivelmente envergonhada. Eu e Nate diminuímos a velocidade de nossos passos. Parecia que aquele lugar ficava ainda melhor com ele ali, de mãos dadas comigo.
- E aí? – Quebrei o silêncio com um sorriso. – Por que você está aqui ainda? Qualquer ser humano normal depois de toda aquela confusão teria ido embora.
- Por você. Você pediu, eu estou aqui. – Ele também sorriu. – Ei, você é um ser humano normal também.
- Nenhuma das pessoas que está aqui é normal. Ano após ano sempre dizemos que estamos velhos demais para voltar ao acampamento de Newcastle, mas não conseguimos dar adeus a esse lugar. Alguns na faculdade, outros no ensino médio. – Pensei. – E parece que todo ano só fica melhor. Acho que é porque aumenta a selvageria, como você deve ter percebido. – Ri comigo mesma.
Ele refletiu por alguns momentos, sempre com seu sorriso humilde no rosto.
- Bom, só espero ser contagiado pelo mesmo espírito. – Disse, soltando minha mão quando chegamos ao gramado central.
Na primeira e na última noite, era feita uma grande fogueira: algo muito bonito de se ver, quase uma centena de pessoas iluminadas apenas pelo fogo. Era hora de ouvir as informações que eu já sabia de cor.
- Bem vindos ao Acampamento de Newcastle! – Charles nos saudou. – Temos o prazer de contar com alguns visitantes nessa edição, então gostaria de colocá-los a par de algumas coisas. O acampamento conta com sete dias de jogos, e cada um de vocês está inscrito em pelo menos uma modalidade. Os novatos precisam se inscrever até amanhã à noite em um time, e temos quatro opções: os Falcons, os Bulls, os Sharks e os Tigers. Cada time possui uma média de vinte e cinto integrantes, todos lutando pela taça desse ano no futebol, basquete, handebol, vôlei e natação.
- É, ou pelo menos tentando lutar, se o pai do não roubar para eles mais uma vez. – sussurrou para mim. Eu nunca soube se acreditava ou não naqueles boatos. parecia ser competitivo demais, algo que não faria muito sentido se soubesse que a vitória já estava em suas mãos ano após ano.
A verdade era que os Sharks eram realmente muito talentosos, e logo depois deles estávamos nós. Os outros dois times mal apareciam, vinham para se divertir no acampamento, sem se preocupar muito em ganhar ou perder.
- Durante o dia e a noite possuímos um refeitório, uma cantina e uma sala de jogos que funcionam vinte e quatro horas. Além disso, vocês possuem acesso irrestrito a todos os locais dentro das limitações do acampamento. Amanhã o dia começa com futebol feminino: entre os Tigers e os Bulls, e Sharks contra os Falcons. Durante a tarde temos basquete masculino e feminino: as duas modalidades dos Sharks e Bulls, e Tigers contra Falcons. Boa sorte a todos vocês!
O senhor encerrou. Algumas pessoas esfomeadas, como eu, Nate, e Savy, foram direto ao refeitório para jantar. Outras continuaram na fogueira, e uma grande parcela seguiu para outros locais do acampamento.
- Amanhã nós vamos destruir aquelas garotas dos Bulls! – bradou, animada! – Mal posso esperar!
Eu também não.
Dia 2 – A Bolada
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Tentei ao máximo dormir profundamente naquela noite: precisava de todas as minhas energias possíveis para o jogo de futebol. A verdade era que eu nunca havia jogado em toda a minha vida - meu forte era a natação. Mas a notícia de que nossa goleira não estaria presente nessa edição do acampamento fez com que automaticamente a escolhida para ocupar o lugar dela fosse eu.
Eu.
Eu, , a garota que era a primeira a levar uma bolada no queimado desde a infância. Que saía correndo quando a bola de vôlei vinha atrás de mim. Definitivamente, futebol estava longe de ser um de meus assuntos preferidos – na realidade, acredito que estaria na lista dos que mais me traumatizavam. Por incrível que pareça, até aquela segunda-feira à noite eu estava tranquila quanto a ideia de ser goleira, mas assim que encostei a cabeça no travesseiro, o desespero começou a tomar conta de mim. Eu sabia que cada ponto era crucial para os Tigers, e não queria decepcionar ninguém. Muito menos Nate: a facilidade assustadora com que conseguia marcar gols me intimidava, e não queria que ele pensasse que eu era terrível em algo que ele era absurdamente fantástico. Podia parecer besteira, mas eu pensava daquela forma, e minha cabeça dava voltas e mais voltas, tramando os piores desfechos possíveis para aquele jogo contra os Bulls.
É claro que eu nunca imaginaria que terminaria de uma forma muito pior do que todos os meus devaneios daquela noite, mas logo chego nessa parte.
Quando estava prestes a entrar em colapso nervoso, tomei coragem para olhar o relógio. Sete da manhã – o horário previsto para a sirene que nos acordaria era dali duas horas, mas eu não aguentaria ficar trancada naquele quarto por mais nem um minuto. Levantei-me, troquei de roupa e escovei os dentes, tentando de todas as formas não acordar e Savy. Saí do quarto na ponta dos pés, meus olhos ardendo com o primeiro contato com o sol matinal, enquanto andava sem rumo pelo acampamento. Decidi caminhar até o campo de futebol e tentar me acostumar com o cenário do jogo de mais tarde.
A verdade era que Camp Newcastle era um local lindo para se andar sozinha, apenas apreciando o sol se estendendo no horizonte, as árvores grandes e cheias sombreando a grama sempre verde e os jardins bem cuidados, com bancos e mesas de madeira estrategicamente colocados para aproveitar a sombra, onde, no começo de nossa adolescência, brincávamos as escondidas de Verdade ou Desafio durante a noite. Estremeci com as lembranças constrangedoras. Lembrei do imenso lago e seu deque de madeira, e de todas as comidas deliciosas que tive a chance de experimentar. Com certeza algumas de minhas melhores lembranças estavam ali.
Me aproximando do grande gramado, percebi que havia uma figura solitária trocando alguns passes consigo mesma. Sendo mais precisa, um rapaz. Por alguns segundos pensei que era Nate, o que me fez até mesmo apressar o passo para ir ao seu encontro, mas quando percebi que estava equivocada, diminuí a velocidade. Depois, pensei que era Todd Wilkson, o garoto que jogara espuma em no ônibus, e mais uma vez estava errada. Quando pude finalmente constatar quem era o misterioso jogador, isso quase me fez virar as costas e tentar voltar a dormir a todo custo.
Quase, porque ele me reconheceu antes que eu pudesse ir embora.
- ? – perguntou, me causando certo desconforto.
Ao contrário do que muitos pensavam, eu não o odiava. Não mesmo. Nos conhecíamos desde a infância e sabíamos que as provocações constantes eram apenas pela rivalidade dos Tigers contra os Sharks. Mesmo assim, nunca me senti nem um pouco a vontade perto dele. Só de observá-lo ano após ano, eu sabia que sempre fora muito centrado, tinha a coisa certa a falar em todos os momentos e era muito maduro para os garotos de sua idade, mesmo com todas as brincadeiras sem graça idealizadas por ele, meu irmão, e . Eu, por outro lado, com as emoções a flor da pele, perdia a razão facilmente e falava demais. Sabia que éramos diferentes demais para sermos amigos, logo, me sentia melhor na zona de conforto em que apenas trocávamos provocações sobre os dois times rivais, sem maiores contatos.
- ! – Eu forjei um sorriso. – Achei que homens produziam o hormônio do sono até meio dia.
Ele me deu um sorriso que parecia sincero, como se realmente tivesse achado engraçado o que eu havia dito.
- Em dias assim, acho que não produzo nada além de nervosismo. – Ele admitiu. – Vim tentar treinar sozinho, mas nos filmes isso parece ser bem mais fácil do que é... E você?
- Eu... – Pensei por alguns instantes se deveria confessar que estava apavorada de medo. – Não sei. – Decidi mentir. – Só resolvi acordar mais cedo e dar uma volta.
Seus olhos me fitaram com uma sobrancelha franzida, como se ele soubesse facilmente que eu não dizia a verdade.
- me contou que você é a nova goleira dos Tigers. Você tem certeza que eles estavam sóbrios quando permitiram essa atrocidade? – Ele provocou, chutando a bola em minha direção como um teste. Respirei aliviada quando consegui segurá-la de primeira, apesar de ter feito isso totalmente por simples reflexo.
- Haha. Muito engraçado.
Percebi que minhas mãos tremiam ao devolver a bola para ele. A ansiedade voltara a me atacar.
- Está tudo bem? – Ele perguntou, também reparando na tremedeira.
- Eu... É... – Olhei para baixo, decidindo dizer a verdade. – Estou quase morrendo de nervosismo. – Ele me olhou, assustado pela revelação repentina. – Eu nunca joguei futebol valendo alguma coisa. Tá que ser goleira não é a função mais difícil, mas mesmo assim... Estou desesperada. Acho que vou decepcionar todo mundo e vou ter que aguentar você e seus amiguinhos tubarões rindo da minha cara para o resto da minha vida. Não conseguia dormir pensando nesse maldito jogo, e por isso vim até aqui.
Ele torceu a boca, provavelmente tentando reprimir uma risada. Me dei conta de que aquilo era realmente engraçado: desabafei meus problemas para , provavelmente mais palavras do que havíamos trocado em muitos anos. Comecei a rir involuntariamente, sendo seguida por ele.
- ... Você vai ver, não é tão difícil assim. Não precisa ficar... Hum, preocupada. – Ele media as palavras com cuidado, com certeza achando estranho me dar um conselho daqueles. - Vai até o gol.
O olhei, confusa.
- Como?
- Vai até o gol. – Ele repetiu, como se eu fosse idiota. – Andar. Em direção. Ao gol.
Rolei os olhos, mas o obedeci. Ele se posicionou na marca do pênalti, colocando a bola no ponto demarcado.
- Está pronta?
Minha vontade era de responder: não, nem um pouco. Mas não daria esse gostinho a - apenas assenti com a cabeça. Ele se concentrou, e um segundo depois, a bola atingiu o fundo da rede, sem que eu nem ao menos me mexesse para tentar uma defesa. O olhei envergonhada, enquanto ele andava em minha direção e ria.
- É, vejo que as meninas do meu time não vão ter problema no jogo contra os Tigers. – Ele provocou, encostando na trave do gol e rindo de mim.
- Eu estava despreparada e... – Tentei me justificar, mas não consegui terminar a frase quando senti sua mão quente repentinamente segurando meu pulso.
- Olha, é assim. – Ele esticou meu braço para a diagonal direita. – Quando a adversária chutar com a perna esquerda, a bola provavelmente vai cair do lado direito. A mesma coisa ao contrário. – Ele jogou meu braço que estava na diagonal direita para a esquerda. Eu tentava processar o que dizia, mas a proximidade com que seu rosto estava do meu e o toque de sua mão em meu braço me deixava um pouco estranha. Não era normal chegar perto assim de , e não estava nem um pouco confortável naquela situação. Não era ruim, apenas... diferente. – Fique com os olhos bem atentos entre a bola e os pés da jogadora, porque se ela jogar de mal jeito, talvez a bola venha rasteira e então você terá que se jogar no chão para agarrá-la.
continuou me dando várias instruções: sobre como me posicionar na hora de agarrar uma falta com barreira, o que fazer quando a bola viesse em direção ao meio do gol, a melhor visão na hora de defender um escanteio e como pular “onde a coruja dorme” – só depois fui saber que era no ângulo entre o travessão e a trave.
Eu não compreendia muito bem o porquê de ele estar tão empenhado em me ajudar, já que me ver perder era algo que o favoreceria completamente. Mas não o questionei - apenas tentava processar todas as informações que ele me passava, fazendo o máximo de esforço para absorver todas as dicas da melhor maneira possível. E, por mais estranho que pareça, fui começando a ficar consideravelmente mais calma.
- Entendeu? – Ele perguntou, e eu apenas assenti com a cabeça lentamente.
voltou à marca do pênalti, respirou fundo e chutou com toda convicção que tinha. A sensação que tive foi que a bola vinha em câmera lenta em minha direção. A voz de ecoava na minha cabeça e sua voz sussurrava em meu ouvido todos os seus conselhos. Bem, era destro e mandou a bola com um chute alto, logo, a probabilidade dela ir para o alto e do lado esquerdo era muito grande. Sem pensar duas vezes, dei um pulo com os braços abertos e meu corpo inclinado para esquerda. Um fechar de olhos. Um forte arder em minhas mãos. Meu ombro se chocando no gramado. Eu havia defendido aquela bola. Minha primeira defesa. E que parecia ter sido muito boa, por sinal. começou a rir e a aplaudir vindo em minha direção.
- Isso foi perfeito! Nunca imaginei que você defenderia essa. – disse. Eu não pude deixar de notar um certo brilho em seu olhar, provavelmente porque suas explicações haviam dado certo.
- Isso quer dizer que eu sou uma boa goleira. – Falei, orgulhosa de mim mesma.
- Não. Isso quer dizer que eu sou um bom professor. – Ele disse, se gabando. – Agora, vamos continuar treinando. Essa foi apenas uma defesa que deu certo. Precisamos de muito mais se você quer vencer. Ou pelo menos tentar. – Rolei os olhos.
Passei quase duas horas treinando com , que insistia em brigar comigo alegando que eu fechava os olhos na hora de pegar a bola. O que eu poderia fazer? Era instinto. Quando o Mestre Yoda decidiu que eu estava pronta, seguimos cada um para seus respectivos quartos a fim de tomar banho e se preparar para o café da manhã. Aquele seria um longo dia...
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Mesmo tendo passado quase três horas no campo de futebol, , e continuavam dormindo quando voltei ao quarto. Folgados. Depois de diversas tentativas para acordá-los e de tomar um banho, nós seguimos para o café da manhã. Eu havia decidido não contar nada a eles sobre o que acontecera mais cedo com , não queria ouvir que era um traidor e muito menos que estava ajudando nosso maior rival. Porque, de uma forma ou outra, eu sabia que estava. Mas simplesmente não consegui deixá-la tremendo de nervoso sem pelo menos tentar ajudar. Não emiti uma palavra sequer no curto caminho que fizemos, voltando a realidade apenas quando o cheiro de pão recém-saído do forno invadiu minhas narinas.
O refeitório era todo de madeira, com grandes janelas que partiam do chão ao teto. O que o deixava completamente diferente de qualquer ambiente interno que eu já havia visitado, era que havia sido construído ao redor de uma árvore. No meio do local havia uma enorme árvore que, de tão alta, cortava o teto e florescia. Ela ficava bem no centro do refeitório, e a mesa ao lado dela pertencia aos donos da casa: os Sharks. Quando estava voltando ao meu assento, carregando uma bandeja cheia de bolos frescos e um copo de leite, vi entrando de mãos dadas com um cara que conversava com Todd Wilkson. Eu nunca o tinha visto nas outras edições do acampamento, mas mesmo assim ele me parecia familiar. Só então lembrei-me que o garoto era o mauricinho que havia surpreendido no dia da nossa recepção amigável aos Tigers... E eu não sabia que estava namorando. Quando comecei a ficar incomodado sem motivo, decidi ir de encontro aos meus amigos, preferindo canalizar meus pensamentos na cara do mauricinho ao levar um saco inteiro de farinha na cabeça. Cheguei à mesa rindo.
- Cara, eu ainda não entendi nada disso aí que vocês estão falando. Explica de novo. - coçava a cabeça enquanto eu me sentava ao seu lado.
- Caralho, , foi seu cérebro que você deixou na privada hoje de manhã? – perguntava ao garoto, que não parecia nem um pouco bem humorado.
- , coloque a massa cinzenta para trabalhar. Não tem erro. – explicava pausadamente. – Eu só quero conversar. Procedimento padrão.
Eu não sabia qual era o assunto e nem fazia questão de saber. Depois de uma manhã cansativa, minha fome era tanta que eu poderia comer um tigre. Quando pensei naquilo, automaticamente a imagem de veio em minha mente. Apesar de ser do time rival, ela me parecia bem nervosa e tinha se esforçado muito - eu realmente queria que ela fosse bem. Corri meus olhos pelo refeitório lotado procurando-a, mas meus olhos pararam em , que olhava para nós de um jeito estranho, incomodado. Sentindo-me um pouco intimidado, desisti de procurá-la e voltei minha atenção para minha mesa. Os caras continuavam no mesmo assunto de antes e continuava com aquela cara estranha, como se fosse uma puta que havíamos esquecido de pagar. Aquilo estava me incomodando, mas dei de ombros.
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- Vamos lá, time! – Lola Hudson, a capitã dos Tigers gritava para nós. As garotas do futebol feminino estavam reunidas num círculo no canto do campo. - Mantenham a calma na hora das finalizações e evitem marcar pênalti, as “vacas” são muito boas nas cobranças.
O sol queimava meu rosto, mas eu não reclamava. Era preferível a ter que jogar num campo transformado em um lamaçal nojento graças à chuva. As arquibancadas cercavam todo o gramado e estavam lotadas: as que ficavam atrás das redes pertenciam aos times que não jogariam naquele dia: os Sharks e os Falcons. Já as laterais, por terem uma visão melhor, eram concedidas a torcida dos times que se enfrentariam: os Tigers e os Bulls. O local estava parecendo um jogo de seleção, as torcidas urravam, cantando seus gritos de guerra e, trajadas de bandanas e camisetas, balançavam bandeiras e levantavam cartazes. Os times carregavam cores de destaque e isso ajudava na hora de separar os torcedores: os Falcons tinham como cores oficiais o marrom e o dourado, os Bulls, vermelho e o preto. Os Tigers carregavam o laranja e preto e os Sharks levavam as cores azul e cinza. Naquele dia, a cor laranja fazia um enorme destaque, em cima do vermelho dos Bulls. Era um time diferente do nosso, que não se importava tanto com a competição em si: tratavam o acampamento mais como um hotel de férias, dando mais valor às zoações, amizades construídas ao longo dos anos, e – por que não? - as pegações.
- , por favor, tenha atenção! – Savy quase suplicava. – Fica de olho na bola, em mim, no time, nas adversárias... Basicamente, fica de olho em todo mundo!
- Savy, eu prometo dar meu máximo, mas você sabe que futebol não é meu forte. – Disse, quase entrando em desespero novamente.
- Eu confio em você. Nós confiamos em você. – Ela realmente achava que estava ajudando. Coitada.
Respirei fundo e fechei os olhos.
Adentramos no campo e os gritos ficaram ensurdecedores. O juiz jogou uma moeda para o alto e então fui obrigada a me dirigir até a área do goleiro, a mesma onde treinei com o . Lembrei-me de toda a ajuda que ele prestou naquela manhã, e então corri meus olhos pela torcida que gritava e ria atrás de mim: os Sharks. Belo lugar para ficar, não? Encontrei os olhos divertidos de , com certeza ele estava achando aquilo muito engraçado. Olhei para o lado, ansiosa, procurando Nate no meio da confusão laranja e preto. Ele me deu um sorriso, deixando transparecer certo nervosismo. O árbitro apitou.
Esforcei-me ao máximo para me desligar dos gritos e músicas que vinham ao redor do campo. Savy logo no começo conseguiu a posse da bola e saiu driblando várias meninas do time adversário. Sem que a zagueira adversária percebesse, ela deu um toquinho para Jenna, nossa atacante, que chutou com tudo para gol. Porém a goleira dos Bulls era boa, segurando-a com muita facilidade. Ela arremessou a bola para uma menina de seu time que já estava no meio do campo, que veio correndo e crescendo em minha direção: todas elas eram enormes, realmente parecidas com touros. Eu estava preparada para receber aquela, mas felizmente uma de nossas zagueiras conseguiu cortar sua jogada, voltando as jogadas para o lado adversário. Porém, não demorou muito para que a meio de campo dos Bulls surgisse, completamente do além, roubando a bola e passando com muita rapidez para uma de suas atacantes. A garota não era um touro, era um monstro. Eu lembrava vagamente dela, era maior que meu irmão e todos os seus amigos juntos. Encolhi-me, pensando que ela conseguiria me levantar apenas com uma mão. Tentei voltar a me concentrar no jogo: respirei fundo e mirei a bola, carregando comigo toda a minha concentração e os ensinamentos da manhã. Esse foi meu último pensamento. Meu último ato, por outro lado, foi receber a maior porrada da vida na minha cabeça e despencar totalmente inconsciente no chão.
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Fazia quase uma hora que eu estava sentado completamente sozinho naquele banco em frente à enfermaria. estava lá dentro com , Savy e o mauricinho, que um pouco de tempo depois que caiu dura no chão, fui descobrir que se chamava Nate. Eu havia decidido que não queria entrar e ficar aguardando com eles, especialmente porque o namorado da garota provavelmente não iria gostar muito daquilo. Então passava meu tempo apenas observando a porta e as janelas fechadas, sem nenhum barulho aparente em seu interior.
Fechava os olhos e a cena se repassava em minha mente inúmeras vezes. Aquela bolada na cabeça de seria ridiculamente engraçada se não a tivesse levado à enfermaria. e inclusive soltaram algumas gargalhadas, sentindo-se culpados depois porque a garota não se levantava. Estava claro que ela não era muito boa em seguir conselhos, principalmente o mais simples de todos: sempre manter o foco quando uma garota que tem três vezes o seu tamanho vier com uma bola em sua direção.
O barulho da porta se abrindo me distraiu. Nate, e Savy saíram da ala hospitalar, a última me dando um breve aceno de cabeça - acho que foi a única dos três que percebeu minha presença. Isso queria dizer que estava sozinho, então decidi que era uma boa hora de entrar. Abri a porta silenciosamente, enquanto ele folheava uma revista de fofocas – se não fosse o ambiente tão quieto, teria dado muita risada da cara dele. Quando percebeu minha entrada, olhou para mim e deu um suspiro agradecido.
- Ainda bem que você está aqui. e Savy não paravam de falar e acho que elas iam acabar acordando a qualquer momento. O mauricinho percebeu que eu estava ficando meio incomodado, então as levou pra comer alguma coisa no refeitório.
Dei uma risada.
- Garotas. Os anos passam e os assuntos não acabam. – Rolei os olhos. – Como ela está?
Olhei para . Enrolada em uma coberta, deitada com as mãos ao lado da cabeça no travesseiro. Quem a visse assim parecia que estava em sono profundo, dormindo delicadamente, se não fosse o curativo no canto esquerdo de sua testa. Uma sensação de aperto me invadiu.
- Está bem. A enfermeira disse que não foi nada muito sério. Só vai ficar com um inchaço na cabeça por uns dias. Mas conhecendo a como conheço, sei que ela prefere manter um curativo a ter que sair com a testa roxa por aí. Ah, e obviamente, está terminantemente proibida de voltar ao campo. – Ele deu um riso fraco. – Antes do jogo ela me disse que vocês treinaram hoje de manhã.
Arqueei uma sobrancelha. Achei que nunca iria admitir para ninguém que passamos um bom tempo juntos sem que ninguém morresse ou fosse estapeado, nem mesmo seu irmão.
- Ah. Não foi nada demais. Eu estava no campo e ela apareceu, nervosa por conta do jogo. Só ensinei alguns truques de defesa, que acabaram se provando meio inúteis. – Eu e ele rimos. Cara, aquela bolada foi realmente engraçada.
desviou o olhar de mim para , surpreso por alguns segundos. Percebi que ela estava se mexendo lentamente, se espreguiçando.
- , apaga a luz, por favor... – Ela murmurou, e começou a rir, andando em sua direção.
- Sou eu, irmãzinha. – Ele puxou uma mecha de seu cabelo delicadamente, e finalmente acordou.
- ? Eu... – Ela colocou uma das mãos diretamente no curativo, fazendo uma cara de dor com o toque. – Ai. Quanto ficou o jogo? O que aconteceu? – Ela perguntou de repente, desesperada.
- Bem... Não sei se você vai se lembrar, mas você levou uma bolada na cara e apagou. Até agora. São três da tarde. – engoliu em seco ao dar a garota as más notícias. – Detesto te dizer isso, mas os Bulls venceram o jogo.
Ela ficou muda por vários segundos, visivelmente chateada, e de repente me fitou, como se tivesse percebido minha presença só naquele momento.
- ? Por que você está aqui? – Ela perguntou, e por um segundo eu pensei que ela tivesse perdido a memória. – Logo você vindo me visitar? Por que não ou ?
- Fiquei preocupado com você. – Falei, erguendo uma sobrancelha, como se fosse óbvio. – Eu te ajudei hoje de manhã, poxa. Você esperava que eu simplesmente ignorasse isso? – Fiquei um pouco irritado.
Ela não respondeu, decidindo mudar de assunto.
- E Nate? ? Savy? Eles não vieram me ver?
- Foram buscar alguma coisa pra comer. E acho que eu também vou. Se cuida, .
Respondi e dei as costas aos dois irmãos, saindo da enfermaria. Senti-me um pouco incomodado pela atitude da garota, como se eu esperasse que as coisas fossem diferentes quando ela acordasse e visse que eu estava lá para ver como ela estava. Claro que não esperava uma recepção calorosa ou qualquer coisa assim, mas pelo menos que ela se demonstrasse um pouco menos surpresa pela minha presença. Eu não era um monstro insensível e, ao contrário de e , realmente tinha me preocupado com o estado da irmã do meu melhor amigo. Mas aparentemente, eu deveria me preocupar mesmo era com parar de me importar com .
Afinal, era terça-feira. E na quarta seria o dia do meu jogo de futebol. E eu não levaria uma bolada na cabeça. Ao contrário de certas pessoas.
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Algumas horas depois da estranha sensação de acordar numa enfermaria, decidiram que não havia nenhum dano mais sério à minha cabeça e que poderiam me liberar. Fora um final de tarde bastante agradável para falar a verdade: conversei bastante com meu irmão, e logo depois as meninas e Nate chegaram, me contando tudo o que aconteceu enquanto eu estava apagada. jogou basquete contra as meninas dos Falcons e marcou várias cestas, garantindo a vitória do time. Até mesmo algumas pessoas aleatórias vieram me visitar para saber se estava tudo bem: Lola Hudson, a capitã, jurou que não estava brava comigo. Não acreditei muito nela, mas fiquei feliz que se importava pelo menos em demonstrar o contrário. Todd Wilkson, de meu time, veio me perguntar se eu queria que ele desse uma lição na garota dos Bulls que havia chutado a bola em minha cabeça. O pior de tudo é que ele estava realmente falando sério. Falando na garota, ela veio me pedir desculpas, me dando um aperto de mão amigável que quase quebrou meus ossos. Aparentemente, estava tudo bem, tirando o inchaço coberto sob um grande curativo branco em minha testa, que ficaria lá por mais alguns dias até minha pele voltar a uma cor próxima a normal.
Nate me carregou no colo até meu quarto – um gesto muito fofo que me deixou totalmente constrangida, mas muito feliz. Passou a tarde toda tentando me fazer esquecer da dor, e principalmente da vergonha de ter desmaiado em público, contando piadas e histórias sobre seus acidentes domésticos de infância, e me mimando com chocolates que trouxera escondido em sua mala. A noite chegou num piscar de olhos, e era hora da tradicional festa à beira do lago de Camp Newcastle. Em todas as edições do acampamento, os organizadores preparavam algumas festas, que com o passar do tempo viraram tradição: mesmo ano após ano, nunca era entediante. Algo novo sempre acontecia, deixando o evento marcado em nossas memórias.
As meninas já haviam saído para o lago, e eu fiquei terminando de me arrumar. Optei por um vestido branco com um cinto dourado, para combinar com meu mais novo curativo. Soltei meus cabelos na tentativa de disfarçar o curativo e me maquiei, dando aos meus lábios um belo tom de rosa. O lago já estava repleto de jovens comendo, dançando e conversando. Havia um enorme deque de madeira beirando o lago e, durante as festas, era ali onde a maioria dos casais ficava – pelo menos os mais assumidos ou desinibidos. Varri meus olhos pelo local a fim de procurar minhas amigas ou Nate. Havia muita gente ali e era notável a rivalidade entre os Tigers e os Sharks. Quem fazia parte dessas torcidas mal se falava.
– Acho que encontrei a menina mais linda da festa. – Eu ouvi.
Nate veio sorrindo em minha direção, carregando um pratinho com alguns petiscos. Ele estava absolutamente lindo. Trajava uma bermuda creme e uma camisa verde escura.
- Então me diz quem é, que eu coloco essa garota na enfermaria. – Falei enquanto passava meus braços por trás de seu pescoço.
- Acho que ela não vai querer visitar o local pela segunda vez no mesmo dia. – Ele disse rindo e se aproximando de mim. Nate sabia como me derreter.
- É... Eu acho que não! – Disse, já o beijando. Por mais que eu ainda não amasse Nate, não poderia negar que ele conseguia me fazer feliz. Nós não tínhamos nada oficial, mas me sentia bem em seus braços e era só uma questão de tempo para que meus sentimentos com relação a ele crescessem.
- Epa, epa! Um lindo casal num acampamento... Eu tenho a sensação de que já vi cena parecida antes.
– chegou me provocando, acompanhado de e . – Ah, sim. Vi sim. Provavelmente em algum dos filmes de American Pie, onde o cara se aproveita da menininha.
- , para com esse exagero! – Virei para meu irmão e rolei os olhos. – Não tem porque ficar assim. Nate é o meu...
- ! – Todd Wilkson apareceu. Ufa! Salva pela interrupção. O que eu iria dizer?
- O que é, Todd? – falou com uma cara de quem estava de saco cheio. – Já falei que eu gosto de mulher, porra.
- Você acha que eu esqueci daquilo que você fez comigo naquela recepção escrota dos Sharks? – Todd disse, num tom intimidativo. Algo me disse que aquilo iria dar merda.
- Ah, cara. Esquece! – se pronunciou. – Ninguém mais lembra disso.
- É, igual ao título dos Tigers. E todas as finais de futebol entre vocês e a gente. – disse gargalhando, fazendo os outros meninos rir e deixando Todd, no mínimo, muito puto.
- Relaxa, Todd! – Nate disse, entrando no meio de Todd e os garotos dos Sharks. – O futebol masculino esse ano é nosso. Eu estou aqui a pedido de , vim treinando só pra ajudar o time, e aposto que esse ano a gente leva.
Eu jurava que o Todd ficaria feliz com aquela declaração, mas acho que ele estava com tanta raiva que preferiu sair andando sem dar ouvido a mais ninguém. Nate olhou a todos perplexo, com certeza pensando o que havia feito de errado.
- Vejo que você realmente é um novato, não é? – disse, provocante. – Nathaniel, deixa eu te dizer uma coisa: você pode dar a sua vida nesse acampamento, pode treinar quantas horas quiser, mas nunca irá barrar os Sharks. Somos a tradição desse lugar.
Por que ele estava o desafiando daquele jeito? Logo agora que Todd havia ido embora e a paz tinha voltado ao grupo. tinha sérios problemas. Eu estava quase lhe dando uma resposta bem grosseira, quando ouvi a voz divertida de Nate.
- , até mesmo um novato como eu sabe que seu time é favorecido. Seu pai é o dono disso tudo e um dos organizadores do Camp Newcastle. Você quer que as pessoas pensem o que? Mas saiba que hoje você pode até se achar um tubarão, porém, no dia do jogo, meu time vai estar se sentindo no meio de Procurando Nemo. Um monte de peixinhos perdidos em campo. – Nate deu um sorriso vitorioso, e olhou para mim, esperando minhas gargalhadas.
Silêncio.
Puta que pariu. Que piada péssima.
Antes que eu pudesse esboçar qualquer tipo de reação, senti as mãos de Nate em volta da minha cintura, tentando me puxar para um beijo que provavelmente seria muito constrangedor, na frente de meu irmão e amigos. Vi saindo da nossa frente com uma cara esquisita, que eu não soube decifrar. Parecia que o que estava o chateando ia muito além da piada sem graça de Nate.
- Amiga! – apareceu com Savy em seu encalço, completamente bêbadas. – Vamos dançar! – Disse, me puxando.
Havia um DJ no local, e naquela hora seu repertório era de músicas do século XX, mais especificamente, Twist and Shout. Era engraçado observar todos tentando dançar à moda antiga, especialmente , que estava no meio de uma roda grande de meninas e interpretava o Ferris Bueller de Curtindo a vida adoidado com total perfeição, quase me levando às lágrimas. o olhava de canto de olho, visivelmente com ciúmes. Chegava até a ser bonitinho. Praticamente todos os presentes dançavam, animados. Com o puxão de , eu tinha me perdido de Nate, e acreditava que ele já havia ido dormir. Pensei em procurá-lo, mas a ideia fugiu de minha cabeça quando a próxima música começou, as garotas se separaram de e eu e Savy, trocando um olhar cúmplice, empurramos em seus braços. Ele a segurou, ambos se olhando visivelmente transtornados, e dois segundos depois estavam se agarrando como se não houvesse amanhã. Eu e Savannah rimos, continuando a dançar. Eu adorava aquele lugar.
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Não demorou muito para que todos já estivessem bêbados e se atracando. A velocidade surpreendente com que as coisas aconteciam nas festas de Camp Newcastle se dava pelo seguinte motivo: a festa tinha hora para acabar, pois o dia seguinte era dia de competição. Logo, cada segundo era precioso.
Após o pequeno atrito que tivemos com Todd Wilkson, ele sumiu e não apareceu mais: provavelmente fora tomar seu leitinho e dormir. Enquanto trocava uns amassos com no meio de todo mundo, e tinha a brilhante ideia de correr pelado pelo deque para saltar no lago (obviamente cada segundo sendo registrado por em seu celular), eu fiquei pensando em como mostrar para aquele mauricinho criado a base de pão com Nutella que com um Shark não se brinca. Eu nem acreditava que a estava com um babaca daqueles. Claro que não éramos muito próximos, mas ela era uma menina realmente legal.
- Cacete, . Você tá aí! Cara, você está perdendo a Lola Hudson fazendo concurso de camiseta molhada... A Lola. Hudson. Simplesmente a garota mais gostosa dos Tiger. Todas as meninas se junta... ! – gritou, fazendo com que eu me perdesse de meus pensamentos.
- O que é, cara? – Perguntei, irritado.
- Nada. – Ele me olhou, assustado com minha reação. - Vim até aqui só pra te avisar que Lola está mostrando os peitos por aí, enquanto você está com a cabeça em outro lugar. Está pensando no que? – Questionei a mim mesmo se deveria contar minhas opiniões a ele sobre seu cunhado. Decidi que sim.
- , seu cunhado é um babaca! – Disparei, sem medir minhas palavras.
- Sério? – perguntou, levantando as sobrancelhas, mas honestamente sem parecer muito surpreso. – Na verdade eu nem sei se ele é de fato meu cunhado, mas certas coisas vêm me deixando realmente puto. Por que você está dizendo isso? – E aí me perguntei: realmente, por que eu estava dizendo aquilo? Nem eu sabia direito.
- Ah, sei lá. Só não fui com a cara desse otário. – Falei, olhando pra baixo e chutando uma pedrinha imaginária, sem saber exatamente o que dizer.
- Relaxa, . Eu não me preocuparia tanto com ele se fosse você. – sorriu estranho, e eu queria perguntar sobre o que exatamente ele estava falando, mas nessa mesma hora passou por nós ao lado de Savannah, encharcado mas felizmente vestido, discutindo alguma coisa com a garota num tom de voz um pouco alto demais.
- Por falar nisso, onde você se meteu depois daquela conversa com e o cara? – Perguntei, apenas a título de curiosidade, mas pareceu se embaralhar inteiro, como se não quisesse falar sobre aquilo.
- Eu... Por aí. – Ele respondeu, simplesmente. Provavelmente estava com alguma menina feia pra caralho e não queria admitir. Não insisti, achando graça.
Achei melhor ir para meu quarto e descansar. A festa não duraria mais que trinta minutos. No caminho de volta ao meu quarto, fiquei pensando num motivo concreto para ter odiado tanto o mauricinho novato, mas nada muito justo veio até minha mente. Eu simplesmente sentia que aquele cara não pertencia a Camp Newcastle, que ele não era bem vindo ali. E principalmente: eu não queria que ele fosse bem vindo.
Dia 3 – A Conversa
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Sharks contra Falcons.
Era o primeiro jogo do time de meu irmão naquela edição do acampamento, e todos já sabiam qual seria o resultado: , , e destruindo tudo o que viam pela frente. Eram jogadores muito dedicados, sempre conseguindo converter o esforço em muitos gols. O futebol masculino era a verdadeira estrela do acampamento, a modalidade mais competitiva, e os Sharks eram o melhor time há muitos anos. Eu esperava que, com a entrada de Nate, isso mudasse, mas também era um jogador muito talentoso e difícil de combater. Desde muito mais novo, ano após ano, ele era o capitão do time dos Sharks, e naquela edição não seria diferente. O vi dando várias instruções aos jogadores de seu time antes do juiz apitar o começo do jogo.
me disse, durante o café da manhã, que eu havia sido um pouco desrespeitosa com no dia anterior, na enfermaria. Quando disse que ele havia ficado praticamente uma hora esperando do lado de fora por alguma notícia minha, cheguei a achar que ele estivesse mentindo – eu pensava que era incapaz de qualquer atitude gentil quando se tratava de mim, mas aparentemente ele estava mudando. E sair da zona de conforto onde a maioria das palavras que eu e ele trocávamos eram provocações, era algo definitivamente estranho. De qualquer forma, comecei a me sentir culpada. O garoto havia ido à enfermaria só para me ver, com certeza preocupado por ter sido o responsável por todos os conselhos que eu tentei seguir durante o jogo, e eu havia o tratado como se fosse um estranho qualquer, que havia visitado a garota errada.
Perdi cerca de meia hora em meus devaneios sobre o que deveria fazer a respeito daquela situação, e nesse meio tempo os Sharks marcaram dois gols que eu só havia percebido pois Nate apertava minha mão de um jeito mais forte. Ele não vinha sendo dos mais gentis comigo naquele dia, com certeza estava irritado por eu ter o abandonado e aproveitado o resto da festa sozinha. Mas, bem, a culpa não era minha, quem sumiu em primeiro lugar foi ele.
- Seu irmão joga bem. – Ele comentou comigo, ao que eu assenti, concordando sem prestar muita atenção. – Mas o tal de é realmente o melhor mesmo. – Ele disse, emburrado. - Detesto admitir, mas aquele primeiro gol foi sensacional, não foi?
- Hum... É, claro, foi demais. – Não sabia do que ele estava falando e decidi me concentrar melhor.
O jogo transcorreu com mais dois gols por parte dos Sharks, e um por parte dos Falcons. Quando o juiz deu o apito final, todos os jogadores, até mesmo os reservas, foram parabenizar . Eu odiava o quanto ele era bom, e as incontáveis vezes que perdemos a taça do acampamento graças a seu desempenho fenomenal em campo. Não perderam muito tempo comemorando pois, além de estarem acostumados a ganhar dos Falcons, era hora do próximo jogo: Tigers e Bulls. Uma possível revanche depois daquele desastroso jogo do dia anterior? Eu esperava que dessa vez todos saíssem ilesos. De curativos, bastava o que repousava em minha testa.
Acompanhei Nate até a entrada do campo, dando-lhe boa sorte e um longo beijo, nas entrelinhas tentando me desculpar pelo abandono da noite anterior. Acho que consegui, pois ele parecia mais animado. Mas não era para menos: todas as torcidas estavam lá em peso para acompanhar o jogo. Acredito que todos estavam muito curiosos para saber o que o novato tinha a oferecer, e se realmente era tão talentoso quanto os boatos diziam que Nate era. Fiquei feliz em pensar que todos teriam uma “agradável” surpresa, principalmente os Sharks. Voltei à arquibancada, ao lado de minhas amigas, e o juiz não se demorou a apitar o começo do jogo.
- Savy. – Vi cutucá-la. - Aconteceu algo demais ontem que eu e não podemos saber?
Desviei minha atenção do jogo.
- Uma hora eu estava com e vi você numa discussão inflamada com ... O que era aquilo? – ergueu a sobrancelha de uma forma cúmplice.
- Eu... Estava discutindo com ele porque ele pulou pelado na piscina. Isso não é coisa que se faça. Eu esperaria algo assim de Todd Wilkson, mas não de . – Ela respondeu, mordendo o lábio meio desconfortável. – Além do mais, não sou obrigada a ficar vendo as partes baixas de todo mundo em público.
- O quê? – Eu dei uma risada. – Não estou entendendo, Savy. Qual é o problema do garoto se divertir? Ficou com ciúmes porque as meninas dos Falcons o viram sem roupa nenhuma? – Perguntei, provocando-a. – Eu esperava uma reação dessas de , porque ela pelo menos admite que gosta de . Mas parece que você vai ser a próxima traidora dos Tigers... E com , ainda por cima. – Eu e começamos a rir.
Savy abriu e fechou a boca várias vezes, procurando algum argumento concreto para se defender em meio as nossas risadas. Não conseguiu, no entanto, pois Nate em dez minutos de jogo fizera o primeiro gol da partida. Apesar dos Bulls terem a fama de não se importarem com as competições, o jogo estava bastante puxado.
O placar marcava 1x1 e Todd Wilkson havia roubado a bola do volante dos Bulls, armando assim um contra-ataque ao nosso favor. Ele ia correndo com tudo em direção ao gol e estávamos certos de que ele conseguiria, afinal, Todd era um ótimo jogador. Foi tão rápido que eu nem fui capaz de notar, mas quando ele entrou na área do gol, um zagueiro dos Bulls o colocou no chão com um carrinho muito feio.
- Pênalti! – Gritou um Tiger ao meu lado. – Se o juiz não marcar esse, é roubado! – Ele estava furioso.
Pênalti. Porém, a preocupação maior era com Todd e seu tornozelo. Ele levantou mancando um pouco, porém já recomposto do choque. O juiz marcou a falta, que ficou por conta do Todd. Ele fechou os olhos, respirou fundo e deu alguns passos para trás enquanto a tensão enchia as arquibancadas e as torcidas urravam. Chutou - bola para fora. Todd havia perdido um pênalti. Confesso que não sei qual reação foi a mais intensa, a dos Tigers, que xingavam, gritavam e levavam as mãos à cabeça, ou se foi a dos Bulls, que pulavam, se abraçavam, tomavam banho de líquidos como cerveja e refrigerante, tiravam a camisa e ficavam fazendo gestos obscenos para Todd. Os Sharks comemoraram como se fosse um gol deles, mas eu sabia que toda aquela alegria não duraria muito. Nate, em apoio ao colega de time, deu um tapinha nas costas de Todd, que estava ajoelhado no chão se martirizando, não acreditando no que acabara de acontecer. Não demorou para que Nate fizesse outro gol e Todd se redimisse daquele pênalti perdido, marcando também um gol em nosso favor.
É, os Tigers ganharam de seis a zero. Seis, com direito a quatro gols de Nate, um de Todd e outro de um garoto chamado Luke Dott. Eu e as meninas tentamos nos lembrar, mas era praticamente certeza que nunca houve um placar tão alto no futebol masculino. Nada melhor do que olhar para o rosto de cada um dos membros da torcida dos Sharks enquanto assistiam Nate humilhar cada um dos jogadores dos Bulls. simplesmente permanecia em silêncio o jogo todo, com a mão cobrindo a boca, pensativo. e com certeza falavam sobre o garoto, as mãos se agitando rapidamente e apontando para ele de vez em quando, provavelmente questionando como ele fazia tudo aquilo. Já estava quase chorando em seu assento. Era hilário.
O juiz apitou o fim da partida e toda a torcida laranja e preto invadiu a quadra, pulando nos jogadores e, é claro, dando toda a atenção – merecida – a Nathaniel. Esperei pacientemente todos os cumprimentos, abraços e aplausos a ele, e depois me joguei em seus braços, dando-lhe um beijo caloroso, repleto de gratidão.
- Você estava completamente errado. – Disse, e ele me olhou sem entender. – Não é . Você é o melhor, e vai ganhar os jogos de Camp Newcastle para nós. Eu tenho certeza. – O abracei apertado, sentindo-me absurdamente feliz.
Saímos do campo em um só bloco, cantando hinos animadamente, quando avistei , saindo de cabeça baixa das arquibancadas, com meu irmão e seus amigos em seu encalço, todos visivelmente decepcionados. Pensei nas coisas que havia me dito no café da manhã sobre ter sido grossa com ele, e decidi que era melhor conversar e pedir desculpas. Ele me ajudou e eu não queria ser mal agradecida. Me desvencilhei rapidamente dos braços de Nate e corri até eles.
- ! – O chamei, sendo recepcionada por um meio sorriso de meu irmão, que já tinha alguma ideia que mais cedo ou mais tarde eu faria isso.
O garoto me olhou um tanto carrancudo, com uma expressão irritada.
- O que foi agora, ? Veio aqui jogar na nossa cara a performance do seu namorado? – Ele perguntou. – Pelo menos os boatos nunca mentem.
- Ele não é meu namorado. – Respondi de imediato, balançando a cabeça em negação logo depois. Não era com e muito menos na frente de meu irmão e seus amigos que eu iria discutir essa questão. – De qualquer forma, não foi pra isso que eu vim aqui. E muito menos pra deixar você ser estúpido comigo. Vim pedir desculpas por ontem. Porque ao contrário do que você pensa, eu não sou idiota a esse ponto de vir aqui me gabar por qualquer coisa. Só queria ser legal e dizer que estou arrependida por como te tratei na enfermaria. Mas deixa pra lá.
Percebi que era perda de tempo tentar uma aproximação com . Não nascemos para sermos amigos, para treinar juntos ou pedir desculpas um para o outro, mas aparentemente só eu não entendia isso. Dei as costas a ele sem esperar uma resposta, mas senti sua mão em meu ombro.
- Espera, ! – Ele pediu. Dava para ver que estava envergonhado pelo que tinha dito. – Agora não é um bom momento pra conversar, como você deve imaginar. E hoje durante a tarde as garotas tem jogo de handebol. A gente pode se ver à noite? – Ele perguntou, esperançoso.
- Claro... Quer dizer, acho que sim. – Respondi.
- As dez, no deque. Tudo bem pra você? – Ele questionou, um pouco envergonhado. Parecia que estávamos combinando um encontro, e ele fazia isso na frente de meu irmão. Assenti com a cabeça e me despedi de todos eles, voltando à minha torcida.
Procurei por Nate e as garotas, mas só consegui encontrar . Contei a ela que tentara pedir desculpas a , mas em troca acabei conseguindo um convite para uma conversa que seria, no mínimo, bastante estranha. Ela me respondeu que eu não devia satisfações sobre o que fiz ou deixei de fazer a , mas que se eu fosse me sentir melhor fazendo isso, não seria ela que me julgaria. Prometeu que tentaria sondar e descobrir se estava mesmo puto comigo como havia dito. É claro que eu sabia que essa história toda era só um pretexto para passar mais tempo com ele, mas deixei a garota em seu mundo de ilusões, achando que podia me enganar assim tão facilmente.
No caminho para meu quarto passei pela enfermaria, e vi Todd saindo de lá. Pensei que ainda estivesse sentindo o tornozelo que fora machucado durante a partida, mas ele aparentava estar feliz. O espírito de vitória havia contagiado a todos e estávamos mais felizes do que de costume: ele acenou de longe com a cabeça e eu retribuí, sorridente.
Encontrei Nate e Savy na hora do almoço: o primeiro havia ido tomar banho, já a segunda hesitou em me contar o que estava fazendo quando a procurei, mas acabou admitindo que também havia ido pedir desculpas a alguém. apenas achou graça na garota e mal lembrava que haviam discutido durante a festa. O que ele não imaginava é que isso iria render uma nova discussão sobre o mesmo assunto: agora que estava sóbrio, Savy o repreendeu mais uma vez pela grande ideia de nadar pelado. Ele a perguntou por que isso a incomodava tanto, o que a deixou completamente sem resposta. Nem ela, nem ele, nem ninguém sabiam qual era o problema tão grande.
O resto do dia passou sem maiores emoções. Quando a noite chegou, decidi por contar a Nate que teria uma conversa com – tudo para evitar situações complicadas depois. Ele não gostou muito, é claro, mas entendeu e me agradeceu pela honestidade, dizendo que provavelmente iria dormir mais cedo. Estava cansado pelo jogo de hoje e queria armazenar energias para o próximo, que seria logo no outro dia. Dei-lhe um beijo de boa noite depois do jantar e segui meu rumo até o lago. Era uma linda noite, como todas em Camp Newcastle. O tempo sempre estava a nosso favor, todos os anos reservando um céu limpo e a lua prateada refletindo no enorme lago. ainda não estava lá, então decidi me sentar à beira do deque de madeira e esperá-lo. Pensei nos próximos jogos que viriam: até aquele momento, só perdemos o fatídico jogo de futebol feminino – do qual com certeza eu não participaria mais uma vez. Os outros cinco jogos foram facilmente ganhos: o problema é que os Sharks ainda estavam invictos. Mas conseguíamos manter uma boa média e eu realmente acreditava qu...
Dei um grito ao sentir duas mãos me empurrando em direção ao lago, porém, na hora em que eu estava prestes a cair, fui segurada e colocada de volta no lugar.
- Filho da puta! – Xinguei, sentindo meu coração parado por alguns segundos. É claro que era , eu não precisava nem olhar para trás. Suas risadas começaram a encher o ambiente enquanto ele se sentou do meu lado. – É sério, nunca mais faça isso comigo! – Falei, ofegante do susto e começando a sentir a área de minha testa escondida pelo curativo latejar pela tensão momentânea. - Se eu caísse você ia se arrepender...
Ele continuou a rir, deitando na madeira do deque com as mãos segurando o peito.
- Idiota. – Respondi, cruzando os braços. respirou fundo, entre risadas, e se sentou novamente.
- Não pude perder a oportunidade, . – Ele respondeu, simplesmente.
Ficamos alguns segundos em silêncio, cerca de um minuto olhando para o nada. Lembrei que estávamos ali por minha causa, já que eu havia o procurado após o jogo dos Tigers.
- Sinto muito. – Decidi falar de uma vez. – me disse que eu te tratei mal ontem na enfermaria, e realmente não era minha intenção. Você foi tão legal comigo com aquela ideia idiota de ser goleira, e tudo que eu queria era poder retribuir. Mas acabei estragando tudo. Só queria deixar claro que eu fiquei feliz que você me visitou ontem. De verdade. Obrigada.
Fiquei o observando, aguardando sua reação. Era minimamente estranho ser uma pessoa legal com , mas eu me sentia bem depois de pedir desculpas a ele. Ele apenas encarou o lago com um sorriso por um longo momento e, quando eu menos esperava, respondeu:
- Você se lembra daquele acampamento de quando tínhamos doze anos?
Achei uma pergunta um tanto esquisita da parte dele, mas assenti com a cabeça, sem dizer nada.
- Lembra daquele Verdade ou Desafio em cima de uma das mesas de madeira? – Percebi onde ele queria chegar, imediatamente sentindo minhas bochechas começarem a ruborizar. Aquele realmente não era o momento apropriado para falar sobre aquilo. Nenhum momento seria apropriado o suficiente, na verdade. – Você lembra que Luke desafiou a gente a... Hum, se beijar? Sei que você ficou morrendo de vergonha, e logo depois me disse que havia sido seu primeiro beijo. Me senti meio mal aquele dia por ter feito isso com você. Então peço desculpas.
O quê? Como diabos sabia que aquele era meu primeiro beijo? E como ainda se lembrava até mesmo de quem havia nos desafiado? Agora minhas bochechas estavam roxas.
- Eu, é... Eu... Eu só... – Comecei a gaguejar como uma idiota e decidi mudar de assunto. – Fui eu quem colocou aquele absorvente aberto no seu colchão. Mas não era sangue, era só esmalte vermelho. – Disparei.
Ele franziu as sobrancelhas e depois curvou o corpo, aliviado.
- Sério? Me sinto muito melhor agora. Acho que aquela foi a cena mais nojenta da minha vida. – Ele começou a rir. – Eu roubei a ultima panqueca do seu prato dois anos atrás.
- Eu dei uma moeda que tinha os dois lados de coroa ao juiz na final do futebol masculino do ano passado. – Eu confessei.
- Eu que convenci que ficar com era uma boa ideia. – Ele admitiu.
- Eu gostei de quando você me beijou.
Tapei a boca imediatamente depois daquela revelação inesperada, odiando a mim mesma. virou-se para mim com uma cara estranha, com um quê de confusão.
- Gostou? – Eu não respondi, apenas olhava para meus pés, que roçavam a água do lago. – , por favor. Só me responde. Não é nada demais. Não somos mais crianças. Não sou mais o garotinho que fez piada porque você se inscreveu nos Tigers.
Resolvi assentir com a cabeça, extremamente envergonhada. Ele estendeu sua mão em minha direção, tirando-a de minha boca e segurando-a amigavelmente.
- Tá tudo bem. Só fiquei surpreso. Sempre achei que eu havia estragado seu primeiro beijo. Que graças a mim você perdeu sua chance para uma pessoa que nem gostava. – Ele deu de ombros, enquanto eu tentava me acostumar com o toque quente de sua mão na minha.
- Nunca pensei nisso, . – Eu resolvi admitir de uma vez por todas. Já que havia me metido naquela confusão, era melhor tentar sair com dignidade. – Nós somos colegas de infância. Com certeza foi melhor que beijar pela primeira vez com um desconhecido. Além do mais, é algo bobo. Não tenho por que me preocupar com um simples beijo idiota.
- É, você tá certa. – Ele concordou com a cabeça. – Mas hein, que história é essa de moeda viciada na final do futebol? – perguntou, soltando sua mão da minha e erguendo sua sobrancelha, e eu comecei a rir.
Passamos pelo menos uma hora com confissões de histórias bobas da infância, lembranças em comum do acampamento e inúmeras perguntas e curiosidades sobre a vida fora de Camp Newcastle. Nada num grau de intimidade muito profundo, apenas assuntos leves que nos distraíram por um bom tempo. tinha ótimos assuntos e as mais diversas opiniões sobre tudo, e eu me arrependi de não ter explorado esse lado do garoto antes. O tempo passou rápido e nós nem percebemos.
- Quer dizer então que e vão se casar um dia por sua causa? Eu não acredito nisso... – Eu ri. – Eu penso que os dois são feitos um para o outro. – Disse, pensativa.
- É... – Ele respondeu, olhando para mim com um sorriso. – Eu nunca imaginei que fosse dar certo, só insisti para poder dar boas risadas no outro dia. Mas olha só no que deu. Aí estão eles, até hoje. Às vezes algumas ideias são apenas algo que parece idiota. Mas, no fim, valem a pena. Que nem conversar com você hoje. Valeu a pena. – Ele disse, de repente.
Devolvi um sorriso e, sem esperar nem um pouco por isso, inclinou-se e beijou meus lábios num leve toque, macio e quente. Arregalei os olhos, assustada. Ele se afastou, analisando minha reação. Quase que involuntariamente, repousei uma de minhas mãos em seu pescoço, como um convite. Ele se inclinou de novo e, dessa vez, meus olhos se fecharam para sentir seu beijo. Era bom, calmo e doce. Minha cabeça automaticamente tombou para o lado, dando mais espaço a . Ele acariciava meu cabelo, e eu sentia arrepios nos braços, o que me fazia apenas querer ficar mais tempo ali, apenas provando dele. Até que caí de cara com a realidade.
- Não, . – Me afastei, e ele olhou para baixo, sabendo que era uma má ideia. – Você sabe que não. – Disse, me levantando. – E dessa vez não sou eu que preciso pedir desculpas. – Dei um sorriso amargo, dando as costas a ele e seguindo o caminho de meu quarto, completamente perplexa e confusa. Ele não me seguiu.
Passando pelas árvores, arbustos, mesas e bancos de madeira, apenas conseguia pensar em Nate. Que fora até a cidade de Newcastle somente por um pedido meu. Não havia palavras para descrever como eu havia sido idiota, egoísta, e absolutamente filha da puta. Se tudo tivesse parado no primeiro beijo, se eu não tivesse fechado meus malditos olhos... Como eu conseguia ser tão idiota? Nate, que fora dormir mais cedo confiando em mim. Logo ele, que me carregou no colo porque minha cabeça doía... Doía ainda mais agora. Eu sentia o inchaço pulsar em minha testa, como se ele tivesse vida própria e me culpasse por ser uma cretina, uma completa traidora. Nate não merecia isso. O pobre Nate, que estava logo ali, deitado na grama, dormindo como um anjo e...
Espera. Deitado na grama? Voltei meus olhos a grande árvore e sim, lá estava ele. Deitado, com os braços esticados no chão. Franzi a sobrancelha por um segundo, pensando que ele provavelmente estava bêbado. Mas não havia tido nenhuma festa naquele dia. Não havia um motivo para aquilo. Mais um segundo de observação e fiz a constatação horrível de que o pesado banco de madeira maciça estava virado no chão. Em cima de sua perna.
Corri até ele o mais rápido que consegui, preocupada. Sua perna direita estava dobrada em um ângulo totalmente estranho, que em situações normais com certeza ele não conseguiria repetir. Tentei empurrar o banco, fazendo todo o meu esforço, mas era algo totalmente além do que minha força conseguiria. Era grande o suficiente para umas seis pessoas sentarem-se com comodidade. Eu nunca conseguiria removê-lo. Ajoelhei-me ao lado de Nate, chacoalhando-o rapidamente, mas ele também não acordava. Era como se estivesse completamente nocauteado. Comecei a me desesperar e gritei pela única pessoa que estaria próxima e poderia ajudar.
- ! – Gritei, o mais alto que consegui. – , por favor! – Lágrimas começaram a cair por meu rosto, eu ficava mais desesperada a cada segundo. – Por favor... !
Ele apareceu, correndo, em cerca de dez segundos. Ficou por um momento paralisado, analisando aquela situação bizarra em que estávamos metidos. O banco, Nate totalmente desacordado e eu me debulhando em lágrimas, perdida no meio do pânico. Correu até onde eu estava e, sozinho, porém com muito esforço, conseguiu afastar o banco da perna de Nate. Dizem que as pessoas conseguem triplicar sua força em situações que exigem muita adrenalina, e parecia ser o caso. Só me perguntava por que esse aumento de força repentino nunca parecia acontecer comigo.
- O que aconteceu aqui? Como a perna dele... Por que ele não acorda? Tinha um banco imenso em cima dele! Por que...? – também começou a se desesperar, fazendo perguntas incompletas.
- Eu não sei... Quebrou, não quebrou? – Perguntei, me referindo à perna de Nate e fungando, sentindo que meu nariz começaria a escorrer em questão de segundos. – Leva ele pra enfermaria, me ajuda... – Eu chorava, inconsolável.
puxou Nate, dando tapas fortes em seu rosto, mas nem sinal do garoto voltar à consciência. Quando decidiu que ele não acordaria tão cedo, passou o braço de Nate por seu ombro, arrastando-o a caminho da enfermaria. Foi o minuto mais longo da minha vida, eu me sentia completamente inútil. Chegamos gritando por ajuda, e a enfermeira, também confusa, rapidamente ajudou a colocá-lo numa maca, e entrou na sala onde o médico do acampamento fazia seu plantão, fechando a porta. Desabei no sofá da sala de espera, ainda chorando sem parar. Minha sensação de culpa era horrível. sentou do meu lado e, assim como fez com Nate, passou o braço por mim, apoiando minha cabeça em seu ombro. Dessa vez, não ofereci resistência. Precisava daquilo.
Acredito que pelo menos vinte minutos se passaram até que eu voltasse a respirar normalmente e parasse de chorar como uma louca. Quando eu apenas ofegava, com os olhos vermelhos, se levantou e buscou um grande copo d’água para mim. Enquanto eu fazia esforço para beber, entre um gole e outro, o disse:
- Vai embora, . Não precisa ficar. Eu vou ficar aqui esperando por ele, nem que seja a madrugada toda.
Ele se limitou a se sentar do meu lado, olhando para mim decidido.
- E te deixar sozinha nesse estado? – Perguntou, e antes que eu pudesse abrir a boca para responder, ele me cortou. – Não vou a lugar algum, . Não se preocupe comigo.
Dia 4 - O Plano
(Alisson)
Eu estava morta. Morta de cansaço, morta de medo, morta de angústia, morta de arrependimento. Depois que e eu levamos Nate para enfermaria, ainda ficamos por ali algumas horas. me fizera companhia o tempo todo, e por mais que eu estivesse chateada com aquele beijo, eu sabia que ele estava sendo muito gentil e cavalheiro comigo. Eu estava quase dormindo em seu ombro quando a enfermeira retornou até a sala de espera, dando a notícia previsível de que Nate havia quebrado a perna, e que ainda se encontrava desacordado devido a alguma substância que havia sido inalada ou ingerida. Mas garantiu que logo ao amanhecer ele estaria acordado. Depois de muito insistir, me convenceu a voltar ao meu quarto e dormir, me levando até o local. Mais tarde, eu treinaria para a competição de natação feminina: ao contrário do futebol, essa era minha real especialidade. Obriguei-me a dormir, o que acabou não sendo muito difícil - mesmo com todos os pensamentos em minha cabeça, eu estava esgotada: não demorou para que eu pegasse no sono, mantendo como última imagem em meus pensamentos o beijo trocado com o .
Eu era a última a chegar ao refeitório e a comida já estava prestes a acabar. As torcidas estavam efervescidas, pois além do vôlei feminino – Bulls x Falcons, Sharks x Tigers – pela manhã, à tarde os meninos jogariam futebol, com os Sharks enfrentando os Bulls e Tigers enfrentando Falcons. Eu sabia que os Sharks detonariam com a vida dos Bulls, mas temia pelo meu time sem a presença de Nate. Peguei alguns dos poucos bolinhos que restavam e fui me sentar com as meninas. Definitivamente eu não iria contar sobre o beijo no deque, mas precisava desabafar sobre o que acontecera com Nate na noite anterior.
- Meninas, vocês não tem ideia do que aconteceu. – Chamei atenção de Savy e , que tiravam sarro do time de vôlei feminino dos Sharks.
- Fala aí, amiga. – Savy virou rindo pra mim, porém desmanchando o sorriso logo em seguida. – Que cara é essa, ?
Comecei a narrar para elas tudo o que havia acontecido na noite passada, omitindo apenas a parte do beijo das minhas confissões. Eu até poderia ter contado sobre elas, mas além de estar completamente envergonhada por ter dado corda àquela situação, senti que ele também não estava muito orgulhoso de seus atos, logo, aquilo pertencia somente a e eu. Inventei uma mentira para elas, contando que eu fiquei com sono e resolvi ir para nosso quarto. Falei que encontrei Nate desmaiado na grama e com um dos pesados bancos de madeira deitado em cima de sua perna, e que havia pedido ajuda de . Desabafei sobre tudo aquilo, aguardando a reação delas. e Savannah ficaram se entreolhando, ambas mordendo o canto da boca. Eu conhecia aquele sinal. Vinha bomba por aí...
- Gente, o que vocês estão me escondendo? – Indaguei, nervosa.
Elas se entreolharam mais uma vez e Savy fez um sinal positivo com a cabeça, para que enfim respondesse minha pergunta.
- Olha, , eu e Savy andamos ouvindo algumas coisas estranhas... Nem passou pela nossa cabeça que poderia fazer parte de algo importante. Mas agora que você falou... – me disse, fitando-me cuidadosamente. Porra, onde ela queria chegar com tanto rodeio?
- Tá, , entendi. Dá pra você falar logo de uma vez? – Eu já estava ficando irritada com todo aquele mistério.
- Acho que eu e Savy podemos dizer, com certeza, que temos quase certeza de que foram os Sharks que aprontaram essa com o Nate. Mais especificamente , , e... . – Ela disparou.
- Calma. – Disse Savy, olhando para ela. – Não acuse todos eles, . Você não sabe nem mesmo onde eles estavam na hora que tudo aconteceu. Veja o caso de , ele estava com . Talvez algum dos outros também tenha um bom álibi. – Savy parecia preocupada.
- Exatamente, Savy! A gente nem mesmo sabe onde três deles estavam. E ao que tudo indica, poderia muito bem estar tirando de cena. – cuspiu aquele monte de informações, me deixando totalmente sem reação.
- Como assim? Eu duvido que eles fossem capazes de fazer isso... É baixo, até mesmo para eles. Além do mais, como Savy disse, o estava comigo! – Eu que estava com uma ferida na cabeça, e foram elas que perderam um parafuso.
- , eu peguei uma conversa estranha deles já no segundo dia de acampamento. – tomou a palavra. – Eles estavam combinando de fazer alguma coisa que seria “procedimento padrão”. Falavam como se fosse um segredo. Depois Savy me disse que também ouviu algo estranho: na festa do lago, falando sobre Nate... Disse que era para relaxar, e não se preocupar com ele. De um jeito meio estranho. Você não viu como eles ficaram putos depois daquele nosso jogo contra os Bulls, quando Nate fez mais gols do que o time deles já tentou em todos esses anos? Lembra, e não paravam de apontar para Nate e conversar durante o jogo. Foram eles, Allison. E agora com essa história que você acabou de contar, nós temos certeza.
Ainda não acreditava muito nelas. Claro, aquelas palavras poderiam ter um duplo sentido, mas também poderiam ser só conversinhas bobas sem segundas intenções, o que eu achava mais provável.
- Mas calma, não estamos dizendo que foram todos eles. – Savy comentou.
- Eu estou dizendo que foram todos eles, sim. – protestou. – Eles não fariam nada sozinhos. São inseparáveis.
- O estava comigo no lago na hora que aquilo aconteceu. – Repeti. - Os meninos não têm nada a ver com isso. – Falei, um tanto indignada com elas. – , você tem ideia de que está acusando também?
- , só estou tentando ser racional. Eu não acho que é um santo, nunca achei. – Ela se defendeu. – Se o não tivesse te chamado para ir ao lago, com quem você estaria naquela hora? Pensa bem. Foi tudo pra te manter afastada de Nate. – disse, compassiva. - Você acha mesmo que iria se preocupar em marcar uma conversa só para aceitar suas desculpas? O pai dele é dono disso aqui, . Ele ganha sempre, os Sharks ganham sempre. Aí, na primeira vez em que aparece uma verdadeira ameaça para eles, os “incríveis Sharks” vão ficar parados?
Eu não conseguia processar aquilo, de nenhum jeito. Não podia acreditar que meu irmão e seus amigos teriam a coragem de deixar Nate desacordado e com a perna quebrada. E o que é pior, que eles me enganariam só para que o tal plano fosse concluído. Depois de analisar tudo que as garotas me falaram, eu notei que, parte por parte, tudo se encaixava perfeitamente bem, como um quebra-cabeça.
Mas o que me abalou mais do que qualquer coisa, foi o fato de que eu fui usada como peça. Por , ainda por cima. Ele chegou ao ponto de me beijar, só para me tirar de cena. Será que nenhum deles foi capaz de perceber que aquilo era sério? Aquele tipo de brincadeira poderia custar a vida de Nate, e talvez até mesmo o seu andar. Só de pensar no que poderia ter acontecido com as pernas dele se alguém demorasse mais para encontrá-lo... Admito que sempre fui o tipo de pessoa que agia conforme as emoções, e havia brincado com elas. Não só ele, mas todos os outros, inclusive o meu irmão. tinha dado permissão para que brincasse comigo e com meus sentimentos, e isso me deixou tão devastada que meus olhos foram gradualmente ficando vermelhos e chorosos.
- , não chora. A gente pode ir até os organizadores do acampamento e desmascarar tudo isso. – dizia enquanto me abraçava de lado.
- E eles acreditariam em nós? – Perguntei. – Você sabe que não. Nem nós mesmas temos certeza se foram mesmo eles, só porque os fatos se encaixam, não quer dizer nada. Pode deixar que eu vou arrumar um jeito de averiguar essa situação... Assim que tiver uma ideia. – Era uma coisa que eu precisava fazer, por Nate e por mim mesma.
Ia saindo do refeitório, que ainda estava lotado, quando olhei para a árvore que havia no meio do refeitório. Os Sharks sempre sentavam ali. Meus olhos se encontraram com os de , que primeiro me deu um sorriso e logo depois fez uma cara de preocupado. Vi que o estava prestes a se levantar e vir até mim, então eu apertei o passo e saí daquela confusão. O único lugar que me faria relaxar, eu sabia, seria o grande lago. Além do mais, eu precisava treinar para o dia seguinte. Todos estariam assistindo aos jogos de vôlei, pois era o clássico Tigers contra Sharks, mas minha vontade de fazer parte de tudo aquilo era nula. Chegando ao lago, como já vestia meu maiô por baixo das roupas, apenas as despi, coloquei a horrível touca de natação e me atirei na água. Nadei o mais rápido que eu pude, deixando que toda a conversa de hoje de manhã fizesse efeito em minhas braçadas. Pensei na ajuda que me dera no dia do meu jogo e em implicando com o beijo que eu havia dado em Nate durante a festa. Lembrei de como tratou Nate no dia da festa do lago, e daquele beijo idiota, que não escapava de meus pensamentos. Não sei se era a palavra exata, mas ao que tudo indicava, havia me seduzido para que seus amigos ferrassem com o Nate. É, acredito que sedução realmente era a palavra certa. E foi aí que me veio uma realização. Se tinha feito aquilo comigo, então eu faria o mesmo com ele. Talvez assim eu descobrisse a verdade.
- Eu queria mais do que tudo estar aí com você. – Ouvi uma voz acima de mim quando alcancei a borda do lago. Era Nate, que de alguma forma parecia ainda mais bonito com um gesso e muletas, apesar desse fato ter feito meu coração quase se despedaçar. – Mas acredito que tenho que passar meio longe desse lago agora.
Dei uma risada, saindo do lago e me enrolando em uma toalha, um pouco envergonhada por ele ter me visto com aquele traje super sex appeal ao contrário: maiô e touca de banho. Soltei meus cabelos, percebendo feliz que o curativo continuava em minha testa, mesmo molhado.
- Como você está? – Perguntei preocupada, segurando sua mão.
- Bem. Nesse exato segundo estou dopado de remédios para a dor, então estou ótimo. Só não estou perfeito porque sei que vou ter que quebrar uma promessa. – Ele fez uma cara triste, e só então me toquei do que estava falando. Nate não poderia mais jogar por nós. Era o fim da esperança de vencer os Sharks.
- Não me importo. – Eu disse, tentando o abraçar sem molhar suas roupas. – Estou me sentindo terrivelmente culpada. Você só está nessa situação por minha causa. – Mordi o lábio. – Se estivesse em casa ao invés de ter vindo até aqui, com certeza nada disso teria acontecido.
Ele riu.
- , não se preocupe com isso. Essas coisas acontecem. A médica disse que eu provavelmente tive um ataque de sonambulismo ou qualquer coisa assim, provavelmente pela ansiedade dos jogos e tudo mais. Até perdi meu celular nessa história toda.
Olhei para baixo.
- Nate, sobre isso... Precisamos conversar. – Eu disse, decidida.
Fizemos o caminho em direção a meu quarto, que demorou o dobro do tempo de costume devido a adaptação de Nate com as muletas. Fui explicando todas as desconfianças de e Savy a ele, todos os fatos que se encaixavam formando, um por um a culpa de , , e . Assim como eu, ele duvidou no começo, mas me ouviu com atenção, prestando atenção em cada mínimo detalhe, assentindo com a cabeça e visivelmente refletindo sobre tudo. Eu tinha medo de soar louca quando contei sobre a ideia que havia tido enquanto nadava, de tentar persuadir a revelar seus segredos, mas, principalmente, temia que ele rejeitasse o plano por ciúmes ou qualquer coisa assim. Colocando-me em seu lugar, eu não ficaria nem um pouco feliz se ele me dissesse que iria jogar charme para uma garota só por causa de uma suspeita incerta.
- ... Entendo que você está empenhada em descobrir a verdade, mas essa é a pior ideia de todas. – Eu sabia que ele diria isso. - Quem deve ir atrás disso sou eu. Eu sei lidar com esses idiotas. Você é só uma garota, eles podem te machucar também. Eu vou conversar com eles.
Fiquei um pouco ofendida. Era só olhar para ele para perceber que ele, de fato, não sabia nem um pouco lidar com idiotas. Se soubesse, não estaria com aquele gesso na perna.
- Nate, eu conheço esses garotos desde criança. Se eu não sei lidar com eles, você também não sabe. Estou falando sério. É a melhor opção. – Protestei, irritada.
- Não, não é. Agora eu vou ser forçado a te ver agarrando o por aí e queimando minha cara pelo “bem comum”? Não vou aceitar isso. E, se você tem alguma consideração por mim, vai perceber que essa é uma péssima ideia. Com todo respeito ao seu irmão, não gosto de você perto desses caras.
- Olha, Nate... Eu não estou pedindo permissão. – Resolvi ser dura. - Vou fazer isso e você vai acabar me agradecendo. Você só está preocupado com a sua dignidade idiota, enquanto tem uma coisa muito mais séria acontecendo. Machucaram você, Nate. Quebraram sua perna. – Tentei fazê-lo ser racional. – Me importo com você, e sei que conversar com esses garotos não vai levar a nada. Além do mais, é perigoso para você mexer com isso, olha só o que aconteceu ontem à noite. Tenho medo de que se eles souberem que você desconfia de alguma coisa, façam coisa pior. – Estremeci. - Estou te contando minha ideia porque sei que os boatos de que eu estou me aproximando de chegariam até você o mais rápido possível, e não quero que você pense que eu estou te apunhalando pelas costas ou qualquer coisa assim. Mas não vou voltar atrás na minha decisão.
Durante toda minha fala, olhava para ele decidida. Ele, por outro lado, estava mais irritado do que nunca.
- Tudo bem, . Faça o que quiser. – Ele respondeu, seco, me dando as costas e seguindo o caminho contrário do que estávamos fazendo. Mas como já havia o dito, eu tinha certeza que ele ainda iria me agradecer. Não teria como dar errado. e os garotos estavam prestes a cair na mesma armadilha que construíram e, além de serem punidos pelo que fizeram com Nate, a hegemonia dos Sharks iria finalmente cair por terra quando todos descobrissem o que o filho do dono de Camp Newcastle era capaz de fazer.
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Kevin, zagueiro dos Bulls, havia dado o maior mole com a bola. veio correndo do meio de campo e conseguiu ter o domínio dela, olhando para o lado e percebendo que estava marcado. Ele procurou por mais alguém dentro da área do gol e então me encontrou completamente livre. Ele chutou lá de longe, e infelizmente a bola veio alta demais. Não tive muito tempo para raciocinar e então dei um chute de bicicleta. Ouvi um apito. Fim de jogo. Toda a torcida dos Sharks invadiu o campo cantando, dançando e zoando os Bulls. Meus colegas pulavam em cima de mim e, mesmo eu tentando me desvencilhar, me beijando. Eu havia feito um gol de bicicleta aos quarenta e sete minutos do segundo tempo. Muitos pensavam que eu me achava o melhor jogador da história. Claro que todo o nosso histórico de vitória ajudava, mas eu nunca fui cem por cento confiante e sempre temi pelas derrotas dos Sharks. Eu apenas dava o meu melhor.
Saí de campo acompanhado pelo resto do time e da torcida, era vez dos Tigers enfrentarem os Falcons, mas teríamos um breve intervalo para que todos pudessem comemorar, se acalmar e, no caso de nós jogadores, um tempo para se arrumar. Comecei a pensar como seria o jogo dos Tigers sem o Nate. Quero dizer, o cara era realmente bom e o Todd não estava em sua melhor fase. Antes que eu sequer pudesse me lembrar de , a mesma apareceu muito sorridente em minha frente.
- ! Eu preciso falar você – Ela disse enquanto sorria de um jeito que, eu odiava admitir, era completamente encantador. Chegava até a ser meio sedutor, mas provavelmente era coisa da minha cabeça... Nunca a vira assim e sabia que ela estava meio puta comigo, por causa de minha péssima ideia de beijar uma garota que, ao que tudo indicava, tinha namorado.
- Tem que ser agora, ? Eu preciso me arrumar, não quero perder o próximo jogo. – Respondi, sem nem mesmo olhar para ela.
- Sim, é importante. – Senti uma estranha urgência em seu tom de voz. – De preferência agora.
- Pode falar, então. Aconteceu alguma coisa com o Nate? – Acho que foi uma pergunta meio besta, afinal, ela estava sorrindo. Só se ela estava ali para me dizer que ele fora milagrosamente curado, o que no fim das contas seria uma pena, pois, egoísmo ou não, nossas chances de ganhar aumentaram muito com aquele acidente.
- Na verdade, , eu queria... É... – A cada palavra ela dava um passo, colocando o cabelo atrás da orelha, visivelmente envergonhada. Bizarro. – Eu queria... Queria te agradecer, porque ontem você ficou comigo na enfermaria. Aquilo foi muito importante pra mim porque... – Ela estava tão próxima que eu podia sentir o calor de sua respiração batendo contra meu peito. Eu só queria saber o que ela estava tentando fazer. Não parecia a de sempre.
Eu não tive a chance de terminar de ouvir o que ela disse. Quando me dei conta, ela estava com as suas mãos em minha nuca e roçando os seus lábios nos meus. Confesso que eu estava tão entorpecido com aquele ato, que no primeiro segundo nem pensei no motivo pelo qual aquilo ocorrera. Ali, na frente de todos os Sharks, deixei que me beijasse, e pior: que me beijasse intensamente. Por puro impulso eu envolvi um de meus braços em sua cintura e levei o outro até seu pescoço, juntando ainda mais os nossos corpos. Acompanhei o ritmo de , fazendo com que nossas bocas entrassem em sintonia. O beijo não era nem muito feroz, nem muito calmo – era uma descoberta, como se estivéssemos dizendo um para o outro “como eu nunca provei isso antes?”. Eu ouvia assobios, gritos, palmas, cochichos e até o barulho das câmeras de celular. Na mesma rapidez em que fui pego de surpresa por um puta beijo, se afastou de mim. Ela estava usando uma blusa da torcida dos Tigers e ainda mantivera seu sorriso nos lábios, respirando lentamente e com o resto vermelho. E eu... Eu estava com cara daqueles meninos de doze anos que abrem uma Playboy pela primeira vez na vida. Um completo babaca.
- ... Você... O que? - Eu tentei pedir alguma explicação, mas as palavras saiam totalmente desconexas. Eu estava abismado tanto pelo beijo repentino quanto pela total falta de motivos para tudo aquilo. Era definitivamente a coisa mais estranha que já acontecera desde que pisei os pés a primeira vez naquele acampamento.
- ... – Ela se aproximou de novo, dessa vez mais amigavelmente. - Obrigada. Você me ajudou tanto esse ano. Prometo que muito em breve vou te recompensar por tudo isso. – Ela disse enquanto me abraçava. Eu assenti, ainda meio babaca.
Olhei para os lados e pude notar e gargalhando, provavelmente da minha cara de idiota. Meu maior medo, obviamente, era encarar . Olhei para meu amigo e não notei nenhuma expressão de raiva. Ele olhava pra mim com as sobrancelhas levantadas e provavelmente pensando a mesma coisa que eu: Que porra era aquela?
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Era hora do jantar e eu ainda não acreditava em minha coragem. Ou melhor, em minha completa cara de pau por ter beijado daquele jeito. Contei para as garotas minha ideia e o avanço que já havia conquistado. Elas aprovaram o plano com louvor, dando várias risadas quando contei de sua reação, ou melhor, a falta dela. Mas também estavam preocupadas, assim como Nate.
- , te digo isso porque hoje passei o dia todo sendo estranha com , e isso me deixou acabada. Mas eu simplesmente não conseguia olhar pra ele do mesmo jeito, sabendo que ele pode ter sido responsável por lesar alguém desse jeito tão grave. - suspirou. - e cuidado com . Não sabemos até que ponto ele está envolvido em tudo isso. – Savy censurou-a com o olhar. – Tá, tá, não sabemos até que ponto qualquer um deles está envolvido em tudo isso. Savannah Collins, presidente vitalícia da sociedade protetora dos animais. – rolou os olhos.
Não pude conter uma risada, mas no segundo que olhei para o lado ela se dissolveu completamente. Passando reto, Nate nem ao menos me cumprimentara no refeitório. Sentara-se ao lado de Luke, Todd e os outros garotos do time de futebol. Ouvi-o perguntar a eles algo sobre seu celular, que continuava perdido desde a noite do dia anterior. O carregador ainda estava com ele, e a essa altura, o aparelho já estava sem uso, completamente descarregado. Ou seja, as chances de encontrá-lo eram menores ainda. Eu e as garotas terminamos de comer e seguimos de volta ao nosso quarto, discutindo sobre todo aquele mistério envolvendo o acidente de Nate. Só paramos o assunto quando demos de cara com uma pessoa parada na porta de nosso quarto, acompanhado de braços cruzados e uma cara séria: .
- , podemos conversar? – Ele pediu, sem demonstrar emoção. As garotas me olharam preocupadas, mas eu assenti, concordando.
e Savy entraram em nosso quarto e eu e caminhamos um pouco, completamente calados, até encontrarmos uma das mesas de madeira. Ele se sentou no banco, e eu em cima da mesa, curiosa.
- Então...? – Perguntei, tentando dar meu melhor sorriso.
- Por que você fez aquilo? – Ele foi direto ao ponto. – Não me faça de idiota, por favor. Eu sei que você queria me matar ontem quando eu te beijei, então, por que repetir a cena hoje? E na frente de todo mundo? Além do mais, e Nate? Não vi vocês dois juntos o dia todo. Tem algo muito estranho nisso, . Eu não sou burro.
Fiquei um pouco espantada com a reação repentina dele. Não esperava que ele tivesse reparado até mesmo que eu evitara contato com Nate. Será que estava desconfiado de que eu estava tentando arrancar algo dele? Bem, os culpados sempre se sentem perseguidos, não é?
- Eu... Eu não tenho motivo pra ter feito aquilo, . Só fiz. – Ok, que resposta idiota. Tentei reformular. – Aquilo tudo que aconteceu ontem, você ter passado a noite toda na enfermaria comigo, me fez pensar que você é alguém especial. Que se importa comigo. – Falei a verdade, mas dando a ela todo um outro sentido. - Esperava que você gostasse do meu gesto. – Olhei para baixo.
- Não faça isso de novo. – Ele me respondeu, duro, e eu realmente me senti magoada. Nenhum garoto havia demonstrado interesse e depois me repelido daquele jeito. percebeu minha expressão um pouco entristecida. – Não, não é como se eu... Não quisesse. É só que... – Percebi que ele olhava para o canto esquerdo, como se estivesse num conflito interno. – É que eu estou cansado de garotas brincando com a minha cara. – Ele disparou, e eu arregalei os olhos. – E você é só mais uma delas, . Não pense que eu não conheço esse joguinho de bipolaridade.
Franzi a sobrancelha, confusa com aquele despejo de palavras.
- Sempre pensei que era você quem brincava com as garotas. – Respondi, simplesmente.
- É que você conhece muito sobre mim, não é mesmo? – Ele deu um riso irônico.
- Estou tentando. – Eu respondi, sincera, estimulando-o a falar mais.
Ficamos alguns momentos em silêncio, e ele parecia muito magoado com algo que havia voltado a sua lembrança. Ostentava uma expressão terrivelmente amarga, e percebi que as coisas estavam saindo de meu controle quando automaticamente estendi a mão, fazendo um leve carinho em seu cabelo, como consolação por ter tocado em algum assunto possivelmente frágil. Percebi que isso o confortou, ainda que minimamente.
- Lauryn Woods. – Ele soltou. Me lembrei de quem estava falando: uma garota muito bonita dos Sharks, e que até onde eu sabia era uma pessoa simpática. passava o ano inteiro falando que ela tinha fartura ou qualquer merda do gênero. – Fiquei com ela a primeira vez aos catorze anos, aqui no acampamento. Parece idiota de dizer, mas para mim eu havia encontrado o amor da minha vida. – media muito bem as palavras. Eu sabia que era difícil para um garoto falar sobre amor, tinha um irmão mais velho que comprovava aquilo muito bem. Quando falava sobre seus sentimentos, preferia encher a conversa de palavrões. - Eu era um imbecil, é claro. Como eu falei, tinha só catorze anos. Voltamos à vida normal de Newcastle, e em uma semana eu havia pedido Lauryn em namoro. Eu era um babaca por ela: mandava flores, chocolates, cantava e tocava músicas dedicadas a ela, todas essas porcarias de primeiro amor juvenil. Nosso décimo segundo mês de namoro seria comemorado aqui no acampamento, e eu estava feliz que todas as pessoas iriam me ver com ela. Ela era especial. Tive que implorar um pouco de dinheiro para meus pais, para comprar alianças de compromisso, que entregaria assim que chegássemos aqui.
Ele foi desabafando todas aquelas informações, e para mim aquilo tudo era incrível. Poucos garotos se entregavam daquela maneira, independente da idade. Mas, pelo jeito, a história não terminava bem.
- Mas...? – Perguntei, curiosa.
- No ônibus, enquanto vínhamos para cá, ela disse que gostava de outro cara. Antes mesmo de começarmos a namorar. Que ela nunca tinha gostado de mim do mesmo jeito que eu dela. – Fiquei boquiaberta. Que história mais estranha. – É claro que foi ruim, mas o pior de tudo é o olhar de pena que recebo dela, ano após ano, dia após dia durante a semana do acampamento. Até os caras me olham com pena completa quando ela passa por mim. Me sinto um merda. Por isso quero que você fique longe de mim de uma vez, . Não estou interessado em repetir essa história.
Não pude me conter. Passei os braços por ele e o abracei com toda a força que consegui, como se toda aquela dor pudesse passar para mim. Ele levou um susto, mas retribuiu o abraço, seu aborrecimento passando aos poucos. Meu primeiro impulso era dizer que eu não era assim, que eu era diferente. Mas o que eu e Lauryn tínhamos de diferente, afinal? Eu o estava enganando da mesma forma que ela o enganou. Eu gostava de outro cara e estava insistindo em fazer com que gostasse de mim, exatamente como ela. Mas não podia deixar de me sentir mal.
- Ela não te merecia. – Respondi, olhando nos olhos dele. – Lauryn foi só uma brincadeira de mau gosto, dessas que o destino gosta de pregar na gente. Mas logo ele desiste de brincar. – Eu dei um sorriso. – E te manda uma pessoa que você não precisa mandar flores todos os dias para conquistar. Porque só de ela olhar para você, ela já se sente como se tivesse ganhado o melhor buquê do mundo.
Tentei pensar de onde saíram aquelas palavras poéticas. Com certeza não era sobre Nate, eu nem mesmo pensava nele naquele momento. Mas não consegui ir muito além em minha reflexão. Sentir o beijo de outra vez em minha boca foi como um alívio, me fazendo fechar os olhos e simplesmente precisar dele. E, de alguma forma, querer que ele precisasse de mim para afogar suas mágoas. De mim e de mais ninguém.
Capítulo 5 – A Acusação
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Era a hora da competição de nado. O lago estava lotado e fazia um belo sol. Tive a oportunidade de notar todos ali presentes, inclusive Nate em suas muletas e , que estava na torcida dos Sharks, mas acenara para mim com um tímido sorriso, que eu retribuí. Tirei meu roupão, ajeitei minha touca horrível e chequei meus óculos de mergulho, subindo na marcação delimitada para cada nadadora e respirando fundo. Ouvi o apito ressoando e deixei que meus braços e pés fizessem todo o trabalho por mim: coloquei neles toda a força que existia dentro de mim e permiti que meu corpo fluísse com total rapidez e leveza dentro d’água. Controlei minha respiração e tentei não prestar muita atenção nas minhas oponentes, objetivando ficar o mais concentrada possível. No entanto, infelizmente permiti que a imagem um beijo com invadisse minha mente involuntariamente e, no mesmo segundo, afastei-a de mim o quanto antes, porém tarde demais. Atravessei a linha que fora demarcada como linha de chegada, e pude notar, com pesar, que eu havia ficado em terceiro lugar. Os Sharks levaram mais uma vez, e aquilo me deixou ainda mais puta - eles iam me pagar... Assim que eu finalmente descobrisse a culpa dos garotos quanto ao acidente de Nate.
Após receber a medalha de bronze, decidi que era hora de colocar mais uma vez meu plano em ação, e dessa vez, era hora de apelar.
- ! – Chamei-o enquanto eu corria esbaforida em sua direção – Posso te pedir um favor?
- Fala aí, . – assentiu.
- Eu fui a primeira a sair do quarto, e as meninas o trancaram e minha chave ficou lá dentro. Não consigo encontrar nem e nem Savy. – Menti. - Você se importa se eu tomar um banho no seu quarto? – Perguntei da maneira mais meiga e angelical possível. Notei que sua respiração ficou um pouco mais pesada. – Normalmente eu pediria a , mas não sei onde ele está, você percebeu que ele anda sumindo muito ultimamente? – Inventei uma conversa fiada e ele concordou com a cabeça.
- Hum... Ok, . Sem problemas.
Chegamos ao quarto em que os quatro garotos dividiam. Naquele quinto dia de estadia, o local que antes fora limpo e organizado mais parecia um chiqueiro. Era incrível de se observar como eles conseguiram transformar aquele lugar em sua casa: haviam colado na parede um cartaz ridículo que sei lá por que razão dizia “Recanto dos Guerreiros”, outro com a foto de um tubarão do filme de mesmo nome, sorrindo e mostrando os dentes, e uma foto da Angelina Jolie colada ao lado do cartaz. Não pude contar um sorriso ao ver aquela imagem, lembrando-me das calorosas discussões que sempre tive com , dizendo que Jennifer Aniston era muito melhor que ela.
- Bem, vou deixar você a sós. Vou ficar na frente da porta te esperando... Caso o retardado do queira entrar no banheiro sem bater antes, como ele sempre faz. – disse enquanto ia a caminho da porta. Antes que ele pudesse alcançá-la, eu o puxei pelo braço, trazendo seu corpo para junto do meu, questionando a mim mesma de onde eu havia tirado toda aquela audácia. Só sei que parecia algo natural. me olhou um pouco confuso, mas, como todo bom homem, deixou-se levar pelas minhas ações: eu sorria para ele sincera, de alguma forma sem pensar que tudo aquilo era somente parte de um fingimento. Ele trancou a porta, jogando a chave em cima de uma das camas e voltando até mim. Passei minha mão pelos cabelos sedosos do garoto, e senti suas mãos pousando em minhas costas. Inclinei meu rosto um pouco para o lado e colei meus lábios nos seus da maneira mais quente que havia feito até aquele momento, sentindo aquele toque que já começava a me parecer familiar. As mãos de rapidamente desceram pelas minhas costas e pararam, hesitantes, próximas ao meu quadril. Eu sentia toda a troca de calor dos nossos corpos e investindo cada vez mais em nosso beijo, com seus lábios descendo até meu pescoço, me fazendo mais uma vez inclinar a cabeça para o lado, de maneira que eu ofegava como reação a seu toque tão próximo, e isso acabava por estimulá-lo ainda mais. As mãos de agora estavam na parte de dentro da minha blusa e roçavam minha cintura, tentando me trazer ainda mais perto, de um jeito que com certeza deixaria marcas vermelhas de suas mãos. No entanto, quando aquilo começava a ficar bom de verdade, o barulho de alguém tentando abrir a porta trancada fez com que nós nos afastássemos em uma fração de segundos, deixando nossa respiração completamente falha.
, ofegante, entre uma respiração e outra, me disse para tomar banho, enquanto ele seguraria quem quer que estivesse do lado fora. Pegou as chaves em cima da cama e saiu do quarto, me deixando sozinha, e eu voltei à realidade do por que estava ali: era a hora perfeita para procurar alguma prova, algo que pudesse finalmente me ajudar a descobrir se foram eles quem sacanearam Nate daquele jeito cretino. Liguei o chuveiro para que eles acreditassem que eu realmente estava no banho, e após jogar minha cabeça embaixo d’água para dar mais realidade em minha encenação (algo que não era muito necessário, pois meu cabelo já estava úmido pela prova de natação), troquei de roupa. Procurei pelo quarto todo, até mesmo embaixo dos colchões, mesmo sabendo que eles eram grandes demais para esconder qualquer coisa ali. Peguei a mochila que eu sabia ser de e não encontrei nada ali, a não ser um belo estoque de camisinhas que quase me fez vomitar. Deduzi que a mochila de estava em cima da cama que ele jogara a chave do quarto quando trancara a porta. Depois de revirar todas as suas camisetas e até mesmo algumas cuecas que eu não sabia nem mesmo se estavam limpas ou não, eu estava prestes a desistir, até que olhei no bolso lateral da mochila. Aquele velho ditado de que as coisas sempre estão no ultimo lugar em que você procura fazia todo o sentido: passei as mãos por um objeto que fez meu coração parar. Tudo o que eu queria era sair dali e enfiar a porrada na cara de cada um, principalmente de e , mas tentei ao máximo me controlar para não perder a razão. Se era verdade que os Sharks sempre ganhavam por conta do senhor , então eu também mostraria ao pai de que sabia jogar sujo. Peguei o celular de Nate, guardei em meu bolso e saí em disparada para dar um fim naquela história toda.
(...)
- Isso é uma acusação muito séria, senhorita . – Charles , dono e coordenador do acampamento (e pai de ), parecia absolutamente perplexo. – É difícil acreditar que e os garotos poderiam fazer uma coisa desse nível. Mas encontrar o celular de Nathaniel, logo na mochila dele... Realmente, é uma prova inegável. – Mande-os entrar, por favor.
Já era final de tarde, e eu e havíamos chego à sala do senhor no meio de uma crise histérica, com Nate em nosso encalço, tentando acompanhar com suas muletas nossas passadas furiosas. Antes mesmo de me ouvir, o coordenador mandou que buscassem , , e , e havia mais de meia hora que eles estavam esperando na recepção. A essa altura dos acontecimentos, todos os presentes no acampamento, menos os garotos, sabiam que eles estavam sendo acusados por mim de terem desacordado Nate e quebrado sua perna. Tudo o que faltava era a confissão e, todos os participantes de Camp Newcastle – inclusive eu – aguardavam ansiosamente o desfecho daquela história. Eu estava com olheiras profundas e terrivelmente pálida. O choque por finalmente ter a prova concreta de que e Savy estavam certas em suas desconfianças me atingiu em cheio. Eu não comia nada desde o almoço e meu estômago doía devido à ansiedade.
Os garotos entraram, curiosos por não saber o que estava acontecendo. Mantive meus olhos em , que de todos era o mais neutro para mim. Se olhasse para meu irmão ou , provavelmente cortaria suas gargantas com o primeiro objeto que aparecesse na minha frente. Ou desabaria esgotada logo de uma vez. Depois das confissões da noite passada, eu simplesmente não conseguia acreditar que foi realmente capaz de fazer tudo aquilo comigo.
- Meninos... Filho. – Charles mal era capaz de esconder sua total surpresa. – apareceu em meu escritório hoje com uma grande acusação. Vocês por acaso sabem o que é isso? – Estendeu o celular de Nate, desligado.
achou graça.
- Um celular, ué. As pessoas geralmente usam pra fazer ligações e mandar mensagem, Charles. Achei que fosse do seu tempo. – Ele riu.
- , ao contrário do que você pensa, eu sei muito bem o que é um celular. – Ele respondeu secamente, enquanto eu apenas olhava para Nate. Ele encarava os quatro garotos sem expressão alguma. – O que eu quero saber é por que o celular de Nathaniel Grantt estava dentro da sua mochila, .
arregalou os olhos, enquanto os outros três olhavam para ele, também assustados.
- O quê? Não, só pode ser algum engano. E-Eu nunca vi esse celular na minha frente. – Ele começara a gaguejar. - Quem disse que ele estava comigo? É sério, eu não sei do que vocês estão falando e...
- Eu vi. – Disse, minha voz soando mais firme do que eu pensei que sairia. – Eu mexi na sua mochila, . Logo depois que você saiu do quarto, e lá estava o celular. Nate disse que não o via desde quando tudo aquilo aconteceu, e então ele magicamente apareceu dentro das suas coisas. Engraçado, né? – Eu ironizei, aflita.
- Eu não sei como isso aconteceu, pai, mas eu juro que não fiz nada! – Ele ergueu as mãos para o alto, como se estivesse tentando se inocentar.
- Vou dizer como isso aconteceu. – se levantou e tomou a palavra. – Tudo começou quando eu escutei uma conversa entre vocês no refeitório. Estavam falando sobre Nate. E sobre alguma coisa que iriam fazer com ele. Ao que tudo indica, estava comandando alguma espécie de plano. a princípio não entendeu muito bem, e nem eu.
“Cara, eu ainda não entendi nada disso aí que vocês estão falando. Explica de novo.” coçava a cabeça enquanto se sentava ao seu lado.
“Caralho, , foi seu cérebro na privada hoje de manhã?” perguntou a .
“, coloque a massa cinzenta para trabalhar. Não tem erro. Eu só quero conversar. Procedimento padrão.” – explicou.
- Pensei que era coisa da minha cabeça, mas um dia depois Savy me contou que escutou e conversando. Mais uma vez vocês discutiam sobre Nate.
“ Relaxa, . Eu não me preocuparia tanto com ele se fosse você.” sorriu estranho.
- No outro dia, durante o jogo dos Tigers, e estavam numa discussão inflamada sobre Nate. Como eu sei? Porque apontavam para ele durante o jogo inteiro. Ah, e tem mais: após o jogo, vocês ficaram totalmente putos com o talento de Nate, e sabiam que não tinham chance contra ele no jogo de futebol. Por isso decidiram colocar o tal plano secreto em prática. Mas precisavam tirar de vista, não é mesmo? – cruzou os braços, parecendo uma detetive chegando no fim de um mistério. – Ela era a única que podia querer procurar por Nate durante a noite. Então, quando apareceu para conversar com depois do jogo, não havia nada mais apropriado do que marcar uma conversa para mais tarde. E, enquanto ele a entretia com alguma conversa furada, provavelmente aconteceu o seguinte: vocês, de alguma forma, doparam Nate e o desacordaram. Levaram ele até aquele lugar completamente do nada e viraram o banco em cima da perna dele. Não é tão difícil fazer isso em três, me contou que o próprio conseguiu removê-lo sozinho. Parte da encenação, é claro.
era horrivelmente boa com as palavras.
- Vocês souberam muito bem até mesmo onde colocar Nate. Afinal, se deixassem ele daquele jeito a noite toda, era provável que aquele banco prendesse a circulação de Nate, e o estrago seria ainda maior. Só precisavam inviabilizar a perna por uns dias, até o final do acampamento, mais que isso não era necessário, não é? Então o colocaram bem no meio do caminho que faz para voltar do lago até seu quarto, para que ela o visse propositalmente, e aparecesse como o bom herói que salvou Nate de uma paralisia ou sei lá o que. E não vamos esquecer do celular. – Ela dava um sorriso triste, como se odiasse o que estivesse fazendo, mas era necessário. - Eu aposto que, se Nate ligá-lo e o desbloquear, vamos encontrar uma ligação de um dos quatro, provavelmente combinando um encontro para o mesmo horário em que saiu com . E isso não poderia acontecer nunca, estragaria todo o plano de vocês. Não conseguiram descobrir a senha de bloqueio de Nate, e é um celular caro demais para se destruir. Então o guardaram, pensando que nunca ninguém o encontraria. Mas nós somos mais espertos. Você trouxe o carregador, Nate?
Ele assentiu, totalmente em choque com as palavras de , assim como todas as pessoas naquela sala, inclusive os garotos, pálidos como neve, mas em silêncio total e completo. Com sua narração, tudo pareceu ainda mais perfeito, ainda mais bem bolado. Nate conectou o carregador em uma tomada, e em questão de segundos o celular revivia. Assim que digitou a senha, tomou o aparelho para si. Acessou as chamadas recebidas e, tão de repente quanto tirou o celular das mãos de Nate, deixou-o cair no chão.
- ... – Ela o olhou, os olhos enormes ficando vermelhos. – Eu conheço seu número de longe. A última chamada aqui é sua, .
Era isso. Não havia mais o que dizer. Meus olhos ficaram chorosos, sentia meu nariz trancar com as lágrimas vindo.
- Como você pôde? – Olhei para , indignada. – Como você pôde? – Dessa vez, olhei para .
O primeiro a se pronunciar foi ele.
- Não é o que parece... – Sua voz saía fraca. – Nate, você não se lembra? – Ele negou com a cabeça, fazendo se desesperar ainda mais. Tudo isso que você falou, , todas essas conversas estranhas e diálogos secretos... Eu só... – Ele tentava encontrar palavras. – Era um plano, sim. Mas não esse que você está pensando. Nós nunca machucaríamos Nate. Eu só queria ter uma... Conversa de irmão com ele. – O olhei, perplexa. – Queria conversar seriamente com o namorado da minha irmã, como nos filmes, em que eu o ameaçava para que cuidasse bem de você, . Aquelas que papai sempre disse que teria, mas você o conhece, ele não consegue ser bravo com ninguém. Chamei os garotos para me ajudar, e nós ligamos para Nate para que nos encontrasse no refeitório. Estava vazio. Antes que eu me esqueça: nem sabia do que estávamos falando, ele nunca chegava a tempo ou prestava atenção o suficiente para acompanhar o andamento das coisas. Na hora, chegou até a ser engraçado, e ficaram atrás de mim enquanto eu falava com ele, de braços cruzados, forçando o muque e com cara de guarda-costas. Mas foi isso que aconteceu. Só isso, eu juro. Depois ele foi embora, e cada um de nós foi para seu canto. Eu fui o primeiro a chegar ao quarto, e já era bem tarde. Fiquei puto porque algum desses idiotas havia deixado a chave pro lado de fora, e depois descobri que tinha sido , que saiu às pressas para encontrar . – Ele olhou para Nate, desesperado. – Você não lembra de absolutamente nada do que aconteceu?
Nate cruzou os braços, sério, obviamente não sabendo se acreditava muito bem naquilo.
- Foi mal, cara. Seja lá o que aconteceu, eu apaguei mesmo. Não lembro de nada depois que cheguei no meu quarto no final da tarde.
Charles , que estava durante todos aqueles discursos tapando a boca com as mãos, absolutamente impressionado, resolveu se pronunciar.
- Tudo bem, garotos. Já que essa é a versão de vocês, e que, segundo , “cada um de vocês foi para seu canto”, onde vocês três estavam? Com quem estavam? Sabemos que estava com , mas ao que tudo indica ele só estava cumprindo o papel dele de mantê-la longe do garoto. – Ele olhou para o filho, suplicante. – Eu preciso de seus álibis.
Os três olharam para baixo, perdidos. e olharam para , que os observou curioso. Passaram longos segundos em silêncio, sem pronunciar uma palavra.
- Não podemos dizer. Por razões pessoais. – Disse em nome de , ele e .
Era isso. Eles eram os culpados, afinal de contas. O senhor soltou os ombros, cansado de tudo aquilo, e também convencido, como todos os outros.
- Então vocês não me deixam outra escolha. – Ele se sentou na cadeira reclinável, colocando os cotovelos em sua mesa. – A não ser expulsá-los, definitivamente e sem possibilidade alguma de retorno, do acampamento. Todos vocês. E quando voltarmos à cidade, o mais sensato seria Nathaniel procurar um advogado. Vocês precisam indenizá-lo por essa brincadeira sem graça, e em dinheiro. Estão com sorte que provavelmente não serão presos. – Ele suspirou, e os garotos começaram a protestar, dando socos na mesa do pai de e cada um implorando e tentando se inocentar. Mas nada que eles dissessem poderia negar aquela situação.
A não ser três batidas na porta, seguidas pela entrada da dupla mais estranha já vista em Camp Newcastle: Savannah Collins, dos Tigers, e Lauryn Woods, dos Sharks. Aquela garota que partira o coração de .
- Com licença, senhor . – Savy pediu, com um sorriso tímido enquanto absolutamente todos as olhavam, confusos e intrigados. – Mas é hora de mais explicações.
Elas se posicionaram no meio de toda aquela confusão. Lauryn foi a primeira a se pronunciar.
- Fiquei sabendo dessas acusações aos garotos e... Queria dizer uma coisa. – Ela olhou para , com aquela cara de pena que ele havia me dito. Era realmente entristecedor. – definitivamente não está envolvido nisso. – Ela afirmou, segura de si mesma. – Ele estava comigo no horário em que tudo aconteceu. E nós estamos juntos há algum tempo. Posso provar.
Ai. Meu. Deus.
- O quê?! – Eu perguntei, ainda mais chocada do que quando descobriu a chamada de no celular de Nate. – Você é o garoto de quem ela gostava quando terminou com ? Você, ?
Ele cerrou os lábios, ainda mais desesperado. Então esse era o motivo pelo qual ele não podia dizer onde estava. Porque estava com a garota de . Acho que eu ia desmaiar a qualquer segundo. Ele olhou para com as sobrancelhas franzidas de pânico.
- Me desculpa, cara. – Ele pediu, mas se limitou a cerrar os punhos, visivelmente muito irritado. Nem ao menos olhou para meu irmão. se movimentou para ficar no meio dos dois, evitando qualquer tipo de conflito previsível.
- É por isso que você andava sumido, então. E quando conversamos na festa, eu perguntei onde você estava e você desconversou. Estava com Lauryn. É claro. – trincou o maxilar duramente, ainda não mantendo contato visual algum com .
Savy decidiu distrair os garotos – e todos os presentes, extremamente chocados e curiosos - daquela situação, lançando mais uma grande fofoca no ar.
- E eu estava com . – Ela deu de ombros. Sua novidade não era tão chocante quanto a de Lauryn para alguns, mas eu e estávamos quase tendo um ataque epilético.
- Então é por isso que você ficava insistindo que a gente não podia acusar todos eles! Porque você sabia que um deles era inocente... Inocente até demais, ao contrário de você! – apontou, nervosa.
- Quando você pretendia contar isso pra gente, assim, só pra saber? – Perguntei, incrédula. – Sua safada!
Ela apenas deu uma risada nervosa.
- Não pensei que vocês encontrariam provas contra os garotos, então pretendia levar isso comigo ao túmulo. – Ela deu de ombros. – Afinal, foi só uma vez. Não vai acontecer de novo. Não tinha por que contar de um pequeno deslize. Vocês também me escondem coisas! – Ela protestou.
- Que seja. Mas e ? – perguntou, frustrada porque só seu garoto não tinha uma desculpa.
- Eu... – Ele olhou para Lauryn, e depois para . – Acho que não tem mais problema eu falar qualquer coisa, né? Eu estava vigiando e . Para que ele não pegasse e Lauryn no flagra. Estava ali, escondido entre as árvores na beira do lago, olhando vocês.
- Você sabia disso tudo desde o começo? – trincou o maxilar de novo, ficando cada vez mais incomodado.
- Nós sabíamos. Não era só ele. – protegeu o amigo, deixando ainda mais puto e com aparência ainda mais violenta.
- Ok, , mas quem garante que você não acabou de inventar isso para se aproveitar da situação entre e e encontrar uma desculpa? – O senhor perguntou.
- Eu... Eles podem provar que eu estava lá. – Ele olhou pra mim. – Você chegou primeiro, . E veio por trás, fingindo que ia te derrubar na água, mas te segurou. Depois de muito tempo em silêncio, depois começaram a conversar e não pararam mais. Quer dizer, até que... – Ai não. Ele ia falar. – Até que beijou a . E depois beijou mais uma vez. – É sério, eu ia socar no meio daquela carinha idiota dele. - E depois ela se levantou do nada, foi embora, e eu escutei algum barulho estranho e agudo, e logo depois saiu correndo.
- Você beijou ? – Savy estava horrorizada. – E depois quer falar de mim? – Ela começou a rir. Como ela sempre conseguia levar as coisas numa boa?
- ! – gritou, desesperada, enquanto Nate apenas levantou-se, com as sobrancelhas franzidas e extremamente chateado.
- Achei que esse seu plano era pra valer, e não um pretexto idiota para continuar beijando na minha frente. – Ele cuspiu, amargo, e olhou para o coordenador, ainda sentado em sua mesa, abanando-se com uma folha de papel. – Acho que ficou claro que ninguém aqui é culpado de nada. A não ser de serem péssimos amigos e namorada. Ou quase namorada. – Ele me olhou com os olhos cerrados. Claro que ele tinha de frisar na frente de todo mundo que não estávamos namorando.
- Plano? – questionou? – Que plano?
- queria se aproximar de você para tentar descobrir algo sobre o acidente. É claro que a tentativa deu completamente errado, como podemos perceber. Mas eu penso que deu certo até demais. – Nate revelou, saindo da sala mancando em suas muletas, e eu queria espancá-lo até a morte.
- É claro. – consentiu com a cabeça, trincando ainda mais o maxilar. – Como eu poderia esperar algo diferente de ? Você não é diferente de Lauryn, se chegou a pensar isso alguma vez. Você é pior. Seu nível é o mais baixo que eu já conheci. Só não é pior do que vocês. – Ele encarou os garotos uma ultima vez e também saiu da sala.
Um silêncio se instalou no ar até quebrá-lo.
- E você? – Olhou para . – É tão difícil assim vir conversar comigo antes de me acusar de ter quebrado a perna de um cara? – Ele também fez sua saída dramática, sendo seguido por , que tentava puxá-lo pelos ombros, chamando-o chorosa.
foi o próximo a sair, junto com Lauryn, discutindo alguma coisa num tom de voz tão baixo que ninguém conseguia escutá-los. E logo depois, Savannah e , separados e em total e absoluto silêncio.
Sobramos eu e o senhor .
- Pensei que quando vocês crescessem esses dramas de criança se encerrariam. Acho que estava enganado. Acabamos por hoje, . – Ele disse, me tocando para fora da sala e fechando a porta em minha cara.
A minha última reação do dia fora sentar no chão da recepção do acampamento e chorar toda a porcentagem de água de meu corpo, sentindo uma dor de cabeça explosiva, principalmente por baixo do maldito curativo. O resto da noite foi vivido na mais total e completa dormência emocional.
Dia 6 – A Final
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Acordei com dor e cansaço em todas as partes do meu corpo. Era o último dia de jogos no acampamento, a véspera de nossa despedida, e dia da grande final do futebol masculino: Sharks e Tigers. As cenas do dia anterior na sala do senhor rodavam minha mente sem parar, e eu ainda não acreditava que as coisas tinham tomado aquela proporção imensa. Tudo aquilo me fez questionar que tipo de amigos eram os garotos, com tantos segredos pelas costas, e que tipo de amizade eu e as meninas achávamos que tínhamos, também escondendo coisas bobas umas das outras. Eu estava arrependida de ter omitido o beijo do lago. Se eu não pudesse confiar nelas, em quem mais seria? Tentei pensar em Nate e , mas a sensação era de que meu cérebro latejava só de imaginar o rosto de ambos. Decidi que devia dar tempo ao tempo - eu não estava preparada para encarar nenhum dos dois em uma conversa séria.
Levantei-me e percebi que estava sozinha no quarto, provavelmente atrasada para o café da manhã. Tentei tomar banho e me vestir o mais rápido possível, chegando ao refeitório quando este já estava lotado e atraindo todos os olhares, de todos os times, para mim. Decidi que não demonstraria emoção alguma, apenas pegando uma bandeja com uma omelete e uma caixinha de suco. Virei-me para as mesas dos Tigers e pensei: com quem iria me sentar? e Savy estavam juntas, mas não sabia se era bem vinda ali. Decidi ir andando, procurando um lugar vazio.
- ! Onde você pensa que vai? – Ouvi gritar e olhei para o lado com um grande sorriso, me sentando junto a ela e Savy.
- Me desculpem. – Abri a boca e desembestei a falar. – Eu não contei sobre sem nenhum motivo aparente, não há justificativa alguma para eu ter feito o que fiz. Só quero que vocês sejam minhas amigas pra todo o sempre se for possível e, principalmente, preciso de vocês agora, porque estou metida numa puta encrenca. – Suspirei, e elas começaram a rir.
- , nenhuma de nós foi cem por cento sincera nesses últimos dias. Não se preocupa. Hoje é o penúltimo dia de acampamento. Você acha mesmo que terminaríamos tudo isso brigadas? – Savy acariciou minha mão. – Além do mais, realmente, você está num grande problema. Já pensou no que vai fazer? Quer dizer... Vai pedir desculpas ao Nate, ou ao ? Acho que você não vai conseguir terminar essa situação sem ressentimentos com os dois.
- Olha, eu venho pensando seriamente que nenhum dos dois vai aceitar minhas desculpas. – E era verdade. Eu beijei enquanto estava com Nate, e logo depois entrei num jogo idiota de sedução mesmo ele não concordando com a ideia. Era como se eu não tivesse respeito nenhum pelo cara que estava do meu lado. Por outro lado, o que fiz com foi, como ele mesmo havia dito, a coisa mais baixa do mundo.
- Se algum deles gosta de você de verdade, acho que vai passar por cima disso e tentar seguir em frente. – deu um sorriso fraco. – Pelo menos espero que pense assim de mim.
Perdi um pouco do foco na conversa escutando Todd na mesa ao lado. Ele estava debruçado sobre a mesa, papeando com Luke Dott e falando sobre os acontecimentos de ontem, provavelmente como todas as pessoas daquele local.
- Você acredita que a Lauryn, aquela gostosa dos Sharks, traía o com o ? – Todd contou a “novidade” a Luke, e ambos começaram a rir. – É claro que os caras não estão nem se falando. E sabe o que mais? Acho que a gente deveria se aproveitar disso no jogo contra eles hoje. Com o time daquele jeito, eles não vão ter nem chance. – Todd estralou os dedos, confiante. – Sabendo aproveitar isso, eu vou ser o verdadeiro salvador dos Tigers. Espere pra ver.
Curvei uma das sobrancelhas, não acreditando que tive a chance de pescar justamente aquela conversa. Agora sim eu sabia como me perdoaria.
- Preciso ir, gente. Encontro vocês no jogo? – Nem esperei por uma resposta, passando os olhos pelas mesas dos Sharks. Enquanto os outros garotos estavam todos juntos, ainda que longe de estarem em seu melhor humor, estava sentado sozinho, do outro lado do salão. Corri até ele e sentei-me em sua frente sem pedir permissão.
- O que você acha que está fazendo aqui? – Ele perguntou sem olhar para mim. – Não, sério. Quem te deu o direito de chegar perto de mim de novo, ?
Suspirei prendendo a respiração, sentindo que se eu não me controlasse as lágrimas viriam mais uma vez.
- Só vim pedir para que você aceite minhas desculpas. Sei de uma coisa que pode te interessar. Todd Wilkson disse que vai se aproveitar do fato de que você e os garotos não estão se falando para vencer o jogo.
ficou alguns segundos em silêncio, tirando pedaços de uma fatia de pão.
- Não acredito em você. – Ele disse, jogando o pão em sua bandeja. – Foi quem te pediu pra falar isso? Só para que eu desculpasse ele e os outros? Lamento, , mas não é assim que as coisas funcionam. E também não acredito que você viria até aqui só para contar uma estratégia que prejudicaria o meu time. É a final mais clássica desse lugar. Sharks e Tigers no futebol masculino. E você realmente quer que eu pense que você veio fazer uma boa ação e ajudar meu time a se defender contra o seu? Ao contrário do que você tentou provar todos esses dias, eu não sou idiota. Agora saia daqui, por favor. E vê se não fala mais comigo.
Abri a boca duas ou três vezes para tentar falar alguma coisa, mas sabia que nada adiantaria. Decidi deixá-lo sozinho de uma vez e ocupar a minha cabeça até a grande final, preocupada com o que poderia se desenrolar dali. Eu não confiava em mais ninguém.
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Eu estava irritado demais para me concentrar no jogo: os Tigers estavam ganhando de 2x1, e ainda estávamos no primeiro tempo. O único gol que tínhamos em nossa conta havia sido feito por pura sorte. Claro que os jogos entre Sharks e Tigers eram sempre os mais esperados, e por isso, ano após ano, a rivalidade aumentava ainda mais. Até mesmo os torcedores dos Falcons e dos Bulls estavam visivelmente nervosos, todos calados e prestando atenção num jogo que nem mesmo era deles. O goleiro dos Tigers lançou a bola, que acabou caindo próxima a mim. Consegui o domínio dela e fui driblando cada jogador que estava na minha frente, observando que era quem estava mais próximo ao gol e livre de qualquer marcação. Eu nunca imaginei que um dia pensaria assim, mas foda-se os Sharks! Eu não passaria a bola pra ele de jeito nenhum. Tentei driblar um dos zagueiros do time adversário, mas ele conseguiu roubar a bola de mim. gritou alguma coisa, mas tudo o que eu fiz foi ignorá-lo e, logo depois, o juiz apitou o fim do primeiro tempo - eu senti a revolta e a tristeza de toda a torcida dos Sharks em meus ombros. Não que tivesse ido mal sozinho, mas eu era o mais revoltado em campo. E o mais injustiçado também. Por puro hábito, quase puxei assunto com o enquanto saía de campo, mas então me lembrei que as coisas não estavam como deveriam estar.
- Eu quero todos, eu disse todos, sem exceção, dentro do vestiário. Agora! – Nosso treinador gritava, enquanto apontava para o vestiário. Obedecemos a sua ordem, bastante cabisbaixos.
Todos se acomodaram naquele pequeno espaço, e foi a vez de o técnico dar a palavra ao time. E caralho, que palavra...
- Meninos, eu não sei se vocês sabem, mas eu também participei de Camp Newcastle há muitos anos. – O técnico Lewis deu a introdução e alguns suspiraram: lá vinha história... – Antes do seu pai se tornar dono disso aqui, , ele era apenas mais um competidor, assim como qualquer outro. Eu, ele e outros amigos fomos as estrelas de nosso time, e muitas vezes isso subia à nossa cabeça. Mas não importa o que acontecesse, a amizade era sempre o que nos impulsionava a continuar e dar o nosso melhor. Seja dentro ou fora de campo: nós fazíamos merda também, e muitas vezes fomos punidos...
- Senhor, mas nós não fomos os culpad... – interrompeu e foi interrompido ao mesmo tempo.
- Cala a boca, . Eu ainda não pedi a sua opinião! – O treinador gritou. Caramba, o não sabia guardar aquela língua não?
- Eu não quero saber quem foi o culpado ou quem foi a vítima. Eu quero o meu time de volta. O time que faz esse acampamento tremer quando entra em quadra. Não quero que vocês vençam sempre, ninguém é perfeito, mas quero que deem o melhor. Não só o melhor de si, mas o melhor em conjunto. – Enquanto o treinador dizia isso, eu e meus amigos trocávamos pequenos olhares. Olhares de culpa e de acusação. – Às vezes nós não entendemos por que nossos companheiros tomam certas atitudes, mas é sempre bom lembrar que muitas das vezes é para o nosso bem. Algumas delas são erradas? Sim, são. Mas ninguém está livre de erros. É muito fácil apontar o dedo na cara de alguém, dizendo que o que ele fez foi errado e criou feridas, mas é difícil entender, e principalmente aceitar, que talvez aquela não tenha sido a intenção. Vou parecer um personagem de filme antigo ao dizer isso garotos, mas amores vêm e vão. A amizade é que é levada para sempre, pois é ela que nos sustenta em muitas situações. Os gatinhos metidos a sucrilhos Kelloggs perderam um jogador e ainda assim estão vencendo. Esse é o melhor exemplo. – Aquela comparação nos fez rir pela primeira desde que entramos em campo. – Meninos, unam-se e destruam esse jogo, mas lembrem-se que o objetivo desse lugar é gerar memórias boas que serão lembradas para sempre.
Cada palavra dita pelo Sr. Lewis pulsava dentro de mim. Mesmo que a ideia de esconder as coisas tenha sido muito escrota, e ainda me doesse o fato de ter sido trocado pelo meu melhor amigo, eu sabia que meus amigos haviam escondido isso de mim sem a intenção de me magoar - pensando em mim, ainda que de um jeito que me deixasse totalmente puto. Pensei no treinador, meu pai, e em mim: os três sempre movidos pela razão, buscando fazer a coisa certa. O intervalo já havia acabado, mas eu precisava tomar uma atitude de capitão e principalmente de amigo. Levantei-me e subi no banco em que estava sentado, respirando fundo e tirando todo o peso dos ombros através de palavras.
- Caras, eu queria pedir desculpas pelo egoísmo e falta de profissionalismo no jogo de hoje. Eu estava, e confesso que ainda estou, muito puto. – Deixei que as palavras saíssem de minha boca sem medi-las muito bem, apenas querendo que elas alcançassem todos ali, em especial , e . – Mas eu finalmente entendi. Saibam que de longe não foi a atitude mais correta, mas as pessoas têm direito de errar, não é mesmo? Esse acampamento é onde eu me entrego cem por cento todo ano, para que cada ano seja melhor que o outro. Não são as festas, as competições, os rivais e nem mesmo o troféu. São essas histórias que eu sei que vou lembrar, como hoje: o dia em que o técnico Lewis deu uma lição de moral super gay em todo mundo. – Eu ri. - Eu lembro o primeiro dia em que a maioria de nós se conheceu: nós ficávamos olhando os mais velhos jogando e sendo aclamados, e sonhávamos com aquilo. Queríamos o dia em que iríamos competir de verdade. Bem, aqui estamos nós. Vamos conquistar isso juntos. – Dei um grande sorriso e coloquei toda a força que existia dentro do meu corpo em uma só frase. – Sharks?
- Sharks! - Todos responderam, pulando e socando os armários. Meus amigos vieram até mim e me abraçaram, provavelmente pela primeira vez na vida, o que nos fez dar muitas risadas constrangedoras. Não precisamos trocar nenhuma palavra. O treinador me deu um tapinha de aprovação nas costas, e partimos em direção ao campo. Estávamos atrasados.
O placar estava dois a dois. Assim que entramos, fez um gol de letra, deixando a torcida alucinada. Faltavam dez minutos para o jogo acabar e tudo o que eu queria era que marcássemos mais um gol. Vencer dos tigres de virada. tocou a bola para mim e eu saí em disparada na direção da rede: seria o gol da vitória... Se não fosse pelo filho da puta do Luke Dott. Na tentativa de recuperar a bola, ele me passou um carrinho, quando eu já estava na pequena área. Por sorte ele não me machucou, mas eu havia conquistado um pênalti. Eu conseguia ouvir a torcida gritando, provavelmente todos os times que estavam ali passando por severos momentos de tensão. Enquanto o juiz discutia com alguns jogadores do Tigers que reclamavam, dizendo que aquilo não havia sido pênalti, eu caminhava até a marcação. Quando me abaixei para pegar a bola e colocar em cima da marca, vi uma sombra tomando a bola para si, antes que eu pudesse pegar. Era Todd, e ele sorria vitorioso demais para quem estava prestes a perder o jogo. O que aquele babaca queria?
- Todd, será que dá pra você me dar a porra da bola? – Eu disse, incomodado.
- O que foi, ? Ainda está puto porque perdeu a Lauryn pro seu melhor amigo? – Ele estava me provocando, justamente como falou. Aquilo não iria acabar bem.
- Cara, por que você não toma conta da sua vida? Já estou resolvido quanto a isso. – Eu já estava ficando estressado com aquele sorriso do Todd de virgem quando vê prostituta.
- Vocês tubarões são uma piada mesmo. Um come a namorada do outro, o outro come a irmã de um. E depois fazem o quê, se comem? – Eu estava prestes a acertar a cara daquele imbecil. Por sorte o juiz chegou e pediu que eu me preparasse para bater o pênalti. Mas antes que eu fizesse isso, ouvi Todd rosnar mais palavras, o que me fez cerrar os punhos de ódio. – Relaxa, ... Quem é corno uma vez, pode ser corno duas. Porém, melhor do que ser corno do amigo, é ser corno do pior inimigo. E se quisesse brincar de me seduzir, a minha atitude seria de um autêntico Tiger: eu comeria.
Bastou menos de um segundo para que aquele imbecil caísse no chão, com o nariz jorrando sangue.
Meus amigos vieram por trás de mim, me segurando, mas não havia necessidade: eu já sentia a adrenalina se esvaindo de meu corpo. Obviamente eu fui expulso de campo, e por incrível que pareça, saí aplaudido pela torcida do Sharks. O treinador me recebeu no banco de reservas com uma cara de poucos amigos, mas no fundo ele sabia que eu tinha motivos para ter feito aquilo. Lembrei-me do que dissera pela manhã e me senti culpado por não ter dado ouvidos a ela. Ela realmente colocou seu amado time em segundo lugar, tentando me ajudar. Ouvi um apito. Fim de jogo. Pela primeira vez, depois de muitos anos, eu presenciei uma derrota dos Sharks para os Tigers. Claro que nós já havíamos perdido para eles, mas era raro isso acontecer no futebol masculino - confesso que meu orgulho estava muito ferido. Recebi meus amigos no banco, que chegavam do campo putos e tristes, revoltados pela sacanagem que Todd fizera e pela falta de um empenho maior na reconquista de um gol. Ficamos sentados e nos consolando, apenas assistindo os Tigers comemorando.
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Então era aquilo. Os Tigers venceram o jogo. Assim, tão facilmente, sem nem mesmo precisar de Nate. Falando no garoto, enquanto todos invadiam a quadra para gritar, deitar no gramado e comemorar com os jogadores, era o único que continuava sentado na arquibancada. Eu sabia que as muletas não colaboravam com qualquer tipo de comemoração, mas ao mesmo tempo, não era só isso que o impedia de se sentir parte de tudo aquilo. Lembrei-me do que ele me disse no primeiro dia, que esperava no primeiro dia que o espírito dos jogos o contagiasse, mas infelizmente não foi o que aconteceu. Não podia culpá-lo: o garoto passou por poucas e boas logo em seu primeiro acampamento – quebrara a perna e nem sabia como isso havia acontecido. Se eu fosse ele, com certeza nunca mais iria querer voltar para lá também.
Entrei no gramado com as garotas, nenhuma de nós se importando com qualquer Shark naquele momento, fosse , ou : só queríamos comemorar aquela vitória tão desejada com nossos colegas de time. Eu estava realmente feliz pela primeira vez no dia, e não pude deixar de reparar em Todd. Apesar de ter obviamente causado toda aquela confusão durante o jogo, foi quem realmente se destacou naquela vitória. A verdadeira estrela. E então parei, no meio de todas aquelas pessoas, e comecei a maquinar meus pensamentos. A verdadeira estrela. Pensei no que ele havia dito no café da manhã a Luke, que seria o verdadeiro salvador dos Tigers. Então quem era o falso salvador? Nate? Enquanto Todd era ovacionado, carregado pelos colegas de time e tinha seus quinze minutos de fama, eu pensava e pensava, mas não conseguia acreditar. Mais uma vez as peças se juntavam como um quebra cabeça em minha mente, mas esperava que não fosse apenas um grande equívoco novamente.
Fui andando em sua direção até que os garotos o soltaram. Ele virou-se para mim, esperando receber um cumprimento ou um abraço, mas só ouviu algumas palavras que o assustaram no ato.
- Foi você, não foi? – Eu perguntei, com um sorriso incrédulo no rosto por ter pensado em tudo aquilo sozinha.
A expressão brilhante dele escureceu visivelmente.
- Do que você está falando, ? – Ele perguntou enquanto recebia tapinhas em todo o corpo dos membros de nosso time.
- Você machucou Nate. Por que, Todd? – Perguntei, confusa. – Foi porque você tem inveja dele, não foi? Porque ele joga muito melhor que você, e recebeu todas as atenções naquele jogo contra os Bulls, não é mesmo? Enquanto você, que sempre foi o melhor jogador do time, foi deixado de lado. – Eu franzia a sobrancelha e ele parecia cada vez chocado com o que eu vinha dizendo. – Quando eu te vi saindo da enfermaria... O que você roubou de lá, Todd? Foi éter? Clorofórmio? O que você usou pra desacordar Nate?
Ele virou as costas para mim, tentando me deixar falando sozinha, mas eu o puxei pelo ombro com toda força que tinha, ficando cada vez mais nervosa.
- Nate tentou te defender na festa dos garotos dos Sharks, mas você ficou ainda mais irritado com aquilo. Você não quer ser o capacho de ninguém. Quer ser o principal. O “verdadeiro salvador” dos Tigers. Aquele que leva toda a atenção. – Eu continuava com aquele sorriso irônico, que com certeza me dava uma expressão assustadora, pois Todd começava a estremecer. – Logo depois que os garotos conversaram com Nate, você deu um jeito de surpreendê-lo e o desacordou. Não é tão difícil, só precisava de um pano e um pouco daquele éter roubado da enfermaria. Depois fez todas aquelas coisas horríveis com ele, e é claro que você sabia que ninguém desconfiaria de um Tiger, ainda mais de você, Todd. Mas a confiança das pessoas nunca é suficiente. Você precisava por a culpa em alguém. disse que chegou ao quarto e havia deixado a chave para fora. Aposto que você percebeu isso também... Era a oportunidade perfeita para esconder o celular na mochila dos suspeitos mais previsíveis de todos: os melhores Sharks do time de futebol. Como alguém pode ser tão frio desse jeito, Todd? Como alguém pode prejudicar toda a equipe somente por um capricho pessoal de necessidade de atenção? E quebrar a perna de uma pessoa... Não é doentio demais? – Eu estava horrorizada.
Todd percebeu que não havia mais o que negar, então apenas deu uma risada de escárnio para mim.
- Que inteligente, . Aposto que roubou todos os neurônios de seu irmão. – Ele cruzou os braços, agora sério, enquanto eu chorava. – Mas agora o que aconteceu com Nate não importa mais, pelo menos não pra mim. O que importa é que eu venci. Venci dos Sharks, e sozinho. Se não fosse eu, essa vitória não aconteceria. Não é isso o que você queria desde o começo? Vencer o futebol? Pois conseguiu. Ainda que pelas mãos de outra pessoa além de Nate.
- Não, Todd! O que importa é que Nate quase ficou sem poder andar nunca mais por sua culpa! Não percebe o quanto isso é sério? Eu vou contar para o senhor o que você fez, e você vai ser responsabilizado por tudo isso. – Minha respiração falhava, mas eu tentava parecer filme. – Você tem que ser muito doente para ter feito uma coisa dessas, Todd.
- Você não tem provas. – Ele ameaçou entre dentes, e eu sabia que ele estava certo. Não tinha mais um celular roubado para provar qualquer coisa que seja.
- Desculpe, mas eu acho que ela tem sim. – Ouvi a voz de Savy a poucos metros de distância de nós, com seu celular apontado para nós, virado na horizontal. Mais uma vez, um celular era a prova de tudo. – Pensei que fosse ser uma boa ideia filmar a comemoração dessa vitória tão importante para todos nós, e olha só o que eu peguei. – Ela começou a rir, no jeito Savannah de ser: despreocupada e sorridente. – Que pena, Todd. Parece que Camp Newcastle acabou para um de nós.
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Eu já estava começando a me conformar com a nossa derrota no futebol. O técnico Lewis disse não ter ficado chateado, alegando que o jogo não importava, e sim o perdão entre nós. É óbvio que ele era um gay da porra, é claro que o jogo era importante! Mas ao mesmo tempo em que muita coisa já estava resolvida, ainda tinha muito a se fazer: eu ainda estava chateado com , mas acho que ter feito as pazes com os caras me fez repensar algumas coisas. De qualquer forma, naquela hora tudo o que eu queria era ir para meu quarto, tomar um banho e dormir até a noite, acordando apenas para a festa de encerramento na fogueira. Quando eu estava caminhando para fora do campo, notei que apenas um Tiger não estava no meio daquela confusão: Nate parecia um espírito vigiando todos da arquibancada - estava sozinho, então decidi que era uma boa hora para conversar com ele. Enquanto caminhava em direção à arquibancada, Savy veio em minha direção, filmando minha cara de derrota com câmera de seu celular. Provavelmente queria guardar aquele momento histórico pro resto da vida, e naquela hora jurei para mim mesmo que nunca mais aconteceria. Mostrei o dedo do meio pra ela, e na mesma hora nós dois reparamos que conversava alguma coisa com o Todd, e ambos não estavam com uma cara muito feliz. Cheguei a pensar que ela estava prestes a chorar, mas não tinha certeza. Savy, preocupada com aquilo, deu as costas para mim e foi andando em direção a sua amiga. Decidi deixar pra lá, subindo a arquibancada e ficando em pé em frente a Nathaniel, o encarando.
- O que você quer, ? – Ele perguntou, com a voz cansada.
- Queria apenas conversar, acho que ainda temos coisas pendentes para acertar. – Eu disse, tentando manter uma voz amigável. Nate sorriu amargo, mas assentiu. – Acho que já ficou claro pra todo mundo que não fomos eu nem meus amigos que fizemos isso com você. Eu jamais faria isso, mesmo. Se eu tivesse que te enfrentar nessa final e perder feio, eu perderia com dignidade, sem trapaças ou sabotagens, muito menos desse tipo.
- Olha , não sei se eu fui o único de nós a perceber, mas a verdade é que o motivo de nossa rixa nunca foi o futebol ou a competição entre Sharks e Tigers. Era ela. – Eu o fitava um pouco confuso, porém sabendo onde ele queria chegar. – . Eu vi quando você a sujou na recepção que vocês fizeram para os Tigers, no primeiro dia. Eu vi que a sua preocupação com o olho dela não foi uma coisa apenas racional, tinha sentimento ali. Tem coisa ali.
- Nate, eu nem sabia que era ela quando aquilo aconteceu. – Tentei me justificar. - Nunca quis roubar a de você, e aquele beijo que presenciou... Bem, aquilo foi culpa minha, mas não queria ser o fura olho de ninguém. – Eu estava processando tudo o que ele havia me dito, e acho que fazia total sentido. Mas eu não iria admitir, muito menos pra ele.
- Cara, olha só, ela gosta de você, não de mim. Quando eu falei ontem que o plano dela deu certo até demais, foi porque só serviu pra provar que vocês dois gostam um do outro. É só prestar atenção nos fatos: ela ficou mais preocupada em ficar te enrolando do que em cuidar de mim. Achava que estava fazendo aquilo para o meu bem, mas na verdade era somente para o bem de si mesma. – Ele parecia um pouco mais nervoso e quase recuei quando se levantou, com dificuldade, se equilibrando nas muletas. – Eu não sei quem fez isso comigo, mas eu daria tudo para que tivesse sido você. Talvez assim, ela estaria morrendo de ódio de , e então eu a teria só para mim.
- De qualquer forma, Nate. – Eu tentava me explicar. – Ainda que eu tivesse demorado demais pra perceber que eu gosto da , agora ela está com você e eu não pretendo estragar nada... – Eu estava incomodado com aquela situação escrota: estava desabafando com o namorado da menina que passou quase a semana inteira me dando mole porque achava que eu tinha quebrado a pena de seu namorado. Eu estava muito próximo de ter um troço.
- não é minha namorada, nunca foi, e não é agora que vai ser. E eu não quero mais pertencer ao “Maravilhoso Mundo de Camp Newcastle”. – Ele disse com uma voz carregada de deboche e ironia. – Como você disse, isso aqui não é para novatos.
– Nate, olha, eu espero que você não fique com uma má impressão desse lugar. Meu pai trabalha muito, todos os anos, pra que tudo corra da melhor forma possível, e nós também. O que aconteceu nesta edição, não quer dizer que vai se repetir. – Tentei conversar.
- Obrigado, mas eu dispenso. Pra mim já deu. – Ele disse, e eu pude entender que ele queria finalizar aquela conversa.
- Tudo bem, então. Desculpe pelo transtorno e saiba que eu não tenho raiva de você. – Concluí. - Acho que estamos entendidos. – Eu disse enquanto me virava para ir embora.
- ... – Eu me virei para ouvir o que mais ele tinha a me dizer.
A verdade é que eu não escutei porra nenhuma, apenas vi. Vi muito sangue. Aquele filho de uma puta havia dado um soco na altura dos meus olhos, fazendo com que meu supercílio inchasse instantaneamente.
- Agora sim não temos mais assuntos pendentes: estamos definitivamente acertados. Ah! Faça-me um favor? Mande aquela garota tomar no cu! – Nate deu um sorriso e saiu calmamente, me deixando ali sozinho com algo que parecia uma hemorragia. Minha sorte era que não havia mais ninguém no campo e nas arquibancadas além dos Tigers que ainda comemoravam eufóricos – assim, ninguém percebeu a porrada que eu havia levado de um cara que mal conseguia andar direito.
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Não foi preciso muito para decretar a expulsão permanente de Todd Wilkson do acampamento de Newcastle. O vídeo de Savy era prova mais que suficiente e, pra ser sincera, estava na cara que o senhor não aguentava mais aquele assunto. Nate seria indenizado pelos prejuízos e tudo acabaria bem. Ou quase bem.
Era nossa última noite no acampamento daquele ano, e encerraria com a tradicional chave de ouro: a festa na fogueira. Mais uma vez a enorme fogueira era montada no centro do acampamento, e tínhamos um vasto repertório de música acústica à beira do fogo: os participantes com algum talento tocavam a noite toda, sem parar. Era como um show particular.
Assim como algumas pessoas que estavam por ali, eu e segurávamos longos gravetos com marshmallows brancos e fofos nas pontas, que tentávamos esquentar aproximando-os das chamas. Para ser sincera eu odiava o gosto daquilo, mas eu sentia que tinha algo de especial no ato de tostar marshmallows na fogueira, então eu nem me importava. tentava me convencer a tirar o curativo branco da testa, sem sucesso. Ela estava com uma cara emburrada a noite toda, e eu sabia muito bem o porquê: estávamos ali sozinhas e Savy e se divertiam em algum canto, enquanto não falava com ela desde nossas acusações falsas contra os garotos.
- Calma. – Tentei tranquilizá-la, soprando o marshmallow para retirá-lo do graveto. – Ele vai vir falar com você, mais cedo ou mais tarde. Não foi culpa sua, . Qualquer uma pensaria o mesmo com tudo aquilo que estava acontecendo.
- Você não pensou. Você defendeu até o ultimo segundo, e nem ao menos havia se tocado que gostava dele.
Era isso, então? Aparentemente todo mundo sabia dos meus sentimentos com relação a , menos eu. Todos sabiam, antes de mim mesma, que se eu gostasse mesmo de Nate nunca teria inventado aquela história de seduzir outra pessoa. Queria ser para mim mesma assim, tão fácil de se ler, como eu era para os outros. Isso me pouparia de muitos problemas e de muitas perguntas, como: onde estava Nate para que eu pudesse finalmente conversar com ele sobre como eu realmente me sentia? Voltando a realidade, percebi que sentou-se num tronco logo atrás de , sem que ela percebesse, e trocou um olhar confidencial comigo.
- Mas e você? – Decidi que era hora de brincar com ela. – O que sente por , afinal?
Percebi que ele se ajeitou para ouvir melhor a resposta, curioso, e ela deu um longo suspiro.
- Eu gosto dele desde a primeira vez que ficamos. Quando dei um tapa na cara dele logo depois, porque bem, ele era um Shark e estava me beijando, eu já sabia que gostava dele. Só de olhar para seu sorriso eu já estava apaixonada. – Ela cruzou os ombros, sonhadora. – Eu espero todo verão para ter a chance de ver aquele sorriso mais uma vez. É o que me sustenta durante todo o ano: quando as coisas estão ruins, eu lembro desse lugar, lembro de , e sei que tem alguém me esperando para fazer meu ano valer a pena. Eu acho que o acusei de tudo aquilo, porque achava que o conhecia muito bem. Mas a verdade... É que eu não conheço. Ele sempre vai ser maior e melhor do que eu imagino.
percebeu que eu olhava o tempo todo para algo que estava por trás dela e virou-se, curiosa, sendo surpreendida com um puxão de para um beijo apaixonado. Comecei a rir e aplaudir, mas chorosa por dentro. Queria saber falar daquele jeito, com aquela certeza que tinha, mas nem mesmo sabia quais eram meus sentimentos com relação a , quanto mais defini-los em palavras. Tudo o que eu sabia, era que era ele. Em todos aqueles anos, eu só precisava de uma oportunidade de aproximação como a que eu tive aquele dia, na beira do lago, para saber que ele me conquistaria no primeiro segundo. E que todos pareceriam segunda opção se comparados a .
- , quer parar de agarração e vir aqui? – Ouvi a voz mais doce do mundo falando no microfone destinado aos participantes que fossem cantar alguma coisa na roda da fogueira.
Lá estava . Com um olho roxo, constatei. Se ele me dissesse que uma manada de elefantes havia invadido o acampamento e o pisoteado, eu teria acreditado. Não duvidava de mais nada que pudesse acontecer naquele acampamento depois dos recentes eventos. E, enquanto soltava e ele, e o esperavam, ele olhava diretamente para mim. Tentei dar um sorriso ou um aceno de cabeça, mas me sentia totalmente paralisada.
- É... Boa noite, gente. – Ele disse, um tanto tímido. – O senhor mandou pedir desculpas pela mudança na programação. O anúncio do resultado final do acampamento deveria ser hoje à noite, mas ele teve de ir resolver uma coisa na cidade. Me pediu para dizer que o anúncio será amanhã depois do café. – Todos aplaudiram, animados. Percebi que os quatro estavam munidos de instrumentos: dois no violão, um no cajon, uma daquelas caixas de batucar, e um deles com uma meia-lua, apenas para fazer uma graça.
– Espero que vocês gostem de Plain White T’s. – falou. - A música se chama A Lonely September e eu queria dedicar a uma garota especial.
Senti um arrepio pelo corpo todo quando a voz de preencheu o ambiente. Eu conhecia aquela música havia alguns anos, e de uma forma ou outra sabia que era para mim. Cada verso era presenteado com uma troca de olhares de e eu. Estávamos nos confidenciando sem precisar de muito esforço, e sabíamos que a letra daquela música era praticamente uma doce narração da nossa história. Eu nunca havia parado pra prestar muita atenção na letra, mas agora o refrão fazia todo o sentido.
- Well I didn't mean for this to go as far as it did… And I didn't mean to get so close and share what we did. And I didn't mean to fall in love, but I did. And you didn't mean to love me back, but I know you did…
(Bem, eu não pretendia que isso fosse tão longe quanto foi... E não pretendia me aproximar tanto, e dividir o que nós dividimos. E eu não pretendia me apaixonar, mas me apaixonei. E você não pretendia corresponder, mas eu sei que correspondeu.)
Deixei que cada verso entoado por e os garotos me preenchesse. Savy juntou-se a e eu, roubando o marshmallow de meu graveto, mas eu nem percebi. Estava mais preocupada com outra coisa.
- I’m sitting here trying to convince myself that you’re not the one for me, but the more I think, the less I believe and the more I want you here with me. You know the holidays are coming up I don’t wanna spend them alone...
(Estou sentado aqui tentando me convencer que você não é a pessoa certa pra mim. Mas quanto mais eu penso, menos eu acredito, e mais eu quero você aqui comigo. Você sabe que as férias estão chegando, e eu não quero passá-las sozinho...)
Comecei a me lembrar da primeira vez em que pisei em Camp Newcastle. Eu era tão criança, tão imatura. Lembro-me de haver ficado muito triste com porque ele não quis se inscrever em meu time, preferindo juntar aos amigos de Newcastle. A rivalidade já era antiga e, quando optei por ficar nos Tigers junto com todos os outros garotos de Manchester, um pequeno virou-se para mim e disse, com uma voz desafiadora: “Tem certeza, ? Vai realmente se inscrever nos Tigers? Ainda dá tempo de você mudar, é só não assinar. Não acredito que você vai deixar de ficar no melhor time desse lugar, só porque você conhece a maioria dos Tigers. Seu irmão só conhece eu, e , e nem por isso ele escolhe a segunda opção.”
A verdade era que desde aquele momento eu não suportava , e nem o fato de ele, meu irmão e seus amigos ficarem babando pela Lauryn, que desde pequena já era encantadora. Não era obrigada a ficar vendo aquilo, e nessa época nem imaginaria que as coisas tomariam um rumo tão dramático.
- I know it's not the smartest thing to do, we just can't seem to get it right… But what I wouldn't give to have one more chance tonight?
(Eu sei que não é a coisa mais inteligente a se fazer, parece que nós simplesmente não conseguimos dar certo... Mas o que eu não daria para ter mais uma chance hoje à noite?)
Como dizia a música, não estava nem nos meus últimos planos gostar de , mas aconteceu. Começou com uma brincadeira de verdade ou consequência, e se concretizou naquele beijo à beira do lago. Depois disso, tudo não passou de uma desculpa para chegar mais perto.
- And I didn't mean to meet you then, when we were just kids, and I didn't mean to give you chills, the way that I kiss. And I didn't mean to fall in love, but I did, and you didn't mean to love me back but I know you did… Don't say you didn't love me back 'cause you know you did! No, you didn't mean to love me back… But you did.
(E eu não pretendia te conhecer ali, quando nós só éramos crianças, e não pretendia te dar arrepios com o jeito que eu beijo... E eu não pretendia me apaixonar, mas me apaixonei, e você não pretendia me corresponder, mas eu sei que correspondeu... Não diga que você não correspondeu, porque sabe que sim... Não, você não pretendia me amar de volta... Mas amou).
A música acabou, arrancando vários aplausos de todos ali presentes, e risadinhas irritantes por e Savy. Foi realmente incrível, meu irmão e todos os outros tinham um talento nato quando se tratava de música. Os garotos passaram a vez para uma dupla dos Falcons que queria se apresentar, e eu vi me chamando com um aceno de cabeça. Fui até ele.
- Parabéns! – Eu disse, quando cheguei mais perto. Meu impulso era de abraçá-lo, mas não sabia a que nível estavam as coisas para fazer isso. Então apenas dei o meu melhor sorriso, que foi retribuído.
- Obrigado. – Ele respondeu, tão sem jeito quanto eu. – Quer sair daqui? – Ele perguntou, apontando os olhares curiosos que nos observavam perto da fogueira. Assenti com a cabeça.
Enquanto andávamos sem rumo, ficamos em silêncio. Mas pela primeira vez não era nem um pouco constrangedor. Percebi que ele me levava até o lago, mais uma vez. Sorri comigo mesma enquanto me sentava à beira do deque, com sempre ao meu lado. Decidi tomar a palavra primeiramente.
- O que aconteceu com o seu olho? – Perguntei, curiosa. Por incrível que pareça, não estava feio. Me sentia como se ele ficasse bonito de qualquer jeito.
Ele hesitou por alguns momentos, o que me deixou intrigada.
- Foi ? Eu juro que se foi, eu vou matá-lo. – Falei, preocupada, ao que deu apenas uma risada longa.
- Não, foram outros problemas. – Ele disse, simplesmente, evitando se estender sobre o assunto. – Meu pai me avisou que Nate foi embora logo depois do jogo. – Ele não quis ficar até o final.
Olhei para baixo, um tanto triste por tudo que havia feito àquele garoto. Ele merecia coisa melhor.
- Eu já imaginava. – Decidi mudar o foco da conversa. – Gostei mesmo da música. – Dei um meio sorriso.
- Foi pra você. – Ele finalmente disse, segurando minha mão e me deixando nas nuvens. Mas sabia que antes de tudo precisávamos falar de coisas mais sérias.
– Eu... Acho que ainda não tive a chance de me desculpar com você, . Por todas as coisas horríveis que eu fiz. Eu não mereço o perdão de ninguém, muito menos o seu, de e de Nate, e sei que isso não torna as coisas melhores de modo algum, mas só fiz tudo aquilo porque não sabia que gostava de você. Era tudo uma desculpa pra me aproximar, para ter você mais perto de mim. Mas nada justifica ter mexido nas suas coisas, invadido sua privacidade, acusado você, meu irmão e seus amigos de uma coisa tão repugnante. Era Todd, sabia? O tempo todo. – Mordi o lábio e ele colocou o cabelo que caía em meu rosto atrás de minha orelha.
- Sim. Fiquei sabendo que Savy fez um ótimo trabalho como jornalista investigativa. – Ele riu. – Eu também te devo um pedido de desculpas. Você tentou me avisar sobre ele hoje de manhã, na melhor das intenções, e eu simplesmente ignorei e duvidei. Mas sabe que, no fim das contas, eu agradeço Todd Wilkson por ter quebrado a perna daquele babaca. – Ele trincou o maxilar, nervoso. – Se não fosse ele e Nate, eu e os caras teríamos um segredo por sabe-se lá quanto tempo mais. E eu e você terminaríamos mais um ano do mesmo jeito de sempre. À distância.
Senti meu rosto corar.
- E também terminamos com dois hematomas combinando. – Tentei fazer graça, tirando o curativo de minha testa e revelando o roxo que, naquela hora, já estava bem melhor do que quando o consegui. – Nunca mais vou ser goleira na minha vida.
- Temos todo o tempo do mundo pra aperfeiçoar isso. – Ele disse, segurando meu queixo e puxando-me para um longo beijo.
Finalmente percebi que eu e nos encaixávamos muito melhor do que as peças de qualquer mistério de acampamento.
Dia 7 – A Despedida
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A noite anterior tinha sido incrível. Se não soasse tão infantil, eu poderia dizer que foi mágica. Passei a festa inteira ao lado de , tentando recuperar cada segundo perdido dos anos que se passaram. Trocamos mais confissões de outras coisas que aconteceram nos anos anteriores, além daquelas partilhadas em nossa primeira conversa à beira do lago. chegou a relevar que, quando éramos crianças, ele tinha raiva do Josh, um dos integrantes dos Tigers, e não sabia por que. Chegou à conclusão que era devido ao fato de que o mesmo sempre fazia dupla comigo no vôlei de areia. Ficamos sentados ao lado de nossos amigos, aproveitando o calor da fogueira e a última noite no Camp Newcastle. havia reagido muito bem com relação a tudo, e acabou que todos aceitaram muito bem a entrada de Lauryn ao nosso mais recente grupo. Por ser a última, a festa não tinha hora para acabar, mas mesmo assim fomos dormir mais cedo do que nos era permitido, afinal, no dia seguinte teria a revelação do grande campeão da Trigésima Nona temporada do Camp Newcastle.
No café da manhã, não havia mais divisão de torcidas. Os funcionários do acampamento juntaram todas as mesas, de maneira que formassem uma só, enorme, e que todos sentássemos juntos. A integração foi total: todos riam e relembravam os momentos que ficaram marcados, inclusive a bolada seguida de desmaio, que eu ainda tentava esquecer, mas ficava menos envergonhada: já chegava a admitir que a cena devia ter sido bem engraçada. Depois de muito bem alimentados, os campistas saíam do refeitório ao pequeno palco que havia sido montado bem no centro do acampamento. Todos estavam carregando suas bandeiras e vestindo a camisa de seus times. Alguns Tigers fizeram listras no rosto, estavam incríveis. Foi a vez de Charles tomar a palavra para o anúncio.
- Bom dia a todos! Primeiramente eu gostaria de parabenizar a cada um de vocês por mais uma bela edição do Camp Newcastle. Infelizmente alguns contratempos aconteceram nesta temporada, mas tudo já foi acertado. Gostaria de lembrar-lhes que... – Blá, blá, blá. Senhor ia falando sem parar, até que teve seu discurso interrompido.
- Qual é, Charles! Solta logo a porra do resultado. – Alguém gritou. O Senhor simplesmente o ignorou.
- Continuando, Gostaria de lembrar-lhes que ano que vem teremos nossa Quadragésima edição do Camp Newcastle. Estaremos fazendo quarenta anos de existência e já estamos preparando uma programação especial para cada um de vocês.
Todos aplaudiram e vibraram com a notícia. Ver o Camp Newcastle chegar a todos esses anos de existência deixava cada pessoa ali presente orgulhosa. Notei que uma das organizadoras do evento subia ao palco carregando um envelope, e sabia que era ali onde se encontrava o resultado. As torcidas estavam na frente do palco, todos divididos em blocos. Os Falcons e Bulls formavam os blocos da ponta, e os Sharks e Tigers formavam os blocos do meio. Eu sempre achei muito perigosa essa aproximação de Sharks e Tigers na hora do anúncio final, mas pela primeira vez me sentia bem com a situação. O Senhor foi mais uma vez ao microfone e a respiração de todos parou.
- Bem, gostaria de lembrar que a cada ano divulgamos uma nova pontuação para cada uma das provas, para que vocês não tenham a facilidade de saber quem está ganhando ou não. A única coisa que eu posso lhes garantir, é que o futebol continua tendo um peso maior. – Olhei disfarçadamente para o e pude ver que ele não tinha um semblante exatamente feliz. Com certeza estava se lamentando pela derrota contra os Tigers no futebol. – Preparados? - Todos já estavam com o coração na boca. - Acumulando um saldo de 732 pontos, em quarto lugar temos os Falcons! – Previsível. A torcida dos Falcons gritava e pulava, como se tivessem ficado em primeiro lugar. Eles realmente não se importavam muito com a competição, a meta deles era se divertir. Era muito engraçado de se assistir a zona de comemoração pelo quarto lugar. – Em terceiro lugar, acumulando 875 pontos, os Bulls! – A reação foi a mesma que a dos Falcons, porém mais contida. Alguns se importavam realmente com os esportes.
Agora era a hora. Tantos os Falcons quanto os Bulls já haviam parado de comemorar, até eles queriam saber quem era o grande campeão. Percebi que olhava de soslaio para mim e não pude conter um sorriso nervoso. A rivalidade entre nossos times era demais – ia muito além de nossa época. Isso havia começando quando os pais de e os de muitos outros ali participavam do Camp Newcastle. Apesar dos Sharks estarem vivendo seu momento de glória, os Tigers também já tinha sentido o gostinho da hegemonia. Todos os Sharks fizeram uma espécie de corrente, dando as mãos, mas pela primeira vez eu pude ver temor em seus olhos. , , e estavam ombro a ombro e de olhos fechados. Na torcida dos Tigers, eu vi pessoas ajoelhadas como se estivessem rezando, outras abraçadas, e algumas meninas já estavam até chorando. Eu não sabia reagir, realmente não queria perder mais uma vez para os Sharks. Mas sinceramente, se isso acontecesse eu não me importaria. Sem querer ser egoísta, mas nesta edição do Camp Newcastle, eu já havia perdido e ganhado muita coisa.
- Por fim, – Disse Senhor - Acumulando um total de 1.326 pontos, o Grande Campeão do Trigésimo Nono Camp Newcastle, são os... - Um silêncio havia se instalado no local, nem os passarinhos ousavam cantar. Era chegada a hora. - Sharks!
Não consegui ouvir a pontuação dos Tigers, pois uma onda azul e cinza começou a movimentar com muita brutalidade. Os Sharks não gritavam, eles urravam. Diversos grupos de meninas se abraçavam e pulavam envolvidas em suas bandeiras. Alguns meninos fizeram uma rodinha estilo corredor polonês, onde um se jogava em cima do outro. abraçava os seus amigos e – acredite se quiser – estavam chorando. gritava tanto que qualquer um diria que ele passaria uns bons dias rouco. Lauryn subiu nos ombros de e balançava a bandeira enquanto chorava. subiu no pequeno palco e se jogou na galera, sendo carregado por diversos braços até cair no chão num grande tombo. Um pequeno grupo de garotos começou a sussurrar “Sharks! Sharks! Sharks!” e cada vez diziam o nome do time, mais alto eles falavam. Até que todos da torcida estavam berrando em uníssono numa só batida o nome do grande campeão.
Só depois de observar toda aquela festa, fui capaz de reparar na minha torcida. As pessoas se consolavam, e as meninas que antes apenas choravam, agora estavam morrendo esgoeladas. Alguns meninos enrolados em um bandeirão, diziam palavras de incentivo para que, no ano seguinte, o resultado fosse outro. Savy e estavam sentadas no gramado com a maior cara de cu do planeta, fitando a torcida dos Sharks – e seus respectivos garotos – com certa inveja. Nós nos abraçamos e prometemos que o ano que vem seria nosso: faríamos os quatro sofrerem.
Os campistas se dispersaram pelo local a fim de aguardar o horário do almoço. Eu estava sentada sozinha num galho baixo de uma grande árvore, apenas refletindo. Senti alguém chegar por trás e tapar os meus olhos – não houve surpresa alguma, no entanto, aquele cheiro eu já conhecia de longe.
- Veio jogar na minha cara a sua vitória, Capitão ? – Falei, implicando e segurando sua mão.
- Claro que não. – Ele disse com uma voz afetada e muito falsa. Eu podia ver uma grande medalha dourada refletindo em seu peito, tentando me cegar. – Eu jamais faria isso. – Deu um sorriso irônico.
- Bom, então... Parabéns pela vitória! Não sei dizer se vocês Sharks mereceram, mas eu sei perder. – Eu falei enquanto passava meus braços por trás de seu pescoço.
- Por que você acha não merecemos? Você também acha que meu pai me favorece nos resultados? – perguntou confuso.
- Achava, mas depois do que aconteceu com Nate e da decisão que ele prontamente tomou quando pensávamos que vocês tinham sido os culpados, eu pude perceber que suas vitórias foram por mérito. – Falei, sustentando o meu olhar no dele.
- Isso é bom. – Ele sorriu, contente. - Meu pai até poderia colocar os resultado ao meu favor, mas só tem uma coisa que eu, como bom Shark que sou, tinha certeza de que conseguiria conquistar sozinho. – Ele disse carinhosamente, enquanto me olhava profundamente.
- O quê? O quê um tubarão como você consegue conquistar sozinho? – Perguntei rindo, sabendo que vinha alguma merda pela frente. Ele mordeu o lábio, pensando se falaria mesmo o que estava em sua cabeça.
- Só um tubarão consegue conquistar, sozinho, uma sereia como você. – Ele explodiu em risadas com a própria fala. – Ok, esquece. Vamos deletar esse momento, por favor.
- , essa foi a pior-cantada-da-minha-vida. – Eu não acreditei que ele teve a coragem de falar aquilo.
- Eu sei. – Ele me respondeu com um sorriso carregado de carinho. – Mas ter você aqui comigo foi a melhor vitória do meu dia. – Ele disse, logo depois dando início a mais uma série de beijos que eu jamais esqueceria.
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pulava em cima de sua mala para tentar fechá-la, enquanto todos saíam do quarto pela última vez naquela edição do acampamento.
- Vamos te deixar aí! Tchau , até ano que vem! – Acenei, arrastando minha mala junto a e enquanto gritava por socorro, mas fingimos que nem o escutamos.
A medalha dourada refletia a luz do sol que batia em meu peito. Ano após ano eu pensava a mesma coisa: tanto trabalho e irritação pra, no fim, ganhar um parabéns e um pedaço de metal. Ainda assim, valia a pena. Chegamos no grande portão de madeira, aquele mesmo local em que preparamos uma surpresa para os Tigers no começo da semana. Nem parecia que sete dias já haviam se passado desde que estourei uma bexiga com tinta azul na cabeça de . Os ônibus das quatro equipes estavam lá, recebendo uma porção de malas e travesseiros em seu bagageiro. , depois de guardar sua mala no ônibus dos Tigers, que iria para Manchester, se despedia de Lauryn com abraços e beijos, ambos visivelmente felizes por poderem fazer isso em público pela primeira vez. Não me importei, e ele veio em minha direção, sua expressão alegre se transformando em uma cara enfezada de irmão superprotetor.
- Olha aqui, . É bom você cuidar muito bem de . – Ele cruzou os braços, e nós dois explodimos em risadas.
- Justiça poética, . Você rouba Lauryn, eu roubo sua irmã. Me parece uma troca justa. – Comentei, levando um soco leve no ombro. – Boa viagem, cara. – Me despedi.
– Vai ser uma ótima viagem. – comentou, feliz. – Todd Wilkson já foi pra casa. – Ele riu.
passou por nós, consolando sua mais nova namorada. Já havia passado da hora do garoto tomar uma posição, né? Ao contrário de Lauryn, parecia mais triste do que nunca, secando as lágrimas com sua camiseta laranja.
- Promete que vai me ligar sempre, e vai deixar eu te ver de pijama na webcam quando eu quiser, e me mandar mensagem de boa noite, e... – ia desenrolando uma lista de condições que fazia olhar para os lados, sentindo-se perdido.
Vi que conseguira fechar a mala, sendo ajudado por Savannah a carregá-la até o ônibus. Ele era mesmo uma mocinha. Havia uma pequena multidão de vários grupos e duplas se despedindo, entrando nos ônibus, se abraçando e comemorando as vitórias. Todas as caras e rostos que eu conhecia há anos, e algumas novas que passariam a fazer parte da história de Camp Newcastle. Menos uma.
Procurava por todos os cantos a figura de , mas nem sinal da garota. Decidi guardar minha mala, sabendo que ela apareceria mais cedo ou mais tarde. E, por fim, apareceu.
- Sabe, tem dois lugares vagos no meu ônibus. – Ouvi a voz mais bonita do mundo por trás de mim. – Um garoto quebrou a perna e o outro precisa urgentemente de terapia. Aposto que você poderia se infiltrar lá sem problemas. – disse com um sorriso, passando os braços por mim e me dando um beijo carinhoso.
- Não sei, não sou como que aguenta numa boa pasta de dente na cara. – Eu respondi, e ela deu uma risada. – Tenho uma coisa pra você. – Falei, e ela me olhou curiosa.
Tirei a medalha dourada de meu pescoço e passei-a sobre o de . Ela parecia confusa.
- Você merece um primeiro lugar. – Dei um beijo em sua testa e ela me abraçou mais uma vez, aparentemente contente. – Não são todos que conseguem levar uma bolada na testa. – me mostrou a língua, dando um tapa em meu peito.
- Idiota. – Ela riu. – Não consigo acreditar que só vou te ver de novo nas férias do ano que vem. – Suspirou, triste.
- Eu não contaria muito com isso. – Respondi, mais uma vez colocando seu cabelo atrás da orelha. Eu adorava fazer isso. – Sabe, as passagens de trem de Newcastle para Manchester não são tão caras assim, e aposto que o adoraria que eu fizesse uma visita. – Ela arregalou os olhos com um grande sorriso.
- É sério? Quando? – Perguntou, feliz.
- Sempre que você precisar de mim. – Falei, levantando seu queixo e beijando-a.
- ! – Savy gritou da janela do ônibus. – Vamos! Só falta você! – Ouvimos o barulho do ônibus dos Sharks ligando, e eu aproveitei para dar uma última olhada em .
Nos últimos dias, sempre que eu fazia isso, me perguntava como foi que demorei tanto para perceber que era só uma questão de tempo para que eu me apaixonasse por aquela garota de uma vez por todas. Só precisamos de um pseudo-namorado, uma bolada na testa, um pouco de éter, uma perna quebrada, um celular roubado, uma acusação falsa, uma traição entre amigos e um soco no olho. Eu geralmente era um pouco mais rápido. Mas não importava: agora eu tinha todo o tempo do mundo – tinha só para mim pela primeira vez. Olhar para ela era como enxergar a primeira e única menina da minha vida. Com certeza, a mais linda de todas.
- Eu também tenho uma coisa pra você. – Ela deu mais um de seus sorrisos, e eu me perguntei o que poderia ser. Ela remexia na bolsa que levava a tiracolo procurando por algum objeto e, quando eu menos esperei, uma explosão de tinta laranja caiu sobre meu peito.
Que garota irritante. Rolei os olhos – seu “presente” não era nada além de uma bexiga de tinta. Da mesma espécie das que estouramos nos Tigers quando eles chegaram.
- Surpresa! – Ela começou a rir enquanto eu sentia a tinta escorrendo por todo meu corpo. Não pude conter algumas risadas também. O ônibus buzinou para ela, e eu sabia que era hora do adeus.
- Obrigado por ter alguém para ocupar meus pensamentos pelos próximos meses. – Comecei a me despedir. – Boa viagem, . Vou estar com você quando você menos esperar. – Eu prometi.
Ela segurou a vontade de chorar, deixando os olhos ficarem vermelhos.
- Obrigada por me dar mais motivos para voltar aqui ano que vem. – Ela me deu um último beijo e correu para seu ônibus, me deixando com , e o resto de meu time. Não perdemos mais muito tempo ali: enquanto subia em meu ônibus, pensei no que ela havia dito: enquanto houvesse , eu iria querer voltar para aquele lugar. Eu queria estar onde ela estivesse, e faria isso. Sentei ao lado de , que mandava uma mensagem para sua garota, e decidi fazer o mesmo. Abri a mochila para procurar meu celular, mas no bolso onde ele deveria estar, havia apenas um envelope com dois papeis dobrados e um bilhete. Abri os papeis, e eram duas passagens de trem para Manchester, ida e volta. Saindo de Newcastle no dia seguinte. Abri o bilhete, curioso.
“Acho que eu tenho um talento nato para roubar celulares. Agora você tem um motivo para vir me ver. Te espero na estação. .
PS: Seu pai comprou as passagens para mim, ontem à noite. Era isso que ele precisava fazer na cidade. Acho que ele está morrendo de vontade de se livrar de você.”
Menina louca. Minha menina louca. Mais uma memória surgiu em minha mente: uma frase que havia dito a naquela noite no deque. “Às vezes algumas ideias são apenas algo que parece idiota. Mas, no fim, valem a pena.”
valia totalmente a pena.
Fim.
N/A: Nove dias, sete capítulos, muita dor de cabeça, trinta mil, novecentas e oitenta e quatro palavras depois e aqui estamos nós, mal acreditando que chegamos ao fim dessa correria maravilhosa que foi Camp Newcastle dentro do prazo.
Críticas, sugestões e elogios fazem nosso dia muito mais feliz! Esperamos ouvir de vocês...
No Twitter: @aanamenezes e @mairataylor.
No Facebook: Ana e Maíra.
Primeiramente gostaríamos de agradecer à nossa linda beta Andy, que topou o desafio meio às escuras e com certeza não esperava cinquenta e uma páginas para uma short do Especial Extraordinário. Obrigada pela coragem, Andy!
A Ana também gostaria de agradecer ao namorado, que diz que não fica com ciúmes quando ela dá uns pegas em Tom Fletcher nas fanfics, teve algumas de suas mensagens mais especiais transformadas em falas dos personagens, e queria porque queria que a gente cortasse fora a perna de Nate pra ficar mais emocionante. É, a perna ficou, mas o muito obrigada também!
A Maíra, que não tem namorado, gostaria de agradecer a Ana, também autora da fic. Apesar da distância, essa parceria vem de longe e ela se sentiu muito honrada com o convite para essa escrita “a dois”. Primeiro ela foi convidada para ir a NY, mas então caiu de paraquedas no Camp Newcastle. Obrigada, Ana, por sempre me colocar nessas situações onde me fazem perder noites de sono. Já não é a primeira vez que você faz isso comigo, porém eu adoro e faria tudo novo. Sua confiança é muito importante para mim e eu espero que a nossa amizade seja maior do que a distância entre a cidade do Rio de Janeiro e o interior do Paraná. Você foi uma das coisas mais importantes que a internet colocou na minha vida. Obrigada por me mostrar todos os vídeos da Regincana, saiba que eles serviram de inspiração para muitas de minhas narrações. Nunca vou me esquecer da primeira vez em que “trabalhamos” juntas, e saiba que “Às vezes algumas ideias são apenas algo que parece idiota. Mas, no fim, valem a pena”.
Esperamos acima de tudo que tenhamos prendido vocês nessa leitura, que nos prendeu antes mesmo de sair no papel. Ah, queríamos dizer também que a ideia original para o Especial, que era sobre New York e um famoso beijo entre um marinheiro e uma enfermeira, ficou grande demais para uma short fic (sim, conseguiu ficar muito, muito maior que Camp Newcastle). Decidimos transformá-la em uma fanfic mais longa, que, quem sabe, terá as honras de ser postada no FFOBS um dia?
Enfim, obrigada por ter feito parte do universo de Camp Newcastle. Nate não foi contagiado, mas esperamos que você tenha sido. Mais uma vez, o nosso muito obrigada!
Ana e Maíra.
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