CAPÍTULOS: [1] [2] [3]





Crazy Girl






Capítulo 1


POV

- Eu quero que você e toda essa sua preocupação comigo vão para o inferno! – gritei antes de bater a porta, o barulho alto gerou ecos no corredor.
Tirei minhas botas e minha blusa, ficando apenas com meu sutiã de renda e um short curto. Andei em círculos pelo quarto. A raiva corria freneticamente por minhas veias. Tinha vontade de descer as escadas e gritar, para quem quisesse ouvir, tudo o que eu pensava sobre ela: a mulher que dizia ser minha mãe. Fui até a minha penteadeira e peguei uma de minhas inúmeras palhetas.
Eu precisava me distrair, precisava retirar toda aquela raiva de mim. Peguei minha guitarra que estava no canto do enorme quarto e senti meus músculos relaxarem logo nas primeiras notas de My Medicine. A música tinha o incrível poder de me acalmar. Era meu antídoto.

POV

Estacionei meu humilde conversível preto em frente ao Tour Hotel. O manobrista pegou as chaves do meu carro para estacioná- lo. Ajeitei meu smoking e minha gravata borboleta em frente ao espelho da entrada do hotel. Coloquei as mãos no bolso antes de seguir até o salão de festa. Os olhares foram instantâneos e eu fazia questão de retribuí- los. Preciso confessar meu prazer por atenção, principalmente das mulheres.
- Ei, parceiro, aproxime- se. – Chaz me chamou assim que entrei no salão. Pela primeira vez vi meu amigo tão impecável, com certeza a mãe dele o tinha obrigado a se vestir assim.
- Até que você fica bonitinho de smoking. Devia se vestir mais assim. – eu disse o analisando. As meninas que o cercavam riram.
- Não se preocupem gatas, meu amigo brinca assim, mas ele é homem. – elas tornaram a rir e dessa vez, as acompanhei.
- Prazer, . – estendi para a mão para cumprimentá- las. Depositei um beijo na mão de cada uma. Eram quatro garotas. Duas, que antes estavam sozinhas, passaram a mão pelo meu pescoço.
Eu não estava tão exigente, elas eram gatas e fáceis o suficiente para me distrair naquela noite. Que por sinal, seria longa.

Acordei com uma enorme claridade sobre o meu rosto. E ouvi mais uma vez aquela voz que me acordava todos os dias.
- Hora de levantar, . – a governanta abriu as cortinas. Droga! Era domingo, eu tinha direito de dormir até mais tarde.
- Quantas horas são, Iolanda? – perguntei tampando meu rosto com um travesseiro. Chutei minhas cobertas e só então percebi que estava apenas com minha boxer preta. Porque eu não lembrava de nada do que tinha acontecido?
- Duas da tarde. Acho que você precisa comer algo, acredito que você só deve ter bebido ontem à noite, por ter chegado vomitando daquele jeito.
- O quê? Droga! Quem me trouxe pra casa? – toda aquela confusão me fez levantar da cama, assustado.
- Você veio sozinho. Não me pergunte como, mas se quer saber, por todos os anos que cuido dessa casa acredito que não há nada que você não possa fazer. – ela riu fraco, acentuando suas rugas de expressões. Pegou minhas cobertas no chão e pôs- se a arrumar minha cama.
Fui arrastando até o banheiro. Não localizei minhas roupas em nenhuma parte do quarto, Iolanda já devia ter as levado para lavar. A imagem refletida no espelho era de um garoto totalmente acabado. Fazia tempo que eu não ficava assim. Fechei a porta, decidido a tomar banho. Demorei muito tempo no banho, pois quando sai não vi Iolanda mais lá e o quarto estava arrumado de maneira impecável.
Encontrei uma peça de roupa em cima da cama. Calça preta larga o suficiente para ficar no meio da bunda e uma camiseta branca. Desci e encontrei a mansão totalmente vazia. Apesar de ter muito tempo desde a morte dela eu sempre esperava a encontrar sorrindo na sala enquanto recebia suas amigas.
- , eu preparei um lanche para você. Ou se preferir tem lasanha. – Iolanda disse da porta da cozinha, me tirando totalmente do transe. Eu encarava o sofá vazio.
- Obrigado, acho que vou preferir o lanche. – dei uma rápida olhada para a sala antes de seguir para a cozinha, por um segundo ela parecia estar ali novamente.
Fui até a bancada e encontrei um enorme sanduíche acompanhado de um grande copo de suco. Ouvi meu estômago roncar e só então percebi que estava com muita fome. Devorei meu lanche em tempo recorde.
- Você estava mesmo com fome. – Iolanda riu. Ela estava escorada na bancada tentando arrumar as mechas do meus cabelos que insistiam em cair por minha testa.
- Será que rola mais um sanduíche? – perguntei rindo.
- Eu preparei mais por precaução. – ela foi até a geladeira e pegou mais um enorme sanduíche. Não pensei duas vezes antes de dar a primeira mordida.
- Obrigado. – eu disse com boca cheia a fazendo rir mais ainda de mim.
Terminei meu lanche e belisquei um pedaço de torta gelada. Só sai da cozinha quando me dei por satisfeito. Olhei as horas e tomei um enorme susto. Eram três e meia, ou seja, faltava apenas quinze minutos pra começar o jogo. Corri até meu quarto e encontrei meu celular em cima da mesinha. Havia inúmeras ligações do Chaz e do Eric.
"Cara, você está atrasado. M- U- I- T- O atrasado." disse assim que atendeu.
"Imprevistos, ok? Não se preocupe chego ai em cinco minutos." disse tentando acalmá- lo. "Tem muita gente?"
"Está lotado. Estou na segunda fileira e guardando sua cadeira." ele disse mais alto, imaginei que fosse pelo barulho do fundo.
"Aguenta ai que eu já estou chegando." eu disse antes de desligar o telefone.
Coloquei um boné de aba de reta, peguei a minha jaqueta dos Lakers, calcei meus tênis e desci correndo.
- Iolanda você viu as chaves do meu carro? – perguntei quando vasculhei todos os lugares possíveis e não as encontrei.
- Está aqui. – ela apareceu com elas na mão. –Tomei a liberdade de mandar lavarem seu carro, já que ele fedia a bebida, vômito e mais algumas coisas. – fiz cara feia ao pensar no cheiro horrível que devia estar meu carro se não fosse pela minha querida governanta.
- Muito obrigada. Eu não sei o que faria sem você. – beijei sua bochecha antes de sair correndo até a garagem. Peguei meu carro e sai em altíssima velocidade em rumo ao estádio de basquete.

POV

O relógio marcava quinze para as dez. Terminei de deslizar o vestido preto justo e curto por meu corpo. Desarrumei meus cabelos e calcei meus saltos. Fiz uma maquiagem básica, lápis forte, batom vermelho e um pó que me deixava ainda mais pálida.
As buzinas soaram as dez em ponto. Jake tinha o incrível poder de ser pontual. Peguei minha bolsa de couro e desci as escadas em silêncio. As luzes do primeiro andar estavam apagadas, e não havia movimento pela casa. Os empregados com certeza tinham sido dispensados e isso só favorecia meu plano. Fechei com cuidado a porta principal antes de sair correndo até a moto. Ele estava em pé me esperando, observando cada pedaço do meu corpo com aqueles lindos olhos verdes. Vestia uma calça preta e uma jaqueta de couro sem acompanhamento, deixando assim a mostra seu peitoral escultural.
- Você está há dois minutos atrasada. – Jake disse enquanto me entregava um dos capacetes.
- E você continua o mesmo chato de sempre. – sorri antes de ser puxada para um beijo.
- Seu atraso foi perdoado. Mas não totalmente. - ele sussurrou no meu ouvido assim que separamos nossos lábios. Jake subiu na moto e eu o segui. Assim que me agarrei a sua cintura, ele deu partida.

Chegamos em questão de minutos. O beco, que servia de estacionamento, estava lotado. Jake estacionou e me ajudou a descer da moto. Seguimos de mãos dadas até a entrada. Um segurança conferiu nossos nomes na lista e permitiu nossa passagem. Subimos com dificuldade as escadas, tinha muitas pessoas circulando num pequeno espaço. Depois de alguns empurrões de cá ou de lá chegamos até o local da festa. O apartamento estava abarrotado de gente.
- O Derek e a July devem estar por algum canto se drogando, você consegue encontrá- los sozinha certo? – Jake me perguntou e eu apenas assenti. - Preciso encontrar umas pessoas. Não fique com saudades, prometo que vai ser rápido. – ele me puxou, fazendo com que ficássemos ainda mais próximo.
- Não demore. – foi só o que conseguir dizer antes de ser calada por um beijo. Prendi os meus dedos em seus cabelos extremamente lisos e pretos e o puxei para mais perto. Ele agarrou minha cintura. Senti um calafrio percorrer por minha espinha. Malditos hormônios!
Separamos por falta de ar. Ele se afastou e piscou antes de soltar minha mão. Encarei- o ir e só então segui com a minha procura. Comecei pelo meio, e eles não estavam lá. Fui à cozinha, na sala de jogos e nada. Quando estava levando a sério a ideia deles não estarem ali, enxerguei Derek e July no fundo do corredor, próximos ao banheiro.
- Até que enfim encontrei vocês. – meu aproximei dos dois loiros.
- ! Pensei que você não viria. – July me abraçou, ela fedia a álcool e cocaína. –Onde está o Jake?
- Ele disse que precisava encontrar umas pessoas. Olá Derek. – cumprimentei o garoto que estava distraído cheirando carreiras e mais carreiras de droga.
- Olá, . – ele disse puxando forte a droga.
- A próxima é minha. – July puxou a placa de vidro das mãos do garoto. Foi ai que percebi que não daria pra ter uma conversa decente com eles, com certeza, estavam drogados demais pra isso.
Escorei na parede e foi ali, me sentindo sozinha, que bateu uma enorme vontade de ir embora. Aquele lugar estava me sufocando. Era gente demais dividindo o mesmo espaço. Sai de perto de Derek e July, decidida a procurar por Jake. Ele com certeza não se importaria de me levar para casa.
Primeiro o procurei na sala, depois na cozinha, na sala de jogos e nada. Peguei meu celular na bolsa e disquei o número dele. Talvez ele não estivesse escutando o celular tocar, foi o que pensei quando disquei pela terceira vez. Foi preciso que ligasse mais duas vezes para me conformar de que não conseguiria falar com ele por telefone.
Tornei a procurá- lo no meio da multidão, mas foi em vão. Nem sinal do meu namorado. Entediada e sem mais onde procurar, fui até a cozinha e peguei uma garrafa de vodka. O álcool descia ardendo por minha garganta e por meu estômago vazio.
Depois de mais alguns instantes decidi descer, esperar que ele notasse minha falta na festa e viesse atrás de mim. Passei mais uma vez com dificuldade pela escada, tomando cuidado pra não deixar a garrafa cair da minha mão. O segurança abriu a porta, permitindo minha saída.
Respirei aliviada pelo simples fato de estar num espaço grande, onde eu não teria que disputar espaço com ninguém. Caminhei vagarosamente dando goles na bebida. O beco estava escuro, mas não o suficiente para me impedir de ver aquela cena. É claro que eu não ia encontrar meu namorado na festa, ele estava ocupado me traindo.
- Seu... – eu disse entre os dentes. Minha voz rouca chamou atenção deles.
- !? – ele empurrou a garota que estava praticamente em seu colo. –, eu... – Jake se aproximou.
- Fica longe de mim. Seu idiota. – afastei- me dele. Lágrimas se formaram nos meus olhos. Lágrimas de raiva. Apertei a garrafa em minha mão com vontade de acerta- la em cheio na cabeça dele.
- Amor, por favor, vamos conversar.
- Não tenho o que conversar com você. – minhas pernas me guiavam pra cada vez mais longe dele. Eu precisava fugir dali.
Dei as costas pra eles antes de sair correndo. Tudo bem que fazendo isso eu só estava demonstrando o quanto eu era fraca e dependente dele. Corri desorientada até a saída do beco. Não sei se foi o efeito do álcool ou da adrenalina que corria pelas minhas veias, por algum desses motivos meus pés embolaram um no outro me fazendo ir ao chão.
A garrafa que estava em minha mão quebrou fazendo com que muitos cacos do vidro perfurassem meu braço. Levantei com dificuldade, sentindo o sangue quente escorrer. Prendi meu braço no vestido preto antes de seguir meu caminho. Entrei na avenida movimentada e segui reto. As lágrimas incessantes e ardor no meu braço me acompanharam por todo o caminho.
Não sei ao certo por quanto tempo andei, só sei que cheguei em casa sentindo minhas pernas falhando e meu vestido empoçado de sangue. Não sei o que ainda me dava força para ficar de pé. Abri a porta e encontrei minha mãe sentada no sofá com a cabeça entre os joelhos. Ela me encarou por alguns segundos antes de me ver desmontando no chão e vir correndo ao meu encontro.
- , fala comigo. . . – as minhas pálpebras pesaram. –, por favor. –ela puxou minha cabeça pro seu colo.
Fechei os olhos, mas antes de apagar totalmente ouvi minha mãe gritar por ajuda. Ela não ia me abandonar. Mesmo tentando, não tive forças pra dizer: "Muito obrigado mãe."

Abri em os olhos e encarei o teto branco do meu quarto. Levantei desajeitada apoiando apenas com o meu braço esquerdo já que o direito estava quase todo enfaixado. Sentei e deixei minha mente acostumar com a gravidade antes de tentar levantar. Eu estava incrivelmente tonta, tendo que escorar na mobília para não cair no chão. Abri a porta e foi arrastando até as escadas. Desci com dificuldade apoiando no corrimão, meu estômago doía de fome.
- , você deveria ter chamado alguém não pode se esforçar tanto assim. – Olívia, a empregada chefa e mais antiga da casa, disse ao me ver sentar em frente a mesa. Suspirei por finalmente ter chegado.
- Eu já estou bem, tirando a fome. – sorri e ela estranhou. Eu estava extremamente e irreconhecivelmente gentil.
- Prepare algo para ela comer. – ela disse para uma mulher que lavava a louça. –Vou avisar sua mãe que você acordou. – Olívia rumou à porta.
Permaneci sentada enquanto esperava meu lanche ficar pronto. Devorei em questão de segundos o meu sanduíche frio com pasta de amendoim, primeiro porque era meu favorito e segundo que eu estava com uma fome paranormal.
Subi para meu quarto e escovei meus dentes. Joguei- me, com cuidado, na cama. Até aquele momento ainda não tinha parado pra pensar em tudo o que tinha acontecido na noite anterior. Revirei até achar uma posição agradável. Encarei o teto e automaticamente, redesenhei cada detalhe do que tinha acontecido. Eu o amava, isso não era possível negar. De alguma forma Jake havia se tornado parte de mim. Ele era uma das poucas coisas que me fazia sorrir. Tudo poderia ser perfeito se eu despertasse o mesmo nele. Não, ele não merecia perdão. Ele não me amava.
Meu telefone vibrou em cima do criado, trazendo- me de volta ao mundo. Sequei minhas lágrimas e estiquei- me para pegá- lo.
"Alô" Atendi sem mesmo saber quem é.
"Filha, ainda se lembra de mim?" Uma voz calorosa soou do outro lado da linha.
"Claro pai." Respondi alegre. Sentimento totalmente contrário ao de segundos atrás. "Acabei de chegar na cidade, pelo que verifiquei haverá um jogo dos Hawks daqui a exatos 45 minutos. Será que poderíamos relembrar os velhos tempos? Estou com saudades da minha menina."
"Seria um prazer." Respondi rápido, aquele Charlie fazia falta.
"Ok, passo pra te pegar em 15 minutos. Quero um lugar com uma ótima visão."
"Estarei pronta." Disse antes de desligar o telefone.
Levantei com dificuldade da cama e fui até meu closet. Vasculhei minhas coisas em busca de uma jaqueta antiga dos Hawks, somente ela seria capaz de esconder as faixas no meu braço direito. Eu não queria ter que explicar pro meu pai toda aquela situação, afinal, ferida que muito se mexe, sangra.
Depois de revirar quase todo meu guarda- roupa a encontrei. Coloquei uma camiseta preta por baixo da jaqueta, um short jeans e calcei meus tênis. Passei um pó para esconder minhas indesejáveis olheiras e um blush para disfarçar minha palidez.
- Olívia, avise a minha mãe que sai com meu pai. – gritei da sala assim que ouvi o carro estacionar.
Peguei minhas chaves e bati a porta antes de sair. Um sorriso instantâneo se formou em meus lábios ao vê- lo escorado no carro. Corri, de forma desajeitada, até seus braços. Não dava pra explicar a falta que ele me fazia.
- Você cresceu. – ele passou a mão por meus cabelos.
- Você sempre diz isso. – ri com o rosto enterrado em seu peito.
- Eu sei. Separamos o abraço e ele abriu a porta para eu entrar. Ele entrou no carro segundos depois e piscou pra mim antes de partida no carro. O motor de seu Porshe deixou eco nas ruas do meu condomínio.



Capítulo 2


POV

Estacionei meu carro um pouco longe da entrada do estádio. Não era surpresa a quantidade de pessoas presente. Os Lakers sempre era bem- vindo em sua antiga casa. Liguei o alarme e sai correndo em direção do estádio. Assim que passei pelo portão, já metade fechado, ouvi o apito do juiz anunciando o início do jogo. As arquibancadas estavam lotadas. Tive que me arriscar no meio da multidão para achar .
- Achava que você não vinha mais. – ele disse carrancudo. Ignorei e o cumprimentei com um aceno de cabeça. Sentei ao lado esquerdo do e virei minha atenção apenas para o jogo.
A cada cesta que o Lakers fazia a torcida gritava freneticamente e eu, claro, a acompanhava. O juiz apitou indicando o intervalo do jogo. O primeiro tempo terminara de 45 para o time de casa contra 17 dos visitantes. O placar não podia estar melhor.
- Cara, que fome. – reclamou, como sempre, e me encarou com cara de piedade. Se eu não conhecesse aquele otário desde o jardim de infância, com certeza, ignoraria toda aquela encenação.
- Tudo bem, eu vou lá fora comprar. – revirei os olhos e sai driblando por entre a multidão. Cheguei ao fim de minha fileira com dificuldade e sai pelo portão, agora totalmente aberto.
Fui até a barraca mais próxima em busca de algo decente para comer. Como o esperado, tinha uma fila enorme. Passaram-se alguns minutos e a fila não andou. Caramba, era bem possível que eu perdesse o início do segundo tempo. Esperei por mais dois minutos contados e nada. Meu celular vibrou no meu bolso. Era, claro, o maldito do .
- Você foi abduzido por algum extraterrestre ou esbarrou em alguma gata no caminho? – ele disse resmungando.
- Antes fosse a segunda opção... Estou tentando comprar algo pra você comer.
- Pois trate de andar rápido, o segundo tempo acabou de começar.

POV

Chegamos no estádio quase em cima da hora. Felizmente pudemos escolher o lugar para sentar, que claro, foi na primeira fileira.
- Como vai, minha garota? – meu pai me encarou, como sempre, sorrindo.
- Na medida do possível, bem. – fiz careta e ele riu. - Isso também serve para o seu relacionamento com sua mãe? – ele perguntou agora sério, e eu virei o rosto. Odiava quando o Sr. Charlie tocava naquele assunto.
- Talvez. – respondi lembrando do acontecimento de ontem a noite.
- Isso significa que estamos melhorando. – ele riu. – realmente fico feliz por saber que vocês estão se entendendo, você precisa dela e vice- versa. Sua mãe é uma boa pessoa. Pode pegar no pé às vezes – ele revirou os olhos – mas ela te ama como eu te amo. – o abracei automaticamente e logo depois me arrependi, pois senti meu braço arder. Droga!
- Eu sinto sua falta. – murmurei.
- Eu também, minha princesa, mas já conversamos sobre isso. – ele acariciou meus cabelos.
- Tudo bem, eu entendo. – nessa hora o time dos Hawks invadiu a quadra. Todos levantaram e começaram a aplaudir. Olhei para meu pai e ele seguiu a multidão. Levantei também e me juntei ao coro. Como não era possível tê-lo sempre ao meu lado, aproveitaria cada minuto que passasse com ele.

O juiz apitou anunciando o intervalo. Infelizmente estávamos perdendo feio para os Lakers, afinal aquela era a casa deles.
- Pai, vou comprar algo pra comer, quer que eu compre algo pra você? – perguntei no seu ouvido devido ao barulho a nossa volta. Ele apenas assentiu com a cabeça e eu me levantei indo em direção a saída do estádio. Cheguei até a lanchonete com dificuldade mas para compensar o esforço consegui um bom lugar na fila que segundos depois se tornou gigante.

POV

Droga! Desliguei logo em seguida e fiz o que os meus sentidos me aconselharam: ‘furei’ a fila. Pedi licença a todas as pessoas na minha frente. Umas me olhavam com uma cara nada boa, mas se eu quisesse não perder o jogo teria que ultrapassar meu bom senso.
- O que você pensa que você está fazendo? – uma mulher que estava no quarto lugar da fila reagiu. Todos ao redor pararam para observar a cena, um senhor me olhava com uma cara assassina. Caramba, eu acho que estava um pouco ferrado.
- Eu...eu... – gaguejei sem ter a mínima ideia de como fugir daquela situação.
- Amor, até que fim você apareceu. – uma garota linda, incrivelmente linda, que estava quase sendo atendida, veio em minha direção e segurou meu braço. Encarei seus olhos castanhos e fiquei perdido por alguns segundos. Será que eu a conhecia? Talvez já tivesse dormido com ela, caso não, seria uma boa ideia se acontecesse.

POV

- Ei, vai ficar parado ai? – apertei a mão do garoto. Além de ser um furador de fila será que ele tinha algum tipo de retardamento mental?
- Não, já estou indo. – ele virou para a mulher que parecia constrangida com a situação e disse: - Desculpe o transtorno, senhora. Ela sorriu sem graça e eu tomei a liberdade de puxá- lo para o meu lugar na fila. Ficamos em silêncio e isso era normal, afinal ele era um estranho.
- Eu já dormi com você? – ele perguntou baixinho, bem próximo do meu ouvido. Juro que tive vontade de quebrar a cara dele, mas outro braço enfaixado era o que eu menos precisava naquele momento.
- Um obrigado já é o suficiente. E não, eu não fui mais uma na sua lista. Sinto muito decepcioná-lo. – respondi com frieza, não me dando o trabalho de olhá- lo. Mais uma vez, silêncio. Achei melhor assim. Aquele garoto, em poucas palavras trocadas, tinha conseguido me fazer odiá- lo; antes tivesse o deixado se virar sozinho.
- Obrigado e desculpa. Eu não quis parecer... – virei para sua direção, ele parou de falar ao perceber meu olhar pesado sobre ele.
- Ser um idiota? Não se preocupe, isso não me assusta. E pra deixar bem claro, eu só te ajudei por que não queria presenciar um homicídio. – novamente afastei meu olhar. Ele dessa vez permaneceu calado até chegar a “nossa” vez. Fiz meu pedido primeiro, paguei e sai dando passos largos.
- Ei! Espera... – ele segurou meu braço machucado. Soltei um gritinho de dor.
- Me solta. Eu só te fiz um favor, não sei nem ao certo o seu nome, por isso você não tem obrigação de ser legal comigo. – puxei meu braço e o prendi no corpo. Estava ardendo. Merda de garoto.
- Eu só quero agradecer e pedir desculpas mais uma vez. – ele falou fazendo bico. Ah por favor, charminho não cola comigo.
- Você pode agradecer ficando longe do meu braço. – eu quase esfreguei meu braço direito na cara dele. Se estava doendo muito? Imagina. Afastei batendo o pé, bem provável que aquele fosse o meu dia de sorte (ironia). Isso que dá ser gentil com idiotas.

Capítulo 3


POV

Aquela garota só podia ser doida. Qual é? Eu tentei me desculpar. Usei até o charme do biquinho, mas pelo visto não colou. E que papo foi aquele de ficar longe do braço dela? Cada coisa que me parece. A boa parte disso tudo é que consegui comprar comida a tempo do jogo, pelo menos eu não perdi muito do segundo tempo.

Como sempre, o reclamou da minha demora. Minha vontade era de jogar toda a comida no chão e deixar ele buscar outra pra ver o que eu tive que enfrentar. Mas achei melhor deixar a minha vingança pra outro momento.
Fixei meus olhos na quadra decidido a não perder nenhum minuto. Os Hawks até tentaram empatar mas foi em vão, o jogo era dos Lakers e aquilo me deixou bastante satisfeito. Não gostava de perder, vai ver seja porque já perdi muita coisa na minha vida.
- Ei, gente, tenho que ir. Emergência da Victoria. – disse a frase que eu juro nunca imaginar um dia ouvir da boca dele. Nosso garoto estava mesmo amarrado.
- Vai lá, cara, igual um cachorrinho. – zombou da cara dele. Preferi não dizer nada, vai que um dia eu pago? Tudo bem que ainda estava para nascer uma garota capaz de me prender. Mas sabe como é, tudo é possível.
- A gente se vê. – cumprimentamos com o nosso toque oficial e voltei minha atenção para o jogo. Estava começando o terceiro tempo.
Mais e mais cestas, mais e mais gritos. Com certeza, eu estaria rouco quando saísse do estádio. E foi o que aconteceu, sai de lá com um tremenda dor na garganta. Os Lakers venceram os Hawks por lavada, fazendo com o que meu dia não pudesse ficar melhor.

Alguns dias depois....

POV

Joguei qualquer roupa na mala, inconformada com a importância que minhas vontades tinha naquela casa. Primeiro essa mudança de escola, e agora esse papo de fim de semana com os parentes. Eu odiava as festas da minha família, pelo simples motivo de todos os meus familiares serem metidos à classe alta. Os homens ficavam na sala discutindo sobre bolsa de valores, as mulheres na cozinha gabando os presentes que ganhavam do marido e os filhos exibiam os dotes e dons. Eu e minha mãe não encaixávamos muito bem, já que minha mãe não tem marido para ganhar presentes e eu não sou o tipo de filha perfeita, muito menos a neta orgulho dos avós. Resumindo, seriam dois dias de tortura e fuga. Nos últimos dois anos eu sempre passava o dia na parte deserta da praia e só voltava no horário de dormir, dessa vez não seria diferente.
- , melhora essa cara. Eu também não gosto da ideia de ter que aturar suas tias me olhando torto, mas faço isso por sua avó. Você sabe como ela fica feliz quando estamos reunidos. – minha mãe se pronunciou quando entramos no carro.
- Prometo tentar ter mais um pouco de paciência. – dei de ombros e encarei a janela. Ela deu partida logo em seguida e tentei não pensar muito em como meu fim de semana seria. Dizem que sofrer antecipadamente é besteira.

Chegamos na casa da vovó quase na hora do almoço. É impossível descrever o sorriso dela ao nos ver chegar. Com certeza, aquilo compensava os dias tortuosos. Minha avó é uma ótima mulher e ao contrário dos meus tios e primos, não julga meu jeito de ser. Ela não se importa com meus surtos de personalidade e diz que sempre terá orgulho de mim. Independentemente de quem eu queria ser.
Depois de um longo abraço que recebi de minha avó, peguei minha pequena mala e fui para o meu quarto de sempre.
- Pelo visto, você continua se metendo em confusão, priminha. – Nick disse encostado no batente da porta de seu quarto, que por incrível sorte é do lado do meu. Ele encarava meu braço. Apesar de só ter faixas no pulso, era possível ver as marcas horrorosas dos cortes pelo restante da pele.
- E você continua o mesmo babaca de sempre, só que agora está ainda mais feio, priminho. – já deu pra perceber que ele é um daqueles primos BEM chatos? Nick e eu temos a mesma idade, e desde de um certo acidente na infância, nos tornamos inimigos declarados. Preciso dizer que menti na parte em que disse que ele ficou feio. Nem uma espinha do tamanho do mundo conseguiria fazer aqueles olhos e aquele rosto simétrico ficarem menos atraente.
- Tinha me esquecido como seu humor é ótimo. – ele deu alguns passos ficando na minha frente. Ele era bem mais alto que eu, por isso, abaixou o rosto para ficar bem próximo de mim.
- Eu também tinha esquecido como seu hálito é ruim. – fiz cara de nojo e empurrei ele. Entrei para o meu quarto e bati a porta, antes de rir abertamente. Se ele achava que podia competir comigo, estava muito enganado.

Tirei a calça jeans rasgada que estava vestida e coloquei o primeiro short que encontrei na mala. Troquei também minha blusa por uma regata solta. Deitei na cama e tentei não deixar meus pensamentos voarem para coisas que me deixariam tristes. Eu sei que as vezes tenho um temperamento tão forte que chega até a ser mal criação. Mas eu sofria menos assim. Não deixando as pessoas se aproximarem, eu não teria problema quando elas se afastassem.
Depois da separação dos meus pais, a única certeza que tenho é que as pessoas podem te surpreender. Meu pai passou de melhor amigo para quase um estranho. Antes, ele sabia todos os meus gostos e vontades. Hoje não sabe nem ao certo quem sou.
- Filha, o almoço já está pronto. – minha mãe bateu na porta do quarto.
- Já vou descer. – gritei em resposta e criei coragem para levantar da cama. A sessão tortura estava prestes a começar.

Sentei à mesa ao lado de minha mãe, ela cutucou meu braço como se me incentivasse a dar um sorriso. Tentei e o melhor que consegui foi uma careta. Aos poucos a mesa gigante foi quase toda ocupada. Minha avó tinha 5 filhos, sendo 3 homens e 2 mulheres. Minha mãe era a terceira mais velha.
- Como vai a nossa neta-problema? – meu tio Ben, o mais velho dos meus tios, disse desviando a atenção da mesa para mim. Como sempre, o primeiro a provocar. - Decadente como sua conta bancária. – respondi e minha mãe quase engasgou do meu lado. Alguns riram discretamente e outros ficaram abismado. Minha avó riu abertamente e piscou para mim. Ela conhecia bem o filho que tinha.
Depois dessa, ninguém dirigiu uma palavra sequer à minha pessoa. Eles não queriam ter seus podres expostos assim. Fingi comer e quando cansei de encenar sai da mesa, pedindo licença com a melhor expressão irônica que consegui. Fui para a varanda da frente e fiquei escorada no parapeito observando a praia do outro lado da pequena rua.
- Abusada como sempre. – Nick disse perto do meu ouvido e encostou o rosto no meu pescoço. Que garoto chato.
- NÃO encosta em mim. – sai de perto dele totalmente irritada.
- Engraçado que você não costumava dizer isso quando eu me aproximava. Nem era tão durona assim. – ele deu alguns passos em minha direção. Cenas vieram em minha mente mas tratei de tentar afastá-las. Tarde demais.

Flashback On

- Nick... Nick... eu estou com medo. – juntei meus joelhos perto do meu corpo e os prendi com os braços. Onde ele estava? As lágrimas já desciam por meu rosto.
- ? – a voz dele surgiu junto com a pequena luminosidade vinda da porta recém aberta. Solucei alto e ele veio correndo até mim. – Eu estou aqui.
Os braços dele me envolveram e por um segundo eu me senti segura. Deixei minha cabeça cair em seus ombros e chorei até não aguentar mais.

Flashback Off

Quando sai do transe, percebi que nossos rostos estavam próximos demais. Aqueles olhos hipnotizantes me encaravam. Soltei o ar preso em meus pulmões e sai de perto dele, indo para qualquer lugar longe dali. Por mais que eu tentasse esconder, aquela velha menina medrosa e insegura ainda estava dentro de mim.

POV

Arrumei-me da melhor maneira que consegui. Ou seja, isso quer dizer que eu tentei parecer apresentável em uma calça de lavagem escura acompanhada de um cinto, uma camisa social branca e uma gravata azul. Por mais que eu odiava aquelas missas, não tinha o direito de faltar. Era uma homenagem para minha mãe.
- , querido, já estamos indo. – Iolanda apareceu na porta do meu quarto enquanto eu estava em frente ao espelho tentando alinhar minha gravata.
- Já estou descendo. – falei já irritado. Não com Iolanda, mas sim com minha incapacidade de retidão.
Por fim, acabei deixando ela torta mesmo. Dane- se. Desci correndo e encontrei a casa vazia. Fui até a saída da casa e entrei no SUV do motorista do meu pai. Se dependesse de mim, estaria no meu carro mas eu tinha que preservar a imagem unida da família. Isso se a minha relação com meu pudesse ser chamada assim.
- Mal vestido como sempre. – meu pai disse com desdém.
- É bom te rever também, papai.

Chegamos na igreja e fomos recebidos por inúmeras pessoas. Minha mãe era médica e tinha vários projetos que envolviam saúde infantil, por isso vários colegas de trabalho estavam presentes. Abracei minha avó e a escutei chorar por alguns minutos. Não sei porque ela existia em fazer aqueles tipos de homenagens. Sei que minha mãe não merece ser esquecida, mas acredito que ela já escolheu um ótimo lugar para estar, no coração de cada um de nós. Entrei na igreja, recebendo alguns olhares piedosos. E isso me deixou bastante irritado. Odiava quando tinha pena de mim.
Sentei um pouco mais a frente, mas não no primeiro banco ao lado do meu pai. Não teria paciência para vê- lo fingir se importar com tudo aquilo. Cruzei minhas mãos e quase não escutei uma palavra que o padre dizia. A morte da minha mãe foi um tanto quanto inesperada. Um dia ela estava boa e no outro em um quarto de UTI após sofrer um trágico acidente. Quem poderia prever que uma mulher aos 36 anos perderia a vida tão rápido? Ninguém. Bem que ouvi dizer que a morte é injusta e inesperada.
Ela se foi quando eu tinha 13 anos e aquilo simplesmente, acabou com meu mundo. Eu só tinha minha mãe até então, e depois disso passei a não ter ninguém. Mesmo que me doesse, não demonstrei nada. Aquele sofrimento era meu, somente meu. Olhei para os lados e vi minhas tias sorrirem caridosas, retribui e voltei minha atenção para minhas mãos.
- Ei, cara. Tudo bem? – quase me fez cair do banco, ao se sentar repentinamente ao meu lado.
- Você me matou de susto. – falei um pouco alto demais, recebendo alguns olhares bravos.
- A culpa não é minha se você é uma bichinha. – ele falou baixo e soltou uma risada discreta. Ri junto, feliz por tê- lo ali.

A missa acabou com um discurso horroroso do meu pai. Ele disse o quanto minha mãe era uma ótima esposa e o quanto a amava. Assisti a tudo com um sorriso falso no rosto. Até fingi me emocionar no final da falação. Se ele queria um teatro, então teria. Levantei e comecei a bater palmas, logo todas as pessoas me acompanharam e meu pai ficou vermelho, de raiva. Alguns me olhavam como se eu fosse um orgulho de filho, mal eles sabiam que aquilo não passava de um show.
- Você deveria tomar jeito, moleque. – meu pai disse baixo assim que passou atrás de mim, na saída da igreja. Voltei a agradecer as pessoas pela presença e ignorei aquele comentário.
Terminei com toda aquela parte cenográfica e fui até o carro de . Não iria para casa tão cedo, ainda mais sabendo que meu querido pai estaria por lá.
- O que vai ser? – perguntou animado assim que entramos no carro.
- Contando que tenha álcool, eu topo. – escorei na janela e deixei minha mente vagar.
Eu só precisava ficar fora de mim. Não queria ter consciência do que fazia ou da minha vida. Cada um encontra uma válvula de escape, e essa era a minha.



Continua...



Nota da autora: sem nota.

comments powered by Disqus




Qualquer erro nessa atualização são apenas meus, portanto para avisos e reclamações somente no e-mail.
Para saber quando essa linda fic vai atualizar, acompanhe aqui.



TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE FANFIC OBSESSION.