desvendando afrodite



Reza a versão mais famosa do mito que Afrodite nascera da espuma originária da castração de Urano por seu filho Cronos, que após cortar os órgãos genitais de seu pai, lançara-os ao mar.
Mas, entretanto, tal como em outros mitos gregos, há outras versões que explicam o nascimento de Afrodite. Em uma delas, sob a qual construirei essa história, a deusa seria filha de Dione (cujos pais são Urano e Tálassa) e de Zeus.
Partiremos aqui do ponto onde Zeus, devido ao fato do poder sedutor de Afrodite ser tão forte ao ponto dele e dos demais deuses brigarem por sua atenção, e ressentido pelo desprezo da Deusa, resolve puni-la e com isso a casa com o mais feio dentre os deuses, o coxo Hefesto.


Capítulo Único - Desvendando Afrodite
O anoitecer chegara ao Olimpo, e com ele o silêncio fora anunciado. Enquanto todos os Deuses que ali viviam seguiam em direção a seus destinados quartos, uma diminuta e magnífica mulher caminhava em direção ao jardim do imenso palácio, onde finalmente ela conseguiria um pouco de paz.
Mais cedo, naquele mesmo dia, Zeus decretou seu cruel e irrevogável destino. As dolorosas e vingativas palavras deferidas pelo Deus Rei ficariam gravadas em sua mente por toda a eternidade.
Adentrando o bem cuidado Jardim de Hera, encostou-se a uma macieira, fechou os olhos e recordou.

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A Deusa caminhava de cabeça baixa pelo salão principal do palácio com Hermes, o Deus mensageiro, ao seu lado. Mais cedo, o mesmo havia lhe informado que o Venerado Zeus estava à sua espera. Ela sabia que aquela não era uma boa notícia.
Respirando fundo, levantou a cabeça e observou cada um presente naquele recinto. Primeiramente viu Dioniso e Ártemis num canto afastado do salão, os dois conversavam animadamente, em nenhum momento desviando sua atenção. Sentiu como se ignorassem completamente sua presença.
Seguindo adiante, percebeu os olhares intimidadores de Apolo, Atena e Posídon. Bem, talvez a total indiferença de Dioniso e Ártemis não fosse tão ruim.
Mais alguns passos e finalmente estava na frente de Zeus. O Rei deu-lhe um olhar gélido, enquanto Hera, aquela megera mal amada, sorriu debochadamente.
“Dioniso, Ártemis, Apolo, Atena, Posídon, Hera, Zeus, Hermes...”Faltava um Deus. E doía afirmar que ela sabia exatamente quem. Se tinha uma ínfima esperança que Zeus a tinha chamado para um grande banquete, e não para seu julgamento, tal esperança já havia morrido.
Ares. Ares não estava ali.
A preocupação em seus olhos a denunciou. Zeus levantou-se de seu trono e parou em frente à Deusa, com um sorriso que mostrava todas suas maléficas intenções.
- Querida Afrodite, que bom te ver aqui! – Acariciou sua face com seus longos dedos acinzentados, enquanto sua rouca voz era ouvida por todo o recinto – Mais cedo conversei com minha amada Hera a seu respeito. O quão encantadora e extraordinariamente bela tu és. Hera me disse que sua beleza era meramente comum, mas creio que minha querida consorte está com sérios problemas de visão. – O Rei olhou para sua Consorte, que sorria falsamente para a Deusa à sua frente - Tu és a mais bela de todo o Olimpo, os Deuses estão perdidamente fascinados por ti. Mas claro, tu sabes que o fascínio masculino é de grande preocupação, não é, minha cara? Eu, como Rei de todo o Olimpo, não posso permitir que haja sanguinárias brigas em meu palácio. Nem menos por um atrativo tão sedutor. Sabes por que estás aqui, Afrodite?
- Não, meu senhor. – Respondeu a trêmula Afrodite.
- Estás aqui por sua beleza, minha Deusa. A beleza é um fardo, entendes do que estou falando?
Apenas um olhar no temível Deus, e Afrodite percebeu que aquela era uma vingança. Claro que o soberano entre os Deuses não ia deixar barato uma rejeição. E Afrodite o rejeitara.
- Com meu coração apertado, terei que punir-lhe, minha doce Citereia. Servirás de exemplo para todas as Deusas. Pensem bem, meu caros, um passo em falso pode colocá-los em um caminho tortuoso. Um caminho sem volta.
Zeus pegou uma pena dourada, molhou-a no tinteiro e começou a escrever no pergaminho, enquanto recitava a punição de Afrodite:
- A punição da Deusa Afrodite, filha de Dione com o soberano Deus Zeus, culpada por alimentar brigas expressamente proibidas entre os Deuses que aqui residem, é o matrimônio.
Uma intensa dor de cabeça acometeu Afrodite no momento em que ouvira tal palavra: Matrimônio. O que aquilo significaria?
Zeus prosseguiu:
- Eu, Zeus, entrego a mão de Afrodite ao Deus Hefesto, filho de Hera com o soberano Deus Zeus.

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E durante todo aquele dia, tais palavras repetiam-se com exaustão tanto em seus sonhos, quanto em seus pensamentos.
Hefesto, Afrodite sentia naúseas só de pensar nele. Filho de Zeus com Hera, também era conhecido como o Deus coxo. Como Zeus fora cruel ao dar sua mão para tal. Em rodas de conversas, o nome de Hefesto entra sempre citado durante as piadas de humor negro entre os Deuses. Se já não bastasse a falta de amor em seu irremediável casamento, Afrodite também seria motivo de piada.
Não, ela não podia se casar com Hefesto.
Afrodite olhou seu reflexo no pequeno lago que havia no meio do Jardim. O rosto que tanta amava ver no espelho que tinha em seu quarto, agora lhe dava arrepios.
A Deusa tinha espessos e brilhantes cabelos ruivos, pele alva como porcelana e intensos olhos cor de mel. Era a mais formosa dentre as Deusas e motivo de discórdia entre os Deuses. Todos, até o venerável Zeus, entortavam o pescoço ao vê-la atravessar o Olimpo com a altivez que lhe era própria.
Mas tais qualidades agora eram vistas como uma maldição.
Enquanto observava o odioso reflexo no lago, Afrodite ouviu passos e ficou em alerta. Todos os Deuses estavam dormindo em seus respectivos aposentos, quem mais sairia para o Jardim a essa hora?
- Afrodite? – A Deusa suspirou ao ouvir aquela voz rouca, a voz que tantas vezes a acalentara e acalmara. Virando-se de encontro ao dono daquela voz, abriu um sorriso ao ver o único Deus que faria parecer com que ela sofresse de arritmia ou algo parecido.
- Ares? O que estás fazendo aqui?
- Eu... Eu vim te ver. – O Deus, uns bons centímetros mais altos que Afrodite, aproximou-se enquanto segurava-a pela cintura e a puxava para mais perto dele.
- Tu não deverias estar aqui. É perigoso, não entende? – Os olhos claros da Deusa esboçavam a preocupação que sentia por seu amante. – Zeus, Zeus pode te fazer algum mal.
- Esquecestes que sou o Deus da Guerra, minha querida? – Ares segurou delicadamente seu queixo, elevando-o para que ela o olhasse finalmente nos olhos. – Não tenho medo de Zeus, e muito menos da sua trupe de palhaços de circo.
- Fale baixo, alguém pode te ouvir. Não tens medo de morrer?
- Liderei as mais sangrentas batalhas da história, vi muitos dos meus homens sendo dizimados e a dor em seus olhos, achas mesmo que tenho medo da morte?
- Mas devias, seu tolo. Achas que sobreviveria um dia mais sabendo que estás morto... E por minha culpa? – A Deusa abaixou a cabeça, encostando-a no peito do Deus, ouvindo assim seus acelerados batimentos - Eu te amo, será que não percebes isso?
- E eu te amo mais, minha amante. E por te amar como eu amo, minha Doce Afrodite, estou aqui.
- Ares, terei que me casar com Hefesto. – Afrodite sentiu uma lágrima solitária escorrer por toda a sua face e molhar o escudo que Ares vestia. – Eu devo honrar as leis do Olimpo.
- E vais desistir do nosso amor? – Ares a abraçou mais forte. – Não entendes que não suportarei vê-la com aquele... Monstro? Sabes muito bem que não errastes em nada, Afrodite. Zeus é vingativo e cruel. Ele viu em teus olhos que me amava e rejeitastes a ele.
- Mas ele é o Rei Soberano, Ares. Não vês isso? A palavra dele, seja qual for, é lei. Nenhum dos Deuses irá contra ele, e não quero que te machuquem. Sei que o farão, se ele ordenar... Não pensarão nem por um segundo em negar tal pedido. Tu morrerás, Ares.
- Não confias em mim? – Ares limpou as lágrimas que teimavam em cair dos belos olhos de sua Deusa – Farei de tudo para defender o que sentimos, Afrodite.
- Tu me amas? – Afrodite saiu do abraço de Ares e segurou-lhe as mãos, pedindo sua atenção.
- Mais do que imaginas.
- Então me prometas uma coisa.
- Afrodite, não...
- Cale a boca por um instante! – Afrodite tocou com o dedo indicador os lábios de Ares, fazendo-o se calar. – Me casarei com Hefesto.
- Estás louca?
- Eu não te mandei calar essa maldita boca? Escute-me antes de dar seus costumeiros chiliques. Pensas que não sofro como tu sofres? Pois sofro em dobro. Pois além de me doer até a morte saber que estarei casando com um mostro, e não com o Deus a quem prometi a minha vida e por conseguinte meu coração... Estou sendo vista como uma profana por todos os Deuses. Entendes isso? Eles nem sabem de nós dois e pensam que sou uma feiticeira que seduziu a todos.
Afrodite respirou fundo antes de continuar, olhando fixamente nos gélidos olhos azuis de Ares:
- Vou me casar com Hefesto, porque não tenho escolha. Meu destino se revelou no momento em que rejeitei a Zeus. E não me arrependo! Nunca trairia o amor que sinto por ti, e nunca o farei. Serei consorte de Hefesto por obrigação, mas meu coração vai ser para sempre teu, Ares. Entendes isso? – Segurou a mão de Ares e a posicionou em cima de seu coração - Sentes isso? Ele só bate desse modo por ti. Nunca amarei a outro homem, porque na minha mente e no meu coração só há espaço pra ti. Te prometo, juro por todas as ambrosias do Olimpo, que nunca te trairei. Sempre serei Afrodite, a Deusa irrevogavelmente apaixonada pelo Deus mais corajoso que todo o Olimpo já viu.
Lágrimas e mais lágrimas começaram a escorrer pelo belo rosto do Deus da Guerra, fazendo o peito de Afrodite doer. Nunca havia visto Ares chorar. Ares não chorava. Nunca.
- Eu te amarei, Afrodite... Te amarei por toda a eternidade. Porque tu és meu destino, minha única felicidade.
O Deus deu as costas para Afrodite e começou lentamente a se afastar do jardim, sem olhar uma única vez para trás.
Então Ares se foi, levando o coração da bela Deusa junto a ele.

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A Marcha Nupcial que tocava enquanto Afrodite caminhava até o altar parecia uma Marcha Fúnebre. Ao menos era assim que ela a interpretava. A morte de seu sonho. A morte de sua liberdade.
Enquanto olhava todos os Deuses presentes na casamento, um por um, a Deusa não esboçava qualquer reação. Casaria, sim, com Hefesto, mas não fingiria ser uma Deusa apaixonada por seu consorte, pois não o seria. Nunca, jamais.
Os votos nupciais foram proferidos sem nenhuma emoção, tanto de sua parte quanto pela de seu noivo, o apático Deus ferreiro. A cerimônia não demorou, para alívio de Afrodite, que desejava que a tortura acabasse logo. Rápida e indolor... Quase. Vinte minutos mais tarde, já estavam devidamente casados, e Afrodite se preparava para seus deveres matrimoniais.
Mas ela não lamentaria, não mais. Nem sentiria, pois seu coração já não estava ali. Ela suportaria. Por Ares. Por ela. E pelo fruto do amor deles, que ela carregava em seu ainda liso ventre. Porque o amor pode ser escondido, mas jamais esquecido.

Fim


Nota da Autora: Bem, quase eu vi o post sobre o Especial Mitologia, comecei a imaginar uma história mostrando o lado da Afrodite da história, tirando-a um pouco da versão fútil com a qual muitos a vêem. Meu conhecimento sobre a Mitologia Grega é ínfimo (apesar de eu ter Literatura Grega na Faculdade e estar me aventurando no 4º período no curso de Grego Clássico), e peço desculpas por qualquer erro na fic.


Nota da Beta: Erros? Envie diretamente para mim pelo email awfulhurricano@gmail.com ou através de um tweet para @mimdeixa (lembrando que eu NÃO sou a autora da fic). Não use a caixinha de comentários, por favor. xx Abby


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