estava fazendo seu dever de casa na sexta-feira à noite. Ouvindo música, como era de costume. Sua mãe entrou no quarto para anunciar que o jantar já estava servido e então viu a garota rodeada de livros. Tocava uma música do Guns N' Roses, a mãe então sentou-se junto a cama de sua filha, encarando-a fixamente.
— O que foi, mãe? – a menina perguntou, docemente sorrindo para sua mãe.
— Nada, filha. Eu só estava olhando para você e vendo o quanto cresceu... – disse a mãe enquanto uma lágrima escorria por seus olhos. Apesar dela ter tentado esconder ao abaixar a cabeça, a menina viu. Ela se levantou do chão onde estavam seus livros e sentou na cama, de frente para sua mãe, e em um gesto de pura compaixão a abraçou.
— Não importa o quanto eu tenha crescido, mãe, eu sempre serei sua menininha. – ela disse, e a mãe sorriu.
Talk to me softly.
There's something in your eyes.
Don't hang your head in sorrow.
And please don't cry. Fale comigo suavemente.
Há algo em seus olhos.
Não baixe sua cabeça na tristeza.
E por favor, não chore.
— Sabe filha, eu sei que já pagamos toda a sua festa de aniversário e que já foi tudo planejado, mas queria pedir para você entrar com essa música... Promete pra mim que vai dançá-la? Por favor. – pediu a mãe.
— Tudo bem, mãe. Vou pensar, tá? – respondeu a menina, piscando para a mãe e recolhendo os livros do chão.
— Tudo bem. Agora desça pois seu jantar logo vai esfriar. – a mãe avisou.
XxxX
Havia se passado cerca de um mês desde essa conversa que a menina tivera com a mãe.
O celular tocou e atendeu.
— Alô?
— Oi , eu estou fazendo uma festa aqui em casa, você quer vir? – disse a voz feminina do outro lado da linha, era sua amiga, .
— Ah, claro, não tenho mais nada para fazer no sábado à noite. – riu. — Estou indo.
— Tudo bem, estou te esperando. - disse , e então desligou.
A menina rapidamente foi até o banheiro tomar um banho. Se trocou e desceu as escadas o mais rápido possível, indo direto para a porta.
— Ei, onde vai com tanta pressa? – perguntou a mãe.
— Vou à festa da . – respondeu sorrindo.
— Juízo, hein. – disse a mãe rindo. Consequentemente, fazendo a filha rir também.
— Eu terei. – prometeu , fechando a porta.
Assim que a menina saiu de casa, seu cachorro foi atrás e começou a puxar a barra de sua calça jeans, era como se ele pedisse para que ela não fosse.
— Me solta, ! Agora! – pediu, soltando sua calça da boca do cachorro e indo para a porta. O cachorro lhe encarava fixamente, parecia que queria lhe dizer algo, mas não podia...
A garota chegou à festa, mas não se sentia muito bem. Os olhos apelativos de seu cachorro ainda estavam em sua cabeça, era como um sinal de que não devesse ir. Mas mesmo assim ela havia ignorado.
— Oi! Você veio! – exclamou, abraçando-a.
— Sim, mas acho que não vou ficar muito. – deu um meio sorriso.
— Ah, mas por quê? Não está gostando da festa? – sua amiga perguntou.
— Sim, está realmente muito boa, mas não estou me sentindo muito bem... – ela respondeu.
— Tudo bem então, fique o tempo que quiser. – lhe deu outro abraço e logo sumiu em meio à multidão.
A garota estava perdida em meio a tanta gente, ela só conseguia pensar nos olhos de seu cachorro, em seu pai e... Em sua mãe. Ela estava tão diferente ultimamente, parecia esconder algo, mas não conseguia descobrir o que era.
Ela olhou para o céu e sentia que naquele momento seu lugar não era ali.
I know how you feel inside.
I've been there before.
Somethings changing inside you.
And don't you know. Eu sei como você se sente por dentro.
Eu já estive lá antes.
Algo está mudando dentro de você.
E você não sabe.
A garota então resolveu ir embora. Quando estava saindo apressadamente da festa, esbarrou em .
— Ué, já vai? – indagou o garoto.
— Já sim, são quase meia-noite e não me sinto muito bem...
— Entendi, o encanto da Cinderela acaba à meia-noite, não é mesmo? – riu e a garota sorriu sem graça.
— Pode ser. – baixou a cabeça.
— Hm. Estou de carro, quer uma carona? – perguntou ele.
— Ah, não, não precisa. Aproveite a festa, está realmente ótima.
— A festa não será a mesma sem você. – sussurrou ele, fazendo-a corar.
— Se é assim... Acho que aceito a carona. – ela respondeu sem graça.
Os dois foram até o carro e ele dirigiu até a casa dela.
— Então... É aqui que nos despedimos, não é? – disse ele com um sorriso fraco, tímido.
— Sabe, não precisa ser aqui. – deu de ombros. — Pode me levar até a porta.
Ele sorriu. — Tudo bem então, vamos. – saiu do carro e foi até o outro lado para abrir a porta para ela.
Eles saíram do carro e foram até a porta.
— Espere, deixe-me ver se tem alguém atrás da porta, meu pai costuma ficar, para me vigiar quando eu chego. – riu sem graça.
A menina abriu a porta e viu a mãe caída no chão.
— Ah meu Deus, mãe! – ela gritou, correndo até o corpo gélido que estava caído, que não estava muito longe. — Mãe, acorda! Fala comigo! – ela continuou gritando, lágrimas escorriam por seu rosto.
Os gritos acordaram seu pai, que rapidamente desceu para ver o que estava acontecendo. Se deparou com o corpo frio e pálido de sua esposa jogado no chão, enquanto sua filha tentava de alguma forma fazê-la voltar.
Don't you cry tonight.
I still love you baby.
Don't you cry tonight.
Don't you cry tonight.
There's a heaven above you baby.
And don't you cry tonight. Não chore esta noite.
Eu ainda te amo querida.
Não chore esta noite.
Não chore esta noite.
Existe um paraíso sobre você querida.
E não chore esta noite.
— Meu Deus! O que aconteceu? – ele gritou.
Enquanto ligava para a ambulância, os dois choravam e tentavam fazer algo.
A ambulância não demorou a chegar, levaram o corpo da mãe e o colocaram numa maca.
e foram de carro atrás, enquanto seu pai acompanhava a mãe na ambulância.
Chegaram ao hospital, mas parecia tarde demais, o médico caminhou até eles e em sua face havia uma expressão não muito animadora.
— Vocês estão com a paciente ?
— Sim, doutor. Como ela está? Por favor, só me diga que ela está bem. - Os olhos da menina eram suplicantes. Ela voltou a chorar quando o médico demorou a responder.
— Lamento ter de informar isso, mas... Ela não resistiu... – Ele informou, fazendo o coração da garota ser esmagado mais uma vez.
As lágrimas pareciam não ter limite, não ter fim. Seu coração doía demais, como se estivesse sendo triturado, e estava.
"Por que logo agora? Por quê?" Era o que se perguntava mentalmente.
— O câncer pulmonar dela se desenvolveu de tal forma que não tivemos muito tempo para agir, não pudemos fazer nada. Sinto muito. – continuou o médico.
A menina olhou para o pai e ele estava arrasado, não conseguia nem ao menos falar.
— C-câncer? Como assim? Ela não disse nada... – tentava parar de chorar, sem muito sucesso.
— Sabe, há alguns meses, sua mãe veio aqui no hospital e eu mesmo a diagnostiquei, ela disse para eu não dizer nada para sua família, disse que quando chegasse a hora certa ela mesma contaria...
— E quando seria essa hora certa? Agora? – chorava ainda mais. A garota saiu correndo para fora do hospital, parando numa praça que havia do outro lado da rua.
— Por que? Por que fez isso comigo, mãe!? – ela gritava aos céus. — Mãe! Eu preciso tanto de você agora, não me deixe! Por favor! Deveria ter me contado antes! Eu teria ajudado, te dado apoio!
A menina não tinha mais forças para gritar e nem mesmo para ficar de pé. Caiu de joelhos na areia fria, pousou a mão em seu rosto que ainda estava molhado de tantas lágrimas, sentiu uma mão em seu ombro que logo completou um abraço.
— Não fique assim. – disse , em um tom calmo. — Você é forte, sei que vai aguentar. Você tem que estar forte para apoiar seu pai nesse momento. Aposto que ele está tão sensível quanto você agora.
— Você está certo. – ela admitiu. — Mas não consigo aguentar, é triste demais, foi tudo tão rápido e...
— Não se preocupe. – interrompeu-a . — Eu estarei aqui com você, o tempo todo. – ele voltou a abraçá-la.
— Obrigada. – ela disse, retribuindo seu abraço e ficando assim por um bom tempo.
Give me a whisper.
And give me a sign.
Give me a kiss before.
You tell me goodbye. Dê-me um sussurro.
E dê-me um sinal.
Dê-me um beijo.
Antes de me dizer adeus.
A garota e o pai voltaram para casa. achou melhor que eles ficassem sozinhos, que um consolasse o outro.
esperou até que o pai dormisse e então foi para o seu quarto. Ela tentava dormir mas não conseguia, as memórias de sua mãe morta ainda estavam bem vivas em sua cabeça. Lembrou-se então do dia em que sua mãe lhe pediu para que entrasse com uma certa música no dia de seu aniversário de 15 anos, mas não sabia exatamente o motivo, ela então se levantou da cama e ligou o computador.
Procurou pela música de que sua mãe falara. “Don't cry”, do Guns N' Roses. Ao ver a letra começou a chorar, talvez sua mãe já soubesse que isso ia acontecer...
No dia seguinte, seria o velório, ela foi até lá com o pai. foi o primeiro a chegar depois deles, logo após chegaram vários amigos da família.
não parou de chorar um minuto sequer, e o garoto ficou lhe consolando enquanto várias pessoas vinham lhe cumprimentar.
O irônico é que quando a mãe estava viva, algumas dessas pessoas nunca apareciam e só em momentos como esses, elas tentavam se redimir, mas já era tarde demais.
A garota foi até o caixão da mãe, – que ainda se encontrava aberto – e olhou para ela com a compaixão que sempre tivera. Se lembrou de vários momentos que tiveram juntas, até que resolveu falar.
— Me desculpe, mãe. Por não estar lá quando tudo aconteceu; por não ter percebido que você estava doente; e por não te dizer todos os dias que eu te amo... - a garota disse entre soluços. - Mãe, eu prometo... eu prometo que entrarei e até que dançarei com a sua música... Obrigada por tudo, obrigada por ter sido a melhor mãe do mundo...
Don't you take it so hard now.
And please don't take it so bad.
I'll still be thinking of you.
And the times we had baby. Não leve isso tão à sério agora.
E por favor, não leve isso tão a mal.
Continuarei pensando em você.
E nos momentos que tivemos, querida.
foi para casa se alimentar, pois seu estômago estava vazio desde a noite anterior, a menina e o pai estavam saindo de casa, quando ela olhou para o canteiro de rosas vermelhas que sua mãe cultivava. Ainda não estava na época, mas uma delas já havia aberto e estava linda, a menina a pegou e levou-a para o enterro.
O padre falou algumas coisas sobre como ela era uma pessoa boa e o quanto deixaria saudades. E então, finalmente, pediu para que a menina se despedisse, ela foi até perto do buraco onde já estava o caixão.
— Eu ainda te amo. – ela disse, jogando a rosa vermelha dentro do buraco, fazendo-a cair exatamente no meio do grande caixão preto.
And please remember
that I never lied.
And please remember
how I felt inside now honey. E por favor, lembre-se
que eu nunca menti.
E por favor lembre-se
de como eu me senti por dentro, querida.
Quase um ano depois...
As luzes dos holofotes apontavam todas para o topo da escada, a respiração dela estava totalmente desregulada. Finalmente o grande dia havia chego, olhou para a janela e via que todas as estrelas brilhavam demais naquela noite, mas uma se destacava dentre todas. A menina a reconheceu, e chamou-a de mãe.
You gotta make it your own way.
But you'll be alright now sugar.
You'll feel better tomorrow.
Come the morning light now baby. Você tem que superar por si mesma.
Mas você estará bem, docinho.
Amanhã você se sentirá melhor.
Venha para a luz da manhã agora, querida.
A música que a mãe da menina tanto queria começou a tocar. respirou fundo e desceu o primeiro degrau. a esperava na ponta da escada, com um sorriso de uma orelha até a outra. Ela pegou em sua mão ao chegar lá embaixo, a entregou para o pai que a esperava para a primeira dança.
— Ela está aqui, entre nós... – sussurrou para o pai enquanto dançavam.
— Eu nunca duvidei disso. – respondeu seu pai, sorrindo.
Don't you cry, don't you ever cry.
Don't you cry tonight.
Baby, maybe someday.
Don't you cry, don't you ever cry. Não chore, não chore por nada.
Não chore esta noite.
Querida, talvez algum dia.
Não chore, não chore por nada.
A menina sorriu e recostou a cabeça no ombro de seu pai.
Depois foi a vez de . Ele pegou sua mão novamente e a levou para o centro do salão.
— Obrigada. – ela sussurrou em seu ouvido.
— Pelo que? – perguntou.
— Por ter estado ao meu lado no momento mais difícil da minha vida.
— Eu não poderia ter feito diferente. – ele disse.
— E por que não? – ela perguntou.
— Porque eu sou louco por você. – respondeu o garoto, e então a beijou.
Sabe, cada um vem ao mundo com um destino. E quando ele se cumpre, devemos voltar ao céu e aceitar o que aconteceu.
Não pense que morrer é uma coisa ruim, pense no quanto foi feliz enquanto estava vivo e apenas isso basta.