É natal, aceita uma bebida?


Escrita por: Felícia Blank
Betada por: Natacha Mendes




Capítulo Único


Esfregou os lábios finos um no outro, espalhando o batom. Sua pequena bolsa de couro preto estava em seu ombro direito e seus cabelos longos e negros repousados no esquerdo. Borrifou o perfume forte em seu pescoço e pulsos, indo em direção à porta logo depois. O salto baixo fazia um som confortante em contato com o tapete de neve fina que cobria a rua mais movimentada de Ohio. Os enfeites da época mais esperada do ano brilhavam por todas as partes, músicas natalinas tocavam e sorrisos estavam estampados em todos os rostos que os olhos da mulher paravam sobre. Era, definitivamente, a época mais feliz do ano para muitos. Um dia de família unida, muitas risadas e aquela trágica piadinha que algum tio tem de fazer “É pavê ou pacomê?”; esse não era o caso daquela garota.
não tinha família, perdeu os pais em um assalto à mão armada, no dia quinze de novembro de mil novecentos e noventa e dois, quando tinha nove anos. Foram quatorze anos se remoendo por dentro, fora tão doloroso presenciar aquela cena. Lembrava-se claramente da sua mãe implorando para que os homens não atirassem, pelo menos não na frente da filha. Miseráveis. Tiraram a vida das únicas pessoas que ela tinha. Quem iria pentear seu cabelo todas as manhãs e fazer as melhores torradas? Quem iria ler e reler suas histórias favoritas antes de ir dormir?
Fora morar com sua tia por parte de mãe. Ofelia era uma mulher de meia idade com filhos casados e um marido enterrado a sete palmos do chão. Era rabugenta, e isso fora um — dos outros milhares motivos — que levou a moça a sair de sua zona de conforto para tentar a vida sozinha. E agora estava caminhando pelas ruas movimentadas e sua única companhia era a nicotina que entrava pelas narinas finas e entupia as vias respiratórias por alguns segundos, até soltar a fumaça.
— Feliz natal! — um senhor oriental e rechonchudo lhe sorriu enquanto entregava-lhe uma rosa. sorriu agradecida, aquele seria o único presente que iria receber naquela noite.
— Feliz natal! — respondeu, agradecida. Não pôde se conter e levou a rosa até seu nariz, sentindo o delicioso aroma adocicado que a mesma emanava.
Ei, gorduchinho, o mundo precisa de pessoas mais gentis como você, a mulher riu do próprio pensamento.
Continuou seu caminho, observando as árvores dançarem com a graciosidade do vento que soprava forte àquela altura, até sentir seus pés reclamarem e pedirem um pouco de descanso. Sentou-se em um banco parcialmente coberto de neve e fechou os olhos, sentindo a brisa gelada bater contra seu rosto pálido. Olhou seu relógio de pulso e marcava nove e dezessete da noite, isso explicava algumas crianças no parque central fazendo bonecos de neve e colocando uma cenoura como nariz, típico. Por um momento permitiu a tristeza bater em sua porta e sentiu um nó se formar em sua garganta. Por que ela não tinha aquilo? Não tinha uma família para estar fazendo o que as outras pessoas normalmente fazem naquela época? Não tinha amigos que ligassem para ela pedindo que passasse o natal com eles, não tinha sobrinhos para levar ao parque e fazer bonecos de neve; sequer tinha um namorado para passar à noite inteira assistindo a um filme de domingo na sessão das onze horas.
— Bonita noite de natal, não? — sentiu seu tronco subir rápido com o susto e olhou para o lado. O rapaz de pele tão pálida quanto a sua tinha o cabelo escondido pelo gorro preto e seu casaco de couro era na mesma cor. Ele deu risada de sua cara e ela se sentiu, por um momento, tímida. Ele era bonito demais para que ela se sentisse de outra forma.
— Oh, sim. — respondeu, baixo. Só então pôde notar as árvores enfeitadas com luzes que piscavam ao seu redor, seus galhos eram cobertos pela neve rala, o que deixa ainda mais bonito, até mais bonito que o rapaz ao seu lado, ou não. Mais à frente uma senhora cantava e em sua frente tinha uma pequena caixa onde algumas pessoas que passavam deixavam trocados, solidários.

Somewhere over the rainbow, way up high
And the dreams that you dreamed of, once in a lullaby
Somewhere over the rainbow blue birds fly
And the dreams that you dreamed of, dreams really do come true


Sua voz alegrava quem passava por ali, principalmente as crianças que conheciam a música do famoso clássico O Mágico de OZ, até mesmo os adultos entravam no clima e arriscavam uns passinhos para lá e para cá. Os dois ficaram em silêncio, apenas apreciando a música até ela chegar ao final.
— Qual é o seu nome? — o rapaz perguntou, enquanto acendia seu décimo cigarro em duas horas, judiando seus pulmões.
— Não importa. — respondeu na defensiva. Realmente não importava, ele era só um entranho, teriam uma conversa de dez minutos e pronto. Cada um para o seu lado, nunca mais iria vê-lo.
— Tudo bem. — deu risada. — O que faz aqui? Não deveria estar comemorando com sua família ou algo do tipo? Comendo muita comida e depois a famosa sobremesa, o pavê da sua avó?
— Te pergunto o mesmo, não deveria estar fazendo tudo isso? — retrucou, esperta.
— Meus pais moram do outro lado do continente, o que ir pra lá é impossível apenas com os trocados que ganho lavando os pratos no restaurante do senhor Levy e, bem, minha avó morreu, então comer o pavê dela também seria impossível. — deu risada, tragando o tabaco.
— Entendo, eu também não tenho meus pais aqui para comemorar. — respondeu, involuntariamente triste. — Mas, diferente dos seus, os meus realmente não estão aqui. — falou baixou, e o rapaz entendeu na hora ao que se referia. Não sabia o que falar, afinal nunca soube como realmente é a dor de uma perda. Tudo bem que sua querida avó morrera de câncer no pulmão, mas não fora um choque para o rapaz que raramente a visitava.
, de fato, nunca fora tão apegado a sua família. Tinha sete irmãos, seis mulheres e um homem. Frustrante, sim, ele também achava. Seus avôs — restou apenas o avô paterno — eram camponeses e seus pais donos de uma pequena confeitaria, seus irmãos eram bem sucedidos, — até mesmo a mais nova, com dezenove anos, que ganhara uma bolsa de estudos para cursar medicina — e isso era o motivo dos puxões de orelha que sempre levava de seus pais. E agora se sentia um idiota por ter levado a conversa a tal assunto.
— Eu sinto muito. — tentou balbuciar o que realmente sentia por aquela bonita mulher, mas a verdade é que não sabia a dor da perda de um pai ou mãe, então não imaginava, nem de longe, o que sentia naquele momento.
— Não sente, não. — soltou uma risada nasalada, frustrada. — Ninguém sente, só falam da boca para fora em palavras de um conforto artificial. — depois daquela resposta, o homem resolveu ficar calado, sabia bem no fundo que o que a mulher lhe dissera era verdade. Ninguém realmente se importava com os sentimentos alheios, cada um com sua própria dor.
Os dois desfrutavam de uma brisa gelada e da neve fina que caía sobre suas cabeças, enquanto observavam o parque ficando cada vez mais vazio e as pessoas indo para suas casas comemorar aquela noite tão especial e bonita. se remoía por dentro, contanto os minutos para que o rapaz cansasse e fosse embora de uma vez por todas, porém, continuava tranquilo com seus pensamentos longes e a boca salivando por um gole de uma bebida barata.
— O que acha de darmos uma volta? — perguntou, cauteloso, temendo receber outra resposta malcriada.
— O que te leva a pensar que eu aceitaria? — levantou as sobrancelhas, risonha. Relaxe um pouco, .
— Não pensei em nada, apenas fiz uma pergunta. E outra, não temos ninguém para comemorar, pensei que pudesse te pagar uma bebida.
— Uma bebida? — ela fez uma careta exagerada e aos olhos do rapaz, engraçada. — Eu aceito. — tudo bem, era fraca para bebidas, mas que mal tinha em aceitar? Não tinha ninguém lhe esperando em casa para desfrutar de uma ceia para lá de farta.
— Não vai me dizer seu nome? — insistiu.
— Não me disse o seu.
. , como meu avô, ou se preferir, apenas .
— Tudo bem, . Quem sabe depois da bebida eu não te diga, sim? — sugeriu e o rapaz sorriu. achou que seu único presente seria a rosa, mal sabia ela que estava errada. E sabe aquela história de que só iria ver aquele rapaz uma vez? Mentira, iria vê-lo todos os dias a partir dali.


FIM



Nota da autora: 01/02/2015 - Ei, galera! Essa é minha primeira shortfic, espero que gostem. Na verdade, essa era uma história minha que fiz para a aula de português e como eu gostei, resolvi apenas reescrever algumas partes e compartilhar ela com alguém, no caso, vocês. Quem quiser entrar em contato comigo, aí em baixo tem minhas redes sociais, até a próxima, folks.

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