Betada por: Daniella (Danie) (até o capítulo 19) e Gabriella



Capítulo 1


Dois meses havia se passado; dois meses desde que ela morrera em seus braços e ainda doía, na mesma intensidade - ou até mais. tinha partido e ele, agora, se encontrava no fundo do poço, literalmente. Sentado numa cadeira vermelha, no escuro de um clube qualquer, não se lembrava mais qual fora a última vez que estivera totalmente sóbrio. Deve ter sido no enterro. Foi quando desejou morrer e quando começou a esperar a morte do melhor jeito que conseguia.

- Mais uma rodada, amor? – uma mulher vestindo apenas as roupas íntimas da cor vermelha disse, sentando em seu colo.

- Da vodka, me traga a garrafa inteira; e de você, eu só quero mais um gole. – falou friamente.

Ele estava vazio, tão vazio quanto seu copo naquele momento. A stripper levantou e chamou o garçom, mas não começou a dançar até o homem voltar com o pedido. Ela estava acostumada a ver homens afogarem suas mágoas na bebida e entre suas pernas; mas aquele homem ferido não passava de um garoto sufocado pela própria dor.

- Querido... – sua voz saiu carinhosa, movida pela pena quando viu a sede que o jovem entornava a bebida direto da garrafa.

- Dance. Não estou te pagando para falar. – ele a cortou rapidamente.

Conhecia aquele discurso. Ouvira de seus amigos, de seus pais e de cada stripper ou prostituta que lhe observava por mais tempo e com mais atenção.
A mulher calou-se e, assim que começou uma música nova, ela começou a se mover. Para uma estátua sem vida, mas fez seu melhor trabalho. Ao fim, recebeu seu dinheiro e saiu em silêncio enquanto o cliente olhava a garrafa pacientemente.

O álcool não estava adiantando mais e naquele buraco ,ele poderia achar algo mais forte, mais potente. Uma arma seria mais fácil, mais rápido, mas ele não merecia uma morte tão limpa. Ele merecia a dor.

Foi pensando nessa dor que ele viu um grupo de homens sumindo por uma porta negra no canto mais escuro da boate. não fazia ideia do que estava aguardando-o, mas queria aquilo. Ergueu a mão chamando o gerente, sempre atento ao cliente com mais dinheiro - neste caso, ele.

- Posso ajudar? – o homem, que cheirava a colônia barata e cigarros, chegou perto.

- Para onde eles estão indo? – perguntou grossamente.

- Não posso dizer, meu chapa. – ele respondeu nervosamente.

- O que eu faço para entrar?

- Dinheiro e uma indicação. – o gerente disse sorrindo maldosamente – E sangue frio, claro. O que acontece lá, fica lá.

levantou-se e tirou um bolo de dinheiro na carteira. Podia andar com a quantia que quisesse; havia posto um segurança na sua cola o tempo todo. O gerente pegou sem reclamar e fez um sinal para uma montanha de carne e osso e dois metros de altura sair do canto do bar e vir até ele.

- Vou me divertir. – ele disse, indo até a porta e o homem foi junto. Não adiantava fugir: o segurança sempre o seguia.

Não havia uma sala atrás da porta preta, mas uma escada que guiava atrás um andar subterrâneo. Não havia volta e ele nem queria que tivesse. Venderia sua alma por um pouco de paz. Com dinheiro no bolso e a chave do carro, ele conseguiria qualquer que fosse o produto vendido ali.

Quando eles chegaram no lugar, pareceu congelar por alguns momentos.

- Hoje é um dia importante, meu chapa. É dia de leilão e o produto principal é um Lírio de 20 anos; sabe como são raros, não é? – o gerente disse enquanto ele encarava a fila de mulheres formada e os homens que as observavam.

Se divertindo com a expressão do rapaz, que não parecia mais bêbado, o gerente se afastou. Desesperado, procurou os olhos sábios do segurança e este se aproximou.

- É um leilão de mulheres raptadas, vendidas, abandonadas, prostitutas velhas demais para trabalhar, prostitutas cansadas demais dessa vida, senhor . – ele explicou com o tom grave – O homem que comprar uma delas, é o dono. Vida e morte, o corpo e a alma, tudo pertence a ele.

- E o Lírio? – perguntou.

- É a virgem. – o segurança respondeu com ódio no olhar – Aquela ali.

seguiu o olhar e a viu pela primeira vez. Com um vestido branco simples, e os braços protegendo inutilmente o corpo, a menina assustada se escondia por trás dos seus escuros e longos cabelos. Os olhos famintos dos homens ali pareciam lhe prometer o inferno na Terra e ela podia sentir; ele podia sentir.

- Vamos embora. – Rob, o segurança, falou.

- Não. – retrucou, olhando-o sério – Ela é minha.

Um plano rápido fora traçado e logo estava escondido, esperando. Ele era famoso e, mesmo não sendo mais tão jovem como no começo da carreira, ainda era mais novo do que aqueles homens. Rob passaria por um comprador, ninguém reparara neles, estavam seguros.

O leilão começou. Algumas mulheres iam chorando até seus compradores, outras pareciam resignadas com aquele destino cruel, mas não tirava os olhos dela. Ela parecia ficar cada vez mais pálida e ele temia que ela fosse desmaiar a qualquer momento. Quando os gritos ficavam mais altos e assustadores, ele podia vê-la tremer.

- Agora a estrela da noite. – um homem gordo e com a pele oleosa disse, puxando-a para frente com força, e a garota deu um gemido de dor.

Os homens gritavam e falavam obscenidades, parecendo animais no cio esperando pela única fêmea da floresta. Alguns estavam com mais de uma, mas pareciam se importar apenas com a garota ali na frente.

- Lance inicial é de 10 mil. – o gordo disse e percebeu como ela era importante. A melhor das outras mulheres havia sido vencida por 10 mil, o valor máximo, não o mínimo.

Dois homens levantaram as mãos no mesmo tempo, oferecendo 11 mil. Depois, outros foram levantando, aumentando o valor a cada grito e mão levantada. Ofensivos, eles pareciam numa guerra eterna. Porque, por mais que eles a quisessem, não possuíam tanto dinheiro assim para dar numa garota que não saberia fazer nada e provavelmente acabaria largada em algum lugar.

Então, ele esperou pacientemente, assim como Rob. Ele saberia a hora de fazer o lance.

E não demorou muito. Um homem barbudo com uma estranha blusa amarela social, deu o lance de 30 mil e o lugar ficou mergulhado no silêncio. E no instante seguinte, Rob levantou a mão e gritou com sua voz de trovão:

- Uma Lamborghini com 1000km rodados.

Todos os homens engasgaram. Era caro, muito mais caro do que aquela garota valia. Rob jogou as chaves e os documentos em cima do leiloeiro e olhou para a menina. As lágrimas rolavam pelo seu rosto e, por mais que ela tentasse se mostrar corajosa, não conseguia.

- Acha mesmo que ela vale tudo isso? – foi a pergunta feita.

- Meu patrão acha que sim. – e esta foi a resposta recebida e o lugar ficou mais silencioso ainda – A garota, por favor.

- Quem é o seu patrão? – o gordo perguntou.

- Você tem muito mais dinheiro do que receberia, e eu quero a garota. Não vi o nome do meu patrão nos termos de compra.

O rosto redondo ficou incrivelmente vermelho, mas ele sabia que o outro tinha razão. Pegou a garota com o máximo de força que conseguiu reunir e a jogou em cima de Rob.

- Fez uma péssima escolha. Essa é fraca. Só sabe chorar. – ele disse por fim, quando a garota fora amparada por Rob.

- E esse não é o objetivo de todos aqui? – Rob falou, pegando a garota pelo braço, fingindo que o fazia de forma bruta, mas sua mão apenas a guiava.

E o choro dela cessou.

Caminhavam apressados para fora da boate e um táxi já estava esperando-os, mas não havia sinal de . Entraram no carro apressadamente e o taxista já dirigia até o destino. Rob olhou para a garota com os olhos carregados de piedade.

- Tome meu casaco. – ele disse, colocando em cima dela um pesado sobretudo de lã.

- Eu vou morrer? – a garota perguntou com a voz calma.

- Não.

- O homem que me comprou...

- É um homem bom, mas está tentando ser o contrário. – Rob a interrompeu.

- Então, ele vai mesmo...

- Ele te comprou, menina. Ele vai fazer o que bem entender. – o segurança disse e o carro parou numa casa de muros altos. – Desça, ele está te esperando.


Capítulo 2


A casa branca com janelas de ébano era um lugar iluminado e calmo. Por um momento, a garota não temeu. A porta da frente estava aberta e ela entrou. A sala era branca, com enormes sofás pretos, uma enorme TV com toda a aparelhagem de som e vídeo necessário para um cinema e um piano de calda preto jazia sobre um tapete branco.
Dezenas, talvez centenas de discos, CDS e DVDS estavam empilhados em estruturas de metal retorcido. Havia ali, também, alguns quadros, mas nenhum porta-retrato.

- Boa noite, senhorita. – uma voz feminina e anasalada a assustou – Por favor, me acompanhe.

A menina não tinha se recuperado do susto. Talvez estivesse esperando a morte certa, mas era covarde demais para enfrentá-la sorrindo. E essa paralisação foi entendida pela empregada como uma dificuldade para entender a língua.

- Você entende o que eu digo? – ela perguntou confusa.

- Sim. – foi tudo o que conseguiu dizer.

Em dúvida, a mulher fez apenas um sinal para que a seguisse, e assim ela o fez. Subiram as escadas em silêncio. Se a velha senhora havia percebido que ela não trazia mala e vestia um enorme casaco que não lhe pertencia, não disse.

No corredor superior havia cinco portas e a mulher indicou a segunda da direita.

- Seu quarto - a empregada disse.

Com o coração acelerado e o pânico correndo em suas veias, a garota abriu a porta e encontrou um dos quartos mais lindos que já vira antes .Paredes eram de um tom claro de areia e havia quadros com fotos preto e branco espalhados pela parede. Os móveis brincavam entre tons claros de areia e marrom mais escuro. Parecia tudo neutro demais, sem um toque pessoal, mas, ainda assim, era lindo. E a enorme cama forrada com cobertas extremamente brancas parecia ser capaz de engolir alguém. As janelas iam até o chão e estavam abertas para o jardim. Havia livros numa estante e na mesa de cabeceira um lírio estava solitário numa jarra de cristal.

De alguma forma, aquilo tudo lhe parecia mais assustador do que ela pensava que seria. Se fosse um quarto escuro com objetos de tortura, correntes e uma cama de ferro, ela teria ficado menos apavorada. Que tipo de jogo doentio ela estava se metendo?

- Seja forte. – ela sussurrou para si mesma.

Não queria chorar mais; não mais. E, mesmo assim, sentia-se a ponto de secar seu corpo.

Estava perdida.

Olhou para a cama, mas não deitou-se, ainda que cansada demais para se aguentar em pé. Aquele seria o lugar no qual ela pagaria por ser tão inocente, não um lugar para descanso. Acomodou-se no chão, encostada na grande janela e começou a observar o jardim. Pensar em sua vida antes daquele momento não adiantaria, não a levaria de volta para seu país, sua família.

Abraçou-se fortemente e começou a mentalizar uma canção qualquer que ouvia quando era criança. Quando ainda possuía sonhos. E, sem perceber, fechou os olhos, adormecendo olhando o sono tranquilo das flores.


Quarenta minutos depois dela ter entrado na casa, vinte minutos depois de ter adormecido, entrou no quarto. Tinha acompanhado todo o trajeto da garota, passo a passo e de seu quarto conseguia ouvir sua voz baixa. Esperou algum tempo para aparecer, esperando que ela se acalmasse enquanto ele ficava sóbrio de vez com um banho frio.

Ficou surpreso quando a viu dormindo quase que tranquilamente, sentada no chão. Sem saber a razão, ficara bravo com a garota. O que ela achava que ele fosse fazer? Espancá-la até a morte por dormir no lugar onde todas as pessoas dormem? Bateu-se mentalmente. Claro que ela devia pensar isso.

- Pensei que fosse desvendar o mistério sobre quem você é, mas... – suspirou cansado e caminhou até o lugar que ela estava.

De perto, à luz clara do quarto, ela parecia ainda mais bonita. A pele tinha um tom diferente, assim como o formato de seu rosto. Estava claro de que ela não era da Inglaterra, o que só aumentava a sua curiosidade. Com aquele corpo e aquele rosto, não tinha dúvidas de que ela seria bem leiloada naquele lugar mesmo sem ser o Lírio ou depender de um fetiche macabro qualquer.

Devagar, para não acordá-la, ele passou seus braços pelo corpo dela e a ergueu. Não era pesada, e parecia ainda menor daquela forma. Não se lembrou de , pois era o oposto da ex-namorada, talvez por isso ficara tão calmo. No momento em que chegava perto da cama, pronto para deixá-la confortável, a desconhecida começou a ter um pesadelo.

Chorando e se debatendo, ela parecia implorar por piedade numa língua estrangeira. logo percebeu ser português a língua que ela estava falando, mesmo sem entender. Então, sem qualquer alternativa, ele a colocou na cama de forma com que se deitasse também e a segurou fortemente.

- Calma. Calma. Está segura, agora. – ele sussurrou no ouvido dela, com sua voz profunda e calma – Não vão te fazer mal.

Ela parara de se debater, mas continuava tremendo, o que o fez apertá-la mais. Com a cabeça dela em seu peito e os cabelos tão escuros encostando-se ao seu rosto. Aos poucos, a respiração dela foi se acalmando novamente e ele se tornando cada vez mais acelerado. Depois de tanto tempo, tinha uma mulher em seus braços. Depois de tanto tempo longe da realidade, havia sido jogado novamente nela. E não tinha mais caminho de volta.

Não demorou muito e conseguiu sair da cama. Não sabia o que fazer com ela, então resolveu esperar um pouco. Pela manhã, o que não faltava muito para acontecer, iria resolver tudo. Saberia, pelo menos, o nome da brasileira. Queria um pouco de paz. E, pela primeira vez, não a queria buscando na bebida. No entanto, antes mesmo dele chegar à porta, a garota abriu os olhos.
Como um gato assustado, ela sentou-se na cama, encolhendo-se o máximo que conseguiu. Os olhos estavam abertos de susto e confusão. Ela o analisava.

- Eu conheço você. – a voz saiu forte e clara.

- Já estou no prejuízo porque eu não conheço você. – disse.

- Você é daquela banda... Minha irmã gosta tanto de vocês... – ela continuou como se ele não tivesse falado nada.

O garoto ficou quieto.

- Por que você estava lá? Por que me comprou? É algum tipo de maluquice de famoso que está sentindo que a vida de riquinho é chata demais? Meu Deus, você me trouxe pra sua casa para essa brincadeira maluca? Você é doente. – o discurso continuou.

- Eu posso falar? – perguntou, respirando fundo para não ser grosso.

A menina ficou quieta e se levantou da cama. Por um momento, pensou se ela era sempre tão impossível de se prever. Qualquer uma choraria mais, no entanto ela surtou. Qualquer uma ficaria quieta na cama, esperando a aparente ameaça falar. Querendo ver até aonde aquilo iria, ele ficou parado.

Eles se encaravam intensamente. percebeu pela primeira vez que os olhos dela eram de um castanho profundo, grandes cílios negros... Tudo nela parecia encaixado e diferente. Passo a passo, ela foi quebrando a distância. A menina chorosa que ele vira naquela boate, ainda estava ali, no fundo de seus olhos, mas estava tentando ser forte.

Quando ela parou, podiam sentir a respiração quente um do outro. Ele viu as mãos trêmulas subirem até as alças do vestido e uma lágrima rolar pelo rosto dela.

- Por favor, vamos acabar com isso logo. – ela disse, descendo a alça do lado direito.

Foi apenas neste momento que percebeu o que ela estava falando. Ela já tinha a mão no ombro, quando ele colocou a sua para pará-la. O toque de suas peles parecia eletrizado por alguma corrente misteriosa e os olhos dela se arregalaram.

- Não quero você assim. – ele falou colocando a outra alça no lugar.

- Então eu deveria lutar um pouco? Parecer menos resignada? Você quer gritaria, certo? Uma desculpa para me calar. – a garota reiniciou seu discurso.

- Não preciso disso! E te calar me parece uma tarefa muito difícil para querer complicar mais ainda. - retrucou.

Ela abriu a boca pra falar, mas não saiu som.

- O que? As palavras fugiram? Sério que seria tão fácil assim? Uma rejeição e pronto? – ele zombou – Eu queria ter percebido isso antes.

Rindo da sua própria ironia e da expressão da menina, abriu a porta do quarto.

- Dentro do armário tem toalhas limpas e algumas blusas minhas. – ele disse – Tome um banho e depois desça para comer alguma coisa. Amanhã a gente resolve o seu problema com roupas.

- Isso é uma ordem? – a garota questionou, recuperando seu orgulho.

- Você quer mesmo que eu seja o homem malvado e mandão, não é? – ele perguntou um pouco irritado – Ótimo! Então, sim; é uma ordem. Quero você limpa lá embaixo em meia hora.


Capítulo 3


Meia hora depois, ela estava descendo as escadas, vestindo uma camisa social azul e uma cueca samba canção preta. Os cabelos longos e molhados batiam-lhe nas costas e o perfume de jasmins e rosas impregnou a sala no momento em que ela chegou. virou o rosto em sua direção assim que sentiu o cheiro e teve que se segurar para não sorrir. Ela parecia ser tão delicada e era tão linda que às vezes ele precisava lembrar-se de que não queria mais amar.

- Você deve estar com fome. – ele disse fazendo um gesto para que ela se sentasse no grande sofá.

À sua frente, havia uma bandeja com vários sanduíches e uma jarra de suco. Fora tudo o que conseguira fazer sozinho, já que não queria acordar a empregada - mais uma vez. Os olhos da garota brilharam, mostrando o tamanho de sua fome. Ele imaginou quanto tempo ela não comia decentemente e sentiu suas defesas abaixarem só um pouco. Não precisava ser um idiota com ela.

- Vamos começar pelo básico. – ele disse, entregando-lhe um sanduíche – Qual é o seu nome?

A garota pareceu pensar por um momento, analisou o sanduíche e pareceu decidir que era melhor ser alimentada e tratada bem, do que sofrer tudo novamente.

- . – ela disse vagamente

- Brasileira, não é? - perguntou – Seu sotaque não é muito forte, mas ainda assim... E você falou em português ainda pouco.

- Sinto muito. – ela disse, bebendo um pouco do suco.

- Não precisa se desculpar. O Brasil é um país lindo e nossas fãs brasileiras são... Intensas demais para serem esquecidas. – ele brincou.

- Disso eu sei. Minha irmã só conseguia falar de vocês, pensar em vocês. – ela comentou e logo seu olhar ficou perdido.

Em algum lugar distante, os pensamentos dela vagavam e era possível perceber que não havia alegrias nas lembranças. Fantasmas lhe assombravam e não parecia haver uma maneira de tirá-la desse mundo. esperou até que seus olhos voltassem para o mundo real e chegou um pouco mais perto.

- Sente falta? Dela? Do seu país? Sua família? – ele perguntou com um tom de voz baixo, deixando sua voz mais grossa.

- Sim. Mas, preciso aprender a lidar com isso, essa saudade não vai acabar. – respondeu, sacudindo a cabeça e, com ela, as lembranças.

- Porque você me pertence, agora. – não fora uma pergunta.

- Porque não há mais irmã ou família para quem voltar e matar essa saudade do meu peito. – a garota disse amargamente e o olhou: – Mas disso você entende, certo? Você perdeu sua namorada e...

levantou-se abruptamente e seu semblante preocupado e tocado pela história da garota mudou para uma expressão quase feroz. Ela não o havia ofendido, nem dito alguma mentira, mas, ainda assim, ninguém deveria falar o fato em voz alta perto dele. Ouvir só tornava tudo mais doloroso, mais real.

- Dói, eu sei. – ela falou, se levantando também para encará-lo.

- Fique quieta. – avisou entre os dentes.

- É por isso que você se meteu naquele lugar. Para esquecê-la! Tirar a imagem dele da sua mente e...

- CALA A BOCA! CALA A BOCA, GAROTA! – e, num piscar de olhos, ele estava segurando-a por um braço, com mais força do que esperava fazer.

deu um longo grito de dor e tentou se livrar, mas ele apertou mais um pouco. Era nela que ele descontaria toda sua raiva, mas não tudo de uma vez. Um pouco a cada dia. Se sua alma definharia a cada amanhecer, ele se certificaria que a dela também fosse para o mesmo caminho.

Pelo menos foi o que ele pensou naquele momento, embora, lá no fundo, soubesse que não era capaz de chegar a tal ponto.

- Nunca mais você vai tocar nesse assunto ou, eu juro, que você vai desejar ter sido comprada por qualquer um daqueles homens. – ele grunhiu e a soltou.

Mesmo assustada, ela o encarou. Se ele era inconstante, ela também seria. Precisava arrumar um jeito de sair daquela situação e só desistiria quando todas as suas possibilidades fossem esgotadas.

- Se acabou com suas ameaças, eu gostaria de me retirar. – ela disse friamente, segurando o braço machucado. Já estava roxo antes, naquele momento deveria estar ficando seriamente preto.

Respirando pesadamente, concordou com a cabeça e ela saiu andando calmamente. jogou o copo na parede assim que ela sumira de vista.
Atormentado, era isso o que ele estava. Sempre fora o suficientemente centrado, sempre soube o que quis. Mas, há menos de quatro horas, ele se sentia numa montanha russa sem fim.

se trancou no quarto e caiu na cama. Lutou contra seus pensamentos e medos; lutou contra seu choro, também, até fechar os olhos e cair num mundo de sonhos turbulentos.

(...)

havia acordado cedo demais. Mal havia dormido, na verdade. E assim que o sol surgiu, ele ligou para . Poderia falar com qualquer um dos amigos, mas ele o entenderia de forma mais rápida e não o julgaria tanto. Mas não adiantou acordar o amigo tão cedo. Já passava das dez da manhã não havia aparecido, ainda.

No momento que ouviu o carro estacionar, correu para a porta e esperou o amigo sair. O contraste de um para o outro era grotesco: permanecia arrumado, com o rosto liso e o sorriso brincalhão no rosto; enquanto estava desarrumado, com o cabelo grande demais, a barba por fazer e a expressão séria era apenas piorada pelas olheiras.

- Que merda você fez agora, ? – já perguntou enquanto entrava na casa, sem esperar o dono do lugar – Você sabe que me tirou da cama quando não devia... E ainda me veio com essa história de leilão, lírio, comprar. Quanto você bebeu na noite passada para parar num leilão de flores!?

- Você pode me ouvir? – pediu impaciente.

deu de ombros e se jogou no sofá. sentou numa poltrona e, esfregando os olhos para tentar espantar o sono, começou a explicar tudo o que aconteceu, nos mínimos detalhes. Conforme a história era contada, o sorriso do garoto sumia de seu rosto. Quando terminou, estava apoiando o rosto nas mãos, de cabeça baixa.

- Deixa eu ver se entendi: você entra num leilão e banca o herói, depois vira o bandido misterioso e resolve virar o herói pra depois voltar a ser o bandido. Um momento de hiatos e você muda de mocinho para A Fera? Bêbado e bipolar, ? – começou a falar, o que fez levantar-se exasperado:

- E você pensa que eu gosto de estar assim? , olha pra mim!

- Está melhor do que a última vez que te vi. – ele disse, tentando ficar sério – Tinha um homem com voz grossa e gogó em cima de você, lembra?

resmungou uma série de palavrões e riu, quebrando um pouco o clima ruim.

- Cadê a garota?

- No quarto de hóspedes.

Sem dizer mais uma palavra, foi até a cozinha e pediu para a empregada preparar uma bandeja de café da manhã. Foi preciso esperar alguns minutos, mas quando estava pronto, ele mesmo pegou a bandeja de comida e rumou em direção à escada. o olhava perplexo demais, mas ele o ignorou. Queria conhecer a garota e desfazer a péssima impressão que o mal humorado havia deixado.

Bateu na porta duas vezes e logo a porta se abriu.

bem que tentou segurar a expressão de surpresa, mas não era conhecido como a pessoa mais sutil do mundo. A menina também tentou, mas não conseguiu. Seu olhar era assustado, mas seu sorriso era irônico.

- Ah, ótimo! Agora eu sou o brinquedinho de toda a banda e mandaram o pior de todos primeiro. Pensei que fossem mais inteligentes. – ela disse ácida, estava pronta pra lutar.

- Eu sou o , mas acho que você já percebeu. – ele falou rindo – E eu vim aqui pra comer... Com você. Não... você!

O olhar assustado piorou e ele viu que a garota era uma péssima atriz. Achando graça, ele foi entrando no quarto enquanto ela ia se afastando. Fechou a porta com o pé e colocou a bandeja na cama.

- Vem cá, menina. – a chamou – Não vou te morder, te amarrar na cama ou fazer você engasgar com um morango. O bipolar você já conheceu, eu sou O irresistível. Aproveite enquanto me tem por perto.

Contagiante. Essa era a palavra que procurava para definir . Tentou reunir toda a coragem que tinha lhe sobrado e foi até ele. Sentando-se na cama a uma distância segura, a garota estendeu a mão para pegar um corpo de leite. Não esperava que o braço dela estivesse cheio de marcas roxas. Quando percebeu, era tarde demais. já avançara e segurava sua mão enquanto analisava os ferimentos. Seu sorriso sumiu.

- Não me diga que foi o . – ele pediu com a respiração pesada.

- Não. – respondeu calmamente, não era uma mentira completa – Pensei que conhecesse seu amigo.

- Ele se tornou um desconhecido quando a morreu. – explicou, entretido com as marcas.

Devagar, seus dedos foram traçando cada mancha negra estampada nos braços frágeis da menina. Não doía, mas, de certa forma, ainda se sentia incomodada. Talvez porque não sentia um carinho daquele jeito há séculos.

- Foram os sequestradores. – ela começou – Gentileza é uma palavra que eles desconhecem.

- Esqueça o que passou, . – segurou as mãos dela entre as suas – A gente vai dar um jeito. Acho que era isso o que o queria te falar. Agora, coma! Vou ligar para os caras, eles precisam ver você. Acredite, vai ser fácil ignorar o zangado lá embaixo.

- Vou tentar.

- E eu vou ligar para o trazer algumas roupas pra você. Ele é a moça da banda, vai saber direitinho. – ele disse, se levantando – E haja o que houver, não acredite em nenhum de nós. E se alguém disser que tem permissão para ter mais de uma esposa, é mentira! Aposto que sem as roupas do script>document.write(Liam) você fica bem irresistível, cuidado para não se tornar, minha senhora.

Piscando marotamente, ele saiu e a deixou com um sorriso pequeno nos lábios. Se o objetivo de era fazê-la se sentir, havia conseguido. E, mesmo sem saber o que esperar de um dia inteiro com os cinco homens com rosto de meninos, não teve tanto medo assim.


Capítulo 4


não viu ir embora porque continuou trancada no quarto o resto do dia. Cora, a empregada, lhe levou algumas refeições e foi algumas vezes até lá para ver se precisava de algo. A senhora não era do tipo carinhosa, mas ainda assim não podia dizer que era tratada mal. Frieza e distância eram a melhor coisa que poderia querer.

A casa era mergulhada num silêncio assustador, bem diferente do que ela imaginava que fosse ser a casa de um músico. Não ouviu nada além de sussurros esporádicos entre e Cora. Era impossível não morrer de tédio. O armário estava repleto de roupas dele, por isso tinha roupas limpas, mas não possuía livros ou um rádio. Nada para tirá-la daquele mundo por alguns momentos.

Já era noite quando Cora abriu a porta do quarto.

- O patrão saiu, criança. – ela disse – Se quiser, seu jantar pode ser servido na sala ou no jardim.

- No jardim, por favor. – respondeu tão rapidamente que ficou difícil esconder sua vontade de sair um pouco, respirar ar puro.

Cora assentiu saindo enquanto tentava achar uma roupa do outro que lhe servisse melhor para sair da casa. Mesmo que fosse no quintal, que era rodeado por muros. Optando por uma T-shirt preta e uma samba-canção da mesma cor, ela saiu de seu calabouço.

Com os pés descalços, ela sentiu a grama fria e o vento fresco e sorriu. Abrindo os braços como se quisesse voar, ficou se balançando de um lado para o outro. Imaginava como seria se fosse livre novamente.

Um pigarro fez com que ela voltasse ao normal e sorrir sem graça. Cora a observava com uma bandeja nas mãos, esperando que ela estivesse sentada, pronta para se alimentar. E foi o que fez assim que viu o olhar severo da mulher.

- Se precisa de mais nada, eu vou me recolher. – Cora disse para ela

- Na verdade... eu gostaria de saber uma coisa. – falou – Eu posso sair do quarto quando o... o senhor estiver em casa?

- Isso você precisa perguntar a ele, criança.

- Você sabe para qual lugar ele foi?

- Os de sempre, imagino. Só espero que desta vez ele não beba o suficiente para trazer outra estranha para casa. – respondendo isso, ela se retirou, com os grandes quadris balançando de um lado para o outro.

decidiu se concentrar mais em sua comida e se pegou cantarolando por mais de uma vez enquanto colocava um pedaço de carne na boca. Quando terminou, levou a bandeja para a cozinha e lavou a louça, na sede de ter algo para fazer.

Caminhando um pouco pela casa, viu que ali havia vários exemplares de livros que ela sempre sonhou em ler, ou até mesmo já havia lido. Os CDs e os DVDs pareciam igualmente interessante e perdeu a noção do tempo lendo cada sinopse, cada nome, cada capa. Pegou um exemplar de 'Razão e Sensibilidade', bem conservado e com uma linda capa de veludo. Jane Austen era sua autora favorita e nunca havia lido este livro em inglês.

Deitou-se no sofá e começou a ler. Sabia o começo, o meio e o fim. Mas, saber o que ia acontecer lhe parecia ser a melhor coisa, já que não fazia ideia do que aconteceria consigo. Se perdeu por entre as letras, as personagens, a trama. Estava ali, no país onde tudo se passara e não via nada de tão mágico. Tendo esperanças de que algo tão lindo e sincero acontecesse com ela também, adormeceu com o livro aberto em cima do peito.

Não ouviu a porta ser aberta e nem mesmo o vulto que se aproximava na escuridão da noite como um predador. Já passava das três da manhã e estava absorta demais em seu sono para acordar. Até que sentiu um corpo cair sobre o seu e logo os beijos sedentos lhe acordaram. Pescoço, rosto, orelha, lábios. Ela era venerada por lábios quentes e úmidos.

- . – ele sussurrou antes de continuar beijando-a

Abriu os olhos, confusa, e encontrou com os dele fechados e a respiração pesada, desejosa. O cheiro de álcool era forte demais, mas ele continuava sendo forte demais. Tentar se livrar do corpo dele foi inútil e apenas fez com que as mãos fortes a segurassem pela cintura, mantendo-a presa no sofá.

- Eu senti sua falta, amor. – continuou

- Não, ... Eu não... – ela tentou dizer, no entanto foi calada por um beijo.

A mão esquerda dele parou em seu rosto, num carinho doce e possessivo enquanto sua língua pedia passagem para aprofundar o beijo. não conseguiu evitar com que sua pele ficasse arrepiada, mesmo com sua cabeça gritando que aquilo era errado.

- , por favor. – ela choramingou mais uma vez - Eu não sou a .

Ele parecia não ouvir.

A urgência aumentou e logo a blusa de estava sendo aberta, botão por botão.

- Por favor.... ... por favor...

Desistindo de tudo, fechou os olhos e tentou não gritar. A sua hora tinha chegado e agora ela precisava ficar quieta.

- Eu te amo, meu amor. – ele sussurrou, indo para os dois últimos botões.

Então, a porta abriu novamente, num baque feroz e decidido. Ela sentiu-se livre do corpo de e abriu os olhos. Viu o garoto se debatendo, gritando loucamente enquanto tentava atingir a pessoa que lhe segurava.

- Acorda para a realidade, ! ACORDA! - a voz gritava para ele enquanto o encurralava na parede. – Não é a ! !

Aos poucos, ele pareceu cair na realidade e a cada segundo seus olhos transbordavam maior quantidade de dor. O homem continuou segurando-o e não conseguia ver seu rosto, mas podia jurar que a voz lhe era conhecida.

- Eu... eu... – gaguejou e não conseguiu achar as palavras, tão pouco conseguiu olhar nos olhos de .

- Vai tomar um banho que eu vou fazer um pouco de café. – o outro mandou firmemente

Mesmo bêbado, obedeceu. Parecia perturbado, estava em uma dimensão onde a fantasia e a realidade se chocavam. Não fazia ideia do que pensar e a voz autoritária do amigo só fez com que ele fosse para seu quarto.

, que estava encolhida do sofá, respirou fundo quando sumiu da sala. Então, olhou para o estranho. Ele suspirou cansado quando a encarou e deu um sorriso torto, um misto de desculpas e prazer em conhecê-la.

- Eu sou o . – ele disse por fim, sem se aproximar. – Você deve ser a . O falou sobre você, mas não tivemos tempo de vir ontem e... Olha, me desculpe. Nós devíamos saber que o surtaria.

- Tudo bem. – ela o interrompeu com a voz um pouco mais forte – Não precisa pedir desculpas.

- Não trouxe suas roupas, também. Foi tudo meio de repente. – continuou a falar.

- Como você soube que... que ele...

- Ele me ligou, bêbado e feliz, dizendo que ia para casa que a estava o esperando. – o amigo explicou, passando a mão pelo cabelo. – Não consegui chegar antes dele. Me desculpe, de verdade.

- Você, provavelmente, deve se desculpar com o . Atrapalhou ele. - disse se levantando. – Ele tinha o direito.

- E você não parecia querer.

- Eu disse que ele tinha o direito, não que tinha o meu consentimento. – ela retrucou.

- Nem direito ele tem, . – falou sério. – Vou fazer o café.

- Eu te ajudo. – a garota disse indo até ele. – Duvido que um astro saiba como fazer um café para o amigo bêbado.

- Eu ia tentar. – falou, deixando com que ela passasse na frente e riu.

pegou a cafeteira e encheu de água enquanto colocava o pó de café. Mais colheres que o necessário e sem açúcar iriam deixar sóbrio, ou quase isso. Ela se encostou na bancada de mármore preto. Tentou não parecer cansada, mas o sentimento parecia sair por cada poro de seu corpo.

- Dias difíceis? – ele perguntou, parando na bancada, do outro lado.

- Ano difícil.

-Sua história é um enigma, não é?

- Mais comum do que eu gostaria. – ela disse.

- Nem tão comum assim. Meninas que viveram o que você viveu, não são resgatadas por um astro rico. – falou.

- Eu não fui resgatada, fui comprada.

- Para de falar isso, . – o garoto brigou. – Você vai perceber que o não é assim.

A garota ficou quieta e pôde observá-la com mais cuidado. Ela era tão bonita quanto havia lhe falado, mas não parecida com . O fato de que sentia falta da namorada, era óbvio; o fato dele ter confundido com ela, não tão óbvio.

- Você é muito bonita. – ele disse, provavelmente sem pensar. Ou por ter pensado demais.

A cafeteira apitou e pegou rapidamente o café antes que ele percebesse que havia corado. Era melhor não responder - neste caso, pelo menos. Colocou numa caneca uma quantidade monstruosa de café e ficou parada, com dúvida.

- Deixe comigo. - falou, pegando a caneca das mãos dela. – Seria melhor se você fosse dormir, parece cansada. Vou ficar com o o tempo todo e você pode trancar a porta.

- Faça que ele tome tudo e dê uma aspirina também, ele vai ficar com dor de cabeça. – disse insegura.

-Pode deixar, vou dizer a ele que mesmo sendo um incrível babaca, você se preocupou com ele. – brincou e saiu para encontrar o bêbado favorito.

Quando entrou no quarto, encontrou sentado na cama, ainda com a toalha molhada nas mãos. Se percebeu que o amigo estava lá, não demonstrou. Talvez estivesse perdido demais em sua própria mente.

- ...

- Não, . Sem sermões, por favor. – ele interrompeu o amigo rudemente.

- Eu trouxe café. – falou para acalmá-lo.

- Preciso de um remédio ou de uma garrafa de whisky. O efeito do álcool está passando.

- Claro. Eu te dou uma garrafa do seu melhor whisky e sento pra assistir você agarrar aquela garota e...

- Já entendi, ! – quase gritou.

Respirou fundo e pegou o remédio na mesinha de cabeceira da cama. Tomou junto com o café e se deitou na cama.

– Eu preciso dormir.

- Ótimo, chegue pra lá. – disse, tirando a blusa.

parou para olhar a cena e riu.

- E você está...

- Indo dormir com você, gostosão. A está com o único quarto disponível da casa. – se explicou. – Mas, se quiser que eu vá tentar dividir a cama com ela, eu posso...

- Deita e cale a boca. – mandou, emburrado.

observou o amigo bater com a cabeça, que já doía, no travesseiro, numa tentativa de deixá-lo mais confortável. Sentiu saudades de quando era a criança do grupo. era apenas trabalhoso demais. Jogou-se na cama e sentiu o corpo comemorar pelo descanso. Ainda assim era difícil de dormir. Ficou pensando na burrada que o amigo havia feito e, sem querer, jogara todos na mesma roda. Se ele havia se encantado e ficado perdido com ela, imaginou como ficaria com sua queda por brasileiras. Provavelmente, como o lobo dos desenhos animados, uivando como um louco.

- . – o chamou com a voz sonolenta – Não quero que a chame de .


Capítulo 5

Na manhã seguinte, e conversavam na sala enquanto almoçavam, e parecia terrivelmente entediado. Essa era apenas uma máscara para observar a garota. Ela sorria envergonhada e constantemente colocava o cabelo para trás da orelha. Parecia não perceber como aquilo era sedutor. Mas pelo olhar de , ele percebeu que o amigo pensava o mesmo. Parecia difícil para não encostar a mão, como se fosse sem querer, no braço ou na mão de . Isso o incomodava muito mais do que pensara que fosse incomodar alguma vez.

A cena parecia congelada, girando num ciclo sem fim, até que os três foram tirados do mundo particular que viviam quando , e entraram; o último com uma grande sacola roxa de uma loja de grife qualquer.

- Chegamos! – um grito ecoou pela casa

Entraram na sala como um furacão e, instantaneamente, formaram uma fila indiana para conhecer a garota. Os três pararam, mas foi que resolveu falar primeiro. Tomando a mão de , ele beijou galantemente e sorriu.

- Você é a merda mais bonita que o já fez na vida. – ele disse, levando um soco no braço de .

- Obrigado, . – disse, emburrado no canto da sala.

- Desculpe, acho que eu deveria agradecer. – foi a vez de se pronunciar.

Houve um minuto de silêncio, onde todos se olharam.

- Foi um elogio, não foi? – ela perguntou confusa.

Explodiram em gargalhadas altas e escandalosas. Até pareceu sorrir um pouco. se apresentou, o último lhe deu as roupas que havia separado no dia anterior.

- Agora, você pode se trocar. - falou calmamente.

Presa a algum tipo de sentimento maluco, ela olhou para , sem perceber que perguntava com os olhos se tinha permissão para fazer aquilo. Apenas percebeu isso.

- Vai lá trocar de roupa, essa é a camisa mais feia do . – ele disse rindo.

- E olha que ele tem várias, você deve ter um dom pra isso. – brincou.

- Só coloque um casaco. – a voz de surpreendeu – Você ainda está tremendo de frio.

Enquanto se afastava, todos os rostos dos amigos viraram para ele. Perguntas e comentários rolaram ao mesmo tempo.

- Eu quero saber de tudo!

- Que preocupação foi essa?

- O que você vai fazer com essa garota?

- E o prêmio do ano vai para...

Sentaram-se. Um melhor jeito para a conversa acontecer. Eram mais que amigos; eram irmãos, mas fazia tempo que não sentavam os cinco para uma conversa. Mas havia algo no ar que deixava tudo pesado. A tensão partia de e , e todos sentiam.

- Você sabe que essa menina ainda pode correr risco, não é? – disse preocupado – Isso é uma máfia. Só Deus sabe o que pode acontecer com ela se algum daqueles caras a encontrarem de novo...

- Como cuidar dela? Faz tempo que o não cuida nem de si mesmo. – perguntou fazendo o garoto bufar.

- Eu a comprei! É meu dever cuidar dela.

- Então comece a não tratá-la como um objeto. Vai deixar tudo mais fácil. – falou exasperado – A garota vive num estado de medo. Pensa que você vai atirá-la na cama e....

- E se eu quiser? – perguntou mais alto – Paguei caro por ela! CARO! Acredite em mim, qualquer coisa terrível que eu queria fazer, parecerá um ato de bondade.

- , se você sonhar em encostar nessa menina só para tentar satisfazer esse desejo sadomasoquista que você tem pra acabar com a falta da ....

- Cala a boca, .

- Se você encostar nela...

- Ok, você vai acabar com ele e ele com você. Agora chega! Vocês só estão de cabeça quente. – interrompeu, escondendo o fato ocorrido anteriormente. Podia apostar que ninguém queria lembrar.

Foi nesse instante que começou a descer as escadas, vestida com shorts jeans e um suéter azul. A cena lhe parecia estranha, mas ela preferiu não falar nada. Aqueles meninos já eram estranhos demais.

- Ao menos perceba que ela merece melhor. E que, talvez, ela seja tudo o que você precisa para sair disso. – disse, saindo de encontro a .

O clima ruim foi se dissipando aos poucos e depois parecia que ninguém conseguia se lembrar da briga anterior. Sentaram para conversar, riram, e até ensinaram a algum dos códigos estranhos que inventaram quando eram mais novos.



O X-BOX foi ligado e a sala se encheu de testosterona enquanto eles brigavam para escolher o jogo e saber quem ia jogar contra quem. Decidiram por boxe primeiro e e formaram a primeira luta. pegou uma almofada quadrada e passeou rebolando pela sala como uma dessas garotas que contam o round.

- LINDAAAA! – gritou com a voz mais grossa que o normal.

se jogou em cima dele e a luta começou. Sentada ao lado de , ria ao ver como os dois lutadores se esforçavam.

- É uma velha rixa, sabe? – explicou – e não gostam de perder, por isso quase se matam na luta. Olha, o já está até suando.

- Como se isso fosse novidade. – alguém comentou, mas ganhou o primeiro round e todos se levantaram, gritando para reagir.

Em silêncio, pegou a mão da garota e a guiou para fora da sala de estar. Sem dúvida ou insegurança, ela o acompanhou e o sorriso tranquilo dele, assim como os olhos tão aconchegantes, a fizeram sorrir também. Entraram na segunda porta do corredor do térreo. Ela nunca tinha entrado ali, mas não se surpreendeu ao ver que o piano na sala não era a única coisa relacionada à música. Numa mistura de almofadas jogadas entre instrumentos e caixas de som, o quarto se mostrava como o lugar favorito de . Tinha o jeito dele, o cheiro dele.

- Ainda não tinha vindo aqui? – perguntou, pegando o violão - Melhor aqui do que na sala com os malucos gritantes?

Ela estava gostando daquela confusão, mas preferiu não dizer isso a ele. Notas de um acorde começaram a sair do violão enquanto tocava concentrado. Conhecia a melodia, mas não se recordava. Na verdade, não sabia dizer quando havia sido a última vez que ouvira alguma música de qualidade.

- É uma música brasileira, mas eu não sei cantar. – ele disse depois de um tempo.

Um brilho acendeu no olhar de na mesma hora. Claro que era uma música brasileira. Um clássico da MPB, uma relíquia e uma lembrança. Sua mãe gostava tanto de cantarolar enquanto cozinhava o jantar que ficou surpresa por ter esquecido. Lulu Santos, Apenas mais uma de amor. Sim, era essa.

- Minha mãe costumava cantar... Não sei como fui esquecer. – confessou envergonhada.

parou por um momento e a encarou.

- Às vezes bloqueamos as lembranças boas porque elas machucam mais do que as ruins. – ele justificou.

- Faz parte de alguma música?

- Não. Uma filosofia furada qualquer. – o garoto brincou.

- Não sabia que gostava tanto das músicas brasileiras. – disse.

Claro que não sabia quase nada deles, mas não valia a pena comentar isso.

- Vocês têm ótimas músicas. Na verdade, a grande pergunta é como não gostar do que é do Brasil. – disse, ignorando o violão por completo, concentrando-se apenas nos olhos dela.

passou horas olhando nos olhos tempestuosos de e de repente se encontrara perdida na calmaria que havia nos de . Tentou se bater mentalmente, mas não tinha forças. Era cedo, era errado e era reconfortante. Qualquer sinal de carinho lhe era mais do que esperado.

- Você sabe que está segura agora, não é? – mas não parecia uma pergunta.

- Sim. Aparentemente vocês gostaram da ideia de proteger uma estranha. – ela brincou.

- Complexo de príncipe encantado. Somos britânicos, atos nobres estão no sangue. – fez uma reverência engraçada – Ou talvez não.

Antes que o silêncio constrangedor se instalasse, a porta foi aberta por um agitado que pareceu não perceber ou achar a cena estranha.

- GUITAR HERO! – ele gritou com tamanho entusiasmo, que apenas conseguiu sorrir, pedindo desculpas para antes de sair correndo com o amigo de volta para o vídeo game.



O sol brilhava entre nuvens e o tempo cinzento parecia estar lá para ficar. olhava para seu jardim, distraído. Achava que estava sozinho, mas da janela da cozinha, olhos negros e atentos o observavam com grande curiosidade. Havia algo naquele mau humor, naquela brutalidade que a incomodava. Não parecia real, não parecia ele. Quase podia ouvir a voz da irmã exaltando suas qualidades, dizendo como ele era o príncipe encantado.

Parecia que o príncipe encantado estava quebrado.

- Esse jardim era da . – a voz suave de a despertou – Ele fica ali sempre que está sóbrio.

- Faz muito tempo? – perguntou.

- Dois meses. – respondeu desleixadamente – Mas, parece que já se passaram vários anos.

- Só sabe da dor de uma perda quem já perdeu. – ela disse, se abraçando um pouco.

- Foi isso o que te trouxe aqui? A dor da perda?

Ela sorriu amargamente.

- Foi o medo dessa dor. – ela disse – Não adiantou muito.

De repente os olhares, tanto quanto os de , ficaram distantes, perdidos em seus passados sombrios. A mão de pousou em seu ombro, mas ela não pulou. Mais um gesto carinhoso, ela podia se acostumar com isso.

- Você vai ficar bem, . – ele disse – Vocês dois vão.



Quando todos foram embora, a casa caiu no mais profundo silêncio. Desconsertados, e se olharam por um momento. Havia sido um longo dia. E as palavras de cada amigo ainda ecoavam na mente de , misturadas aos sorrisos e gestos feitos por durante todo o tempo. Ele estava parecendo um animal enjaulado e ferido, tratando-a mal. Sabia que não era assim, nunca fora desse jeito. Então com um esforço, que ele achou ser quase sobrenatural, sorriu para ela.

O choque no rosto de o fez querer rir, mas se segurou. Pigarreando algumas vezes, estendeu a mão.

- Acho que a gente pode recomeçar. – ele disse – Oi, eu sou o .

Ela sorriu e segurou a mão quente e um pouco áspera.

- , mas seu amigo me chama de .

- Não vou dizer do que o me chama. – brincou ainda meio sério.

A garota riu e abaixou a cabeça quando o silêncio retornou, mais constrangedor que antes. Cruzou os braços, o que percebeu ser uma mania. Talvez fizesse isso toda vez que se sentia desprotegida, insegura. Querendo que ela não ficasse daquele jeito, ele teve uma ideia. Idiota, em sua opinião, mas ainda assim uma ideia.

- Você quer assistir a um filme? – ele perguntou ansioso – Deve estar passando algo bom na TV. Só se você quiser, é claro... Esqueça, você está cansada e...

- Eu adoraria ver um filme agora. – o cortou, fazendo com que ele respirasse aliviado.

- Vou pegar a pipoca e você escolhe o filme. – dizendo isso, ele saiu correndo para a cozinha.

Poucos minutos depois, entrava na sala equilibrando uma vasilha de pipoca e duas latinhas de refrigerante. Não achava estranho o fato daquela ser a primeira noite, em muito tempo, que não bebia uma gota de álcool. Encontrou no sofá, encolhida e enrolada numa coberta de lã. Não estava tão frio para ele, mas qualquer vento parecia ser uma ameaça de congelamento para a garota.

- Pronto. – ele disse, sentando-se ao lado dela, colocando a vasilha entre os dois e dando uma lata para ela.

Observando por um momento a lata de Coca-cola na mão dele, abriu a sua própria e pegou um pouco de pipoca.

- Espero que goste de comédia romântica e clichê. – ela disse.

- Ah, eu adoro! – a ironia era quase palpável, mas não bruta.

Logo o filme começou e a garota já tinha os olhos presos na TV, mas não . Percebeu que a menina sentada ao seu lado o encantava. Não que estivesse apaixonado, longe disso. Mas , talvez, tivesse razão. Por capricho do destino, aquela menina perdida aparecera em sua vida. Não havia motivo para tratá-la mal. Não era culpada, nem tinha feito nada de errado. Pelo contrário, ele havia feito tudo aquilo para protegê-la. Tinha estragado o começo, mas mudaria a situação.

Devagar, seus olhos examinaram o rosto. Com olhos brilhantes, sonhadores, ela observava cada cena, com uma esperança muda em sonhos impossíveis. A boca parecia um desenho perfeito, os lábios cheios na medida exata que se desfaziam num sorriso doce. Descendo um pouco mais ele viu apenas a coberta azul que a enrolava, mas era bela. Sem dúvidas.

pareceu perceber os olhos concentrados no seu rosto, porque virou-se para ver o que estava acontecendo. Ele teve vontade de desviar os olhos, mas não o fez. Não era mais um adolescente assustado. Conectado àqueles lindos olhos, numa profundidade irreal, ele disse:

- Me desculpe.

Ela não achou palavras. Por um momento hesitou, mas sua mão esquerda pareceu criar vida e logo tocou a dele. Sorriu e foi correspondida. Retirou-a tão lentamente que parecia estar com preguiça de tirá-la, ou com pouca vontade de fazê-lo. Voltou atenção para o filme, mas seu “sim” silencioso ecoava na cabeça de .


Capítulo 6


Uma semana havia se passado desde que chegara à casa de e nem nos melhores sonhos ela poderia pensar que no fim do túnel haveria uma luz. Ele ainda era bem reservado, mas se esforçava para ser educado e até um pouco amigável. Tinha parado de beber e durante toda a semana esteve em reuniões com a banda para decidir o que fariam nesse retorno surpreendente.

Embora saísse cedo, não tomava mais café da manhã sozinho. Ele esperava , que geralmente tinha o rosto amassado e cheio de olheiras e bocejava com frequência enquanto comiam tudo em silêncio. Silêncio de palavras porque seus olhares pareciam sempre dizer alguma coisa. Não fora diferente naquela manhã. desceu e foi até a cozinha vestindo, finalmente, shorts jeans e uma bata branca. O dia estava quente e ela feliz por isso.

- Bom dia! – cumprimentou com um sorriso e ele retribuiu fracamente.

- Bom dia.

Ela sentou-se e as ações já haviam virado um ritual. serviu-lhe um pouco de café e colocou duas panquecas em cada prato. O sol já estava entrando pela janela com força, o que não era comum.

- Vocês apareceram no jornal ontem. – falou calmamente. – É verdade que estão pensando num CD novo?

- Pensei que não fosse nossa fã. – retrucou debochado.

- Não sou, mas sou curiosa demais para ignorar. – ela disse sorrindo de forma ironicamente doce.

- Só estamos conversando sobre o que fazer. Meu sumiço trouxe alguns problemas e questionamentos e eu não quero ser o elo fraco. – ele explicou.

- Você não é o elo fraco, . – a garota protestou.

balançou a cabeça, deixando o assunto morrer. Ele sabia disso, mas não se sentia assim no momento. Não estava acostumado a ser o debilitado, o que sofria. Até o acidente, sua vida tinha sido muito boa, não poderia se queixar. Ao que parece, essa foi a razão pela qual quando sofreu, se quebrou.

Tudo ficou quieto e voltou à realidade quando percebeu que havia se calado. Nos últimos dias ela parecia menos como um gato assustado e mais como uma maritaca. Sempre tinha um assunto, sempre tentava fazê-lo rir, mesmo que singelamente. No entanto, naquele momento, ela ficara quieta. passou toda a conversa mentalmente, enquanto a observava brincar distraída com as panquecas, para ver se tinha dito algo que a deixasse triste ou com medo. Ainda fazia isso constantemente, mesmo sem querer. Não percebeu nada. O problema não havia sido a conversa, então.

- O que houve, ? – ele perguntou.

Ela suspirou profundamente e continuou olhando para o prato, quieta. Sua mão segurava o garfo tão firme que seus dedos estavam ficando brancos com a força que fazia.

- , olhe para mim. – o tom de voz ficou mais sério – O que houve?

Levantou os olhos com as pestanas escuras que ele tanto admirava, sem uma maquiagem.

- Eu quero sair. - a frase quase não saiu, seu tom de voz era baixo, quase sufocado. Sim, ela ainda sentia medo dele.

- Você quer sair. – repetiu como se as palavras não fizessem sentido. – Não, é perigoso demais. Esqueça isso.

- Não! Não é perigoso. - ela agora parecia uma criança birrenta e irracional.

se levantou e, aproximando-se da garota, tentou manter a voz baixa.

- Os homens que te sequestraram no Brasil ainda estão lá fora, - ele disse - E não sei o que você pensa, mas quando eles vendem uma prostituta, não esperam encontrá-la feliz passeando pelas docas.

A palavra prostituta causou um impacto mais do que o fato de que ela ainda corria risco. Talvez por ter sido tratada como igual naquela semana, esquecendo de onde viera e os motivos que a faziam tremer sempre que se aproximava para pegar um copo ou o controle remoto.

- Não sou uma prostituta. - a voz de saiu esganiçada.

- Não, querida, você não é. Se fosse, estaria morta de fome, você não tem talento para a coisa. - a olhava de cima a baixo como nunca a olhara.

Ele estava analisando-a com detalhes como se quisesse comprovar de que falava a verdade. Para , seus olhos nunca pareceram tão profundos e tão surpreendentes. Havia uma pequena lavareda queimando neles, quase imperceptível, mas ela podia sentir o calor ainda mesmo que distante. Ela queria ficar quieta e esquecer aquele momento todo, no entanto resolveu que não ia mais se ofender, não mais.

- Talvez eu precise ir para a rua aprender. Te garanto que não morreria de fome. - disse, se colocando de pé também - Sou uma ótima aluna.

Queria apenas não sair como a garotinha ofendida e frágil quando disse essas palavras tão próxima a ele que podia sentir a respiração e o hálito dele com cheiro de café. Sim, ela queria apenas se reerguer da posição submissa que estava há tanto tempo. Não tinha pensado que tais palavras transformariam a pequena labareda em uma fogueira a queimar intensamente nos olhos de .

- Você só sabe provocar, menina. - ele disse com a voz repentinamente rouca.

- E você acha que pode mandar e controlar a minha vida.

- Você é uma criança teimosa, sabia?

- Quando é que você vai perceber que eu não sou uma criança, ? Temos quase a mesma idade, não preciso de proteção. - quase gritou, sentindo seu rosto quente e corado.

e, logo depois, ela estava sentindo a parede fria da cozinha bater em suas costas num baque surdo. O calor das chamas dançantes em seus olhos tocava a pele de , queimando-a. Seu coração parecia bombear mais sangue para seu corpo e sua mente entrara em stand-by. As mãos grossas de seguravam seus braços, enquanto seu corpo era preso pelo dele. Suas peles estavam tão juntas e seus corpos tão colados que era possível sentir a batida do coração dele, era possível senti-lo fingir estar no controle quando estava tão descontrolado quanto ela.

- Imagino que você não vá se importar quando um homem te jogar assim na parede com tanto ódio que você sentirá sua espinha desmontar. E quando as mãos dele te ferirem porque ele gosta, porque ele quer. - não se mexia, e sabia que estava surtindo efeito cada palavra, principalmente porque não agira com brutalidade para mostrá-la.

O empurrão não doera, fora... específico. Nem mesmo suas mãos a seguravam com brutalidade, mas possessão. Ela entendera isso, soube olhando em seus olhos. Ele falava de uma coisa, mas provava outra.

- Acredite em mim, . - sua voz suavizara, mas não o restante de seu corpo - Você não vai querer ter outras mãos, outros lábios, outro corpo sob o seu desse jeito. Muito menos passar a vida imaginando como seria... - e a mão direita dele foi para a cintura da menina - ser tocada - acariciou-a suavemente - por alguém que se importasse com você e você com ele.

A voz de foi morrendo enquanto seu olhar foi direcionado exclusivamente para a boca da menina, que estava trêmula em seus braços. Teve certeza de que por um milagre, nunca alguém havia dito aquilo a ela, a tocado daquele jeito.

- Você não deveria se importar com isso, sou só uma prostituta. - disse com o que restou de suas emoções - Pelo menos me venderam assim.

- Exatamente, . - falou - Eu não deveria me importar.

- Eu não entendo você. - ela sussurrou fechando os olhos.

- Estou perdido, . - ele confessou.

A mão dele saiu da cintura, indo diretamente para o rosto dela e num carinho calmo e quase afetuoso, ele desfez seu primeiro muro de proteção. Era um campo perigoso e estava perdido nele, completamente perdido. respirou fundo, deixando os lábios entreabertos. Ela não percebeu que algo tão comum pudesse ter um efeito tão intenso em alguém sempre contido como , inconscientemente se tornou irresistível.

Tão próxima, tão tocável. Era só ele se aproximar um pouco que a beijaria.... de novo. Não se esquecera completamente dos beijos roubados enquanto ele alucinava por causa do álcool e da dor, mas fingira que nada acontecera. Um pouco pela vergonha, um pouco pelo fato de que só conseguia se lembrar de ter uma mistura dela com . E um pouco porque uma parte sórdida do seu interior não se importava, apenas queria mais.
E seria tão fácil conseguir...

- Querida, cheguei! - a voz de os alertou e de repente. Cada um estava num canto da cozinha, esbaforidos e vermelhos.

e entraram rindo de alguma piada que só os dois entendiam e, distraídos, viram apenas duas pessoas que tomavam café da manhã. cumprimentou e deu um beijo estalado na bochecha de , que riu. fez um mesmo, num beijo um pouco mais demorado, menos brincalhão.

- Que cara de criança emburrada é essa, ? – perguntou enquanto se servia sem pedir permissão ou licença

- Ela quer sair. – respondeu debochado – Conhecer Londres, dar um passeio...

- Mas, isso é loucura! – o amigo disse espantado – Você está clandestinamente aqui e ainda tem..

- Sim! Eu já entendi isso, claramente. – ela interrompeu grosseiramente.

- Eu desisto. – bufou.

- Vem comigo. – disse oferecendo a mão para .

Um coro de “para onde”? Ecoou no corredo e sorriu como se tivesse um plano mirabolante.

- Nós vamos andar pela rua, ué. – ele explicou – Você vai poder esticar as pernas e olhar gente diferente, talvez até ver algum passarinho. É perigoso, concordo. Mas, a vida te espera lá fora, .

Ela olhou para , que deu de ombros, se levantando da mesa, deixando-a sozinha com aquela escolha. Estava muito perto do mundo dela, da vida dela. Uma influência desnecessária, achava.

- Tome cuidado. – foi que precisou falar para quebrar o silêncio.

- Milady. – falou teatralmente sorrindo e aceitou, finalmente, sua mão e caminhou com ele até a porta.

Ela afrouxou os dedos, mas não soltou sua mão. Talvez estivesse confundindo o tremor de sua carne com o fato de estar saindo pela primeira vez, mesmo não sendo isso, ela nunca diria a verdade. Colocar os pés na rua e ver o mundo por outro ponto de vista fez com que ela esquecesse todo o nervosismo.

- Sensação de liberdade, não é? – o garoto perguntou.

- Dá até vontade de correr. – ela respondeu ainda com o olhar atento, enquanto andava rapidamente.

- Por que não? – sugeriu fazendo com ela virasse o rosto espantada.

- Você não está falando sério.

- Aposto que te alcanço em cinco segundos. – ele desafiou cruzando os braços.

sorriu como uma criança levada que tinha recebido permissão de fazer qualquer besteira que quisesse. E sem responder nada, se pôs a correr rua abaixo, rindo alto. esperou e começou a persegui-la. Ainda que com uma corrente presa no calcanhar, o passarinho estava solto. havia esquecido como era bom voar.

(...)


Na casa, rabiscava palavras aleatórias num pedaço de folha enquanto dedilhava no violão uma das músicas da banda. sabia bem a música e todos os significados dela. O primeiro sucesso, a canção que havia levado o nome One Direction para a mídia.

- Estou aberto a conversas constrangedoras, sabe? – falou sem parar de tocar.

- Chame o , aposto que ele tem vários assuntos assim. – disse sem tirar os olhos do pedaço de papel.

- Você sabe que só está se punindo. – o outro começou.

Já estava adiando aquela conversa há tanto tempo que não fazia mais sentido. Esperou a dor dele passar, todo o seu luto, mas parecia ilógico deixá-lo se afundar mais ainda. Especialmente por tudo o que estava acontecendo.

- , não.

- Sim, . Alguém precisa te lembrar de tudo antes do acidente. – ele disse calmo e seguro.

- Eu não vou ouvir. – ameaçou sair da sala, mas começou a soltar as palavras como navalhas em sua direção...

Sem errar o alvo uma vez:

- Vocês tinham terminado, ! Quatro meses de brigas e vocês seguiram suas vidas. Quantas vezes você me falou que não a amava mais? Quantas vezes você se lamentou por não sentir o que suas músicas falavam? Duas semanas depois, a morreu, mas não foi sua culpa, . Ela teria ido com ou sem você!

- Ela ainda me amava, ! - falou encostando a cabeça na parede.

- Mas você não, não mais. Você fica fingindo, convencendo a si mesmo, enquanto bebe, que a amava tanto que sua vida foi junto com ela, quando você apenas perdeu uma grande amiga. – o amigo retrucou – Não foi seu desamor que a matou, .

As lágrimas desceram sem pudor. A verdade doía como um remédio que fazia arder a ferida antes de curá-la.

- Não foi sua culpa, amigo. – disse abraçando-o pela primeira vez desde tudo começar.

Não chegara a fazê-lo, nem mesmo no funeral, nem depois. havia se fechado no mais profundo dos seus sentimentos e ele ficara sem espaço.

- Você precisa recomeçar, . – ele disse por fim, após alguns minutos, soltando-o.

- E não é isso o que eu tenho feito essa semana? – perguntou.

- Então retribua esse presente para a pessoa que te deu essa chance. Leve a para sair. – aconselhou no momento em que a porta se abria, revelando uma garota com os cabelos bagunçados pelo vento, o rosto vermelho e suado pelo esforço e a respiração pesada.

limpou o rosto e fingiu que nada havia acontecido.

- Você perdeu, aceite. – ria enquanto , no mesmo estado, argumentava o contrário.

- ! – chamou a atenção dela – Vá se arrumar, vamos sair para almoçar. Acho que você precisa de um passeio turístico por Londres.

- Sério? – ela perguntou animada.

A corrida, os risos, tudo parecia ter feito com que ela tivesse recarregada de energia. Para , ela nunca brilhara tanto quanto naquele momento.

- Sério. – ele respondeu, tentando não achar graça.

Ela correu em sua direção e lhe deu um beijo rápido na bochecha esquerda e logo foi subindo os degraus de dois em dois, animada, feliz como nunca fora ali.

- Essa aí tem energia. – brincou.

- É... – concordou – Eu vou colocar uma roupa e....

- Nós vamos embora. – falou rapidamente – Temos outros compromissos e já demoramos demais. Divirtam-se e façam tudo o que eu faria.

encarou por um momento, mas este permanecera mudo, observando a cena. Resolveu, então, dizer apenas um “adeus” e subiu para seu quarto, deixando os amigos sozinhos.

- Eles vão sair sozinhos. – , enfim, disse algo.

- Sim.- já estava saindo da casa, o outro fora atrás dele ainda esperando respostas mais sérias.

- Mesmo ele a tratando como um louco que não sabe o que quer? – ele perguntou.

- Sim.

- Só eu que estou vendo isso como...

- . – interrompeu – Esqueça isso. É código preto.

Ele não abriu a boca em choque ou para retrucar, aquilo havia encerrado todos os seus argumentos. Código preto era mais do que urgente, era lei. A lei que dizia que a garota já era de um amigo e ele precisava deixá-la. Mesmo que não parecesse certo.


Capítulo 7

A foto de correndo pela rua com uma desconhecida já circulava na internet quando esperava a menina terminar de se arrumar. Não que seu amigo se importasse em ser fotografado, mas nunca pensou que ele fosse ignorar tão veemente a presença deles e do risco que eles traziam. Em todas as manchetes, a palavra “misteriosa” aparecia com grifos e o fato de que eles estavam na casa dele não era esquecido.

Preocupado não definia bem o que ele estava sentindo. Havia algo de errado naquilo e não eram as fofocas que surgiriam a partir daquele momento. Sua pele se arrepiava com o que sua mente tentava descobrir.

Pensou, inclusive, em desistir do passeio. Porém seus pensamentos não duraram muito. Aquele sorriso merecia mais oportunidades para aparecer, se exibir. E seu pensamento se confirmou quando ele a viu. Os cabelos soltos e a roupa quase romântica, uma saia florida, regata preta, sapatilhas e algo dourado enfeitando-a.

- Estou pronta. – disse sorrindo.

colocou numa rádio qualquer e, enquanto a música desconhecida preenchia o silêncio do carro, olhava pela janela toda a paisagem cinzenta de Londres. Andar pelas sombras, se escondendo, fugindo, indo para os buracos que ia sempre, não tornara possível ver todas as nuances daquele lugar. O verde das árvores que, naquele dia, brilhava juntamente com os raios solares.

Os acordes da música tão conhecida a fez olhar para , que corou. O primeiro sucesso da banda tocava agora com toda a sua animação, o que fez a garota rir.

- Não sabia que ainda tocavam essa música. - ele se justificou, corando ainda mais.

Por que ficara tão envergonhado assim? Sua voz mudara, sim, mas não era ruim antes.

- Eu gosto dessa, sempre me faz rir. - deu de ombros.

- Então você ouvia One Direction antes. - falou como se estivesse falando
"touche".
- Nunca disse que não ouvia. Eu só... só não tinha te reconhecido e...

- Se você tiver sorte, quem sabe eu não cante pra você? – ele disse, parando o carro.

- Só se for pra eu dormir, né? – ela debochou abrindo a porta, percebendo logo o que havia dito. – Não! Quero dizer... não assim. Eu só...

riu, jogando a cabeça para trás.

- Eu sei disso, menina. – ele falou tentando se controlar, vendo-a respirar aliviada, saindo do carro.

“Não que isso não seja uma possibilidade.” – o pensamento foi calado antes que virasse algo concreto.

Uma brisa soprou fraca e quase imperceptível e enquanto andava distraída, olhando o mar à sua frente, procurava ao redor algum sinal de paparazzi. Tudo estava tranquilo, estranhamente tranquilo. Talvez eles estivessem seguindo o , pensando que a garota misteriosa estivesse escondida em seu carro.

olhou para trás e, num convite mudo, pediu que ele se aproximasse. O barulho das correntes sendo rompidas quase foi ouvido por . Ele não estava pronto para voltar a ser o que era, tão pouco podia continuar naquela escuridão.

Então, ele caminhou até a garota sorridente.

- Isso aqui é lindo. – ela disse, tentando captar cada detalhe: as construções, as pessoas, o clima, a luz...

- Sim, é lindo. – ele concordou, também achava que na, simplicidade daquele lugar, havia as melhores características. O lindo ali se definia.

As pessoas andavam distraídas pelas ruelas, algumas aproveitavam o sol, outras apenas ocupadas demais com os problemas da vida corriam sem pensar, sem sentir. As barraquinhas de peixe, as lanchonetes e outras lojas que vendiam artigos para turistas estavam movimentadas.

- Vamos almoçar? Já ouvi seu estômago roncar umas três vezes, daqui a pouco ele vai falar e, pela dona, tenho certeza de que ouvirei palavras proibidas. – ele disse, apontando um pequeno restaurante com algumas mesas na calçada, ignorando a expressão chocada no rosto da garota.

Mal chegaram no restaurante e uma garçonete ruiva e alta se aproximou sorrindo com seus dentes brancos e alinhados. A pele branca e as sardas a transformavam no oposto perfeito de . Tão linda, tão britânica que a garota teve que engolir um pouco da inveja que sentiu. Ela era uma garçonete, mas parecia que as das haviam trocado de lugar numa brincadeira sem sentido.

- Deseja uma mesa lá dentro? Do canto de sempre, imagino. - ela falou como se já se conhecessem há anos.

- Não, Becky. Hoje eu quero ficar aqui fora. - respondeu sorrindo para que retribuiu fracamente.

A garçonete encarou por um momento e voltando a sorrir de forma afetada, mostrou uma mesa mais próxima ao mar. Decorada com um guarda-sol branco e forrada com uma toalha da mesma cor, a mesa parecia vindo de algum estoque de um filme veneziano. puxou a cadeira e a menina sentou-se um pouco menos tensa. Foi a vez de Becky se sentir incomodada.

- Então, quando souber o que vai pedir, e só me chamar. - ela disse entregando o cardápio.

- Acho que dois nº 12 com Coca-Cola. - pediu e olhou para sua acompanhante - É um prato que contém arroz com ervilhas e brócolis, salmão e uma salada de rúcula. Se você não gostar, posso pedir outra coisa.

- Parece ótimo para mim, obrigada.

Becky concordou e saiu anotando o pedido, olhando por cima dos ombros o casal estranho que estava sentado ali. Duas pessoas que se olhavam desconfortáveis e sem saber o que pensar, perdidos num mundo particular intransponível.

- Achei que você não fosse querer ficar dentro de um cômodo abafado. O objetivo é sair, não? Aqui fora é fresco e temos o mar com...

- E se te verem comigo? Você tem uma reputação a preservar, . - interrompeu o pensamento dele.

- Se me verem com você, vão apenas pensar que já passei do meu período de luto e agora arrumei uma namorada desconhecida que estava correndo animadamente com um dos meus melhores amigos na rua da minha casa. - ele falou - Em outras palavras, vão sentir pena de mim por ser o maior corno da história.

- Do que você está falando?

- Das fotos suas que já estão circulando pelas redes sociais como "a garota misteriosa que estava brincando com do One Direction" - explicou - Vocês saíram perfeitos nas fotos, se divertindo tanto... tão felizes.

Num ímpeto, levantou-se quase levantando a mesa junto.

- Isso não podia ter acontecido, ! Vão me tirar daqui. Vão descobrir que estou ilegalmente e vou... - ela parou por um momento e seus olhos congelaram num lugar muito distante dali. - Eles vão me achar.

foi até a garota, segurando-a pelos ombros, forçando-a a olhar para ele. O pânico que crescia dentro dela poderia fazer com que ele surtasse também se não tivesse um plano.

- Eu já liguei para meu advogado, . Ele está providenciando seu visto, tudo conforme a lei. Ninguém vai te tirar daqui. - seu tom de voz era suave, quase como se estivesse ensinando a uma criança que não havia um monstro dentro do armário - E eles não vão te achar. Acredite, se não denunciarmos nada, eles não vão tentar te recapturar. Não quando você estará sempre em frente às câmeras. Ninguém vai te tirar de perto de mim.

Todo o medo foi se afastando e a respiração dela foi se acalmando aos poucos. Becky voltava naquele momento, segurando as duas bandejas com os pratos, fazendo com que os dois voltassem aos seus lugares tentando fingir que nada aconteceu.

- Obrigado, Becky. - falou educado, como de costume, e a mulher se abaixou um pouco mais, mostrando o desnecessário decote.

- Sempre que quiser, . – ela disse dando um sorriso – Sempre que quiser.

- Acho que ele já entendeu, Becky. – balançou a mão, espantando a garota.

riu abaixando a cabeça, mas a garota o ignorou, pegando um pedaço de peixe e colocando na boca. Ele fez o mesmo. Almoçaram em meio a conversas aleatórias e risos sem sentido. Viram-se transformar em pessoas diferentes. já não tinha aquela aparência carregada e toda a culpa do mundo em suas costas, nem mesmo parecia odiar a garota que estava na sua frente. não tremia mais de medo ou olhava assustada para ele. E, num acordo perfeito, os dois esqueceram a briga de mais cedo. Era um recomeço.

Na hora de fechar a conta, outra garçonete foi atendê-los. não foi menos educado com a desconhecida, mas ela, sem dúvida, fora menos oferecida que a Becky. Uma caminhada pela orla e logo eles estavam envoltos numa conversa sobre seus passados.

- Você sente falta do Brasil, né? – ele perguntou, fazendo com que parasse de frente para o mar cinzento.

Pela primeira vez não conseguiu lembrar do tom esverdeado dos mares de seu país.

- Sim. Mas a saudade maior me acompanharia aqui ou no Brasil. – ela respondeu simplesmente.

- Como você entrou nessa furada, ? – continuou com o questionamento – Porque eu não consigo imaginar o que seria de você se tivesse sido vendida para outro e...

- Sua dor me salvou, . – ela falou sem olhá-lo – Uma vida pela outra, é o que dizem. Aposto que não faria essa troca se pudesse escolher.

- Eu não vou dizer que escolheria uma desconhecida e não a... a . – disse – Mas eu arrumaria um jeito de fazer com que tudo desse certo para as duas. Não admito apenas duas opções.

- Eu aceitei apenas uma opção. Dinheiro fácil para sair da miséria, para ajudar minha irmã a ter uma vida digna. – começou a explicar – Meus pais morreram num incêndio na fábrica que trabalhavam e minha irmã e eu fomos deixadas com uma tia nossa. Eu precisava dar um futuro a ela e surgiu essa oportunidade. É ridículo, eu sei. Tão inocente, tão boba.

- Não, não penso isso. – a interrompeu – Você fez o que achava bom e certo. Há quanto tempo você não vê sua irmã?

- Três meses, talvez mais, talvez menos. Fiz alguns ‘cursos’ durante um tempo, depois fiquei um mês trancada num quarto sujo de um hotel qualquer, até uma semana atrás, quando você me achou.

- E sua irmã...

- Deve achar que estou morta, agora. – ela disse – E provavelmente seja o melhor.

- Você não pensa em voltar para o Brasil? – a pergunta fez com que ela o olhasse.

- Eu posso voltar?

Ele não respondeu.

– Foi o que eu pensei.

- Não estou dizendo que você não pode voltar, mas eu não sei. Ninguém saberia o que fazer com você. – se defendeu, dando um passo à frente.

- Me venda de volta e você se livra do problema.

se aproximou dela calmamente.

- Desista, o cara mau morreu hoje de amanhã. Conheça o verdadeiro , e esse não gosta de se livrar dos problemas. – ele disse sorrindo, puxando-a pelo braço – Ainda mais quando o problema tem um sotaque brasileiro tão engraçado assim.

- Então o bonzinho é mais irritante do que o malvado? – ela implicou.

- Provavelmente. – ele respondeu sem se importar.

Caminharam por mais alguns minutos, deixando que as palavras fluíssem por elas mesmas até que uma pequena aglomeração de pessoas chamou a atenção deles. Dois jovens, aparentando ter a mesma idade deles, tocavam violão e cantavam animadamente enquanto esperavam os trocados caírem no chapéu de coco jogado no chão. Os aplausos marcaram o fim de uma música, que não chegaram ouvir, e o início de outra. O ritmo marcado e leve começou e fechou os olhos, movendo o corpo lentamente. Para espantar os fantasmas do passado, as inseguranças do futuro. Para se deixar, se jogar numa onda de sons.

Música

Where do I begin?
Should I tell you
How bad I need you now


Estendendo-lhe a mão, a olhou com o pedido. Ele queria aquela dança, queria entrar no movimento de palavras e sons. E se a alegria impressa em cada trecho daquela canção não fosse o suficiente para espantar todos os fantasmas, ele o faria.

You're underneath my skin
But I'm confused
My head is spinning all around


aceitou e, dançando conforme o ritmo, ela foi se aproximando de . Logo, sua cintura fora enlaçada por um braço dele, enquanto o outro segurava sua mão na altura do coração. Seguiam os acordes dos violões, tentavam ignorar as palavras das vozes que cantavam e o compasso marcado pelos corações.

Normally I try to run
And I might even want to hide
Cause I never knew what I wanted
‘Til I looked into your eyes


- Mais feliz agora? – perguntou num sussurro em seu ouvido.

- Mais do que eu poderia estar. – ela respondeu.

O corpo quente de saiu de perto do seu por um instante, até que ela percebeu estar sendo guiada para rodopiar, ainda segurando a mão do garoto. Riu quase no compasso da música e foi puxada novamente para perto dele. Seu rosto não estava escondido no pescoço cheiroso dele como antes, não.

Olhos nos olhos. Onde habitava o perigo.

- Você correria? – ele perguntou franzindo o cenho.

Ele não estava falando necessariamente da música.

- E para onde eu iria? – ela retrucou com uma nova pergunta.

não respondeu. Não era preciso. Apenas levou-a novamente até seu peito, juntando-se, escondendo seus olhos. Escondendo-se dos olhos dela.

What else can I say? (Can I say)
My heart is beating double time, yeah
And do you feel the same? (Do you feel the same)
Don't leave me in the dark, no
But baby don't put out this spark, no


- Ainda tenho medo do escuro. – ela disse, não parando de dançar.

- Eu sei. Do jardim dá pra a luz do quarto acesa. – falou – Eu ainda acho que a poderia estar viva se eu não tivesse terminado tudo.

- Não consigo sentir o cheiro de laranja sem chorar. – comentou, encostando o rosto no pescoço dele, como se tivesse vergonha.

- Não consigo me lembrar como era o gosto do beijo dela. – ele disse.

- Nunca namorei sério com ninguém. – a garota riu.

- Não consigo tirar o gosto do seu beijo da minha cabeça. – com a voz baixa e os lábios roçando levemente no ouvido da garota, lançou a bomba.

A música terminou e os aplausos fizeram com que se separassem. Ainda seguraram o olhar por alguns instantes, até que se puseram andar como se nada tivesse acontecido.


Capítulo 8


O piano tocava no andar debaixo há quase meia hora e já havia desistido de tentar ler seu exemplar de Persuasão. Não conseguiria, não daquele jeito, não com aquela música tão suave deixando-a confusa. Ela estava fugindo dele. Dois dias, poucas palavras. tentou manter contato, tentou desfazer com conversas despropositadas a lembrança embaraçosa que tinha feito. Por fim, voltaram às curtas frases e raros momentos.

Era mais seguro.

Na escrivaninha, perto de um porta-retratos vazio, estavam os dois documentos mais importantes desde sua certidão de nascimento. Seu passaporte e seu visto estava ali para que ela não os perdesse de vista. Se por algum acaso precisasse deles, estariam ali.

De repente a música cessou e, após alguns minutos de silêncio, várias vozes foram ouvidas no andar debaixo. Uma porta bateu fortemente e o barulho ecoou. levantou-se do sofá e foi até o corredor. A voz de parecia ser a mais clara ali, irritado demais com algo. Havia mais algumas vozes e ela podia jurar que a banda inteira estava lá. Rapidamente, desceu as escadas, indo até a sala de música, de onde a confusão vinha. O vestido longo de pano fino, de um verde forte como o da bandeira do seu país, arrastava no chão, mas ela não tropeçou.

- Você acha que vai escondê-la por mais quanto tempo nesta casa? E por mais quanto tempo ela não assistirá televisão ou entrará na internet? – falou – , você precisa pensar no melhor para a , nesse momento.

- E imagino que o melhor para ela seja você.- rebateu rindo amargamente.

- E se for? Não vejo problema nisso. Os boatos estão crescendo e nós sabemos muito bem que é melhor dar respostas do que incentivarmos perguntas.

- , talvez o tenha um pouco de razão. – interviu – Nós já íamos empregá-la como assistente particular da banda, de qualquer jeito. Dizer que ela já trabalhava para a gente e eles se apaixonaram parece ser o mais prudente.

- E ainda tem os homens que a trouxeram. – falou.

- Claro! Vamos deixar ela bem anônima ao assumir essa loucura. – o garoto ironizou.

- Estando com o , eles não vão procurá-la, é público demais. – a voz de fez com que todos se calassem – Eu sei que parece arriscado, mas é para mantê-la segura. E nós temos seguranças particulares, o que a deixaria protegida também.

bufou, levando a mão à cabeça, bagunçando seus cabelos, dando as costas aos amigos. Se não o apoiava, a batalha estava perdida. Pior ainda quando a medida arriscada deles podia ser claramente a solução para todos.

- Não há outra opção. – pediu desculpas.

- Eu só acho que eu deveria ajudar a decidir isso. – entrou na sala num rompante, agitada como uma tempestade. – Ou vocês não vão levar em consideração o que eu acho?

Todos olharam para ela espantados, exceto . De alguma forma, ele sabia que aquela garota intrometida estaria ouvindo tudo. se levantou, mas foi mais rápido e andou de encontro a ela. O rosto da garota estava vermelho e, mesmo assim, seus olhos sustentaram o olhar em . Ele queria tocá-la, ao menos, coisa que não era possível. Escolheu chegar o mais perto permitido e deixar numa esperança falha que seus olhos chegassem aonde ele, inteiro, não conseguiria.

- O teve essa ideia e...

- Eu ouvi. Tudo, na verdade, inclusive a parte de que minha foto está rolando pelo mundo inteiro agora com perguntas confusas. Não duvido nada de que uma tag escrita “Seria ela uma alienígena?” esteja agora no Twitter. – ela disparou as palavras.

- ... , você não precisa aceitar.

Ignorando , ela virou-se para , que continuava de pé.

- Isso nunca vai dar certo. Você ficou maluco. VOCÊS FICARAM MALUCOS.

- , assim você estará livre. – ele tentou argumentar.

- Olhar por cima dos meus ombros preocupada com quem está atrás de mim, não é liberdade.

- Ficar dentro dessa casa também não.

- E como num passe de mágica eu terei paz? – ela continuou teimando, fazendo querer rir.

- Não posso te dar 100% de certeza, mas é uma oportunidade. – respondeu.

A sinceridade do garoto fez com que ela parasse para pensar um pouco. esqueceu de respirar, toda sua vontade de rir sumiu. Então ela se aproximou de , estendendo a mão para ele.

- Nosso namoro de mentirinha terá regras. Eu vou trabalhar com vocês e nossas demonstrações de carinho serão limitadas. Você não vai poder sair com qualquer uma, levantando suspeitas de como eu sou corna. É sério, , quando você for se divertir, tente preservar a minha imagem, pode ficar óbvio que isso não é de verdade se você não se controlar. E no primeiro sinal de que a coisa está ficando perigosa, eu te dou um pé na bunda.

- Eu prometo que farei o possível. – ele disse, apertando-lhe a mão.

- Parabéns ao novo casal, mas nossa nova assistente precisa se arrumar. – avisou – Temos que estar no centro da cidade para um programa em uma hora, e você vem conosco.

balançou a cabeça concordando e saiu da sala, não sem antes dar um beijo estalado na bochecha de . não revirou os olhos, não tinha mais 15 anos, mas pela primeira vez em muito tempo quis socar a cara sorridente do amigo.

- Ela nem percebeu que estamos aqui. – reclamou com a voz chorosa. – Estou me sentindo abandonado, sozinho...

- Você está com inveja de que não é quem vai brincar de ser namoradinho da garota misteriosa. – implicou um pouco.

- Código preto, cara. Não posso nem sentir inveja. – o garoto retrucou, fazendo com que os outros se olhassem.

- Essa é a regra. ´- comentou – Pelo menos deveria ser.

saiu antes que pudesse se justificar. havia lançado o código, não ele. Não importava o quanto a queria, seria melhor. Menos problemático, menos furioso, menos ferido. Quem sabe de uma brincadeira como aquela, não seria formado um bom casal? Feliz e firme como ele e foram um dia, ainda que não eterno, como ele se imaginara com nas docas. Chutou o sofá no caminho e foi direto ao mini-bar que tinha na sala.

Não oferecia mais risco algum para a garota, podia então beber tudo o que não bebia há tempos. Seria mais fácil, mais real. Não voltaria ao estado que vivia, mas a sobriedade era a última coisa que queria naquele momento.

- Não é nada demais. – ele sussurrou para si mesmo – É apenas ego ferido. Não estou acostumado a perder a preferência.

Abriu uma garrafa de whisky e pegou um de seus copos. Queria-o puro, então não pegou gelo.

- Não sabia que você gostava de falar sozinho pelos cantos.- a voz de fez com que ele se virasse para ela – Nem mesmo que você tinha voltado a beber.

-Nunca parei, querida. – ele respondeu tomando um gole do líquido.

bufou e caminhou com passos firmes e objetivos até ele e, num movimento rápido, tirou o copo da mão dele. Encarando-o, ela jogou fora todo o conteúdo. riu debochado, como se toda aquela pose de menina corajosa dela fosse patética e, por um momento, foi assim que a garota se sentiu.

- Está cedo demais para você começar a beber.

- Você é nova demais para brincar de ser minha mãe. – retrucou ainda com o tom irônico.

- Não estou tentando ser sua mãe, garoto. Estou preocupada com você. – disse dando um passo para se afastar, mas ele a segurou.

- Você devia se preocupar com seu namoradinho. – ele falou sério, de repente – Não sou eu quem está correndo perigo.

- Você... eu.... ele não está... – ela parecia confusa, com medo. Aquela era a lógica, mas ainda assim esperava que ele não tivesse tanta certeza.

- Não, não está. – se arrependendo de ter tentado deixá-la preocupada – Todos os seguranças dele estarão com vocês, o tempo todo. Não tem com o quê se preocupar.

respirou fundo e sorriu aliviada, mas seu sorriso morreu ao perceber que ele ainda estava perto, tão perto.

- É só um namoro de mentirinha. – ela falou de repente.

- É mais do que isso, . É um filme romântico na frente das lentes atentas dos paparazzi. Toques, beijos, olhares. Não é tão de mentirinha assim. – explicou como se estivesse falando com uma criança que a vida não é fácil.

- Continua sendo de mentira se não estivermos nos apaixonando.

- Você não pode ter certeza de que algo não esteja mudando aí dentro. – falou, apontando para o coração dele, o mais clichê de todos os movimentos.

- Não estou, tenho certeza disso. – disse bruscamente.

- Ainda assim, não pode afirmar por ele, ou pode? – ele perguntou com um sorriso triste.

Ela abriu a boca para argumentar, mas não havia palavras que fizessem sentido. Não podia afirmar isso, por mais que quisesse. Entretanto, preferia continuar achando que estava fazendo tudo para protegê-la e ajudá-la. Apenas isso. Mais um anjo da guarda depois de uma vida de lutas. Foi tirada de seus pensamentos quando sentiu a mão quente de acariciar seu rosto e um arrepio correu pela sua espinha.

- Como alguém pode não se encantar por você, ? Sempre nessa luta interior, nessa inocência confusa e marcada. – então ele se afastou, os caras ainda estavam lá e podiam aparecer – Acho melhor você buscar sua bolsa, vamos sair em 5 minutos.

Ela abaixou a cabeça e saiu, segurando a vontade de olhar para ele novamente. Ele havia lhe virado as costas, então seria inútil. A passos largos, decidiu que o drama aquele dia acabaria ali; precisava aprender como trabalhar com eles e se ocuparia com isso. Um momento sem ser consumida pelas incertezas de seus sentimentos, de sua vida.


Capítulo 9



O vestido azul de era de um tom escuro que a deixava em destaque. Os cabelos presos num coque frouxo, a maquiagem ressaltando os olhos, os lábios com apenas um brilho, quase mínimo. Todos os homens da sala pareceram ficar perdidos com a bela mulher que descia as escadas. estava parado ao pé da escada, sorrindo abertamente, sem perceber que os olhos da garota estavam fixos nos olhos do homem mais afastado de todos, no único que a olhava com uma intensidade desconcertante.

estendeu a mão que aceitou um pouco indecisa. O choque da sua pele gelada contra a dele, quente, a fez acordar do transe que havia entrado.

- Você está linda. – ele sussurrou-lhe no ouvido.

- Ah, conta para a gente também. – pediu com a voz afetada, batendo as mãos como se estivessem pegando fogo.

Um tapa estalado na cabeça, sem remetente, o fez calar a boca.

- Se não der certo com o , eu quero tentar também. – brincou.

Ela riu envergonhada, abaixando a cabeça. Em meio a conversas e comentários aleatórios, passou o braço ao redor de sua cintura e foi guiada para a porta. Ela não olhou para trás. Se olhasse, não encontraria , ele já havia saído da sala.

Ela estava indo com outro, com um de seus melhores amigos. Seria tocada por ele, ouviria palavras doces, daria risadas com ele e sorriria PARA ele. Atormentado por esses pensamentos, ele decidiu sair. Antes que a segurasse pelo braço e a jogasse no quarto, trancando-a ali para sempre. Ou faria pior: tomaria ela em seus braços e arrancaria os beijos destinados a , com todo sentimento irracional de posse e seu direito infundado. Seria ele quem a seguraria seu rosto, a encostaria na parede e pediria passagem para aprofundar o beijo...

(...)

estava sendo o perfeito cavalheiro. Abriu a porta do carro, perguntou se a temperatura estava boa e se ela gostava de massas. tentava se lembrar de como se sentia antes com , como era tê-lo por perto, como ele a deixava tranquila e calma, no começo. Torcia as mãos num balé nervoso de dedos finos e impacientes.

- Está nervosa? - ele perguntou tirando os olhos da estrada por alguns minutos.

- Eu diria que sim, não costumo ir a encontros amorosos. - ela respondeu - Muito menos os de mentirinha, mas que precisam parecer de verdade.

- Não se preocupe, . Não vou te beijar agora. - falou sorrindo - Não agora.

Ela respirou pesadamente e abriu a boca para falar alguma coisa. parou no semáforo que estava vermelho. Os olhos da garota, dilatados e assustados, o encaravam. Ele, então, acariciou seu rosto levemente.

- Isso não vai dar certo, ...

- , nós já conversamos sobre isso. Não há grandes riscos e...

- Não é isso! , eu não sei se posso fingir estar apaixonada por alguém, não desse jeito. Não sei se posso te beijar e... e... - o sinal já havia ficado verde, mas eles não se importaram, a estrada estava vazia e os outros carros apenas desviavam.

- Você vai fechar os olhos quando eu me aproximar, vai entreabrir seus lábios e vai deixar acontecer, . -

- Eu sei como se beija, .

- Então sou um homem de sorte. – ele brincou arrancando com o carro.

No restaurante, muito bem iluminado e chique, eles entraram. foi recebido com uma atenção excessiva por um elegante maitre que lhe mostrou sua mesa. olhava para tudo com muita curiosidade, enquanto ele parecia apenas confortável com toda aquela dedicação. Fizeram os pedidos e logo a mão dele estava na dela.

- Está vendo o homem na terceira mesa à esquerda? – ele falou baixinho – É um paparazzi.

A mão curiosa subiu pelo braço fino dela e um arrepio passou pela sua pele, fazendo dar um meio sorriso satisfeito enquanto ela continuava séria.

- Relaxe, . – ele continuou – Assim vão achar que você está aqui forçada.

- Ele já está tirando as fotos? – ela perguntou sem olhá-lo novamente.

- Não, não. Ele vai esperar até o momento certo porque quando ele começar a tirar, vão colocá-lo para fora em um minuto.

A comida fora servida e a conversa pareceu mais descontraída. , periodicamente, inventava uma nova forma de carinho e já não se importava mais, apenas ria e falava.

A noite passou rapidamente e a sobremesa foi posta. Uma torta de chocolate com morangos e uma sobremesa composta de figos ao molho de vinho tinto e cravo com um creme ao lado. saboreou sua torta, fechando os olhos de satisfação, enquanto era observada por atentamente. Até que ele colocou sua cadeira ao lado da dela.

- Você precisa experimentar essa aqui. – ele disse pegando um pouco com a colher.

Ela abriu a boca, acanhada e comeu o doce. Mesmo não gostando, tentou dizer que era “diferente” e tinha um gosto bem “exótico”.

- Ainda prefiro a minha torta. – ela brincou e comeu um pedaço enorme para tirar o gosto ruim da boca.

- Você tem torta de chocolate meio amargo, aparentemente deliciosa, e nem me oferece um pedaço. – reclamou, fazendo bico.

- Me desculpe! Você quer? – ela perguntou já pegando um pedaço.

segurou sua mão.

- Não. – ele disse sério – Tem outro jeito de saber o gosto.

” Feche os olhos”

A respiração quente de batia levemente no rosto de e ela sentiu seu coração disparar. O perfume dele se misturava com o seu, a mão em seu rosto pulsava com o sangue do coração também acelerado, a expectativa consumindo-os. Até que os lábios dele encostaram nos seus e o mundo ficou silencioso.

Ficaram alguns segundos apenas ali, selados de forma simples, enquanto automaticamente, as mãos de ambos brincavam nos cabelos, nos pescoços. Foi a língua de , num carinho lento e úmido, que tocou toda a extensão dos lábios da garota. Completamente rendida, cedeu a passagem, deixando-se cair num torpor. Mesmo de olhos fechados, eles podiam sentir os flashes da câmera, a confusão ao redor, mas não se separaram. Não, não se deve interromper uma dança tão bem compassada, como a deles.

Ela nunca havia sido tocada daquele jeito, com tanta doçura. Nem mesmo quando a beijou no sofá, quando pensava ser a mulher que ele supostamente amava. Naquela noite na qual ela ainda tinha medo de todos, não sabia o que aconteceria, não sabia seu papel.

E como seria se fosse a beijá-la ali naquele restaurante? Ele seria tão delicado e atencioso? A desejaria de forma tênue e calma, ou se deixaria levar por um sentimento tempestuoso, como tudo parecia ser ao seu redor? E, na sua mente, o rosto sério, o sorriso de menino lhe assaltou. Sua pele sentia ainda as mãos firmes lhe segurando e se jogou no mar de sentimentos. Até perceber que não era ele ali.

Se afastou sem ar, encarando espantada. Sua face estava quente e os lábios inchados, todos no restaurante a olhava.

- Acho que conseguimos. – comentou tentando regularizar a respiração.

- Me leva embora, por favor? – ela pediu sem conseguir encará-lo.

Ele concordou em silêncio, pediu a conta e a abraçou pela cintura. Saíram do lugar ouvindo suspiros e comentários de como eles pareciam apaixonados.

A viagem de volta foi quieta enquanto repassava o beijo pela mente, tentando lembrar de cada detalhe, de cada parte. só tentava não pensar. Parecia mais seguro, menos doloroso. Chegaram na casa de com a certeza de que não estavam sendo seguidos. Sem esperar que o garoto abrisse a porta, saltou do carro, indo rapidamente até a porta. A luz da sala estava acesa, e para sua tristeza isso significava que estava acordado.

- ... –a chamou – O que houve hoje...

- Eu sei, vai ter que acontecer mais vezes. – ela disse parando na entrada.

- Foi tão ruim assim pra você? Porque pra mim pareceu algo...

- Bom. – ela interrompeu – Eu sei, foi bom, mas não pode passar disso, . Precisamos lembrar a razão desse fato.

Com passos largos, ele quebrou a distância, imprensando-a na porta.

- Não precisa ser exatamente desse jeito, ...

- Precisa. Não pode ser de outro jeito, .

- Você vai parar de me interromper? – ele perguntou sorrindo cansado.

- Não. Porque se eu não te interromper, fico encurralada, confusa, sem ar. Por favor, , apenas esqueça o que aconteceu hoje. Não misture as coisas. – pediu com a voz chorosa – Não me peça para ser quem eu não sou, não posso te tratar assim.

- Tudo bem. Boa noite, então. – ele disse dando um beijo no canto dos lábios.

- Boa noite.

Entrou sem falar qualquer outra frase má formada, sem se importar com o que ele ainda tinha a dizer, a fazer. Apenas entrou, buscando respirar novamente, buscando pensar. Mas, encontrou sentado no sofá, com um violão no colo. Ele parecia calmo e levantou os olhos, analisando-a minuciosamente.

- Então, como foi? – ele perguntou.

- As fotos do mais novo casal já devem estar na internet. – respondeu indo até as escadas.

- Teremos um espetáculo! – ironizou – Espero que tenha gostado.

- Estava bom até você roubar meus pensamentos. – ela disse, subindo as escadas, deixando-o atônito com o violão, uma frase e todas as possibilidades.


Capítulo 10


A correria nos bastidores era assustadora. Para cima e para baixo, havia gente carregando coisas, falando por pontos de microfones e rádios, perguntando, precisando... olhava ao redor perdida, sem saber o que fazer. Era, suspostamente, a assistente da banda, porém parecia muito mais uma estátua que enfeitava os corredores. Talvez as pessoas não pensassem em colocar a "namorada do " para trabalhar. Já havia se passado vários dias depois da foto do restaurante e a história se espalhara como uma doença contagiosa. E despistar todos os fotógrafos para chegar na casa de sem ser vista estava cada vez mais difícil.

Distraída demais, não percebeu que a porta atrás se abrira. Apenas sentiu alguém puxando-a para dentro de uma sala. Abriu a boca para gritar, mas uma mão abafou sua voz. Quando pensou em se debater, ouviu uma voz doce ao seu ouvido dizendo para se acalmar. Seu corpo entendeu a ordem, mas seu coração disparou. Não ficava próxima dele assim há tanto tempo - desde o parque - e já tinha se acostumado com a falta de seu toque.

Devagar, ele se afastou, permitindo com que ela se virasse para olhá-lo. Ele já estava pronto para o show. Os cabelos penteados de uma forma que ela achava estar bagunçados, uma blusa preta que apertava seus braços malhados e um brilho nos olhos que ela ainda não havia visto. estava voltando aos palcos depois de muito tempo e a felicidade desse fato saiam pelos seus poros.

- Você parecia meio perdida ali fora. - ele disse se justificando, meio tímido.

- E essa era a melhor maneira de me tirar dali, imagino. - ironizou.

- Desculpe, não sou o mais criativo.

- Eu preciso ir... tenho que trabalhar. Pelo menos tentar, antes que vocês me demitam – ela falou sem se mover.

- E eu preciso saber o que você quis dizer quando disse que eu tinha aparecido nos seus pensamentos. A gente não se fala, não se vê. Você vive na minha casa, mas parece que mora há milhas de distância. – começou a falar, sua voz controlada e os olhos nervosos.

- Não, ...

- Você precisa me contar, ! Porque a minha mente vaga por todas as possibilidades disso e é como se eu estivesse perdendo a razão. Você tem noção de quantas vezes eu já parei na porta do seu quarto no meio da noite para te perguntar isso? Quantas vezes eu quis te impedir de sair com o ? Quantas vezes eu....

- , para! – suplicou – Todas as vezes que você parou na porta do meu quarto, eu vi, porque eu também não conseguia dormir. Todas as vezes que eu saia com o , eu torcia pra que você impedisse. Mas você não pode comparar essas coisas entre nós porque é diferente, .

- Diferente? ...

- Pra mim, mesmo com todos os problemas e brigas, você foi como o príncipe encantado numa armadura reluzente que me salvou de um destino terrível. Mas pra você eu sou o troféu, não uma pessoa.

- Então você tem sentimentos e eu não. Sou um monstro cuspindo testosterona? – perguntou irritado.

ficou em silêncio. se aproximou dela, a respiração pesada com a raiva latente que corria por todo seu corpo.

- Você não pode definir o que eu sinto, menina. – ele disse entre os dentes – Eu posso! E te digo agora que eu vou sufocar e matar cada sensação inútil que me dominar quando você estiver por perto.

saiu batendo a porta com força, deixando-a sozinha na sala. As lágrimas enchiam seus olhos, mas ela não derramaria uma sequer. Esperou tempo o suficiente até ouvir que eles se preparavam para entrar no palco, e saiu. Sentia frio, mesmo com todo o calor que estava ali.

colocou o pé na escada, mas parou e voltou atrás como se tivesse esquecido algo. E esqueceu. foi surpreendida com um beijo rápido nos lábios, no qual ela sequer teve tempo de fechar os olhos.

- Para dar sorte. – ele disse com tom de justificativa e subiu no palco.

Com os gritos misturados com as músicas, viu a noite passar rapidamente. Os afazeres e as palavras de , que ecoavam em sua cabeça, lhe fizeram companhia.

Quando o show terminou, eles estavam suados, cansados e felizes. Dava para ver o brilho nos olhos de cada um, a emoção na pele. Em meio a cumprimentos e abraços, pediram a para esperar e foram direto para os camarins tomar banho. , porém, não a olhou.

E mais uma vez, ela estava só.

Por pouco tempo, já que logo depois cinco meninos agitados e perfumados pulavam pelos corredores.

- Nós vamos sair para comemorar. – sorriu. – Está dentro, gata?

- Você sempre pergunta isso para as mulheres, né? – implicou.

- Claro, por mim tudo bem. – falou, tentando não rir.

- Aproveitem por mim. – disse colocando as mãos nos bolsos, indo até a saída da casa de show a passos curtos.

- Como assim você não vai, cara? A gente sempre comemora o primeiro show de uma nova turnê. – ficou surpreso.

- Ainda não é uma turnê, . – ele retrucou, saindo sem olhar para qualquer dos seus amigos.

abraçou pela cintura e ela sentiu o frio aumentar.

- Ele só precisa de um tempo. – falou preocupado – Vamos indo, então? No caminho a gente resolve.

- , nós precisamos conversar. – sussurrou no ouvido dele.

- Vão na frente, falando com as fãs. – ele disse para os outros – Nós já vamos logo atrás.

Todos concordaram em silêncio, e foram até o lado de fora. Mais gritos e flashes. não conseguia imaginar como alguém poderia gostar daquilo. continuou segurando-a, assim seus rostos estavam próximos.

- O que houve? Você está tensa. – ele perguntou.

- , a gente não pode mais continuar. – ela disse devagar – Eu não posso mais continuar.

- Não sabia que beijava tão mal. – brincou.

- Claro que não! Você é... perfeito. Mas não dá pra mim, desculpa.

E dizendo isso, saiu na direção oposta da bagunça, sendo seguida por Rob.

- Deseja ir a algum lugar, senhorita? – ele perguntou, alcançando-a.

- Para casa, por favor. – ela respondeu – Só me leve para casa.

Quando chegou sozinha, já estava lá. Entrou com os sapatos nas mãos, provavelmente porque não podia segurar seu coração com elas. A cada passo ela podia sentir que o seu corpo inteiro reagia. Procurou-o na sala, mas não o achou. Talvez fosse um sinal de que deveria deixar tudo como estava. Subiu as escadas na ponta dos pés, para não fazer barulho. E quando seu pé saiu do último degrau, a porta do quarto de se abriu, revelando-o com apenas uma toalha azul marinho enrolada na cintura.

- Pensei que você fosse sair com os caras. - ele disse confuso, deixando implícito a frase "pensei que você fosse sair com o ".

- Eu também pensei, mas... eu mudei de ideia. - gaguejou nervosa.

"Talvez seja melhor desse jeito. Sem camisa, limpinho e...."

- Eu vou pedir comida japonesa, se quiser... - ofereceu, recendo apenas um aceno positivo - Ok.

Virou as costas para entrar no quarto novamente, mas a voz de o parou no meio do caminho:

- Eu terminei com o . - ela disse rapidamente - Essa brincadeira estava indo longe demais e eu não... não podia, não podia mais.

Como as palavras lhe deram uma sensação de alívio, apenas continuou falando:

- Eu não podia mais fingir que estava apaixonada por ele, não podia mais beijá-lo vendo o seu rosto e imaginando se você me trataria com tanto carinho... se me tocaria com tanta delicadeza. Eu não podia mais sonhar a noite com você desejando beijos que nunca te dei, toques que nunca trocamos. Como eu também não posso continuar aqui, , sufocando esses sentimentos e ignorando essa situação toda e...

As palavras morreram.

No instante seguinte, seus lábios estavam levemente pressionados pelos de , que pareciam apenas sugar o gosto salgado das lágrimas que rolavam dos olhos dela ao mesmo tempo que sentia o gosto doce de sua boca entreaberta. Uma mão foi na cintura dela numa carícia lenta e torturante enquanto a outra segurou-lhe a nuca firmemente. Ele sentiu o corpo de tremer, como se fosse um sinal de permissão, e aprofundou o beijo. Ele podia senti-la tensa, com dúvidas e lutando para controlar seus desejos e, mesmo assim, ela parecia tão rendida. Não chegava a ser uma inocência pura e cega, inexperiente. Era algo doce e envolvente que o faziam querer mais e mais. Nos curtos intervalos para respirar, sugava seu lábio inferior, puxava os dela numa mordida.

E por mais que ele quisesse continuar aquilo, sentir a pele quente, o contorno do corpo, beijar cada espaço que havia ali, ele não podia. Não de toalha na porta de seu quarto, não com uma parte da sua mente gritando que ela lhe pertencia. Se começasse, não saberia parar, não acharia desculpas o suficiente. Então ele afastou seu rosto, mas não seu corpo. Não estava pronto para isso. Abriu os olhos por poucos segundos até ver que mantinha os dela fechados e os lábios inchados pelos beijos trocados, e logo fechou-os novamente.

- Eu... - tentou falar num sussurro.

- Eu sei. - lhe deu um selinho - Eu sei.

- Você ainda está de toalha. - ela disse rindo baixinho, fazendo com que os dois abrissem os olhos.

- Deveria ser você assim, não acha? - ele brincou.

- E a comida japonesa? - mudou de assunto e concordou se afastando.

- Vou pedir a comida enquanto você... - engoliu a seco pelas imagens formadas em sua mente - toma um banho e te encontro na sala.

sorriu e, corando de vergonha, deu um selinho rápido nele e saiu em disparada para o quarto, trancando a porta. E , controlando a lembrança do momento vivido a pouco e as cenas que sua mente gritava para que acontecesse logo, foi para o quarto se arrumar e pedir seu jantar.

Vinte minutos depois, descia as escadas com os cabelos molhados, vestindo short preto e uma camiseta. O sorriso envergonhado no rosto dela fez sorrir também. A comida estava arrumada na mesinha de centro da sala e algumas velas também estavam acesas.

- Você é rápido, né? – ela perguntou.

- Posso ser lento e paciente também. – ele respondeu, rindo marotamente.

- Multifuncional.

passou a mão pelo rosto dela, como se estivesse vendo se ela era real.

- Vamos ao nosso primeiro encontro, então? – disse apontando para a almofada.

- Ah, então você usa roupas no primeiro encontro. – brincou.

- Sou um menino de família, só tiro a roupa depois do casamento, mocinha. – os dois riram – Milady....

Entre sushis, rolinhos primavera e beijos roubados, a noite passou rapidamente. Quando perceberam, o sol já começava a exibir seus primeiros raios ultrapassando a janela. olhava para a paisagem do lado de fora tentando se concentrar na beleza da cena enquanto beijava o pescoço dela e mordidas leves no lóbulo direito.

- Adoro quando sua pele fica assim. – ele sussurrou passando o dedo pelo braço arrepiado da garota.

- Ela parece gostar de ficar assim. – suspirou.

Os beijos foram traçando um caminho do pescoço até a boca, quando o celular de tocou. Ele bufou, se afastando lentamente dela enquanto pegava o aparelho na mesinha. O nome de aparecia na tela.

- Espero que você tenha uma boa desculpa para me ligar às 5 e meia da manhã. – ele falou.

Então ele ficou mudo. levantou-se da almofada.

- Estou indo para aí. – desligou o telefone.

- O que aconteceu, ? – ela perguntou.

- está no hospital. – ele respondeu – Ele foi esfaqueado.


Capítulo 11


As luzes do hospital ofuscavam a visão de e que corriam pelos corredores brancos do lugar. vestia ainda a roupa do jantar e estava envolvida com o casaco de . Cada passo parecia fazer com que o tempo acelerasse a parasse ao mesmo tempo.

Encontraram , e na frente do quarto que estava. andava de um lado para o outro com as mãos na cabeça, falando sozinho. estava sentado no chão com a cabeça baixa enquanto parecia congelado, olhando para a porta como se pudesse ouvir o que acontecia lá dentro.

- Como ele está? O que aconteceu? – disparou as perguntas.

- Ele saiu da cirurgia e está ali dentro com uma equipe médica. O idiota resolveu sair do bar para... para te ligar e logo depois tinha uma mulher gritando e ele estava no chão, ensanguentado. – respondeu cansado, sem sequer piscar.

- E não viram o suspeito? – perguntou.

- A mulher disse que o cara falou alguma coisa, esfaqueou ele e correu. Aquele policial gordo e inútil está esperando o acordar para depor. Como se ele tivesse apenas tirando a soneca da tarde.

- A culpa é minha? – choramingou.

-Não, . O Louis foi quem misturou as coisas com tequila. – disse – Não foi a melhor combinação.

abraçou a garota, protegendo-a, confortando-a, sentindo as lágrimas silenciosas e quentes molharem sua camisa.

- Vocês dois estão.... – parou de andar para observar a cena, mas foi calado pelo olhar de .

A porta do quarto foi aberta e algumas pessoas de branco saíram.

- Vocês podem entrar agora para vê-lo, mas sem grandes agitações. O que dispensa o senhor, policial. Pode voltar amanhã, por favor. – o médico disse firmemente, não se importando com a “autoridade” do outro homem.

- Ele corre algum risco? – perguntou.

- Por sorte a faca atingiu apenas alguns órgãos de raspão conseguimos estancar a hemorragia e fechamos o ferimento. Agora é vigiar o processo de recuperação. – ele respondeu.

se desvencilhou dos braços de e se afastou o máximo que conseguiu. Ele a olhou confuso, e, encolhida, ela apenas deu de ombros. Os outros começaram a entrar no quarto e ela não se moveu. não entendeu, mas tão pouco insistiu. Seguiu os amigos, deixando a garota sozinha no corredor com seus fantasmas.

(..)

tinha a aparência quase fantasmagórica por causa da perda de sangue, mas um sorriso fraco estampava seu rosto.

- Vejo que tiraram a faca, mas não a cachaça. - comentou se aproximando da cama.

- Tiraram, colocaram algo melhor. Morfina na veia, dude. - retrucou com a voz fraca e trêmula.

Sorrisos nervosos e aliviados foram dados e então o quarto ficou quieto. As perguntas voavam no ar, mas não eram feitas. A felicidade no rosto do doente foi se esvaindo cada vez mais até que não sobrou nada além de um rosto preocupado que olhava diretamente para .

- O que houve, ?

- É a . Eu tinha ido até o lado de fora ligar para ela e um homem se aproximou e... - vacilou por um instante - Disse que não se desfila por aí com uma prostituta comprada num leilão. Ele disse pra eu fazer o que deveria ter feito e descartá-la.

- E o que você disse? - perguntou.

- Que eu paguei por ela e que poderia fazer o que bem entendesse, inclusive tê-la como minha namorada. E então ele enfiou a faca em mim, literalmente, amigos.- a tentativa de brincadeira não dera certo, todos eles se encaravam tão alarmados quanto antes.

- Ela está na mídia, como sua namorada. É óbvio que eles achariam isso perigoso. Uma menina raptada que agora namora um dos príncipes encantados do Reino Unido....é expor a operação.

- Então, precisamos escondê-la novamente. - falou como se fosse simples.

-Ela é uma pessoa, . Quanto tempo você acha que ela vai aguentar ficar presa num lugar sem desejar morrer? Sem perder a sanidade? - perguntou.

- Ainda assim será melhor do que perder a vida nas mãos desses homens.- ele retrucou.

- Ou colocar as nossas vidas em risco. - falou - Nós sabemos muito bem como as coisas funcionam. Eles podem, ou acabar com as nossas carreiras ou acabar com as nossas vidas. Acho que não previmos quão perigoso seria tê-la ligada a nós.

- A culpa não é dela. - defendeu-a.

- Não, a culpa é sua que a comprou num leilão qualquer e que brincou de bom moço invés de concluir o trabalho de dispensá-la. - disse alto, as pupilas dilatadas pela adrenalina.

- , você não sabe o que está falando. - advertiu - Ninguém aqui acha isso, nem mesmo você.

- O quase morreu por causa dessa brincadeira, a graça acabou. , vá terminar o que você começou para que possamos continuar em paz. - o garoto continuou irritado.

fechou as mãos em punhos forçados e deu um passo a frente. ficou em seu caminho enquanto ameaçou levantar da cama. Foi quem falou mais alto, mandando os dois se acalmarem e ficar quieto no lugar em que ele estava. respirava com dificuldade num canto enquanto estava vermelho. Os dois não paravam de se encarar, como se a falta de contato fosse provocar uma reação em cadeia.

- Parem com isso. – falou com a voz fraca – A culpa não foi da . Eu tive a estúpida ideia de colocá-la na mídia, de fingir ser o namorado dela. Não pensei que os caras tivessem um senso de humor tão delicado.

- Tudo o que precisamos pensar agora é em um outro plano, um que não coloque nenhum de nós em perigo e não mantenha a numa gaiola. – disse se afastando aos poucos.

- E principalmente que não diga que eu tenho que estuprá-la e entregá-la aos cafetões. – disse, saindo de perto de todos.

concordou, envergonhado pelo seu pensamento, mesmo que justificado pelo desespero. As respirações foram aliviando aos poucos e o assunto ia morrendo junto com o ritmo acelerado. Ninguém mais esperava tocar no que foi dito naquele quarto nem mesmo quando a procura pela solução começasse. E, principalmente, ninguém esperava contar a .

O que eles não esperavam era que ela ouvia tudo, com os ouvidos próximos a porta entreaberta. Não tinha coragem de chegar perto de , não depois dos momentos que passara com ; não depois de ir até o lado de fora do bar desprotegido para falar com ela.

Ironicamente, ela era a culpada por tudo e provavelmente já era culpada por algo pior. A vida deles em risco. era uma ameaça, e sabia disso. Talvez soubesse desde o início.

Então ela correu o mais rápido que pôde, o mais rápido que suas pernas moles conseguiam correr e as lágrimas que embaçavam seus olhos permitam-na enxergar. Na porta do hospital, deixou o casaco de cair. Seu cheiro quase a fizera desistir, voltar atrás, ser egoísta ao ponto de continuar com os meninos, de continuar com ele.

E quando saiu do quarto, queria mais do que tudo envolver nos braços, novamente, a garota que havia mudado sua vida e protegê-la do mal. Mas, ela não estava em frente ao quarto, nem nos corredores ou na cafeteria. Ela simplesmente não estava mais ali. Não havia sinal de que ela esteve ali a não ser o casaco preto caído na entrada do hospital.

- Onde está a ? – perguntou a , preocupado com o amigo que corria pelo hospital.

- Foi embora. – ele respondeu atordoado – A foi embora.


Capítulo 12


Ela não sabia bem o que fazer quando começou a correr. Sua mente só gritava o quanto ela era perigosa para todos eles e que precisava sair dali, sair de perto deles. Não sabia se as ruas estavam vazias ou as pessoas não me percebiam, mas a cada passo que dava, se sentia mais sozinha.

Ouviu alguém falar uma piadinha, desviou de um carro de polícia estacionado numa esquina. E mesmo sem saber como chegar lá, seguiu as placas até ver o mar. E nas docas, se lembrou de tudo o que passou desde que saiu do Brasil, todos os momentos de desespero, cada vez que respirou aliviada. Lembrou-se dos olhos de , dos beijos e de como ele fazia com que seu corpo sempre o quisesse.

Encostada na murada, ela observava os casais que passeavam sorridentes, os beijos roubados e a vida segura. Provavelmente, alguns ali estariam reclamando internamente sobre a rotina diária, mas não sabiam o quanto isso era prezado pelos que não o tinham. A certeza de uma vida calma.

- Você viu que o foi esfaqueado e que a namorada dele desapareceu? - ouviu uma menina conversar com a amiga e tentou não olhar para ela, apenas ouvir.

- Estão dizendo que ela não é bem a namorada do . - a outra deu uma risadinha - A piranha chegou ao hospital com o e, bem... não é preciso ser nenhum gênio pra entender o que está acontecendo.

engoliu a seco e foi na direção oposta, passando por um trailer que vendia peixe frito e tinha a televisão ligada no último volume. Se escondeu atrás de um poste e ouviu a notícia:

"É isso mesmo, o integrante de 22 anos da banda One Direction foi esfaqueado essa madrugada, mas parece que está tudo bem com ele. O fato curioso é que a namorada do chegou ao Hospital acompanhada por e de repente desapareceu. Temos agora um grande mistério nas mãos, meus queridos.”

se afastou rapidamente, até perceber que não possuía muito mais forças. Não tinha fome, mesmo sabendo que estava a horas sem comer e a fraqueza também provinha disso. Mas seu estômago estava revirando demais e não tinha dinheiro pra comprar comida, de qualquer forma.

Sentou num canto entre dois trailers e ficou esperando a noite cair. Olhando para o horizonte sentiu cada função de seu corpo enfraquecer, ouviu seu coração gritar por socorro, sua mente procurar cada possibilidade de fuga e a fome e o frio consumirem o que restara dela.

Por isso não viu a noite chegar. Ela já estava no escuro.


O dia já estava chegando ao fim, mas o tempo parecia congelado para ele. Já havia corrido por toda a cidade, olhando atentamente para cada esquina, cada canto; tinha ido a hotéis baratos e deprimentes e até mesmo Rob havia ido ao bar em que comprara-a, mas não havia sinal dela em qualquer lugar. Era como se nunca tivesse existido.

havia mandado ele para casa para que não percebesse o que estava acontecendo. não olhara mais para e tinha ido fazer suas buscas sozinho, desesperado. Sem resultado. tinha ficado com a difícil tarefa de vigiar .

- Está ficando escuro e frio. - murmurava - Aquela garota idiota vai morrer congelada.

- Ela vai ficar bem. - falou calmo, mesmo, no fundo, não estando assim - Ela vai ficar bem.

- Eu quero que ela fique bem aqui comigo, nos meus braços, protegida! QUE INFERNO! Para que sair correndo pelo mundo como se isso fosse resolver nossos problemas? Isso é a merda da vida real, não um filme de romance. Eu não posso salvá-la todas as vezes, não posso salvá-la se não souber onde ela está. - ele disse pegando um casaco, correndo até a porta.

- Você não vai sair de novo, ela não quer ser encontrada. - tentou impedi-lo, mas não ouviu.

Havia um lugar, longe demais do hospital e improvável demais para ser pensado. Mas para eles tinha um significado. Se um dia ele quisesse lembrar dela, iria para aquele lugar, para ouvir a música tocada pelo violão de cantores anônimos e para lembrar de como foi perceber o que sentia. Por isso pegou o carro e dirigiu até o cais, esperando encontrar pelo menos um sinal. Dirigiu o mais rápido que conseguiu e quando chegou, viu o lugar vazio com o mar já negro por causa da noite, refletindo as poucas luzes que tinham ao redor.

- ! - ele chamou, andando por entre os restaurantes fechados. - !

A resposta fora apenas alguns pássaros espantados pelos gritos, voando para longe dele. A noite estava fria, como uma clássica noite em Londres. O vento do mar fazia a temperatura ali ficar ainda mais baixa, indo a provavelmente dez graus. Porém, não desistiu. Continuou gritando e chamando, andando pelo lugar olhando em cada parte, até que viu. Jogado no chão, um corpo parecia quase sem vida. Com o coração na boca, ele se aproximou e, então, sentiu seu próprio corpo gelado e sem força. estava ali, pálida e com a respiração fraca.

- ! – ela chamava com a voz fraca, tentando ver um ponto de luz no breu.

- ! – como um eco, ele respondeu desesperado.

- Estou aqui. – disse sacudindo as mãos.

- Por que você fez isso? Por que?- o choro ecoava agora pelo lugar vazio.

- Eu... eu...

Uma luz fraca começou a iluminar tudo, despretensiosa, sem compromisso. O vulto formado pelo corpo de agachado no chão já podia ser visto. sentiu seu coração bater um pouco mais rápido, como se o calor dele estivesse aquecendo-a naquele lugar. Mas ela estava tão distante...

- Nós podíamos ter ficado juntos. – ele dizia – Você aturaria meu mau humor e eu suas crises de insegurança... Por que?

Conforme a luz ganhava força, ela podia ver que segurava algo nos braços. Alguém. Os cabelos esparramados no chão, o corpo sem vida e cor, a não ser o brilho das lágrimas dele que escorriam pela pele fria.

- Eu.... – ela tentava dizer, porém sua voz sumia ao passo que percebia que o corpo era o dela.

- Por favor, . Respire. – ele pediu e ela tentou.

No entanto, seu peito parecia estar repleto de concreto e o ar não entrava. Sufocada, ela tentava pedir socorro, tentava respirar, tentava voltar a vida, abrir os olhos. Mas a escuridão voltou a abraçá-la com força e a voz de não passava de um murmúrio.

- , fale comigo. – a segurou nos braços fortemente, ajoelhando-se no chão, levando-a para perto de seu corpo. – Por favor, respire.

Ele a sacudiu levemente e, decidido, colocou os lábios sobre os dela.

- Você não vai me deixar agora. – ele disse – RESPIRE!


Capítulo 13


Um gemido leve foi ouvido e tentou se mexer... sem sucesso. Como ele poderia perdê-la assim, com algo tão fácil de se prevenir quando tantas coisas mais perigosas ameaçavam suas vidas?

- Calma, meu amor. – ele sussurrou ao ver o esforço que ela fazia – Vai ficar tudo bem.

Se era temperatura o problema inicial, ele resolveria isso. Carregando-a no colo enquanto fazia orações aleatórias para que Deus o ouvisse e a segurasse no mundo por mais algum tempo, foi até seu carro. Colocou a garota no banco de trás e foi rapidamente ligar o aquecedor no máximo que podia, fechou as portas e pegou o celular.

- Aqui é e isto é uma emergência. – ele disse antes que a mulher pudesse dizer mais alguma coisa – Encontrei minha namorada no cais, desacordada e fria. Acho que é hipotermia e desidratação.

Tentando controlar o desespero dele, a mulher pediu o endereço exato que foi dado com rapidez e o orientou.

- Senhor, por favor, tente aquecê-la enquanto a ambulância está a caminho. – ela disse.

- Já estou fazendo isso, o aquecedor do carro está ligado, mas ela continua fria. – a voz dele começava a falhar e ele tentava controlar as lágrimas que começavam a querer fugir de seus olhos.

- Use o seu corpo como aquecedor natural, junto com o ar quente isso fará com que ela recupere um pouco a temperatura normal. O socorro chegará logo.

Seus dedos tremiam, mas não de frio. Desabotoou sua própria camisa, tirou o cinto de suas calças jeans surradas e tirou-a também. O ar dentro do carro estava quente demais e podia sentir seu corpo suando, mas ela estava ali do mesmo jeito. Devagar, ele subiu a blusa que ela usava e seus shorts. Não achou necessidade de tirar também as roupas íntimas, e mesmo tendo-a tão perto daquele jeito, sua mente, sequer, pensou em outra possibilidade. Queria-a viva.

Pressionando entre o banco e seu próprio corpo, ele a envolveu e deixou que suas lágrimas se transformassem nas preces que ele já não tinha força para fazer. podia sentir o coração dela bater fracamente, sentia sua pele fria ficar morna encostando na dele como numa carícia, como que para lembrá-lo do quanto ela era importante. E quando a pele dela ficou quente e a batida de seu coração teimava a ficar um pouco mais forte, a sirene de uma ambulância fora ouvida ao longe.

Ele respirou aliviado.

No momento que precisou se afastar, porém, sentiu dificuldade. Um paramédico lhe disse que tudo ficaria bem, que ele precisava se vestir enquanto outros dois colocavam ela numa maca envolvida por um cobertor térmico.

- Hipotermia controlada, inanição e desidratação. - um deles disse - Pulsação fraca e a respiração dela está pesada demais.

Silêncio.

já estava vestido.

- O pulmão está fraco. Vamos logo.

- O senhor pode nos seguir com seu carro. - o paramédico mais novo falou e sem esperar mais pulou no veículo, seguindo a besta berrante que levava .

E assim ele fez. O caminho inteiro concentrado na garota.

Um alvoroço ainda se fazia presente na porta do Hospital, fãs e fotógrafos ainda queriam notícias de . A ambulância estacionou e logo os médicos se colocaram a trabalhar, ninguém parecia se importar com a vida que saia dali. Não até verem o carro de ser estacionado com velocidade, cantando pneu e alertando a todos.

A porta se fechou no momento que viram que a garota na maca era ninguém mais, ninguém menos que . foi abordado por todas as pessoas que falavam ao mesmo tempo com perguntas repetitivas e sem criatividade. Flashes e microfones, gritos histéricos e ele só queria passar pela porta e ir encontrá-la.

- O que aconteceu?

- Ela está bem?

- Vocês estão juntos?

- A traiu o com você?

- Vocês tem algum envolvimento no acontecido com seu amigo?

não respondeu e, com ajuda de alguns seguranças do próprio hospital, conseguiu passar por todos. Perguntou a cada enfermeira que viu pelo caminho, mas elas apenas lhe mandavam esperar.

apareceu na sala de emergência minutos depois, esbaforido e preocupado. Os boatos já rodavam o hospital inteiro e ele simplesmente não acreditou quando viu sentado com o olhar perdido na parede da sala de espera.

- Como ela está? – ele perguntou quando chegou perto do amigo.

- Não sei, aparentemente ninguém aqui sabe. – respondeu cansado e colocou as mãos no rosto.

Devagar, se aproximou do amigo e colocou um braço em seu ombro, num meio abraço. suspirou e, mesmo sem chorar mais, sua dor era óbvia.

- Ela estava nos meus braços, . Tão fraca, tão fria. – ele sussurrou para o amigo. – Eu... não posso perdê-la.

- E não vai. Ela é tão teimosa quanto você. – falou tentando acalmá-lo.

concordou e ficou em silêncio mais uma vez, esperando. E esperou muito para que alguém fosse com uma notícia. Até que uma mulher baixinha com os cabelos negros veio com o rosto sério para perto deles.

- Vocês estão com... ? – ela perguntou e os dois levantaram rapidamente.

-Sim, como ela está? Por favor, não me diga que ela... – começou a se desesperar, mas a médica ergueu a mão.

- Ela está bem. Vai precisar ficar no soro essa noite e está com uma sonda de oxigênio para ajudá-la a respirar melhor, mas ela vai ficar bem. No entanto, eu tenho que dizer que foi por pouco. Ao que parece, um amigo dela seguiu as instruções da atendente e conseguiu aquecê-la antes do pior acontecer.

concordou quieto.

- Mas como pode, Doutora? Alguém sentir tanto frio a ponto de sofrer uma hipotermia tão severa? Não é como se estivéssemos no Alasca. – perguntou confuso.

- O corpo não está acostumado, pelo que percebi ela é uma estrangeira. Isso acontece com muito mais frequência do que parece, e somado com a desidratação severa, piorou a situação. – ela respondeu.

- Quando posso vê-la, Doutora? – quis saber, ansioso, nervoso demais para se controlar.

- Ela está fraca e...

- Nosso amigo levou uma facada e nos deixaram visitá-lo. Se ele ficar mais um minuto nesse salão, ele vai surtar. – interveio.

- Quarto 657. Não a deixe agitada. Ela precisa descansar. – ela, por fim, concordou e no segundo seguinte, já estava se esgueirando para o elevador aberto.

Com o coração aos pulos, ele chegou à porta branca que tinha o número 657 pendurado numa placa de metal. Sabia que ela ia recusá-lo, mas tinha que tentar. Precisava tentar porque simplesmente precisava dela. Então, sem bater, ele entrou.

Deitada na cama de olhos fechados e ligada a alguns fios e monitores, ela estava pálida e com a aparência fraca, parecia estar dormindo um sono sem sonhos, apenas em paz.

Ele se aproximou silenciosamente e ficou ao lado dela, na cama. Com uma mão, acariciou o rosto, sentindo a pele quente, o sangue circulando livremente pelas suas veias. Doía vê-la daquele jeito, respirando com dificuldade, mas ao menos ela ainda respirava. Ele poderia passar a vida ali daquele jeito. Então abriu os olhos e ele viu que existia um jeito melhor de passar a vida.

- Hey... – disse sorrindo.

- Hey. – ela respondeu, dando um sorriso fraco em troca.

- Você nos deu um baita susto.

- Me desculpe. – a voz fraca dela fazia aquele pedido ser irrecusável. – Eu pensei que fosse o melhor.

aproximou o rosto do dela, o cenho franzido.

- Eu parecia melhor antes de você aparecer? – ele perguntou – Não é melhor, não desse jeito.

- ...

- Não vamos falar disso agora. – ele disse colocando um dedo nos lábios dela – Você só precisa saber de uma coisa agora: eu não vou deixar você.

Como se tivesse vontade própria, o dedo dele começou a contornar os lábios dela, como se ele também tivesse o direito de sentí-lo. Os olhos desceram pelo rosto dela, desejando-os também. Todo o seu corpo desejava e clamava por aquela boca. encostou os próprios lábios ali, roçando levemente, sentindo o aroma dela, o gosto dela.

- Eu te beijaria agora, mas provavelmente não conseguiria parar. – ele sussurrou com a boca ainda encostada na dela – Você precisa descansar.

- Eu sei. – disse – Fica comigo?

-Ficaria mesmo que você não quisesse. – riu.

Com certa dificuldade, ele conseguiu se acomodar na cama de solteiro do hospital, colocando sobre seu peito, acariciando os cabelos dela com cuidado. Então, notas de uma melodia vieram na sua mente e ele percebeu que aquela música dizia tudo o que ele queria dizer naquele momento. Num tom de voz baixo e rouco, ele começou a cantar como se fosse apenas uma canção de ninar.

If I don't say this now I will surely break

As I'm leaving the one I want to take

Forgive the urgency but hurry up and wait

My heart has started to separate


O coração de acelerou e, em resposta, a segurou mais forte. Ele fechou os olhos, deixando que as palavras saíssem tranquilamente e não se preocupou se estava desafinando ou não. A mulher em seus braços não se importava. Estava perdida demais naquele fato, tão perdida quanto ele.

Oh, oh, oh. Oh, oh, oh

Be my baby

Oh, oh, oh. Oh, oh, oh

Be my baby

I'll look after you


Era um pedido sincero. Era o que ele queria. Queria ela para ele, tê-la pra sempre. Queria protegê-la de tudo e de todos. Ser dela e ela ser dele. Sem compras ou leilões. Por escolha.

- … - ela choramingou, apertando-o mais contra si.


There now, steady love, so few come and don't go

Will you won't you, be the one I always know

When I'm losing my control, the city spins around

You're the only one who knows, you slow it down


Ah, como ele estava perdido. Todo esse tempo, vagando pela cidade a procura de algo que o fizesse parar, até que a encontrou. Demorou para admitir, mas não conseguia mais esconder a verdade. Ela havia o salvado naquele dia e nos dias seguintes. Ele queria, agora, salvá-la.

Continuou cantando, sussurrando as palavras no ouvido dela, passeando com suas mãos pelo corpo coberto apenas com aquela camisola de hospital. Sentindo-a verdadeira, sentindo-a perto. A melhor coisa que acontecera em sua vida.

If ever there was a doubt

My love she leans into me

This most assuredly counts

She says most assuredly


levantou o rosto, sentindo a necessidade de ver o dele. Apoiada nele, olhando em seus olhos brilhantes, ela sentia mais do que a mão grossa que brincava com seu pescoço. Ela o sentia. Mais próximo do que nunca.

It's always have and never hold

You've begun to feel like home

What's mine is yours to leave or take

What's mine is yours to make your own

Oh, oh, oh. Oh, oh, oh

Be my baby


Cada palavra era verdadeira demais para ser ignorada. Ele estava entregando a ela sua casa, suas coisas, seu coração. Com a mão que não tinha a seringa de soro, fez um carinho no rosto de . As lágrimas desciam de seu rosto como se não quisessem mais ser contidas. Ele estava dando a ela mais do que esperava.

- Eu quero ser sua, . – sussurrou quando ele terminou a canção – Só sua.

deu um selinho, segurando o desejo de tomá-la ali, de tirar seu fôlego do mesmo jeito que ela havia tirado o seu.

- Que bom. – ele disse no mesmo tom. – Porque eu já sou seu.


Capítulo 14


saia do hospital sorrindo abertamente, sendo protegido pelos seus seguranças. Os flashes e os repórteres perguntando sobre tudo, incluindo , eram ignorados com confortantes “Estou bem” e “Foi só um susto”. Mesmo sendo tarde da noite, eles estavam plantados na portaria, como urubus em busca de carniça.

No sofá, abraçados, e assistem tudo ao vivo pela TV. Aliviados por entender o que tinha acontecido e não desabafar na frente de todos os segredos mais sujos da banda. Uma semana havia se passado desde que fora ferido e eles ainda não tinham a solução para os problemas que só pareciam surgir com mais força. Então havia sido trancada em casa e ficava com ela o máximo de tempo que conseguia.

- Nem parece com alguém que levou uma facada. – comentou rindo quando fingiu tropeçar, quase matando a enfermeira, que o acompanhava, de susto.

- Vocês todos são loucos demais para serem comparados com alguém. – ela disse, tentando disfarçar que também havia se assustado com aquilo.

- Ele é mesmo um....

começou a falar, mas foi interrompido quando sentou-se no sofá rapidamente, com os olhos arregalados. Ela havia perdido a cor como se tivesse visto um fantasma na televisão. Colocando a mão no rosto dela, tentando fazer com que seus olhos desgrudassem da tela, dizia palavras de conforto, misturadas a perguntas preocupadas.

- . – ele chamou – , olhe pra mim! O que houve? Me diga o que aconteceu.

Piscou algumas vezes até conseguir fazer com que sua visão se tornasse mais clara. Viu o rosto de perto do seu, aquela velha ruga se formando em sua testa e então olhou para a tela novamente. Tinha sumido.

- Eu... um dos homens. – ela disse nervosa – Atrás do , ele estava...

- Calma, não dá para entender nada do que você está falando.

- Um dos homens! UM DOS HOMENS QUE ME SEQUESTROU! Ali! Atrás do ! – de repente as palavras saíram sem controle, de forma histérica.

pegou o controle e voltou um pouco o vídeo, segurando a mão da garota, sentindo-a tremer. E quando ela saltou novamente, com as lágrimas descendo de seu rosto livremente, ele soube que não havia sido um erro, fruto de sua imaginação. Aquilo era real.

- Qual deles? – perguntou, sentindo o ódio crescer dentro de si.

- Aquele ali. – a garota disse engasgada – O careca de blusa preta.

- Você tem certeza, ? – ele estava sério, muito sério.

- Depois de tudo o que ele fez comigo naquele cativeiro, você acha mesmo que eu poderia me confundir? Esquecer? – ela falou tentando se controlar, mas até sua pele gritava por socorro.

fechou a mão no controle, tentando controlar a si próprio. Não queria saber o que aquele homem havia feito a ela, mas sua imaginação flutuava por campos sombrios. E ele sentia que se não perguntasse, nunca conseguiria ficar em paz. Por isso virou-se para ela, com maxilar tenso, os olhos escurecidos pelo tormento de vê-la fragilizada.

- O que esse homem te fez?

soltou a mão de que a segurava e se levantou. Era ela quem estava atormentada, rodeada por fantasmas. De costas para , ela respirou fundo e começou a contar.

- Ele é conhecido como “O Médico” e é provavelmente a razão pela qual ninguém queria ficar doente no cativeiro. Quando eu cheguei, junto com as outras mulheres, foi ele quem nos recepcionou. Não posso esquecer do sorriso dele quando colocou os olhos em mim.

Ela parou por um minuto e ouviu ir até sua direção, mas se esquivou ao toque dele. Não queria senti-lo enquanto sentia as lembranças. Seria como cortar ao meio sua tábua de salvação... o que pareceu entender perfeitamente bem.

- Eu fui a primeira chamada para “a consulta”, é quando ele avalia e examina cada uma, separando por grupos. Quando entrei na sala e a porta se fechou, pensei que morreria naquele lugar. Ele pediu pra que eu tirasse a roupa e como eu estava assustada demais para me mexer, ele mesmo fez isso e me jogou na maca e ....

Ela caiu ajoelhada no chão, com as mãos tapando o rosto enquanto continuava narrando. Até que foi até ela, segurando-a pelos ombros, envolvendo-a numa concha com seu próprio corpo, quebrando qualquer barreira. Trazendo-a para a realidade.

- Shiii, passou. – ele sussurrava – Esses momentos acabaram, meu amor. Ele nunca mais vai te tocar, te machucar. Você está a salvo.

- Você não percebe, ? – disse virando-se para ele – Foi “O Médico” que esfaqueou o . Quem mais saberia poupar os órgãos vitais? Quem mais?

Foi preciso segurar o rosto dela com as duas mãos para que ela ficasse quieta.

- Ele poupou o e não conseguiu chegar perto. Nem vai. – disse.

- Ele não quer mais o . – a garota falou – Com todos os boatos sobre nós, ele está percebendo que não é o quem cometeu um erro grave.

- Esqueça isso. – ele mandou – A essa hora ele já percebeu que o melhor é ficar longe de nós, longe de você.

concordou enxugando as lágrimas. , por sua vez, se aproximou para beijá-la levemente nos lábios e a sentiu fugir um pouco. Abriu os olhos novamente e, sem se afastar, começou a falar:

- Não faça isso! Não se atreva a fugir de mim novamente.

- Eu...

- Não me importa o que aconteceu, isso não vai mudar o que sinto. , você não é um produto que eu comprei e descobri que veio com um defeito! – ele disse, fazendo com que entendesse o que ele estava pensando.

- Defeito? Não, ele não me estuprou naquela mesa. – disse – Ele me tocou de um jeito que eu peço todos os dias para Deus me ajudar a esquecer, ele me disse coisas que... Mas eu era a fonte de muito dinheiro e ele não pode. Ele não pode “me testar” como fazia com todas as outras.

- Não pense que isso vai deixar tudo melhor para ele quando a morte chegar. – falou, abraçando-a.

- Eu sei que não vai.

- Um dia eu vou conseguir tirar cada sensação dele em sua pele e suas preces serão atendidas. – prometeu, puxando-a para um beijo lento e delicado que Mégara correspondeu distante, se afastando pouco depois.

- Acho melhor eu ir dormir. – ela disse pedindo desculpas – Boa noite.

- Boa noite, meu amor. – desejou enquanto ela subia as escadas com o coração na mão por ouvi-lo chamando-a de amor pela segunda vez; por não se sentir pronta para chamá-lo de "amor" ou permiti-lo efetivamente em sua vida.

esperou até ter certeza de que a garota não desceria mais e pegou o telefone. Discou o número de e esperou chamar até quase cair, quando a voz do amigo o fez desistir. E, sem pausas, nem mesmo para ouvir as frases de exclamação de , ele narrou toda a história. O homem, o que ele havia feito com , e a suposição da garota que aquele fora o homem que esfaqueara .

- Acho melhor chamarmos a polícia, . – disse por fim.

- E colocar um alvo nas costas dela? , esses caras podem estar na polícia! – ele contrapôs.

- Ainda estamos com a cabeça quente, vamos contratar mais seguranças e tentar viver em paz, podemos ver se eles vão esquecer tudo o que aconteceu.

- Tudo bem. – bufou.

- Vá dormir, amigo. Tem sido dias malucos. – falou calmamente e desligou o telefone.

Não restou outro caminho se não ir dormir. Na cama, não conseguia deixar de pensar que com os boatos, aquela gente poderia estar do lado de fora da casa, esperando ver algum sinal da garota ali. não sairia mais, nem mesmo para o jardim. E, fechando os olhos, sonhou com o dia que ela estaria finalmente segura.

No quarto de hóspedes, se debatia na cama, tentando se libertar de um sonho que a prendia.

“Abra os olhos” – ela dizia a si mesma enquanto uma mão pálida se aproximava.

Ela se exprimia num canto qualquer, tentando se esconder na parede. Impedir que ele chegasse mais perto.

“Abra os olhos, vamos” – sussurrou mais uma vez, mas a mão ganhou um dono e o rosto do Médico se formava claro, com seus dentes amarelados e seu olhar lascivo.

Começou a chorar, alto e em bom som, desesperada. Podia sentir o bafo dele, podia sentir sua pele queimar. Gritou com toda força que podia, toda força que seus pulmões conseguiram somar.

, abra os olhos.” – já não era sua voz, era a voz calma e rouca de e, com um esforço enorme, gritou mais uma vez, abrindo os olhos para ver o rosto dele no quarto iluminado.

Sentiu seu corpo ser levantado por e aquecido por ele.

- Foi só um pesadelo. – ele sussurrava, acariciando seus cabelos.

- Eu sei... eu sei.

Ficou assim, sendo embalada como uma criança, até se acalmar. Ele murmurava a canção que havia cantado no hospital, agora sem letra. Ela já sabia. Ficou tempo o suficiente naquela posição até sentir o sono chegar. percebeu isso também, deixou-a acomodada na cama.

- Fique. – ela disse ficando levemente corada – Por favor.

sorriu e afastou o cobertor ao passo que se afastou para dar espaço. Deitou a cabeça no travesseiro e fez o mesmo, reta na cama, sentindo o corpo dele ao seu lado. Soltando o riso pelo nariz, ergueu o braço, tocando-a.

- Talvez você queira provar do maravilhoso e irresistível travesseiro, . – ele disse teatralmente, apontando para o próprio peito.

Se fosse possível, ela corou um pouco mais e se aconchegou no peitoral dele, respirando fundo o perfume amadeirado que saia de sua pele. segurou sua cintura, aquecendo a mão fria debaixo da blusa do baby doll que ela usava.

- Viu? O melhor da região.

- Te digo o meu parecer quando eu acordar. – ela disse, sonolenta demais para debater mais alguma coisa, caindo logo na terra sem sonhos, enquanto a vigiava.


Capítulo 15


estava sentada no sofá, abraçada com enquanto os outros quatro continuavam discutindo. Até mesmo Rob parecia interessado no assunto, menos eles. estava quieto e distraído olhando para o nada, passando a mão levemente no braço da garota. olhava ocasionalmente para ela, mas voltava logo para os amigos.

- Eles parecem estar se divertindo. – sussurrou para o garoto que a abraçava – Por que você não vai lá entrar na brincadeira?

suspirou pesadamente e a apertou mais contra o peito.

- Da última vez que abri minha boca, você parou no hospital e meu amigo ficou estranho comigo. Faço um melhor trabalho te segurando aqui.

- As revistas vão adorar isso, vou pegar três da banda. – ela riu, fazendo todos olhar para ela.

- Aposto que o será o próximo. – ele continuou.

- Provavelmente...

Rob dava um discurso longo e todos olhavam para ele, pareciam entender perfeitamente o ponto de vista do segurança. Não que isso fosse algo de bom, muito pelo contrário, era apenas mais um ponto de vista contrário e deprimente que mostrava quão grave a situação era. sentiu a garota ficar tensa.

- Então, você e o , hein... – ele disse cutucando-a de leve – Vocês estão... sabe...

- Acho que sim. – cortou sorrindo – Nunca usamos rótulo, mas estamos juntos. Seja lá o que isso for.

- Nunca vi o assim antes. De verdade, ele parece outro e não é só pela fase negra. É por tudo.

- Eu queria ter certeza disso. – um tom de dúvida, um suspiro cansado.

- Já tentou olhar nos olhos ele? Dizem que os olhos são a janela da alma. – disse.

afundou o rosto no peito de , parecendo confusa e envergonhada, de um jeito infantil, não dengoso.

- Estou com medo. – ela confessou.
- Não precisa, . Nós vamos conseguir achar um jeito, não se preocupe.

- Não é isso. – falou tirando o rosto da blusa carmim que ele usava – Estou com medo do que estou sentindo, . Eu o quero tanto por perto que chego a ser egoísta ao ponto de não me importar com a segurança dele, ou a de vocês...

- A gente meio que não se importa também. – brincou.

revirou os olhos.

- Ok, me desculpe. Pelo visto você precisa de uma amiga. – ele disse afastando-a.

Cruzou as pernas no sofá, fingiu jogar os cabelos para trás e colocou as mãos caídas. Soltou a respiração num agudo de si sustenido e olhou para a garota em sua frente. Pronto, ele era a mulher.

- Agora me conte tudo, querida. Como esse bofe maravilhoso te trata? As coisas estão esquentando, hein? – ele disse com a voz anasalada.

Para , a versão britânica do filho da Vera Verão com o David Brasil era melhor do que nada. Ela virou-se para ele completamente e, tentando não rir, confessou:

- Não sei como lidar com isso...

- Você não precisa saber, . Você precisa sentir, apenas. – falou com sua voz normal, embora a postura tivesse congelada daquele jeito.

- Como pode? Um sentimento tão grande e intenso ocorrer em tão pouco tempo? – perguntou com a voz sufocada.

segurou sua mão.

- Como não pode acontecer?

Antes de a garota responder, a reunião tinha terminado e os outros presentes na sala olhavam para eles, enquanto caminhava em sua direção. O rosto parecia tenso, mas ele sorria.
- Você transformou a Fera num príncipe novamente, Bela. – sussurrou antes de se levantar.

Ele passou por , sendo veemente ignorado.

- Uma hora você vai ter que voltar a falar com ele, sabe disso, certo? – ela perguntou enquanto, sentava ao seu lado.

- Você perdoa fácil demais.

- E você é grande demais para brincar de Grumpy.

- Desculpe atrapalhar, mas já está tarde e nós estamos indo. – falou.

- Não! Vamos pedir uma pizza, comida tailandesa, japonesa?

- Fica para amanhã, cara.

- Depois a gente se fala.

- Tchau, .

E assim que fechou a porta, Rob foi para seu posto nos fundos da casa, deixando o casal sozinho. olhou para e acariciou seu rosto.

- Você é linda. – ele disse, examinando pela enésima vez com cuidado cada parte dela.

- ...

- Shiii. Hoje nós só vamos falar do quão linda e perfeitamente feita para mim.

Então ele se aproximou e a beijou. Era incrível como esse simples ato havia se tornado comum, espontâneo. Como suas bocas se encaixavam, como a língua dele sabia desvendá-la com cuidado, desejo e um pouco de ousadia. Como ela conseguia fazê-lo tremer e acelerar cada beijo, cada toque, numa urgência cega de sentir seu corpo.

A respiração ofegante começou em ambos. No mesmo compasso, sem desgrudar os lábios, colocou seu corpo sobre o dela, e deitou-se no sofá. Não havia tempo para se olharem, estavam desesperados, seguindo as batidas aceleradas dos corações animados. As mãos de desceram para o corpo dela, contornando a forma, tocando a pele, descobrindo em movimentos pensados.

- ... – a garota gemeu quando os beijos dele foram para seu pescoço.

Arranhou as costas quando sentiu o caminho quente traçado pelos seus lábios pelo seu colo. O corpo dele ficava mais pesado, rígido e exigente. Então abriu os olhos quando os dedos ágeis dele abriram sua calça jeans.

- , para. – pediu, afastando-o.

Mas ele se aproximou mais uma vez, os olhos transbordando desejo e... medo. Ela não reconhecia o homem que a encarava. espalmou a mão em seu peito, impedindo uma nova sessão de beijos.

- , não. – ela falou tentando sair de perto dele, mas continuava presa embaixo dele.

- ...

- Saia de cima de mim, por favor. – ela pediu cada vez mais assustada.

- Vai me dizer que não estava bom? Que você não estava gostando? É a resolução dos nossos problemas e...

- O que? Resolução dos nossos problemas?

- Não, você entendeu errado...

- Eu entendi perfeitamente, . Agora sai de cima de mim!

A voz quase esgoelada e os olhos cheios de lágrimas fez com que pulasse para longe e saiu do sofá como se estivesse ferida.

- Meu amor....

- Não vai ser assim, . Não vai ser como uma resolução. Não foi desse jeito quando eu era a prostitutazinha que você comprou num bar. Não vai ser agora que você me chama de amor. Seu amor.

Sem a resposta de , ela subiu para o quarto segurando as inúteis lágrimas. Ele ouviu a porta de seu quarto bater fortemente e suspirou pesadamente. Tinha feito tudo errado. Tinha feito tudo o que seus amigos disseram para ele não fazer. Mas, misturando a vontade de tê-la, o bilhete em seu bolso queimava todo seu autocontrole. Ele estava sendo irracional.

Pegou o papel amassado mais uma vez, já tinha decorado desde cedo quando o recebera, mais cedo na porta de sua casa vigiada, mas mesmo assim leu tudo novamente.

“Se comprou uma prostituta, use-a. Se quiser brincar de casinha com ela, não a deixe sair. Se ficar exibindo-a como uma troféu, eles vão achá-la e você vai ver... Será bem pior.”


Capítulo 16


Ela já estava acordada quando abriu a porta de seu quarto na manhã seguinte, mas continuou de olhos fechados. Ele ficou parado por um breve momento e, com um suspiro pesado, fechou a porta novamente. Mesmo assim, não se mexeu até ouvir o barulho do carro dele saindo em alta velocidade pela rua. E quando o fez, sentiu-se tonta e sufocada. Era como se as paredes do seu quarto estivessem se fechando, espremendo-a aos poucos, deixando-a sem uma saída. Respirou fundo duas vezes e foi decidida até o banheiro. Precisava sair, precisava correr um pouco, ouvir vozes, sentir cheiros. Tomou um banho rápido, colocou uma roupa confortável e aquecida e, sem dar satisfações a empregada ou a Rob, ela saiu.

A rua cheia e agitada pelo horário, mas ninguém parecia se importar com ela ali. Se alguém sabia quem ela era, não disse nada. Continuou caminhando e sentindo o aperto no peito diminuir. Sua mente permanecia num fluxo de pensamentos e lembranças, questionamentos e certezas. Tinha certeza de que não parecia muito normal para as pessoas que lhe observavam. Os olhos ainda estavam vermelhos e pesados, provavelmente tinha olheiras pela noite mal dormida. Será que sua vida com Liam seria sempre assim? Sempre voltando àquele velho assunto? Não sentia mais falta de ar, nem estava tonta, mas se sentia perdida e insegura. Talvez à noite, ela pudesse conversar com ele, com mais calma, sem todo aquele clima. Tentaria tirar dele uma explicação plausível.

Distraída demais com seus pensamentos, não percebeu a sombra atrás dela. Provavelmente acostumada com a sensação de estar sempre seguida, até mesmo quando estava nos braços de na sala de estar, ou segura em sua cama, ela parecia não ligar. Seus passos eram lentos e olhava tudo ao redor, sorrindo com um bebê brincalhão que passava na sua frente ou com algum casal de idosos brigando sobre algo mais apimentado na relação.

Sem motivo algum, quando ela conseguiu sorrir, se sentiu livre. Por um breve momento, distraída pela sensação de liberdade, ela virou uma esquina e depois outra e outra, caindo num lugar desconhecido. As pessoas continuavam a passar em menor quantidade e as casas não eram as que ela costumava a ver.

- ... – alguém cantou atrás de si – ...

A voz tentava sair melodiosa, porém, para ela, parecia o sopro de um torturador medieval. O que ele não deixava de ser. Talvez fosse um torturador pós-moderno. Em sua cabeça, as possibilidades pintavam quadros, todos sangrentos no final. Se gritasse, sangue. Se corresse, sangue. Se ligasse para , sangue dele.

Sem saída, ela se virou para olhar o homem que a chamara. Lá estava ele, com seu sorriso amarelado e a barriga que parecia querer explodir. “O Médico” a encarava deliciado com o pavor estampado em seu rosto.

- Minha doce, . – ele se aproximou enquanto ela continuava travada no mesmo lugar.

- Por favor...

O Médico segurou o braço dela com força e descrição, guiando-a até um muro decorado com trepadeiras espinhosas e empurrou-a ali, com as costas forçadas contra as pontas afiadas. Um choramingo por causa da dor escapou e sentiu sua pele rasgando em diversos pontos.

- Você tem sido uma menina muito má. – o Médico censurou.

- Eu não...

- Você é sim. – ele falou, colocando seu corpo encostado no dela, escondendo-a de quem passasse.

sufocou o grito e refreou seu corpo que teimava em fugir, quando sentiu o cheiro de nicotina e álcool dele em seu rosto e uma parte nojenta, dura demais para seu gosto, encostando lascivamente em suas pernas.

- Por favor, me deixa ir. – ela suplicou.

Apertou mais ela contra os espinhos, tornando muito difícil de respirar. começou a sentir o sangue escorrer e ela procurou se concentrar em escapar dali.

- Sabe a Ilasha? Aquela indiana calada? Ela morreu há duas semanas. Encontraram o corpo numa vala, muito triste. – ele segurou o pescoço de , apertando um pouco forte. - Aquela sua amiga... Como se chamava mesmo? A que te tratava como uma irmã mais nova?

- Charlotte. – sussurrou chorando e ele sorriu mais, descendo a mão.

- Ela mesma. Está numa casa podre que só recebe os piores clientes. Da última vez que eu a vi, podia jurar que ela fedia. – o Médico continuou – E tantas outras, , se deram mal. Você acha que seja realmente justo ser a única a se dar bem? Não, eu não acredito nisso.

parou de lutar. Ele havia acertado um golpe forte demais. A garota estava nocauteada, completamente dominada.

- Você quer que eu volte? – ela perguntou, tentando parar de chorar.

- Não sabemos ainda o que faremos com você, mas andar livremente por aí não é o que queremos, querida. – o homem respondeu, parando a mão na barra da calça dela.

- Por favor...

- Você é muito educada, não é? Sempre por favor, sempre submissa. – ele brincou com o botão – Imagino, então, porque você continua do jeito que deixamos. O garoto não sabia o que estava comprando e queria alguém mais experiente?

ficou em silêncio.

- Você tem brincado de casinha e eu não tive a oportunidade de brincar com você ainda. – ele falou com a voz carregada de malícia.

- ! – um grito grave e forte fez com que o Médico saísse de perto dela.

Ele conhecia Rob, conhecia a voz dele e sabia que ele era perigoso demais.

- Até breve, .

E simplesmente sumiu, como um fantasma. Rob chegou a tempo de ver caindo desfalecida na calçada. Ela tremia com os olhos abertos, mas não estava lá. Não estava olhando para Rob, não estava com a razão. O segurança continuou calmo e, sem chamar atenção das pessoas que passavam ali, pegou a garota nos braços, sentindo o sangue sujando seu paletó.

- Você vai ficar bem, . – ele sussurrou e sua voz era cálida, tão próxima da bondade que ela fora afastada bruscamente por aquele homem.

Então chorou, sufocando os gritos de dor e desespero na blusa branca que o segurança usava. Como uma pedra, Rob continuava andando, quase sem movê-la, falando em tom baixo palavras de conforto, embalando-a como uma criança.

- ... – balbuciou enquanto entravam pela sala.

- Ele está vindo. – Rob respondeu subindo as escadas – Precisei ligar para ele, menina.

Ela não respondeu nada. Rob colocou-a na cama virada de lado, tentando não prejudicar mais os pequenos furos que pareciam um pouco profundos. Rob virou-se para pegar o kit de primeiros socorros, mas segurou a mão dele com força.

- Por favor, não me deixe sozinha. – ela pediu.

- Também acho que quando você fica sozinha, coisas ruins acontecem. Nesse quarto você pode causar a Terceira Guerra Mundial. – Rob falou quase sorrindo.

Ele ficou ao lado dela, olhando por vezes preocupado para a garota que mantinha os olhos fechados, mesmo sem estar dormindo. Ouviu o carro de estacionar na garagem, mas continuou ao lado dela até que seu patrão entrasse no quarto. Esbaforido e vermelho, o rosto alarmado.

- Ela não está dormindo. – Rob disse se levantando – Ela precisa de um banho e limpar os machucados.

abriu os olhos devagar e quando viu , esperou a grande bronca, como uma criança comportada. No entanto, ele ficou quieto. Apenas estendeu-lhe a mão que ela aceitou depois de um tempo indecisa. O toque de sua pele quente contra a dele, fria como um gelo por causa do tempo lá fora, a deixou apreensiva. Pensou algumas vezes em falar algo, até abriu a boca em tentativas fracas. Palavras não eram necessárias e ela se sentiu envergonhada por saber que havia sido descuidada demais. Consciente de que cada furo dolorido em suas costas era culpa exclusivamente sua. Garota tola e idiota.

caminhou com ela até o banheiro e, soltando sua mão, abriu o chuveiro. A água quente já descia com seu vapor e em questão de segundos o banheiro estava embaçado. Ele continuou parado, esperando o que demorou pra perceber que era a retirada de suas roupas. Torcendo para que o banheiro estivesse embaçado demais para que ele visse algo, ela começou a tirar sua blusa. Tentou, em vão, não gemer de dor quando o tecido grudado com sangue nas feridas começou a ser retirado.

- Para. – mandou – Vai sair melhor debaixo do chuveiro.

Ela concordou em silêncio, mantendo os olhos baixos. Mais uma vez, ele a guiou e, sem parecer se importar com suas próprias roupas, ficou embaixo da ducha de água quente. respirou fundo e ficou de frente para ele, só então percebendo o quanto ele era mais alto que ela. Quando a água bateu em sua ferida, não sentiu dor até olhá-la preocupado. Caia gotas transparentes para rolar pelo chão gotas tingidas de vermelho.

- Eu vou começar a tirar. – ele falou e enlaçou o tronco dele num abraço forte enquanto sentia cada parte desgrudar de sua camisa.

Ela chorava baixinho, sem imaginar que silenciosamente também derramava lágrimas no topo de sua cabeça. Nem imaginou que esse fosse o motivo de suas próprias lágrimas estarem mais salgadas.


Capítulo 17


- Eu tenho certeza, . – dizia ao telefone enquanto o encarava, sentada no sofá – Nós vamos até a delegacia denunciá-los, isso foi longe demais.

Silêncio.

- Você precisa ver como ele a deixou, . Só Deus sabe o que ele faria se o Rob não tivesse aparecido.

Mais silêncio.

- Ok, nos encontramos lá daqui a meia hora.

Então ele desligou o celular e olhou para . Sabia que ela estava cansada, sabia que todo seu corpo estava dolorido, mas era preciso. Eles não tinham conversado muito, na verdade, poucas palavras foram ditas desde que ele chegara e todas haviam sido pronunciadas por ele. Tudo estava estragado, quebrado. Nenhum dos dois parecia realmente capaz de salvar toda aquela história.

- Precisamos ir. – ele disse por fim.

Ela manteve seu silêncio e caminhou até a porta com logo atrás. Foram até o carro, entraram e começaram a sair com ele pela rua. Rob olhava para o carro com o cenho franzido, algo não parecia certo. E ele veria o que estava de errado se os dois homens não tivessem esperado se distanciar o suficiente da casa para saírem do banco de trás do carro e apontarem uma arma na cabeça de cada um.

- Vire à direita e pare o carro. – um dos homens disse – E não tente fazer nenhuma gracinha, não temos nada a perder aqui.

Assim fez, sem olhar para , fixando a estrada enquanto sentia o cano frio da arma em sua nuca. Virou na esquina, como lhe fora mandado, e parou o carro. Foi posto para fora com brutalidade e viu a garota sendo retirada com força, como uma boneca. Os olhos dela buscavam os seus, esperando um apoio, revolta, um plano. Mas tudo o que ela conseguia ver era uma expressão fria e vazia, como se ele não estivesse ali.

foi jogada no banco de trás, perplexa porque levantou as mãos em sinal de rendição e entrou no carro, na direção oposta a de , por vontade própria.

- ... – ela tentou falar, mas foi calada.

Surpreendentemente não foi um dos bandidos.

- Cala a boca, garota. – falou com raiva na voz, sem encará-la. – É culpa sua estarmos aqui, culpa sua.

- Olha só, o playboy já se arrependeu de ter aceitado as frescuras da garota. – um dos caras falou.

desviou os olhos. Sentiu as lágrimas descerem novamente, agora doendo mais do que doera em toda sua vida. O desprezo dele era quase sufocante.

Passaram por casas e rodovias durante horas até que não reconhecia mais o caminho. Uma parte tão pobre e deserta que sequer parecia com a Inglaterra que ele conhecia.

- Não vão nos vendar. – sussurrou tão baixo que ela quase não ouviu.

A garota nem se deu ao trabalho de perguntar a ele o que isso significava, sabia bem disso porque sentiu um frio percorrer sua espinha. A conclusão daquele fato era perturbadora. O fim estava próximo e estava junto com ela, logo seria o fim dele também. Desesperada com esse pensamento, virou-se para os homens:

- Soltem ele! – ela falou com a voz trêmula – Vocês viram que não estamos juntos, ele sequer suporta olhar para mim sem sentir nojo. Por favor, soltem ele e me levem.

O homem que estava no banco do carona olhou para ela com um sorriso maldoso nos lábios. , que a observava pelo canto do olho e com a cabeça baixa, sentiu vontade de intervir, mas não poderia. Interromper o plano idiota dela colocaria o seu em risco. E o dele era bem melhor - pelo menos era o que o próprio achava.

- Não podemos soltar ele, boneca. – o motorista disse – Esse teatrinho ridículo de vocês fingindo que não se importam um com o outro já me deu nos nervos. Nós sabemos de tudo, vimos tudo. Um conselho? Aproveitem os minutos que faltam.

O plano de não era tão bom assim.

Os dois se encararam apenas por segundos suficientes para fazer com que os braços de puxasse para perto, encostando-a em seu corpo, sentindo seu cheiro, tentando gravar o ritmo do seu coração.

- Eu tentei...

- Vai dar tudo certo, meu amor. – ele sussurrou com o rosto escondido nos cabelos dela.

Ela não acreditava nisso, tão pouco ele, mas valia a pena dizer.

- , não importa o que eles digam ou façam, não se renda.

- Eles vão te machucar. – ela falou, apertando-o mais.

- , você não vai se render. – o tom de voz de era sério.

Não, ela não prometeu. Não teve tempo porque logo estavam parados num enorme galpão no meio do nada. Um portão de ferro foi aberto e o carro entrou. Tudo ficou escuro. sentou ereta no banco, apenas segurando a mão de com toda a força que podia reunir naquele momento.

- Não se renda. – ele disse e o motor do carro parou.

Uma dúzia de homens armados e mal encarados rodeava o carro. Eles estavam cercados.

- Lar doce lar. – o homem que estava sentado no carona grunhiu.

foi retirado do carro com um pescoção e assim que saiu teve suas mãos algemadas. fora agarrada pelos cabelos e com a força do puxão tropeçara nos próprios pés e caíra de joelhos no chão. Ele ainda tentou avançar até ela, mas um soco no estômago lhe atingiu, tirando o ar e os movimentos.

- Mas o que é isso? Não é a melhor maneira de se chegar em um lugar. – um homem alto e de bom porte, com cabelos grisalhos e um terno feito sob medida, se aproximou sorridente – Vamos levante o garoto. E você, querida, venha cá.

Ela foi conduzida até ele, ainda pelos cabelos.

- Tão bela... Me pergunto porque eu mesmo não a comprei. – o velho disse – Pouparíamos tanto trabalho e eu me divertiria...

- Por favor, deixe ele ir. – a garota suplicou, fazendo aquele desconhecido se aproximar dela, tocando-a.

A mão macia que lhe acariciou o rosto num carinho quase paternal quebrava sua alma aos pedaços. Ele era gentil, mas seus olhos possuíam uma maldade fria e carregavam promessas vulgares, momentos infernais.

- Não posso fazer isso, meu amor, sabe bem disso. Mas prometo que ele vai viver para ver tudo o que faremos com você e depois... depois ele poderá até se despedir. – ele falou calmo, fazendo com que engolisse o choro. – Vamos entrar. O show precisa começar.



Capítulo 18


estava sentado numa cadeira velha na delegacia esperando Rob terminar seu depoimento. Ele soubera que tinha algo errado assim que atrasou meia hora. Logo, ele ligou para o segurança que confirmou a saída do amigo e que havia algo de errado. Para dar queixa de desaparecimento era preciso esperar 24 horas, mas era famoso e depois de ter contado toda a história, não fora preciso esperar muito.

O delegado convocara um especialista em tráfico de mulheres, policiais formavam uma força tarefa e todos se mobilizavam em silêncio. A imprensa não podia descobrir ou eles estariam mortos em menos de um dia.

- Eles vão querer torturar um pouco os dois para mostrar quem manda. É um jeito de avisar a todos que não se pode brincar com o bando. – o especialista disse – Nós temos poucas horas para encontrá-los.

- Quanto tempo?

- Doze horas; talvez vinte e quatro, se eles forem fortes.

- E como vamos achá-los?

- Vamos começar analisando o vídeo que você falou, o que o homem apareceu. Faremos uma busca pra saber em qual bando ele se encaixa e então começaremos a juntar as peças. Em uma hora já teremos o resultado e começaremos as buscas.

, e entraram na delegacia minutos depois, encapuzados para que não fossem reconhecidos e foram direito para a sala reservada que e Rob se encontravam. Eles também deram seus depoimentos e explicações, e logo ficaram sentados, apenas esperando.

- Se eles morre...

- Eles não vão. – interrompeu .

Tentaram se distrair com pensamentos positivos, mas não conseguiam evitar os pensamentos com as possibilidades mais macabras e desanimadoras possíveis. Até que o delegado entrou na sala segurando uma pilha de papéis.

- Sabemos qual é o bando. – ele disse – A situação é mais grave do que pensávamos.

(...)

Era uma sequência de cenas quase que desconexas. saia do ar e com borrões negros via tudo acontecer ao seu redor. O galpão era alto e velho com uma quantidade de ferro surpreendente. Viu ser guiado até um lado, ouviu o barulho de correntes e logo um ganido de dor saiu da garganta dele. Ela fora levada para o lado oposto, ficando de frente para seu namorado que estava erguido pelos braços, segurado por grossas correntes.

- Eu te amo. – apenas mexeu os lábios para que ela lesse.

Não precisaram prendê-la, era desnecessário. A garota não conseguiria fugir daquela emboscada de qualquer forma. E para os planos que eles tinham, era bem melhor tê-la ali. No entanto, escolhera ser forte. Não ia ficar chorando como uma garota assustada, não ia se render. Prometera a que não ia se render e assim o faria. Forte e decidida, mesmo que fosse para abraçar a morte.

- Esqueci de me apresentar. – o chefão falou novamente – Meu nome é Eli.

- Você não espera que eu diga que é um prazer. – retrucou, séria.

- Não, meu amor, não espero porque você não terá prazer algum aqui. Vou me esforçar bastante para isso.

O barulho das correntes mostrou que se mexera raivosamente em resposta, enquanto continuava parada, encarando o homem que lhe ameaçava abertamente. O lugar estava abafado e ela começava a suar, se sentindo sufocada. Ela sabia que viria algo muito ruim quando Eli se afastou por um momento, virando-se para . Eles tinham realmente perturbado a paz daquela conspiração. E algo no rosto daquele homem dizia que iam pagar o dobro.

- Temos 10 horas de diversão, então vamos aproveitar. – Eli disse sorrindo para – Segurem a garota.

Um homem gigante a segurou por trás e, instintivamente, a garota começou a se debater. Não era mais o calor que a sufocava, nem o aperto de ferro do brutamonte, mas a sensação de que não resistiria.

Eli pegou um bastão de basebol e o ergueu. O grito de parou na garganta quando o grito de ecoou no momento que o pedaço de madeira atingiu-o no estômago. O local ficara vermelho instantaneamente. Outro grito! O bastão agora lhe acertara com força nas pernas.

- Para! Por favor! Faça comigo, mas deixe ele em paz. – interrompeu com a voz esganiçada.

abriu os olhos para encará-la e parecia estar se esforçando para mandá-la ficar quieta, porém não parecia achar ar e forças para tal coisa. Ela se debatia e gritava, tentando parar aquilo e ousentia que o homem que a segurava estava gostando demais daquilo. Sentiu nojo. Nojo dele, nojo de si mesma.

- Vamos! Você sabe que quer fazer isso comigo! Por que não faz logo e acaba com isso? Ele não tem nada a ver com essa história. Eu sou o seu problema!

Eli se virou para ela com um prazer doentio estampado nos olhos. Ela estava certa, mas era tão bom vê-la sofrer. Como não conseguia entender que estava atingindo-a quando machucava o garoto. Entretanto, um pedido tão aberto de uma submissão dolorosa não podia ser negado. Como uma serpente prestes a dar o bote, ele foi até ela.

- Está gostando, minha querida? – ele perguntou.

Juntando toda a quantidade que conseguiu, jogou um jato de saliva no rosto dele. A cusparada era a única coisa que ela pensou que poderia humilhá-lo, deixá-lo abalado. E funcionou. Segundos depois um tapa estalou no rosto da garota com tanta força que uma linha mínima de sangue apareceu no canto de sua boca.

- Você precisa de uma lição.

gritava tentando chamar a atenção, tentava se livrar das correntes, mas ninguém o percebia. “Não toque nela”, “Eu vou te matar”, “Sai de perto dela”. Não parecia sinal de perigo.

- Tragam um balde de água fria. – Eli mandou e logo um balde gigante com pedras de gelo e água estava na sua frente.

O grandalhão soltou apenas para segurá-la pelos cabelos e colocá-la de joelhos na frente do balde. recebeu um soco para ficar quieto no mesmo momento que a cabeça da garota era forçada para dentro do balde. Ela se debatia enquanto tentava levantar a cabeça, mas o homem era forte demais e a água gelada começava a fazer doer sua carne, como pequenas agulhas que lhe penetravam a pele. Quando começou a respirar água, ergueram-na.

Cinco segundos tentando respirar ao mesmo tempo que tentava expelir a água inspirada e logo ela estava de volta. Já não conseguia mais se controlar, não conseguia impedir de seu corpo de engolir água na tentativa de receber um pouco de ar. Então, tiraram-na de novo. E a colocaram lá, e tiraram-na. A ação de repetiu várias vezes até que, na última, quase não tinha forças para resistir. Num sinal, Eli mandou o homem tirá-la de vez, largando a garota semi- inconsciente no chão enquanto cuspia água e se contorcia tentando respirar.

- Se ela apagar, acordem. Eu quero que ela veja tudo o que o namoradinho dela vai sofrer.



Capítulo 19




A noite estava chegando quando um jovem policial adentrou a sala, vermelho e esbaforido. Ele arrumou na mesa um mapa gigante, um plano. Circulou cinco pontos diferentes, fez cálculos e colocou fotos de carros e homens no quadro branco.

- Detetive...

- Estes são os três pontos principais da organização e este é Eli, o chefe. – o policial começou a explicar – Eles têm quatro prostíbulos e um galpão abandonado. Na nossa investigação tem mais alguns pontos que eles usam para os leilões e trocar, mas não são certos. Não invadimos os prostíbulos porque temos que esperar a operação, mas esse galpão.... ele estava vazio quando fomos, então eles devem achar que estão seguros lá.

- O que estamos esperando? – perguntou exaltado.

- Vão até lá e tragam eles. Organizem a tropa de resgate, o esquadrão de invasão. – o delegado ordenou.

- Como proceder com a missão?

- Permissão para matar. – o delegado falou e logo toda a delegacia estava agitada com homens se organizando e fazendo ligações, correndo contra o tempo.

- E nós? – falou se levantando.

- Vocês ficam aqui e tentem lidar com a imprensa porque eles vão aparecer logo. Mantenha-os longe da operação, se quiserem ver seus amigos novamente. – falando isso, o delegado saiu da sala gritando ordens.

Como levados por um furacão, os policiais sumiram. Correndo contra os segundos, contra o perigo, contra a morte.

abriu os olhos lentamente e viu a luz fraca do sol se pondo. O cheiro de eucalipto espalhado pelo vento fresco continha algo como esperança. Os braços que lhe envolviam também. Quentes e receptivos, embalavam-na com um carinho que explodia por cada poro.

- Que bom que você acordou, dorminhoca. – ele sussurrou, rouco e sorridente.
A cabeça dela estava confusa. Não sabia bem o que fazer, como lidar com aquela situação. Seu corpo começara a doer e as forças que ela sentia lhe escaparam. a reergueu, colocando-a sentada na grama verde e serviu de apoio. Ele não parecia perceber que estava segurando uma garota mole e transtornada. Tinha algo que precisava lembrar, mas não conseguia. A razão pela qual seu corpo estava daquele jeito, pelo qual não lhe percebia direito.

- ... – ela não reconheceu sua própria voz, estava cansada.

- Eu estava pensando que talvez devêssemos ir ao Brasil. Encontrar sua irmã, matar essa saudade que você está sentindo. Imagine, como será vê-la novamente, abraçá-la. Contar a ela que você namora ...

sentiu uma dor no peito e seus pulmões arderam. apertou seus braços ao redor dela, com muita força. Fechou os olhos de novo e de repente o aperto de parecia sufocá-la mais.

- Abra os olhos... – e a voz não era mais a de . – Abra os olhos!

O chão sujo e empoeirado do galpão ficou bem real para . Seu rosto estava arranhado graças a areia. E a mão que a segurava brutalmente não era a de . A cara gorda e gelatinosa que lhe encarava era conhecida, mas odiosa.

- Isso, minha querida. Sempre soube que você era fraca, mas você está se superando. Seu namorado nem sofreu nada porque você estava aqui, desmaiada. Vamos, tome isso. – o médico disse dando-lhe um copo de água para beber.

Ela engasgou, mas bebeu achando melhor engolir a água por vontade própria do que a força, novamente.

Ergueram pelos braços, colocando-a sentada numa cadeira de ferro. Juntando forças do lugar mais fundo de sua alma, ela ergueu a cabeça para olhar . O rosto dele estava tenso e preocupado, mas não expressava dor, pelo menos não a física. No entanto, a preocupação de vê-la daquele jeito estava matando-o por dentro. Quando pensou em alguma coisa, seu olhar lhe calou. Era melhor o silêncio. Em sua mente ecoava as melodias cantadas por palavras avulsas e os dois tentavam achar um pouco de esperança.

Eli tomou a frente novamente e com a mão fechada em punho acertou no estômago novamente. não gritou, apertou os lábios com os dentes com tanta força que sentiu o gosto fraco de uma ou duas gotas de sangue. O garoto tão pouco fez barulho, apenas sorriu debilmente de dor e ironia.

- Está gostando disso, é? - Eli perguntou.

- Estou tentando fazer você ter um derrame de tanta raiva.

Eli ficou vermelho e, fazendo um sinal, fez com que dois dos seguranças avançassem para .

Um, dois, três socos no rosto.

Um, dois, três socos na barriga.

E sorria e ria histericamente.

Mais algumas tentativas foram feitas, porém permaneceu firme. A garota se contorcia e chorava a cada golpe, mas não emitia um som sequer. Ele tentava sorrir, mas seu rosto parecia não querer mais se mover para não sentir mais dor.

Eli ergueu a mão, ordenando que parassem o ataque. respirou fundo enquanto observava tudo tentando ficar acordado, atento. Algo estava errado e eles sabiam disso.

- Então você gosta de uma surra. Quase me tirou do sério, mas eu entendi perfeitamente qual é o seu ponto fraco.

Não! – gritou.

O barulho das correntes que lhe seguravam ecoou no galpão ao mesmo tempo que o velho cafetão se virava para .

- Levantem a garota.

Não que fosse incapaz de fazê-lo sozinha, mas o homem a pegou pelo braço com tamanha força que ela sequer precisou se esforçar para continuar de pé.

- Não! Ela não! não! Estou aqui, seu velho babaca! Fui eu que a comprei. Eu!

-Cale a boca, garoto. Você estava me divertindo tanto antes, não estrague nossa relação agora. – Eli rebateu – Minha doce , acho que podemos deixar esse joguinho mais interessante. Então, vamos fazer um acordo.

- Estou ouvindo. – a garota falou, ignorando os altos protestos de .

Os olho azuis de Eli pareceram criar mãos e braços que a tocavam e a violavam por cada segundo que a observavam atentamente. Ele parecia pensar nos detalhes da proposta que iria fazer a fim de não perder nenhuma oportunidade. E quando o sorriso apareceu em seu rosto, soube que fosse qual fosse o preço para ver livre, ela pagaria.

- Eu ofereço a vocês dois a liberdade - disse o velho abrindo os braços num gesto quase redentor.

- Se?

Com calma, Eli passeou por entre seus capangas escolhendo três deles, colocando-os de frente para . O primeiro era magro e até um pouco bonito´, mas o rosto transbordava uma dureza de alma que a fez pensar que ele não era um dos homens mais piedosos que havia ali; O segundo era o brutamontes que se divertira machucando-a, segurando-a pelos cabelos, afogando-a. E o terceiro parecia uma junção dos outros dois, apenas um homem esperando para cumprir qualquer que ordem.

- Não! , olhe pra mim! Olha pra mim, meu amor! Não vale a pena. Isso não vale a pena. Por favor, , não...

- Uma hora de divertimento com os meus rapazes e você pode sair daqui com seu namoradinho e nunca mais lembrar de nós. Mas, se vocês tentarem falar sobre nós para os policiais, nós voltaremos e não farei nenhum acordo.

podia sentir as bolhas de sangue se formando em sua garganta cada vez que ele gritava com mais força para a garota não aceitar. As lágrimas desciam pelo rosto de enquanto ela olhava para o homem e tudo ficava claro.

- Deixe-o ir agora.

- Não, não. Ele tem que assistir cada minuto. Estou realmente curioso para ver se o amor de vocês vai durar tanto ou se você vai bater na porta de uma das minhas casas pedindo abrigo porque o garotão ali não quis mais te tocar.

- Você vai deixá-lo em paz?

- Para todo o sempre – ele falou levantando a mão sorridente.

Pela primeira vez desde que aquela proposta havia sido feita, sentiu um pouco de alívio. estaria a salvo. Os olhos dele brilhavam com lágrimas tão doidas quanto as dela. já não tinha mais forças para se mexer e já havia sangue pingando de seus pulsos machucados pelas correntes. deu um passo e ninguém a segurou, então caminhou até o homem que a amava. Ela tocou então a barriga ferida dele.

- ...

- Shiii. Não diga nada. – ela engoliu o choro. – Eu te amo e...

- Por favor...

- Feche os olhos e não os abra até eu falar que acabou. Vou tentar ficar quieta, assim você não vai ouvir muita coisa.

Ele suplicou mais uma vez, mas ela virou-lhe as costas.

- Me desculpe, ...

Capítulo 20


A vida parece curta demais para ser desperdiçada e longa demais para ser levada a sério. Essa oposição faz com que ou andemos até o horizonte ou fiquemos parados esperando algo acontecer. E isso só depende da pessoa. Naquele momento, estava apenas esperando algo acontecer com vontade de correr para qualquer lugar, mesmo que esse lugar fosse longe do horizonte.

- Elijah, você vai primeiro. – Eli disse para o mais novo com o olhar mais cruel – Meu neto merece ser o primeiro, por favor, se lembre das dores de cabeça que ela me deu.

O homem nada disse, apenas olhou para com tamanho nojo e ódio que ela sentiu sua pele arder. Um passo em sua direção, o grito de , e ela sentiu a grossa mão do neto de Eli esquentar seu rosto num tapa audível. Logo sentiu o gosto de seu próprio sangue e o cuspiu.

Os homens ao redor gritaram extasiados com a cena, pedindo aos seus próprios demônios que lhe dessem uma chance de fazer o mesmo.

- Vamos, amor, não faça drama. A noite está apenas começando. – Eli falou sentado em sua cadeira, em seu ponto de vista privilegiado.

Os gritos de pareceram distantes quando o segundo tapa lhe acertou. E no momento que o terceiro lhe deixou no chão cuspindo uma mistura de sangue e saliva, gritou por ele. Como se fosse possível se libertar, como se ele fosse salvá-la daquilo tudo. A dor lhe tirara toda a capacidade de pensar. Ela apenas queria que ele fosse seu cavaleiro branco, que a salvasse.

Não se importou com o que viria, não queria mais saber. Por isso sequer se moveu quando Elijah mandou que se levantasse com a voz fria e ameaçadora, apenas ficou como um animal ferido no chão esperando para ser abatido. Elijah, no entanto, parecia ter pouca paciência para as delongas da garota e se aproximou como um tigre para o ataque.

Virou a garota para que ficasse com o rosto para cima. Agachando-se perto dela, ele acariciou o rosto ferido.

- Eu devia ter te comprado naquele leilão. Eu estava lá, sabe? Você ia ser meu presente de aniversário, mas eu achei que seria chato ter uma escrava sem experiência. Se eu soubesse que você seria tão submissa assim, eu teria de comprado antes. – ele disse no mesmo tom frio de antes

Então ele se ergueu e olhou para os outros dois homens parados, que esperavam sua vez.

- Ela vai ser minha por essa noite, vocês podem ficar olhando. – essas palavras despertaram a fúria do homem que havia afoga-a.

- E quem você pensa que é, garotinho mimado? Essa garota precisa saber como é ter um homem de verdade em cima dela, não um moleque que parece ser tão incompetente quanto o garotão ali. – o homem quase gritava, mas isso não alterou a expressão de Elijah.

A sequência de cenas aconteceu tão rápido que os olhos de e mal puderam acreditar no que estava acontecendo. Elijah puxara de sua cintura uma arma 9mm e num movimento rápido disparou cinco vezes contra o peito do homem que lhe desafiara. E teria disparado mais vezes, se ele não tivesse caído morto no chão. A risada de Eli ecoou e foi logo acompanhado por poucos risos nervosos.

- Você é muito egoísta, meu neto. – ele comentou distraidamente. – Mas, considere esse meu presente especial... por bom comportamento. Ninguém mais encosta na garota. Ela é dele, vamos deixar as coisas em família.

Elijah não poderia parecer mais cruel quando voltou seu olhar para . Sorrindo diabolicamente calmo, ele a ergueu pelos cabelos, colocando-a desastradamente sentada. Mégara percebeu que ou estava frio, ou seu corpo começara a tremer involuntariamente. E ela estava cansada, tão cansada que parecia difícil se concentrar nas palavras que saiam da boca de Elijah.

- Vamos jogar um pouco? Corra até aquela porta. Se você conseguir, eu deixo você e seu namoradinho irem. Se não... – ele suspirou falsamente – Nove, oito, sete...

se levantou o mais rápido que pôde.

Seis, cinco...

Seu corpo parecia não conseguir suportar o próprio peso, mas ela forçou suas pernas a se moverem.

Quatro, três..

A porta estava tão perto que ela quase sentia o vento frio da noite.

Dois, um... Zero.

Faltava apenas um passo para chegar lá, mas logo ela sentiu as mãos brutas de Elijah segurando sua cintura, puxando-a contra si. O grito saiu sufocado, num agudo quase inaudível de quem havia perdido o ar. A mão direita dele começou a escorregar pelo seu tronco, com aspereza, quase brutal.

- Por favor, acabe com isso logo. – ela pediu em um sussurro.

- Ainda temos quase cinquenta minutos de brincadeiras, meu amor. – ele falou encostando a boca em seu ouvido – E eu não sou nada rápido. Você não vai querer mais saber do cantorzinho quando eu acabar.

Com um movimento de suas últimas forças, lutou. Não queria sentir as mãos dele pelo seu corpo, não queria sentir seu toque pelos lugares que nem mesmo havia tocado. Não queria ter que gritar e perder a voz, a consciência. Ela tinha que lutar. Eles não a destruiriam tão facilmente. não a veria tão submissa, aceitando seu destino.

Ela tentou se livrar dos braços do homem, e por alguns segundos conseguiu. Elijah percebendo o que estava para acontecer, sorriu segurando-a novamente e com mais força. Mais uma vez se desvencilhou, e tentou correr. Foi mais longe até sentir suas costas baterem na parede fria do galpão, com tanta força que pareceu quebrar-lhe a espinha.

- Isso, minha querida, é assim que eu gosto. Lute, chore, peça clemência. – ele falou enquanto os gritos desesperados de se misturavam com os gritos animados dos outros.

- Me deixe ir. – ela gritava, pedia, se debatendo contra o corpo que a pressionava. – Por favor, me deixe ir.

Elijah sorriu e tomou sua boca com fúria, mordendo os lábios dela até sentir o gosto de ferro do sangue da garota. Depois se afastou um pouco para olhar que apanhava de um dos capangas, perdendo as forças para gritar. Então, a beijou novamente. Sua língua percorrendo a boca dela com precisão, com desejo e posse. Como se cada movimento fosse calculado e esperado por ele. tentou retribuir a mordida, mas levou um tapa no rosto e um beijo mais desejado, mais violento.

Ele empurrou o corpo com mais força e com as mãos ágeis e com força arrancou a blusa dela. Apalpou-a e sorriu como se cada toque a machucasse mais. Com um movimento apenas tirou também a calça que ela vestia. A humilhação de ficar apenas com lingerie na frente de todos não era o suficiente, ele tinha que fazer com que todos vissem o que ele era capaz de fazer.

Foi quando a mão dele, depois de um longo e tortuoso caminho, chegou até sua calcinha que o desespero tomou conta da garota que tentou afastá-lo a todo custo e conseguiu, por segundos. Elijah caiu quando um chute de acertou a parte que ele mais queria usar naquele momento. Até que ele se levantou, já tirando o cinto da calça preta cara que vestia. Ela não podia correr sem deixar para trás e de nada adiantaria.

- Estava divertido te ver lutando, sua piranhazinha, mas agora perdeu a graça. – ele disse estalando os dedos, chamando dois homens. – Segurem ela.

Cada um pegou em um braço dela e a imobilizaram. As lágrimas não escorriam mais, provavelmente tinha perdido a capacidade de chorar naquele momento.

- De costas. – ele disse

Os trapos da blusa caiam pendurados no seu corpo deixando à mostra seu sutiã, mas ela não se importou. Quando os homens forçaram-na a ficar na posição ela não esperava sentir a dor lancinante, nem mesmo o barulho do couro arrebentando em sua pele. Com um grito de dor, ela sentiu seus joelhos se enfraquecerem e cairia no chão se não estivesse sendo apoiada por aqueles homens.

- Você vai marcá-la assim.- Eli advertiu o neto

- Assim todas as vezes que ele tentar tocá-la, vai lembrar do que eu fiz essa noite. – o homem mais novo respondeu, fazendo o cinto estalar novamente na coluna dela.

Outro golpe. O grito ficou preso na garganta e a sufocou. Outro. Junto com o grito, as lágrimas voltaram. E outro. O sangue quente já começava a descer por todo seu corpo, atingindo até suas pernas. Foram tantos outros, revezados entre gritos e choros, sentidos a cada vez que abriam mais fundo sua carne.

Foi apenas quando nem mesmo os guardas podiam suportar o peso de seu corpo quase sem forças, que Elijah parou. Largaram-na ali mesma, com o rosto no chão e a respiração fraca. Doía se mexer, doía colocar o ar para dentro dos pulmões, assim como doía sentir as mãos dele sobre seu corpo novamente, virando-a de barriga para cima. O que viesse, não tinha problema, já estava morta por dentro.

Antes de fechar os olhos, ela viu luzes vermelhas e azuis iluminarem o velho galpão e várias sirenes apitarem num ciclo sonoro ensurdecedor. Houve uma movimentação, homens se empurrando, correndo, mas ela estava com sono e queria paz.

Tiros foram trocados. Alguém gritou de dor quando a bala transpassou pelo corpo desconhecido. Ela conseguia ouvir passos por todos os lados, e ouviu também o osso de sua perna quebrando quando alguém na correria pisou ali sem o menor cuidado. Não gritou, apenas ficou parada sentindo mais uma pontada de dor.

Até que tudo acalmou.

O silêncio pareceu penetrar na sua cabeça e ela abriu os olhos com dificuldade ao ver um par de botas se aproximando. Logo seu corpo foi erguido do chão por braços fortes e uma voz calma sussurrava palavras de conforto no seu ouvido.

- ... – ela balbuciou enquanto sentia o vento frio batendo em seu rosto.

Ainda conseguiu ver o céu estrelado e ouvir uma outra voz, aquela que ela queria ouvir, ao fundo chamando seu nome... até fechar os olhos e perder os sentidos.

Capítulo betado por Gabriela Andriani



Capítulo 21


Os sentidos foram retornando aos poucos para . Primeiro a audição que denunciava um quarto calmo com apitos eventuais de alguma máquina e o cantar de algum passarinho ali perto. Depois o gosto amargo em sua boca, gosto de remédio e sangue. E então todo o seu corpo latejou em dores fortes e a sensação de ainda estar naquele lugar, com aqueles homens. E foi justamente nesse momento que ela abriu os olhos, encarando uma luz branca forte que estava em cima de sua cabeça. Demorou alguns segundos para que ela reconhecesse aquele lugar.

- Bom dia, querida. - uma voz doce e calma lhe cumprimentou e , ainda desorientada, olhou para a enfermeira que lhe sorria amigavelmente.

- Eu estou...

- A salvo, sim. Foi um pouco difícil te trazer de volta e acredito que você esteja com muita dor ainda, mas acredite que isso é um bom sinal.

- ? Cadê ele? E os bandidos? Eli e os capangas... eles iam matar o , iam..

A enfermeira segurou uma de suas mãos, fazendo com que ela parasse.

- Dos bandidos eu não sei, mas o seu está bem. Deve acordar a qualquer minuto.

- Ele está muito machucado? - ela perguntou sentindo o nó na garganta.

- Fisicamente, sim. Mas, as feridas do corpo se curam com mais facilidade do que as da alma. - a mulher respondeu. - E essas, querida, você tem e estão profundas demais para serem ignoradas.

desviou o olhar. Não precisava ouvir isso porque ela sentia cada rasgo em sua alma, cada pedaço que faltava em seu coração. Ela podia jurar que seu interior transbordava com as lembranças e sua pele passava a sentir tudo. Um ferida inteira, era assim que ela se sentia. A culpa não era o único sentimento. Medo, trauma, asco de si mesma por ter aceitado tudo, por ter se rendido. Tudo era um doloroso adicional.

- A médica já deve estar vindo. - a mulher falou. - Beba um pouco de água.

A água foi bem recebida pela sua garganta seca, refrescante como deveria ser. Quando a porta abriu revelou uma mulher mais velha com cabelos negros e um rosto indiano, vestindo um jaleco branco que lhe caia perfeitamente bem e com o rosto cansado, mas olhos brilhantes. Com o passo apressado, ele passou pela doutora e se lançou para a garota, apertando-a contra o peito.

- Não consigo dizer como estou feliz por você estar viva. – ele disse.

- Eu...

- Minha paciente precisa respirar. – a médica interferiu. – O senhor já me atrapalhou demais com o senhor .

empurrou um pouco para olhar a mulher.

- acordou? – sua voz saiu fraca por causa da sensação de alívio.

- Sim, ele acordou. Vocês pareceram combinar até nisso. – respondeu sorrindo, e logo passou a mão pelo rosto tentando esconder uma fina lágrima que rolara pelo seu rosto.

- Quero vê-lo agora. – falou firmemente.

- Depois que eu te examinar, talvez você possa sair daqui acompanhada pela enfermeira. – a médica rebateu séria. – A propósito, sou a Doutora Padma.

sorriu fracamente e se afastou para o canto do quarto. Não soltou mais uma palavra enquanto a médica checava os aparelhos, sua temperatura, pressão arterial e seus ferimentos, apenas olhava para que parecia tentar encorajá-la fazendo caretas que supostamente deveriam ser engraçadas.

- Mais tarde um psicólogo virá aqui para conversar com você. – Padma informou anotando alguma coisa em sua prancheta.

- Homem? Não teria como ser uma médica? Eu ... eu ... não...

As palavras ficaram perdidas e ela recebeu um olhar compreensivo da médica.

- Claro. Vou passar o seu caso para a Doutora Sylvia.

- Agora eu posso ver o ? – perguntou ansiosa

- Só um pouco e você vai na cadeira de rodas.

concordou. Não sabia que tinha forças o suficiente para se manter de pé e aquela parecia a melhor opção. Sua enfermeira ia chamar alguém para ajudar, mas se ofereceu e pegou-lhe nos braços com uma facilidade que a surpreendeu. Só entendeu o porquê disso quando pediu um espelho para se olhar um pouco e viu seu reflexo magro e abatido.

Foi quem guiou sua cadeira pelo corredor do hospital com sua enfermeira, que se chamava Glória, ao seu lado, pronta para qualquer problema. Ela ficou de cabeça baixa por todo o caminho, brincando com seus dedos finos como se eles fossem interessantes demais para não receber toda aquela atenção. Tudo para não ver os rostos piedosos que lhe encaravam com curiosidade. Até mesmo os diversos seguranças espalhados pelo lugar lhe olhavam rapidamente. Era como se fosse um bicho torturado que teve sua foto divulgada por qualquer rede social e despertasse a piedade em todos.

Quando parou na porta do quarto 768, ela sentiu um frio na barriga. abriu a porta e entrou sem avisar. O quarto estava claro e se encontrava sentado na cama, sorrindo para e , mas seu olhar parecia distante. Eles passaram três dias desacordados no hospital e mesmo assim parecia uma eternidade. E foi quando ela entrou no quarto, que os olhos dele acharam o caminho para a realidade.

Se fez silêncio no quarto, quase que imediatamente. conseguia ouvir as batidas do seu próprio coração. empurrou a cadeira até a beira da cama e nunca pareceu tão perto e tão distante ao mesmo tempo.

- Nós precisamos achar sua mãe, então... – falou soltando a cadeira, olhando para os meninos sugestivamente.

- É... ela ainda não me fez um cafuné. – disse puxando junto com ele.

Só um tapa que deu na cabeça de foi ouvido antes da porta ser fechada atrás deles. As mãos da garota suavam e parecia apenas hipnotizado olhando para ela. As palavras fugiram dos dois, como se tivessem percebido, como os meninos perceberam, que eram inúteis naquele momento.

estendeu a mão para ela que aceitou. Não era uma corrente elétrica que passava por eles, era algo muito maior. Era calor e frio, passado e presente, amor e dor. Não, definitivamente eletricidade não tinha nada a ver com aquilo.

A primeira lágrima rolou pelo rosto dela e logo depois, sem perceber, ela estava sendo erguida por , sendo puxada de encontro ao corpo dele. Depois de tantos corpos se aproximando dela, depois de tantas mãos sujas tocando-a, era ele quem estava tomando conta dela novamente. Ela estava sentada de frente para ele com o rosto encaixado em seu pescoço quente, que tinha ainda o cheiro leve do perfume que ele gostava tanto de usar. E foi ali, num lugar tão conhecido que ela chorou.

Ela podia sentir as lágrimas molharem o pescoço dele, seu próprio rosto, mas lavarem sua alma. Ruídos sem sentido saiam de sua garganta tentando se livrar também de toda a dor que sentia, de todas as lembranças ruins. Apagando as marcas. As mãos de se revezavam entre suas costas e seus cabelos.

- Eu sei... – sussurrou respondendo a todos os sons sem sentido aparente. Ele sabia o que ela estava sentindo e sabia acima de tudo o medo que havia de lidar com tudo aquilo.

- Eu te amo. – falou se afastando para olhá-lo.

O carinho em seu rosto a fez fechar os olhos por um momento.

- Eu te amo. – foi a vez de se declarar.

abriu os olhos novamente e viu no rosto dele alguns hematomas roxos, outros verdes, uns cortes fundos e mesmo assim ele continuava tão bonito quanto antes. Ela encostou a mão na barriga dele e ouviu o suspiro pesado por causa do simples toque. Aquele fora o lugar favorito dos outros homens para bater nele.

- Os médicos disseram que foi sorte eu não ter tido uma hemorragia interna. Sem grandes danos aos meus órgãos. – ele disse com um tom mais leve.

- Minha enfermeira disse que seus ferimentos foram mais graves que o meu.

- E ainda assim estamos aqui e você está quase sentada em mim. Então, eu estou melhor do que você.

- Tudo o que nós passamos...

- Ficou no passado, . – ele interrompeu a garota – Tudo o que passamos ficou no passado.

- Não, . Tudo o que passamos ficou na sua pele, na minha... A minha mente está uma bagunça, e não consigo pensar que você poderia estar fora disso tudo.

- O que você está querendo dizer?

- Eu vou embora, . Vou voltar para o Brasil, vou enterrar Londres na minha memória, vou fingir que nunca te conheci.

A risada dele ecoou pelo quarto. Carregada de ironia, divertimento e desespero.

- Não, você não vai. – ele falou de forma crua e objetiva

- ...

- Você me ama e eu te amo. Eu não passei por tudo o que passei para desistir agora que só o que temos a fazer é superar traumas e construir uma vida. Eu não vou te deixar ir depois de que você ofereceu seu próprio corpo para me salvar, não depois do desespero que me possuiu quando ele te tocava, te batia. Você não vai sair da minha vida sem tentar ser feliz comigo.

respirou fundo e sentiu os lábios de tocando os seus num beijo delicado, sem línguas e suspiros, apenas os lábios e o calor deles. Dois minutos se passaram e quando, enfim, se separaram suas testas estavam juntas marcando ainda a proximidade.

- Eu te prometo aqui e agora que vou ser paciente com seus limites. Prometo que todos os dias eu vou tentar apagar as impressões que aquele sujeito imundo deixou na sua pele até que ela reconheça apenas o meu toque. E eu vou te beijar levemente quando você tiver medo e vou te beijar com toda paixão quando estiver pronta. Prometo que a partir de agora a nossa vida começa, . Você só precisa me prometer que não vai fugir.

E pela primeira vez em dias, ela sorriu.

- Eu prometo.


Capítulo 22


“We both know our own limitations

And that's why we're strong

Now that we've spent some time apart

We're leading each other out of the dark

Cause we both know”

(We both know – Colbie Caillat feat Gavin Degraw)


- Nós precisamos parar de ficar saindo desse hospital como se fosse um confortável hotel. – brincou enquanto abraçava pela cintura e caminhavam para a saída daquele lugar.

A porta de entrada estava simplesmente lotada de fãs, jornalistas e curiosos que não conseguem ver uma confusão sem ver o que está acontecendo. Rob sugeriu que saíssem dentro de uma ambulância, sem serem percebidos, mas devia mostrar aos fãs que estava bem e seguro. Ele não precisava colocar junto com ele, mas também precisava mostrar a todos que ela estava com ele e sempre fora assim.

- . você apenas vai sorrir e dizer que está bem, respostas serão dadas depois. – foi que informou o passo.

ainda tinha o rosto com alguns hematomas que estavam desaparecendo. Uma semana no hospital tinha devolvido a ele a saúde e disposição necessárias para começar a encarar a vida novamente. Ele sorria para todos que lhe cumprimentavam, mas não parecia querer se afastar de , segurando sua mão fortemente durante todo o tempo. A garota também sorria, mas seus olhos observavam tudo ao redor com desconfiança e medo. Ela ainda não sabia como o processo estava indo e nem que tinha sido preso naquela noite e não parecia que alguém estava disposto a contar.

- Vai ser rápido, amor. – ele sussurrou e as portas foram abertas

Uma tempestade de flashes e vozes atingiram os dois. sorriu, escondeu o rosto. Uma fileira de seguranças atentos empurrava a multidão permitindo que a passos minúsculos eles andassem em direção ao carro parado logo na frente.

- É verdade que vocês foram torturados?

- , você é uma prostituta?

- , há marcas no seu corpo?

- Vocês vão continuar namorando depois de tudo isso?

Enquanto andava, respondeu claramente.

- Vamos esquecer o passado e seguir com a vida.

Já tinha agradecido aos fãs pela atenção e orações, e até se sentiu mal por não ter tido a oportunidade de consolar as lágrimas que desciam pelos rostos que estavam ali. Ele estava bem e todas podiam ver isso. Faltavam poucos passos até o carro quando um grupo de meninas notavelmente abatidas se aproximaram do círculo protetor.

- Mandem essa piranha de volta para o Brasil. – uma delas gritou fazendo congelar no lugar onde estava.

- Primeiro o , agora o . Quem vai ser o próximo, viúva negra? O ? Suma da vida dos meninos, suma das nossas vidas! – outra falou com mais força, olhando–a no fundo dos olhos.

parou, seu sorriso havia sumido para dar lugar a uma expressão fria. Os olhos das meninas desviaram para os dele, como se pedissem aprovação, mas encontraram algo que não esperavam. Desprezo.

- Se ela sumir, eu também sumo. Funciona assim agora. Espero que mudem de ideia. – ele disse e logo colocou a namorada, ainda paralisada, próxima ao seu corpo e caminhou irritado até o carro.

- ... – ele falou tocando em seu braço, mas ela apenas se afastou mais um pouco.

Rob olhou pelo retrovisor para e viu o garoto franzindo o cenho confuso. É claro que ele não entendia o que estava acontecendo, mas era claro para o segurança. Depois de todo o trauma, havia ficado confinada e protegida num lugar paralelo e de repente fora jogada numa realidade hostil.

A viagem foi feita assim. A garota quieta, preocupado e um caminho cheio de desvios por causa dos curiosos e repórteres que apareciam de todos os lugares. Quando o carro estacionou foi que percebeu que eles não estavam na casa de . O condomínio era fechado e a casa era feita de tijolos escuros, com um estilo bem mais colonial do que a outra com grandes carvalhos espalhados pelo imenso jardim.

- Bem-vinda. – disse abrindo a porta do carro.

- O que houve com a sua casa? – ela quis saber enquanto saia para observar melhor o local.

- Vida nova, casa nova.

- Claro. Astro super rico e famoso. – ela falou rindo um pouco.

soltou o ar que estava prendendo sem perceber, aliviado. E com a vontade de se aproximar dela sendo completamente irresistível, seu corpo encostou voluntariamente no corpo da garota, que recuou um passo. Mas, ele não ia permitir. Havia dado a ela uma semana para se sentir bem para voltar à vida real, aos sentimentos, à cura. E parte dessa cura requeria seu toque, seu carinho, o calor de seu corpo aquecendo o dela. Lançou um braço para trazê-la mais perto.

- Normally I try to run and I might even want to hide. Cause I never knew what I wanted ‘til I looked into your eyes. So am I in this alone? What I'm looking for is a sign that you feel how I feel for you. Baby, please don't let me GO. – meio sem ritmo, meio sem lento demais, com mais significado do que a primeira vez, ele citou essas palavras, olhando nos olhos dela. Quebrando uma barreira invisível que o impedia de se aproximar.

- Essa não é a música que nós dançamos naquele dia...?

- Agora podemos dançar sem culpa. – falou começando a se movimentar. – Eu menos emburrado, você não me achando o vilão.

- No meio da rua, ? – ela perguntou olhando para o lugar vazio, onde só havia Rob fingindo não prestar atenção.

- Alguma coisa tinha que ser como a primeira vez. – ele respondeu baixinho em seu ouvido antes dela apoiar a cabeça em seu peito para dançarem a música aos sussurros.

Com ela tão perto, sentia na pele o entendimento daquele sentimento louco. Seria preciso muito mais do que palavras que descrevessem respirações, batimentos de corações, pele, ar, vida. Sim, vida que naquele momento se fazia presente de forma gritante entre os dois, pedindo para acontecer.

A mão de em suas costas lhe guiava com tanta calma pela música orquestrada pelo silêncio que logo esqueceu o que tinha para pensar e se preocupar. Era apenas a mão dele, brincando com a barra de sua blusa, indecisa se podia matar o desejo de sentir sua pele por debaixo do pano ou se esperaria para o simples toque. Mas a música atingiu sua última nota e parou, se afastando.

Pegou pela mão, e a guiou até a porta da frente do novo lar. Sentiu sua mão um pouco fria, talvez até trêmula, mas continuou.

- Então...

Mas ele não chegou a terminar seja qual frase clichê esperava falar. Não, as palavras lhe escaparam no momento em que colou seus lábios nos dele. E eles estavam não quentes, tão receptivos que esqueceu-se de tudo e tomou-a nos braços, num abraço forte e desesperado por contato. O suspiro que a garota deixou escapar quando sua língua abriu passagem, quando seu corpo encaixou-se no dela tão perfeitamente, quase o levou a loucura. Era disso que precisavam, era aquilo que suas almas estavam clamando. Muito além de uma coisa de pele, do que satisfação carnal. Era conexão na sua forma mais pura e simples.

Um beijo com b maiúsculo, com línguas, com danças e mordidas, com paradas cardíacas, com respirações ofegantes. Um beijo que fez com que abrissem a porta e a fechassem sem perceber. Um beijo interrompido pelos gritos que ecoaram pela casa.


Capítulo 23



- SURPRESA!

O grito dos quatro amigos fizeram Liam se arrepender na mesma hora de ter marcado aquela recepção. Devia ter visto a ausência de sua família como um sinal para chegar sozinho em casa com , mas concordou em passar a noite comendo pizza e matando as saudades com eles.

sentiu o rosto queimar quando viu que seus amigos começaram a perceber o que estava acontecendo. Pensou que ia sentir vergonha de também, por ter se rendido àquele beijo tão facilmente, mas sentindo a mão dele ainda tão quente debaixo de sua blusa, sentiu apenas frustração. Pela primeira vez desejou que seus amigos não estivessem lá.

- A gente pode adiar a festa, sabe... – começou a falar, meio risonho.

- Mas aí a pizza vai esfriar! – reclamou - Vai ser um desperdício.

- Calem a boca e vamos comer. – disse deixando para que esta fosse abraçada e cumprimentada por todos os outros.

O abraço de foi um abraço de alívio, de recomeço que ela sentiu na alma também. A saudade daquilo não se comparava a sensação de estar ali sem medo, apenas livre. Sentaram-se na sala de estar, que era de um branco puro mesclado com preto. Ela sentou no sofá grande entre e , enquanto via as cinco pizzas colocadas na mesa de centro e em apoios no chão. Tentou não rir da aparente bagunça que eles fizeram em apenas um cômodo, quando provavelmente havia uma grande mesa de mogno em algum lugar da casa.

- Pepperoni ou margherita? – perguntou com dois pedaços que pendiam no ar, deixando o recheio correndo risco.

Ela escolheu pepperoni e enquanto comia e ria, sentiu também o olhar de Liam e para ele, sorria. O sequestro fora assunto silenciosamente proibido. Ao invés disso eles apenas conversaram. Sobre a intoxicação alimentar que teve dois dias antes; sobre como quase apanhou no mercado de uma velhinha; sobre como quase não viu o gigantesco pomo de adão de uma loira na balada de comemoração pela soltura dos amigos.

- Isso que dá sair para comemorar a MINHA vida sem mim. – brincou.

- Vai ver era exatamente a loira que ele queria. – complementou.

- Você não é loira, meu amor. – retrucou colocando o braço em cima da garota, chegando seu rosto perto do ouvido dela lentamente.

- E a brincadeira ficou chata.

se levantou e puxou a namorada do sofá, rindo um pouco e agradecendo mentalmente a oportunidade de tê-la ali por perto. Sentou-se então na poltrona gigante, colocando-a sentada em seu colo. Passaram um bom tempo assim, metade da noite conversando com os amigos, próximos o suficiente para manterem a sensação de segurança que era estar perto.

Quando os amigos resolveram ir embora, já passava da meia noite. E a casa nova caiu na calmaria e quietude da noite.

- Você precisa descansar, meu amor. – ele disse analisando o rosto abatido da garota.

- Eu não sei se gosto mais de dormir. – ela fugiu do olhar preocupado dele, ou pelo menos tentou.

- ... – segurou seu braço – São os pesadelos de novo?

Ela assentiu silenciosamente sem precisar falar que sentia falta dos antigos já que eles não eram realidade.

- Eu vou vigiar seu sono hoje, amanhã... até eles sumirem.

Com essa promessa, foram para o quarto no andar de cima sem olhar os demais. Era o quarto destinado a e todas as suas coisas estavam lá. Era branco como a sala, mas havia pequenos cristais lilás e roxos, assim como as cortinas e outros objetos pequenos para destoar um pouco a neutralidade do lugar. foi até seu próprio quarto para tomar banho enquanto fazia o mesmo no seu.

Deu tempo de sobra e quando entrou novamente no quarto, ela já se encontrava na cama coberta pelo edredom. Com uma regata branca e uma calça de moletom preta, parecia extraordinariamente comum e ao mesmo tempo extraordinariamente excepcional.

- Eu vou estar aqui se você precisar de mim. – ele disse sentando numa espécie de cadeira do papai que havia no canto.

- E eu pensei que ia ter o melhor travesseiro do Reino Unido. – falou baixinho.

Não foi preciso mais nada ser dito, se aproximou da cama com calma, sorrindo para a garota que agora se encontrava vermelha de vergonha. Ela se afastou para dar lugar a ele na cama. Com certa dificuldade ele tentou não se concentrar no corpo dela, nem no seu desejo que já doía. E quando a puxou para um beijo a sentiu tremer em seus braços e precisou parar.

- Eu...

não precisava ouvir nenhuma desculpa.

- Com paixão, com cuidado. Foi isso o que eu te prometi.

- Você ainda sonha? Com aquele dia? – não conseguiu conter a curiosidade.

- Eu vejo e revejo as cenas, mas não preciso estar dormindo para isso. Às vezes é como se eu estivesse sendo sugado para aquilo de novo. Aquele homem te seguindo, te ferindo, te tocando. Então eu volto para a realidade e lembro que você está bem e está aqui.

- Eu ainda sinto ele. – ela confessou em um suspiro.

apertou mais seus braços ao redor dela.

- A cada dia nós vamos tirar essa sensação. Eu também te prometi isso.

- Esse já é um bom começo. – disse fechando os olhos e se aconchegando mais no peito dele.

A noite não foi tranquila, os pesadelos vieram para os dois. No mais agressivo, achou que os braços de eram de Elijah e se debateu gritando por ajuda, mas ele não a soltou. Aprendeu que não devia soltá-la, precisava esperar que ela percebesse quem era para acalmar e voltar a dormir. E ainda assim foi a melhor noite que tiveram em dias.

O amor cresce e amadurece com o tempo e o mesmo funciona para as feridas, elas amadurecem e viram cicatrizes. Tudo faz parte de um processo.

O tempo passa, e talvez isso não seja uma coisa ruim

Uma chuva fina caía do lado de fora, mas eles não estavam se importando. Os beijos eram alternados com sorrisos e suspiros. sentada no colo de , parecia quase irreal. afastou seus lábios do dela para respirar e abriu os olhos para encontrá-la ainda com os dela fechados. Sorriu. Ela parecia apenas bela com a boca inchada, um sorriso bobo e os cabelos levemente bagunçados.

- Não abra os olhos. – ele pediu tão baixo que quase não ouviu.

- Por que não?

- Eu só quero poder olhar seu rosto sem ser distraído pelos seus olhos. – ele explicou-se e ela sorriu, corando levemente.

respirou fundo. Era algo tão simples e para ele ainda superava toda e qualquer expectativa.

- A cor do seu rosto quando você fica com vergonha. – ele disse tocando-o levemente as bochechas rosadas. E a sua pele, sempre que eu te toco assim e fica toda arrepiada... é seu corpo me lembrando que você está viva. – os dedos dele se movimentavam de cima para baixo em suas costas, traçando o caminho da espinha.

E era tão leve que podia sentir cada parte do seu corpo se arrepiando e invejando sua coluna que recebia todo o carinho. até podia achar que os arrepios eram um sinal de que estava viva, mas para ela era um pedido suplicando aquela sensação para sempre.

- Os meninos estão querendo entrar em turnê. – falou parando a onda de estase que tomava os dois naquele momento.

abriu os olhos.

- Quando?

- Em breve. Eles já estavam organizando tudo, então faltam poucos detalhes para colocar o ônibus na estrada. – explicou.

Ela sabia que não podia impedir, mas não sabia como desejar que a turnê acontecesse. Ter longe não seria fácil. E mesmo que ela pudesse acompanhá-lo, não seria em todos os shows.

- Você pode ir sempre que quiser, em qualquer país, em qualquer lugar. – ele falou tirando o cabelo do rosto dela.

- Eu sei..

- E qualquer folga, eu prometo estar aqui.

- Eu sei...

- A gente vai dar um jeito nisso, meu amor. – garantiu dando um leve beijo nela. – Mas agora, eu preciso que você vá arrumar suas malas. Nós vamos viajar amanhã de manhã.

- O quê? – se levantou do colo de com os olhos arregalados.

- É uma surpresa. – ele falou sorrindo.

Talvez o detalhe que faltava para tudo voltar para o lugar.


Capítulo 24


O vento do fim de tarde era morno ali e quase havia esquecido daquilo. havia feito de tudo para evitar que ela descobrisse onde estava até o momento em que o jatinho particular pousara numa pista preparada para eles, próximo a uma praia.

- Brasil. – ela sussurrou enquanto sentia os olhos se encherem de lágrimas.

a abraçou e esperou todas as lágrimas saírem livremente. Ela soluçou por muito tempo até respirar fundo o ar de sua terra e sorrir para ele, agradecendo.

Agora estava ali, na beira do mar vendo o sol se pôr. A praia era particular também, perdida no meio do imenso litoral nordestino e tudo o que ela ouvia era o som das ondas e os passos de que vinha encontrá-la. Ele a abraçou por trás, um ato que estava virando costume já, e suspirou olhando a paisagem de tirar o fôlego.

- Agora sei porquê você sente tanta falta daqui. – ele disse – É uma obra de arte.

- Quando eu era pequena, meus pais levavam eu e minha irmã para a praia e nós passávamos o dia inteiro brincando. E a tarde, depois de estarmos exaustas, nós sentávamos perto deles e víamos o sol tocar o mar. No momento exato, meu pai fazia um barulho estranho, como se a água estivesse evaporando por ser realmente tocada pelo sol e nós ríamos muito. – contou e apertou-a um pouco mais em seus braços.

- Talvez possamos fazer o mesmo com nossos filhos. – falou fazendo a garota se virar para ele sorrindo docemente.

- Parece uma boa ideia. – ela murmurou quebrando a distância para beijá-lo.

As bocas se moviam e se mordiam em um ritmo que nem mesmo os poetas conseguiram nomear, e era quase possível ouvir o som da água evaporando enquanto o sol tocava o oceano. segurou o pescoço de com as duas mãos na ânsia de apenas se aproximar, ele alternou uma mão na nuca da garota e a outra em sua cintura. O vestido branco que ela usava era tão fino que o calor de seu corpo aquecia a mão dele, como um desafio. E seria tão fácil para rasgá-lo ali mesmo e aceitá-lo de bom grado.

- ... – tentou voltar ao pouco de consciência que lhe restava, mas a garota sequer abriu os olhos.

- Só me beije. – ela pediu e não foi preciso repetir.

Os braços de mudaram de posição e carregaram para dentro da casa, quebrando o beijo por alguns segundos para dar um ou outro passo. E não perceberam que já estavam dentro da casa, não perceberam que já estavam no quarto, nem perceberam que a luz alaranjada dos últimos raios de sol era a única iluminação do lugar.

Com cuidado e devoção, com paixão e pressa. Roupas se perderam, carinhos foram recebidos e dados, olhares, sorrisos, palavras desconexas. O momento prolongou por um infinito que não é contado por tempo.

Com as mãos entrelaçadas, com suspiros e com um grito abafado num beijo. Com movimentos como das ondas que batiam do lado de fora, com seus nomes sendo chamados em meio a respirações ofegantes, com corações perdendo uma ou outra batida e com uma explosão conjunta de felicidade, amor e prazer.

Caíram exaustos, abraçados na cama. Os sorrisos brilhavam na negritude da noite, os corpos satisfeitos por estarem interligados.

- Eu te amo. – sussurrou baixinho enquanto ela se aconchegava sem seus braços.

- Eu te amo. – ela respondeu fechando os olhos, deixando-se guiar para sua primeira noite livre dos pesadelos.

O dia amanheceu e acordou sozinha na cama. Esfregou os olhos e viu que na mesa do quarto havia uma bandeja com um café da manhã e uma rosa. Confusa, ela se levantou da cama e foi até lá. Havia também um bilhete.

Bom dia, meu amor

Tome seu café, se arrume e venha para a praia.

Eu amo você,

Assim fez. Tomou o café rapidamente, se jogou debaixo do chuveiro e não se incomodou com as roupas espalhadas no quarto. Colocou uma longa saia amarela e o biquíni preto, sentindo calor demais escolheu não usar uma blusa. E sorrindo, ela saiu quase saltitando pela casa. Passou pelo jardim que separava a praia da propriedade e sentindo o sol da manhã quase cegá-la, começou a procurar .

Na areia, quase perto do mar, havia duas sombras paradas. Uma, sem dúvidas era a de , alto e forte ele estava virado para ela, segurando a mão da outra sombra bem menor que ele. Um frio na barriga fez estremecer toda e seus passos ficaram menos apressados e menos seguros.

-. – a voz era da sombra menor e tropeçou desastradamente mais alguns passos até conseguir ver, e então congelou.

Com o corpo mais desenvolvido e o rosto mais velho, a sombra tomou forma e cores. sentiu como se tivesse levado um soco. A menina do outro lado chorava, e distraída pelas lágrimas da outra, não percebia que seu rosto estava molhado com as suas próprias.

sussurrou alguma coisa para a menina e ela saiu correndo em direção a figura congelada. Os braços dela criaram vida e se ergueram para receber o impacto do abraço daquele ser que corria como se fosse para salvar a própria vida. E quando o abraço aconteceu, as duas desmoronaram de joelhos na areia.

- Meu bebê, minha irmã.... – conseguia balbuciar entre os soluços – Me perdoa, me perdoa...

A garota balançava a cabeça negativamente sem conseguir achar as palavras adequadas para aquele momento. Abraçadas, elas ficaram por muito tempo. achou melhor deixá-las daquele jeito, um momento só delas, e apenas depois que o choro foi acalmando no peito de cada uma sendo substituído por sorrisos alegres e bobos, ele se aproximou.

levantou os olhos para vê-lo e ajudou sua irmã mais nova a levantar.

- A viagem foi para isso? Para me trazer de volta a minha irmã? – ela perguntou enxugando as lágrimas.

- Não tem como começar uma vida nova deixando a família para trás. – ele respondeu. – É a última gota de remédio nas suas feridas.

- Obrigada. – ela disse dando um beijo rápido nele. – Rosa, esse é , meu namorado. essa é Rosa, minha irmã.

apertou a mão da menina que parecia pela primeira vez perceber quem ele era.

- Como é que você conseguiu ter o como seu namorado? – Rosa perguntou baixinho e ele fingindo não ouvir, segurou o riso.

sorriu para ela e sussurrou no mesmo tom, a resposta.

- É uma longa história. Uma história de heróis, bandidos, sofrimento, alegria, amor e encanto.

Capítulo betado por Gabriela Andriani

FIM


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