Escolhas
História por Flávia C. | Revisão por Gabriella

A vida é um conjunto de escolhas, algumas boas, outras nem tanto; querendo ou não, elas acabam nos definindo mais do que qualquer coisa. Independentemente disso, às vezes nos pegamos pensando como nossa vida seria se tivessemos virado à esquerda ao invés da direita, se não tivessemos tropeçado com aquele amigo no primeiro dia de aula, se tivessemos feito arquitetura ao invés de direito. Se em vez de falar com o amor da sua vida, você simplesmente tivesse seguido em frente?
Ele não precisava se preocupar com isso. Não, de todas escolhas que havia tomado, essa era uma que não poderia se arrepender.
(Porque ele jamais poderia se arrepender de estar com ela)

Fazia mais de vinte anos, mas ainda se lembrava como se fosse ontem. Ela chegara segurando a mão da mãe, os olhos arregalados, assustada com a imensidão de novidades. À sua frente, um parquinho completamente inexplorado, um oásis aos olhos de uma criança de seis anos. Ele sabia que provavelmente eram falsas lembranças.
(Não se importava)
Quando ela se afastou da mãe, sentando-se ao balanço, ele tomou coragem para falar com ela. Nunca em sua vida um “Oi” havia sido tão importante, mesmo que seu Eu de sete anos fosse levar alguns anos para reconhecer isso.
Eles se encontraram ali mais algumas vezes; suas mães perceberam a interação e começaram a conversar.
Um mês depois, ela o convidou para seu aniversário. Ele poderia ter escolhido não ir. Poderia ter, naquele momento, acabado com a amizade que estavam começando. Poderia não ter ficado nervoso pensando se ela iria ou não gostar do presente.
(Ela gostara. Mesmo anos depois, guardava no fundo de seu armário; corando ao pensar que um dia ele poderia descobrir)
Poderia, mas não fez nada disso.

No final do verão, ela entrara em sua turma. Ele escolhera mostrar a escola para ela, apresentar-lhe aos seus amigos. Ela escolheu passar o recreio com as meninas, mas ainda gostava mais de conversar com ele.
(Só às vezes, mas ele não precisava saber)
Eles escolheram ser melhores amigos um do outro. Escolheram a amizade, e a confiança que vinha com ela. Escolheram se encontrar quase todos os finais de semana, inicialmente para brincar, depois apenas para passar tempo, contando todos os mais escuros segredos.
(Pelo menos era o que ele achava)
Tinha estado ao seu lado enquanto ela chorara lágrimas por qualquer motivo que fosse. Ouvira o que ela tinha a dizer mesmo quando não conseguia entender. Deixara ela dormir em sua casa, quando ela brigara com os pais e não queria voltar para a casa. E não ficara chateado quando ela disse que era só porque sua melhor amiga estava viajando.
Aos dezesseis anos, percebeu que não conseguia imaginar sua vida sem ela. Mas deixou o pensamento de lado, porque estava interessado na sua dupla de laboratório. Ela percebeu o mesmo e também deixou de lado, porque agora ele estava namorando a antes mencionada dupla.
E, naquele ano, quando brigara com seus pais e chorara sem parar, ela não bateu na porta dele, porque sabia que ele estava ocupado com a namorada. E, no dia seguinte, resolveu não contar o que havia acontecido. Fora sua escolha, somente sua.
(E ela se arrependeria por um longo tempo)
Certo dia, quisera encontrá-lo, contar tudo o que estava acontecendo. Mas ele não a atendera , e logo ela percebeu que sentia falta de seu melhor amigo. E percebera também que talvez fosse tarde demais. Via-o de longe, sendo feliz, enquanto tentava segurar as lágrimas do outro lado do pátio. Suas amigas não notaram, ou se notaram nada disseram, e ele não estivera perto o suficiente para notar.
(Ela não o deixaria se aproximar, de qualquer forma)
Então eles iriam se formar, e falavam sobre que universidade queriam ir ou que curso queriam fazer. E ela fez questão de querer algo bem diferente dele. E ele percebeu que ela não tinha nenhum entusiasmo na voz enquanto declarava que tinha decidido seu futuro. Ele terminou com a namorada porque não conseguia a ver em seu futuro.
E ele a procurara no recreio com as amigas, mas ela não estava lá. Não sabiam onde estava.E ele acabou esquecendo de procurá-la depois, porque a vida entrou no caminho.
Aquele fora o ano em que ele se dedicou aos estudos. Que ele passou tempo com os amigos do colégio, pois no ano seguinte não os veria. Foi o ano em que ele percebeu que talvez não a conhecesse mais tão bem assim e, talvez, nem ao menos fossem mais amigos. Ele ficou triste com o pensamento, mas não o compartilhou com ninguém. Talvez se tivesse falado com ela, as coisas teriam sido diferentes.
Pois, para ela, aquele fora o ano em que ela só queria sentir alguma coisa. O ano em que ela foi para a cama com um garoto do time de futebol, porque ele era o bonito e beijava bem, e parecia desejá-la mesmo quando ninguém prestava atenção nela.
(Mas ela não sentira nada na primeira vez. Nem na segunda. E na terceira queria que ele parasse, mas ele a ignorou. Ignorou também quando ela começou chorar e a chamou de maluca. E depois espalhou para a turma inteira que havia a fodido e ela pedira por mais, e depois chorara com vergonha. Ela não contou para ninguém como havia implorado que ele não a tocasse mais)
Aquele foi o ano em que ela tirou notas tão baixas que nem a pior universidade a aceitaria. Aquele foi o ano em que seus pais ameaçaram expulsá-la depois que sua irmã ouvira os boatos que corriam pelo colégio. Aquele fora o ano que todos comentaram sobre ela e ela se sentira completamente sozinha.

O ano acabara e ele foi para uma boa universidade. E, no dia de formatura, ele a olhara de longe e percebeu que ninguém havia ido abraçá-la. Podia ter virado as costas e ido comemorar com as amigos, mas foi até ela, notou que chorava e abraçou.
(Era o primeiro abraço que ela recebia em muito tempo)
(Quem ele queria enganar, não havia sido uma escolha. Ele nunca poderia dar as costas para ela).
Ele prometeu ligar para ela e disse que sentia sua falta, mas tudo o que isso fez foi aumentar a intensidade das lágrimas que corriam por seu rosto. Naquele momento, ela percebeu que continuava sem conseguir imaginar um futuro sem ele ali. Percebeu também, entretanto, que ele merecia algo muito melhor que ela.
E, durante o verão, ele viajara para a praia com os amigos e esquecera de ligar. Ela ficara em casa e percebeu que não conseguia mais imaginar futuro nenhum. E o garoto para quem havia perdido a virgindade havia a ligado e dito que queria encontrá-la de novo, mas só se ela prometesse se comportar dessa vez.
E ela se sentiu suja e desligou em pânico.
Quando os pais gritaram com ela por não ter sido aceita em nenhum lugar, ela não chorara, porque não tinha mais lágrimas. E, naquela noite, ela tomou vários comprimidos porque não queria acordar no dia seguinte. E não se preocupou com quem acharia seu corpo ou se alguém sentiria sua falta.
(Tudo o que ela queria era que a dor parasse)
Ele voltara para a casa bronzeado, contente e com mais amigos do que tinha ido. Sua mãe comentara sobre “o escândalo daquele menina que havia sido sua amiga”. E ele correra para o hospital, pois os boatos eram que ela ainda estava internada lá.
Ela não estava acordada, mas ele esperou. Naquele momento, escolhera ficar sempre ao lado. Ao acordar, ela escolhera contar tudo para ele.
(Porque os segredos estavam a corroendo e ela não conseguia pensar em outra pessoa para conversar)
E aquele foi o ano que ela escolheu dar a volta por cima. Foi o ano em que ela começou a fazer terapia e a tomar antidepressivos. Ele a ajudou a estudar, enquanto tentava conciliar com sua própria faculdade, e ela conseguiu passar para o curso que queria.
(Não era a melhor universidade do mundo, mas era alguma)
E quando receberam o resultado, ela correu para abraçá-lo, mas antes que pudesse pensar estavam se beijando. Aquele foi o ano que eles escolheram ela. Foi o ano em que ela voltou a sorrir e que aos poucos percebeu que estava caminhando para a felicidade. Foi o ano em que eles voltaram a ser melhores amigos.

Haviam se passado oito anos até que eles escolhessem um ao outro definitivamente. Já sabiam que não conseguiam viver sem o outro, mas agora era oficial. Ele escolheu um anel que combinasse com ela, ela escolheu um vestido de noiva que fosse ficar gravado em sua memória para sempre.
E os dois escolheram aceitar o casamento e a vida a dois.
(Porque juntos eles podiam superar qualquer coisa)
E aquele foi o ano em que eles ficaram super endividados, pois escolheram gastar tudo em um novo apartamento. E aquele foi o ano que ele teve que trabalhar o dobro de tempo quando preferia estar em casa. E o ano em que o mau-humor dele causava brigas quase todos os dias. Mas também fora o ano que eles aprenderam a viver como um casal. E o ano em que todo o esforço fora recompensado com uma promoção.
E, no final do ano, escolheram ter um bebê.
(E quando eles faziam sexo, ela sentia suas emoções em todos os lugares. E se sentia bem consigo mesma e esquecia tudo de ruim que havia acontecido em sua vida)

“Senhor, precisamos de uma decisão rápida.” O médico falava, a voz ao mesmo tempo com impaciência e simpatia.
Essa seria a escolha mais difícil que teria que fazer em sua vida. Havia sido uma gravidez de risco desde o início, mas agora estava ali e só cabia a ele e aos médicos: salvar a esposa ou salvar o bebê.
O médico informara que o procedimento padrão era salvar a mãe, porém ela havia manifestado o desejo que priorizassem o bebê. Eles estavam, é claro, tentando salvar os dois, mas o prognóstico não era bom.
E, na sala de espera, ele fechara os olhos e tomara sua decisão. Com um sussurro, escutado apenas pelo médico, ele se deixou cair na cadeira e sentiu as lágrimas, entaladas na garganta virem. Ele nunca esperara ter de chegar a esse ponto, ser encarregado dessa tarefa de Deus e Diabo. Como poderia escolher? Se a salvasse, ela iria odiá-lo para sempre, sabe-se lá que efeitos a perda do bebê iria fazer, sua depressão poderia voltar com tudo. No entanto, se a perdesse... Como criaria uma criança sozinho? Como iria viver sem ela?
(Não sabia. Não iria)
Entrando no quarto, horas depois, ele deixou o olhar cair sobre ela. Pousou as mãos sobre a dela, e não tentou limpar as lágrimas quando ela abriu os olhos. Ela não sorriu, pelo contrário, seus olhos estavam marejados, vazios. “Eles me contaram”, ela disse e não precisou especificar mais. Ele se sentou ao seu lado e passou a noite lá. Ela chorou o tempo inteiro, quis o culpar, mas não teve forças para isso. Ela o conhecia bem o suficiente para entender sua decisão.
Quando eles foram para casa e encararam o quarto vazio de bebê, ele não disse nada.
Era uma decisão dolorosa e ele queria nunca ter feito. Mas ele havia feito sua escolha há muito tempo e sempre seria ela. Poderiam tentar ter outro bebê, poderiam adotar uma criança. O que ele não poderia era viver o futuro inteiro sem ela. E não se arrependia.
(Porque ele jamais poderia se arrepender de estar com ela)

FIM

Nota da Autora:Olá! Essa é a primeira short-fic que eu escrevo, não sei se fiz exatamente direito haha Acho que exagerei nos parênteses, mas é que eu gosto deles... De qualquer forma, o drama do final soou um pouco desnecessário, mas essa era a proposta inicial da fic quando eu comecei a escrevê-la, o resto que acabou acontecendo sem querer. Espero que alguém leia e goste da fic!
Caso gostem do jeito como eu escrevo, em breve irei mandar para o site minha fic Puzzled Mind. Entrará em Outros/Em Andamento, provavelmente no segundo semestre/2013, infelizmente ela não será interativa por motivos técnicos (não consegui encontrar um jeito de fazer interatividade funcionar nela), mas sintam-se a vontade para conferir. Enquanto isso, podem também ler minha fanfic finalizada, Little Star, que é interativa. (:
Por favor, comentem o que acharam!
Obrigada a quem tiver lido e obrigada a Gabee, por betá-la.
Beijos,
Flávia.
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