Everything Changes

Fiction por Mari Lima | Betagem por Benny Franciss


“Ela o amava.” E com essa última frase, o livro mais interessante que já li finalmente chegou ao seu fim, realmente uma pena. Eu adorava ler, todos os tipos das mais diversas histórias, pois livros me levavam a uma realidade diferente, a outras dimensões além desse mundo gélido e monótono, onde as pessoas compreendem bem o significado de felicidade e reciprocidade.

- Lena! – Ouvi minha tia me chamar da cozinha, provavelmente esperando que eu a ajudasse com a louça. Eram sete horas do anoitecer de uma sexta-feira, geralmente eu sempre tinha alguma festa de faculdade ou algo programado com o pessoal de lá, eu era do tipo que se dá bem com todo mundo, fazia o máximo que podia para tentar agradar a todos, mas eu não gostava de deixar a tia sozinha em casa. Bem, falemos de tia .

Era uma mulher viúva, de seus cinquenta e poucos anos, trabalhava como representante comercial e era bem sucedida. Possuía cabelos lisos e castanhos escuro na altura dos ombros, usava óculos e estava sempre elegante, era dona de uma sabedoria imensa e achava que a paciência sempre fora uma virtude; tinha apenas um filho, com quem morava antigamente em uma pequena cidade do interior, de onde eu também era. Eu a conheci quando estava decidida a sair daquela cidade para fazer uma boa faculdade, na época ela estava se mudando para a mesma cidade do meu destino, e como era uma grande amiga de minha mãe, ofereceu sua casa para que eu morasse consigo e ela cuidasse de mim, uns anos depois minha mãe faleceu em um acidente, e ela definitivamente se tornou responsável por mim. Assim como eu, ela também havia sofrido uma grande perda, seu marido, Thiago , morreu também em um acidente, há oito anos. Eu evito tocar nesse assunto pois sei o quanto a magoa. O único que eu não conhecia era seu filho, seu nome era Paulo , tinha 22 anos assim como eu, e também fazia faculdade, mas em outro país, eu nunca entendi bem o porque dele não morar conosco, já que ele era a única coisa que lhe restava, e o porque eu nunca o conheci, mas enfim, isso era o de menos.

- Com os fones de ouvido outra vez? – ela disse sorrindo, aquela mulher era dona de um enorme coração.
- Não, tia, eu só estava... distraída. – falei dando de ombros enquanto pegava o pano de prato para secar os talheres lavados.
- Pensando em que, minha querida? – perguntou com sua voz suave e bem baixinha, ela sempre conseguia acalmar qualquer um.
- Acho que na vida... – soltei um longo suspiro.
Ela riu, enxugou as mãos e depois as depositou em meus longos cabelos castanhos, querendo fazer-me um carinho.
- A vida é realmente espantosa, mas você é uma moça jovem, inteligente, bonita, e tem muito o que viver ainda. E eu farei sempre tudo o que estiver ao meu alcance para vê-la sorrindo, como a filha que eu nunca tive... – eu a abracei, ela era realmente incrível. Não digo que não sofri com a morte de minha mãe, mas perdê-la seria bem pior.
- Mas agora me conta, como anda o coração? – ela continuou.
- Batendo, tia! – ela riu e passou a mão sobre meu rosto.
- Ai Lena, o amor é uma das melhores dádivas da vida, você ainda irá aprender isso.

Helena , 22 anos, nascida em 4 de Outubro, Libra. Olhos , lábios finos e dentes grandes, sardas na região do nariz e maçãs do rosto, cabelos e ondulados, compridos até a cintura, 1,69m, 59kg, estudante de filosofia, solteira.
Fazer autobiografia na escola era bem mais fácil do que me descrever em palavras, meu espelho jamais refletiria o meu eu interior, e digamos que eu era um pouco complicada, mudava de humor bem rápido, era maníaca por limpeza e organização, vaidosa, atenciosa com outras pessoas, pode se dizer que extremamente inteligente, tímida... O que mais faltava? Bom, de acordo com a tia , alguém que me complete. Mas eu discordo, acho que estou perfeitamente normal e a altura de um futuro de sucesso, além do mais, eu vejo como ela se sente vazia todos os dias, aparentando ser a sensação mais desagradável do mundo, eu não quero acabar assim.
- Boa aula, me ligue assim que acabar para que eu venha buscá-la. – minha tia acenou e eu entrei no prédio da faculdade, hoje era segunda-feira, primeiro dia da semana de provas. Eu já estava acostumada com a aparência de pânico das pessoas, era realmente hilário algumas vezes, não que eu não estivesse nervosa, mas no geral eu estava preparada.
Cumprimentei algumas pessoas e fui direto para meu lugar, o professor distribuiu os exames e eu respondi tudo aceleradamente, como de costume. No entanto, a última questão realmente me confundia, eu não estava conseguindo resolvê-la, mas eu não me permitiria errar, não pelo tanto que estudei, minhas notas eram importantíssimas para mim. Por um momento me vi travada naquela pergunta, eu me movia desconfortavelmente na cadeira dura, minha perna balançava aceleradamente, e de maneira alguma eu conseguia aliviar a tensão, restavam apenas seis alunos na classe, eu era um deles.
Escrevi as primeiras palavras que vieram em minha mente e entreguei a prova, tomada por náuseas, arrumei meu material e estava prestes a sair da sala, quando a professora me parou.
- E então, Helena, como foi? – ela me perguntou com um sorriso nos lábios.
- Não tenho certeza... – respondi indiferente.
- Tenho certeza que se saiu muito bem, é uma aluna excelente! E é por isso que venho lhe pedir que nos ajude em uma causa nobre. O aluno novo, , está com algumas dificuldades de se adaptar na matéria... – causa nobre? Eu adorava ajudar as pessoas, fazia isso de bom grado, mas eu conhecia bem aquele tipo de garoto, ele não era do tipo que se esforçava pra entender, acho que nem sequer prestava atenção nas aulas ou estudava, e eu era do tipo que não tinha paciência alguma com gente irresponsável desse nível.
- Farei o possível. – acenei com a cabeça e me retirei levemente frustrada de lá. Liguei para tia e depois de um tempo fui pra casa. Picava os tomates para a salada do jantar do dia seguinte brutalmente, enquanto escutava minha tia rir por minhas costas, eu a fuzilei com os olhos e fiz uma cara de criança emburrada.
- Cara feia pra mim é fome, dona Lena! – ela falou e eu comecei a sorrir, não disse que aquela mulher acalmava todo mundo?
- Ai tia , eu só não quero ter que me prestar a fazer papel de tonta, aquele garoto boçal não aprenderia as leis da sabedoria humana nem se Einstein em pessoa o ensinasse! – bufei indignada.
- Mas gente, não pode ser tão ruim assim. Você já deu uma chance a ele? É como um de seus colegas, você adora ajudar as pessoas... – em partes ela tinha razão, mas eu não conseguia ver o lado bom daquela situação. Travei os dentes e fiz um gesto agressivo com o punho no ar, enquanto tia foi atender seu celular que havia tocado, um sorriso involuntário se formou em seu rosto após escutar a voz do outro lado da linha, era Paulo. Eu notava o quão feliz ela se sentia quando ele ligava, afinal, era a única pessoa que lhe restava. Uma vez me lembro de ter visto uma foto dele em cima da escrivaninha de seu quarto, mas ainda era um menino, se parecia muito com ela pelo que pude perceber, aliás, uma bela foto dos três... Pergunto-me ainda como ela consegue ver aquilo todos os dias e não se sentir sufocada, ela era realmente uma pessoa forte, enquanto eu era extremamente sentimental, acho que eu não suportaria algo desse tipo, quer dizer, era a família dela, e eu nunca tive muito contato com minha mãe, apesar de vivermos na mesma casa, infelizmente não éramos muito apegadas.
Tia desligou o telefone e algumas finas lágrimas escorreram de seu rosto, então eu a abracei e beijei sua bochecha.

- Como ele está? – sussurrei.
- Bem... – respondeu, secando as lágrimas com a manga da blusa.
- Que ótimo! Mande lembranças quando ele ligar novamente. Vamos comer? – falei a conduzindo para a mesa.
- Daqui três meses ele entra de férias... estava pensando em chamá-lo para passar uns dias aqui. – ela falou toda empolgada.
- Seria maravilhoso! – sorri, mostrando meus dentes grandes que cobriam uma parte de meu lábio inferior, várias pessoas já haviam me dito que eu era dona de um sorriso "cativante".
Após o jantar, ela me levou para a faculdade, e hoje infelizmente eu conheceria o garoto que estava me deixando louca, de stress é claro. Andava pelo longo corredor em direção a sala de aula, quando encontrei com meus amigos perto da escadaria.
- Lena! – uma delas veio me abraçar, Lorena, um amor de pessoa sem dúvidas.
- E ai, pessoal. – cumprimentei.
- E ai, estudando bastante? Mas é claro, que pergunta tola a minha! – sorri e senti minhas bochechas coradas, gostava que as pessoas me achassem estudiosa.
De repente, um garoto estranho vinha em nossa direção, eu conhecia praticamente toda a faculdade, mas realmente não me lembro dele, era alto, trajava um jeans rasgado com uma blusa toda estampada, sua barba era bem feita, seus cabelos despenteados, possuía vários tipos de fitas coloridas no braço esquerdo, ele chamava atenção por onde passava, e era dono de uma beleza exorbitante pelo que posso dizer, será que estava perdido?
- Alguém ai sabe quem é Helena ? – ele perguntou-nos bem devagar com sua voz levemente rouca.

Não é possível! Não é possível! Aquele garoto era pra quem eu teria de dar aulas particulares? AQUELE? Ele não é de maneira alguma como eu o imaginei, até o paquerei por alguns segundos, que ódio.
- ? – perguntei saindo do transe, e ele concordou com a cabeça.
- Eu sou Helena . – falei rudemente, o garoto estendeu a mão para que eu a apertasse, mas eu o ignorei e sai andando, ele me acompanhou.
“Já vi que isso vai ser osso!” Escutei ele falar baixinho atrás de mim.
- O que foi que você disse? – me virei para fitar seus enormes olhos , eu reparava até nos detalhes insignificantes das pessoas.
- Nada! – ele me olhou assustado. - Que bicho te mordeu, garota?
- Eu vou ser bem direta com você, ...
- . – ele me interrompeu.
- , eu não tenho muita paciência como pode perceber, muito menos com gente como você que tem tudo de mão beijada e não possui um pingo de interesse em ser alguém na vida. Eu vou explicar e você vai prestar atenção de um jeito ou de outro, suas notas dependem de mim e eu não vou aceitar que você tire menos que a média estipulada pela faculdade agora, porque eu não gosto de fazer papel de tola. Fui clara? – continuei, quase enfiando o dedo na cara daquele pobre coitado.
- Sim, senhora! – ele respondeu com cinismo. - Excelente, assim que eu gosto. Vou anotar o endereço da minha casa e você irá lá amanhã pelas duas da tarde para começarmos. – falei, escrevendo rapidamente o endereço em uma folha de seu caderno.
- Tudo bem, eu só acho que você tem que ser menos marrenta, pra que a gente se de bem.
- Acontece que minha intenção não é me dar bem com você e sim te ensinar a matéria. – falei entregando seu caderno de volta.
- Estarei lá. – ele sorriu e saiu andando. O que havia acontecido comigo? Eu nunca fui grossa com as pessoas! Mas do que adianta negar, eu me senti irritada por ter me interessado por ele em partes, que estupidez a minha, eu não estou necessitada nem nada do tipo.

Acordei na manhã seguinte bem cedo, simplesmente eu havia perdido o sono, o que era bem raro de acontecer. Demorei uns minutos para me levantar completamente, abri a janela e admirei o tempo lá fora, estava parcialmente nublado, o sol estava praticamente invisível atrás das nuvens cinza que cobriam o céu, os carros circulando pelas ruas normalmente como de costume, as árvores balançavam de maneira suave, mais um dia começara, eu até gostava de rotinas, quando bem vividas. Em seguida fui ligar o computador e checar meus emails, geralmente eram de pessoas que eu havia conhecido em outros países, mandando lembranças. Tia e eu já visitamos vários países, devido a sua profissão, ela geralmente fazia muitas viagens ao longo do ano, e eu a acompanhava sempre que podia. Eu tinha até cartões postais de lugares por onde passamos, colados em uma das paredes de meu quarto, eu adorava decorações, e essa parede era reservada apenas para minhas memórias, fotos, bilhetes de amigos do colégio e agora da faculdade, resumindo, era o meu mural pessoal. Uma das viagens mais sensacionais que fizemos foi para Londres, um país que definitivamente ultrapassava dos padrões exorbitantes de beleza, seus habitantes eram totalmente hospitaleiros e cultos, eu adorava pessoas cultas, a culinária era perfeita, e a melhor parte, fazia um frio extraordinário, o que me rendeu roupas maravilhosas, sem falar que a companhia de minha tia era insubstituível. Enfim, tudo lá era divino, tenho até uma foto em especial dessa viagem na parede, minha favorita, eu e tia estávamos abraçadas, encolhidas pelo frio imenso que fazia, e abarrotadas de roupas, cachecóis e botas, a paisagem do fundo era linda, as ruas bem iluminadas e a neve caída nas árvores sem folhas do inverno, meu cabelo comprido sendo chicoteado pelo vento... Aquela imagem sempre me arrancava sorrisos, e me trazia ótimas recordações. Por mais incrível que pareça, já faz três anos que nós duas moramos juntas, muitas coisas se passaram nesse meio tempo.

Trinta novas mensagens, era realmente muito agradável saber que as pessoas se lembravam de mim. Respondi tudo, e aproveitei para entrar no site do colégio e ver minhas notas, não para me gabar, mas meu boletim era realmente impecável, porém minha maior surpresa foi ver a nota da minha prova dessa semana, eu havia acertado tudo, mesmo a questão que me tirou do sério na hora de ser resolvida. Deixei escapar um grito, e logo tapei a boca com as mãos, me lembrando que, provavelmente pela hora, tia ainda estava dormindo. Resolvi então ouvir um pouco de música até pegar no sono novamente, normalmente eu me afogaria em algum livro, acho que de manhã é o melhor horário para a leitura, mas já li todos os livros de minha estante, e o novo que pedi pela internet só iria chegar infelizmente daqui a um mês.

Um tempo depois, acordei assustada com alguém me cutucando, era tia , abri os olhos lentamente e tirei os fones do ouvido, ainda tocavam algo, ela estava me avisando que o almoço já estava pronto. Olhei no relógio, já eram onze e meia, me arrumei devidamente e desci para comer.
- Anotou a placa? – titia perguntou, despejando um pouco de suco no meu copo.
- O que? – respondi distraída.
- Do caminhão que passou por cima de você!
- Ah não... Eu só passei do ponto mesmo. – falei sorrindo.
- É hoje que o tal garoto vem aqui?
- Poxa vida, tia, tinha me esquecido completamente! É hoje sim. – respondi, me servindo de mais lasanha, era meu prato favorito.
- Sabe, estou orgulhosa de você, querida. Vou ter que dar uma saidinha agora à tarde, resolver uns negócios de banco, mas antes do jantar estou de volta, tudo bem?
- Mas é claro, tia. Essa lasanha está uma delícia! Foi a senhora que fez? – perguntei.
- Ah obrigada, meu amor, mas não está tudo isso. Estou sofrendo com a ausência da Lúcia! – ela respondeu rindo, Lúcia era nossa empregada, que estava de férias.

**


Estava vendo televisão jogada no sofá, quando ouvi o interfone tocar, provavelmente era aquele garoto, titia já havia saído.
- E ai... – ele falou sorrindo quando eu abri o portão. - Entra. – respondi indiferente. - Foi meio difícil achar seu bairro. Uau, bela casa! – ele falou boquiaberto, realmente era uma casa grande.
- Obrigada, o meu quarto é por aqui. – até eu percebi que estava sendo meio chata com ele aquela hora, o garoto não havia me feito nada e estava se saindo bem em quesitos de comportamento até o presente momento. Ofereci a ele um banco para sentar ao meu lado, de frente para minha escrivaninha, e abri os livros.
- Aceita uma água, refrigerante? – tentei ser agradável.
-Não, valeu... – ele falou folheando as páginas de meu caderno rapidamente. - Quanta anotação!
- Eu presto bastante atenção na aula... – falei em um tom irônico e ele me fuzilou com os olhos. -Acho que paramos no capítulo 7.
Abri nas páginas e comecei a explicá-lo tudo o que eu sabia, notei que ele parava para fitar algum ponto inexistente do quarto, aquilo já estava começando a me irritar, mas decidi continuar.
- ! – dei um berro e fechei o livro com força, meia hora depois e ele ainda estava desatento. – Minha paciência está se esgotando com você!
- Que foi garota? Você ta me dando tédio! – ele respondeu irritado, minha vontade era apenas meter a mão na cara daquele garoto estúpido, eu disse que ele não prestaria atenção e eu faria papel de boçal. Eu já não tinha paciência, imagina naquela situação!
- Melhor você ir pra casa! – falei travando os dentes e apontando com o dedo indicador a porta. Ele apenas suspirou fundo e saiu do quarto, descendo as escadas, abri a porta de entrada e ele saiu dando as costas, virou-se repentinamente e fitou meus olhos enfurecidos.
-Helena, eu... – mas antes de ele pudesse terminar, fechei a porta em sua cara, eu geralmente era educada com as pessoas, mas não quando estava fora do sério, tia dizia que tinha medo de mim quando eu ficava estressada, acho que por isso ela me mimava tanto, e sempre deu certo, não há nada que eu consigo fazer ao lado dela além de sorrir.

Terminava meu banho enquanto cantava uma música qualquer bem alto, e sem importância em errar a letra, quando ouvi a porta do meu quarto se abrir, minha tia havia chegado.
- Oi, tia. – falei saindo do banheiro enrolada em uma toalha. - Olá, querida, comprei umas coisinhas. – ela respondeu depositando uma porção de sacolas em minha cama. Eu adorava quando tia saia pra “resolver suas coisas”, ela sempre passava no shopping depois e me trazia umas coisinhas, com seu bom gosto impecável.
- Ah muito obrigada! São lindas! – agradeci enquanto admirava o belo par de sandálias que ela havia comprado pra mim. –Eu realmente não sei o que seria de mim sem a senhora! – ela sorriu e me abraçou. – Eu te amo. – sussurrei sem seu ouvido.
- Eu também meu amor, muito. E ai, como foram as coisas hoje? – ela falou organizando algumas roupas que eu havia deixado em cima da cama.
- Péssimas! – falei com um tom de deboche em minha voz.
- Deixe-me ver... Você gritou com o rapaz e o mandou embora? – comecei a rir, ela realmente previa as coisas.
- Foi mais ou menos... – respondi, fazendo uma careta.
- Você tem que ser mais paciente, Lena. Tem que cativá-lo e chamar sua atenção, fazê-lo ficar interessado em suas palavras. – ela falou com sua voz doce, e foi caminhando em direção a porta. – Vou pedir lanches, não estou com a menor vontade de encarar o fogão hoje.
- É, pode ser... Eu vou tentar mais! – suspirei desapontada, o que ela dissera realmente era verdade. – Já desço.

Após o jantar, ela me levou até a faculdade. Andei rápido pelos corredores em direção a minha sala, e me sentei na carteira mais distante possível, eu estava com um ódio mortal daquele garoto, não só por ele ser desatento, mas por eu não ter conseguido fazê-lo entender a matéria. O mesmo atravessava a sala para seu lugar naquele momento, por um instante meu olhos se encontravam com os seus, que estavam a me olhar, virei o rosto e fitei o chão, enquanto ele seguia seu caminho. O fim da aula havia chegado, notei que meus professores estranharam o fato de eu estar no fundo por suas feições de desagrado, eu geralmente era a aluna que mais participava das aulas, mas isso não importava, eu apenas estava evitando me encontrar com , para que eu não passasse vergonha, ele me chamou de “entediante”.
Mas por que eu estava preocupada? Ele era apenas um garoto burro.
- Hey Lena! – uma amiga minha, Carol, veio me cumprimentar na porta da sala, me tirando de meus pensamentos.
- Oi, Carol. Quanto tempo.
- Eu que o diga! Como vai você? – ela falava com um sorriso radiante.
- Ótima, e você?
- Também... Então, vim te convidar pra sair com a gente na despedida do Felipe, esse sábado. Topa?
- Claro! – respondi empolgada, eu gostava de sair com meus amigos mais que tudo, acho que até mais do que estudar, fazer o que né, não que meus livros não fizessem com que eu me sentisse querida, mas eles faziam mais.
- Ok, eu te ligo. Beijos. – dei um abraço rápido nela e segui em direção a saída, onde minha tia provavelmente me esperava, quando fui surpreendida, por .
- Helena... – ele tinha uma feição de desespero, e eu compreendia, ele precisava entender a matéria pra passar, ele precisava de mim pra entender a matéria.
- Amanhã, à mesma hora, na minha casa. – eu o interrompi e sai andando, escutando o garoto expressando um gesto de felicidade atrás de mim.

Duas da tarde, e ele estava de pé parado a minha porta, conforme havíamos combinado. Olhava-me desconfortavelmente enquanto eu falava e mantinha meus olhos vidrados no caderno, fazia um barulho irritante com a bola de chiclete e o silêncio reinava sobre nós, a não ser por minha fina voz falando sobre o conteúdo que parecia não entrar em sua cabeça novamente, eu realmente não sabia o que fazer.
- Por que você está me olhando tanto? – falei, virando meu rosto vagarosamente para olhar para o seu.
- Não era pra prestar atenção? – ele falou com sua cara de cinismo costumeira.
- Estourando essa bola de chiclete nervosamente? – falei com um sorriso sarcástico.
- É que... Você tem bastante sardas... E são legais. – ele riu, um sorriso maroto se formou no canto de meus lábios, e senti minhas bochechas corarem instantaneamente.
- Obrigada. – falei saindo do transe. Ficamos em silêncio alguns momentos, peguei uma caneta qualquer e prendi meu enorme cabelo em um coque, eu realmente odiava cortar o cabelo, só dava uma aparada nas pontas quando ultrapassavam minha cintura, não havia um motivo específico pra isso, eu só não gostava.
- Então, eu consegui entender até o capítulo 3, depois disso me perdi. – ele disse quebrando a tensão.
- Nossa, um progresso já! – respondi, revirando os olhos.
- Para de ser assim! – ele riu e se levantou.
- “Assim?”
- Seja menos você, sabe?!
- Não, não sei! – aquelas palavras fariam bastante sentido se ditas por outra boca, afinal, era uma espécie de forma filosófica de se pensar, mas eu realmente não compreendia aquele garoto boçal. –Enfim, já são quatro horas e sua aula acabou! – continuei.
- Delicada você, hein? Por que já não me manda embora direto? – ele sorriu se dirigindo até a porta, ele sorria em qualquer situação, como tia .
- Sempre! Tchau. – fiz menção de fechar a porta mas ele me interrompeu.
- Não vai bater na minha cara de novo, né? – fez uma cara realmente de dar pena.
-Até amanhã... – falei e soltei um sorrisinho fraco, ele piscou com um dos olhos e aquilo fez meu sangue correr um pouco mais forte nas veias, por algum motivo inexplicável, subiu em sua moto e foi embora, moto bem sofisticada pelo que pude notar, ele tinha cara de ser “filhinho de papai” mesmo, babaca.

Sete horas e minha amiga, , buzinava como se não houvesse amanhã na porta de minha casa.
- Volte logo, ok? – tia segurava meu casaco ao pé das escadas, como se eu fosse sua filha mais nova, mas eu não me importava nenhum pouco com todo aquele carinho.
- Boa noite. – dei um beijo estalado em sua bochecha e fui para o carro.
- Por que não buzinou mais? – falei cumprimentando minha amiga, ela era minha colega de sala, estava comigo desde meu primeiro ano na faculdade, éramos realmente inseparáveis.
- Mais um pouco e eu entrava lá e te puxava pelos cabelos, Lena! – ela falou rindo.
- Uau! Você está um arraso! Vai pro baile encontrar seu amor? – falei num tom de gozação, enquanto abria o vidro do carro. Outra mania estranha minha, eu gostava de andar com o vidro aberto, olhando pro céu, um costume meu desde pequena, aquilo me parecia um pouco nostálgico, nostalgia era um bom sentimento às vezes.
- Que isso! Linda está você, só acho que deveria experimentar passar delineador, ficaria melhor ainda! – ela agradeceu, e fez sinal para que eu ligasse o rádio. Apenas a olhei com uma cara de “não, obrigada”, aquilo não combinava comigo, minhas maquiagens geralmente eram bem suaves.
- Não tenho a intenção de encontrar ninguém lá, mas tenho alguém pra você. – desviei minha atenção das nuvens para ela.
-Que história é essa, dona ? Não estou necessitada a esse ponto! – falei indignada.
- Deixa de ser boba! Ele é um cara bacana, e acho até que vocês combinam... Aproveita! É só uma noite! – ela falou sorrindo, e começou a cantarolar a música do rádio. Eu apenas mexia a boca, gostava daquela música também.
Minutos depois, chegamos ao tal barzinho. Era pequeno, bem legal e aconchegante, possuía uma bela decoração, e estava lotado de pessoas, no canto estava a mesa com o pessoal da faculdade.
- Oi, Lena! – falaram em coro, e eu acenei com a mão. e eu sentamos nas duas primeiras cadeiras da ponta da mesa.
- E ai, gente? – Felipe veio nos cumprimentar.
- E ai, Fê, vai finalmente se formar? – falei, dando um abraço no rapaz.
- Vou sim, Lena! – ele respondeu cheio de felicidade.
- Ta certo, você merece. Vamos sentir sua falta.
- Igualmente, meninas! – voltamos a nos sentar, e o garçom veio nos servir.
- Um refrigerante, por favor. – pedi, e em cerca de minutos ele voltou com uma Coca-Cola. Abri a latinha e despejei o líquido no copo, começou a me cutucar.
- Que foi? – perguntei, enquanto dava o primeiro gole.
- Ali o garoto que te falei no carro! – ela apontou disfarçadamente em direção a porta, para um garoto alto que entrava, minha visão geralmente falhava a distância, já citei que uso óculos? Não diariamente, mas enfim, conforme o garoto se aproximava mais, seu rosto reluzia melhor a luz. NÃO PODIA SER! Senti o refrigerante descer apertado por minha garganta, eu estava rezando para que minha visão estivesse errada.
- Oi, galera. - era , o próprio, meus olhos realmente não me enganavam.
- Não é lindo? – perguntava suspirando. - ? Não acredito que você queria me arrumar pra esse cara! Eu pensei que fosse minha amiga! – falei quase cuspindo o líquido. Antes que ela pudesse responder, aquele desprezível se sentou ao meu lado, se virou pra mim e começou a rir, enquanto eu tentei disfarçar minha cara de quem iria cuspir marimbondos.
- Helena , você por aqui, quem diria! – ele riu, e eu o fuzilei com os olhos.
-Vocês se conhecem? – estava totalmente confusa.
- Não esperava me ver aqui né... – ele continuava a rir, não me ousei a dizer uma só palavra.

Eu jamais imaginava que ele pudesse aparecer, aquela não era bem a turma que ele costumava andar, eram os meus amigos, e definitivamente não tinha espaço pra ele naquele grupo. Realmente não sabia qual reação ter, eu simplesmente me sentia fisicamente congelada, mirava um ponto qualquer inexistente, qualquer coisa que não me fizesse olhar nos olhos daquele estúpido. Não havia, ou melhor, nunca houve motivo algum para que eu o odiasse tanto, eu só sentia, sem explicação. Ele me tirava do sério e ativava completamente o meu sistema nervoso, ele fazia o sangue ferver em minhas veias, só de olhá-lo, eu ficava fora de mim, me transformava em outra pessoa. Eu era o 80 e ele o 8, era racional de se esperar que dois seres tão incompatíveis se estranhassem dessa maneira, ele apenas me deixou uma péssima impressão sobre sua pessoa. Mas o mais absurdo dessa baboseira toda, era o fato de dizer que nós combinávamos juntos, onde ela estava com a cabeça? Minha fúria aumentava conforme a noite corria, ele estava bem ao meu lado e eu comecei a me sentir desconfortável, precisava ir embora de alguma maneira, mas não deixaria meus amigos na mão por um motivo ridículo desses.
De repente, ouvi soltar um muxoxo de desapontamento.
- Que foi? – perguntei.
- Tenho que buscar meu irmão no aeroporto, ele veio me ver.
- Sem problemas, eu ligo pra tia . - acenei pra ela, que se despediu de todo mundo e foi embora.
- Lena! O que você tem? Está tão quietinha hoje! – perguntou Camila, outra amiga minha, irmã de Carol, que estava sentada do outro lado da mesa.
- Só estou um pouco cansada. – dei um sorriso fraco como resposta, as pessoas já estavam começando a perceber, e eu não queria passar a impressão de que não estava gostando de estar ali.
- Ei... – ouvi a voz de me chamar baixinho, como se não quisesse chamar a atenção.
- O que você quer? – perguntei travando os dentes.
- Toma isso aqui, é pra relaxar... Qual é?! Confia em mim! – ele me olhou nos olhos e colocou um copo cheio de um líquido em minhas mãos. Era óbvio que eu não confiava em uma palavra que saía daquela boca rosada, e suja, mas algo me dizia que ele não estava mentindo pra mim. Engoli tudo de uma vez, por alguns minutos não senti gosto de nada, não me parecia bebida alcoólica, nunca fui de beber mais que uma cerveja ou outra, aquilo estava mais pra um refrigerante com um gosto estranho e amargo, mas por alguns segundos posso dizer que me trouxe uma boa sensação, eu me senti “melhor”, sentimentalmente falando, tinha disposição pra dar e vender.
- Mas o que... – antes que pudesse terminar, ele me cortou com sua risada histérica.
- Eu disse! – piscou novamente com um dos olhos e voltou a prestar atenção no outro lado da mesa.
Esqueci da existência de e me concentrei em meus amigos, eu me sentia mais relaxada, e o resto da noite passou voando, comemos, bebemos, conversamos, e principalmente rimos bastante, o que me fez lembrar o porquê de eu gostar tanto de sair com meus amigos.
- Faça uma boa viagem, vamos sentir saudades! – nos despedimos de Felipe, que já havia se formado e agora finalmente, começaria sua vida em outro lugar. Já era tarde, muito tarde, não valia nenhum pouco a pena interromper o sono de tia , que provavelmente já estava dormindo há tempos, e eu já era bem grandinha, podia muito bem me virar sozinha, então resolvi chamar um táxi.

- Atende... caramba! – mas será possível? Não atendiam no ponto de táxi, e eu não tinha mais nenhum telefone pra discar, os ônibus não circulavam mais pelas ruas á essas horas... Acho que vou a pé pra casa, se bem que é longe demais, mas uma caminhada de vez em quando não faz mal a ninguém.
- Esperando o namoradinho? – ouvi aquela voz sarcástica perguntar atrás de mim.
- Se eu tivesse um... – me virei para encará-lo.
- Eu te dou uma carona. – ele falou, me oferecendo um capacete.
- Não precisa, eu vou andando. – respondi decidida.
- Garota, você é maluca né? Você mora praticamente do outro lado da cidade! Vem, anda logo. Última chance... – ele sorriu e me entregou o capacete, contrariada, eu o coloquei e sentei atrás dele em sua moto, lacei meus braços por sua barriga e segurei firme, odiava andar de moto. corria, corria muito, pude sentir o vento gelado da madrugada embaraçando meus cabelos longos, finas lágrimas se formavam no canto de meus olhos, às vezes sentia medo, outras vezes certa emoção. Aquilo era absurdamente esquisito, eu, sentada na garupa de uma moto, de madrugada, com um cara estranho... mal dava pra acreditar.

Ao chegarmos em minha casa, ele desligou a moto e me ajudou a descer dela.
- Prontinho, está entregue. – ele abriu o sorriso mais radiante que já tinha visto em qualquer outra face.
- Muito obrigada, mesmo. – sorri de volta, por mais estranho que isso soe, aquele não era um sorriso forçado, ou falso, era literalmente um sorriso maroto.
- Estamos quites, pelas aulas, digo.
- É, parece que sim... Então boa noite. – fiz menção de beijar seu rosto, mas meio que congelei novamente na hora, eu estava envergonhada, muito envergonhada, era a primeira vez que algo de tipo acontecia comigo, então apenas dei-lhe um aperto de mão amigável e ele foi embora, fechei a porta e subi as escadas em silêncio absoluto, inclusive segurando os sapatos nas mãos.
- Lena... – tarde demais, ouvi a voz rouca de tia me chamar, ela tinha mania de dormir com a porta aberta, algo que eu não conseguia. Entrei vagarosamente em seu quarto e me inclinei para beijar sua testa.
- Boa noite, tia. – ela se virou e eu segui para meu quarto, acho que ela só queria ter certeza que eu havia chegado em casa bem, ela se preocupava muito comigo, e com Paulo, é claro.
Tirei a maquiagem e fui direto pra cama, estava tão cansada que nem sentia vontade de checar as fotos do evento que provavelmente haviam sido publicadas nas redes sociais, eu não esperava acordar antes da uma da tarde no dia seguinte.
O ocorrido com ainda perturbava minha mente, ele conseguia fazer com que eu me sentisse bem e mal ao mesmo tempo, seria isso possível? Aquela raiva toda não poderia ser transformada em afeto do dia pra noite, realmente não sabia explicar aquele sentimento indescritível, eu desafiava minha própria mente a seguir com isso, por mais surpreendente que parecesse ser.

Acordei "amassada", no dia seguinte, de tanto dormir, olhei no relógio ao lado de minha cama, já era bem tarde. Resolvi então me arrumar e ir ao escritório de tia , não estava nenhum pouco a fim de passar o dia em casa sozinha, não iria hoje, e mente vazia atrai lembranças. Passei pra comprar algo para comer no caminho, e fui até o ponto de ônibus mais próximo, eu geralmente dependia de minha tia para minha locomoção. Mas algo que ainda me perturbava era o fato de eu ter certo receio de lembrar-me da noite anterior, afinal, o que é que me preocupava tanto? Era só uma carona.
Subi no ônibus e coloquei meus fones de ouvidos, até que hoje ele não estava tão lotado, acabei chegando ao escritório antes do previsto, o transporte público daquela cidade era realmente horrível, toquei o interfone e a secretária de tia abriu a porta para que eu entrasse.

- Toc, toc... - falei, entrando repentinamente na sala de minha tia, que estava compenetrada em seu computador, digitando nervosamente.
- Lena! O que faz por aqui, meu anjo? - ela veio em minha direção para um abraço de boas vindas.
- Quis fazer uma surpresa. – respondi sorrindo.
- Mas que baita surpresa, não esperava você aqui. Eu estava enrolada com uma papelada aqui, mas já estava de saída para o almoço... Você comeu? – ela me fazia um questionário sobre como e porque eu estava ali, enquanto enrolava mexas de meu cabelo entre seus dedos.
- Comi sim, tia. Prefere que eu volte outra hora?
- Claro que não! Você não se importa de esperar aqui enquanto eu sair? – fiz um sinal negativo com a cabeça.
- Tia, posso te ajudar com a papelada... – um imenso sorriso se formou em seu rosto.
- Muito obrigada, Lena! É só terminar de copiar os relatórios das fichas que se encontram na segunda gaveta para o computador, não tem erro. – ela pegou sua bolsa, beijou minha testa e saiu, fechando a porta. Eu geralmente era bem ágil nas coisas que fazia, tia sabia que podia contar comigo para a tarefa.

Sentei na cadeira, em frente ao computador, e analisei bem a tabela em minha frente, obviamente não entendia nada daquilo, mas era só encaixar os itens em seus devidos lugares, não devia ser nada difícil. Abri a segunda gaveta da mesa, para procurar os tais papéis, e me deparei com algo que realmente me deixou bem curiosa, naquela mesma gaveta, embaixo de todos os papéis, havia um envelope de cor amarela, lacrado com fita adesiva, tia não costumava abri-lo muito pelo que pude notar. Eu nunca fui bisbilhoteira nem nada do tipo, principalmente porque eu não era muito de visitar o local de trabalho de minha tia, mas aquilo não parecia nada comprometedor, nem nada relacionado ao trabalho, dava mais a entender, que era algo que ela queria longe das vistas de qualquer um. Resolvi então abrir o envelope, com cuidado para poder lacrá-lo novamente depois.
Dentro dele não tinha nada além de fotos, diversas fotos, olhei-as uma por uma. Fotos de tia mais nova, com os cabelos compridos, e seu marido ao seu lado em todas elas, Paulo também estava em quase todas, algumas do casamento dela, outras do nascimento do garoto, todas as memórias que ela tinha sobre sua família. No meio das fotos, havia também um pedaço de papel, a página de um jornal para ser mais específica, naquele jornal estava a divulgação do acidente, do acidente que matou seu marido. Senti uma culpa enorme após ler sobre aquilo, o papel estava enrugado em uma parte, como se ela tivesse chorado ao ler, então tudo aquilo eram suas lembranças pessoais, como o mural de meu quarto. Agora eu finalmente havia entendido o porquê de ela nunca abrir o envelope, ela não queria mais mágoas, meu coração estava apertado, minha curiosidade tinha ido longe demais dessa vez! Organizei mais um pouco as fotos, e pude ver que no meio de todas elas, tinha uma minha, a alguns anos atrás, da época em que eu havia acabado de me mudar para cá com ela, um imenso sorriso se abriu em meu rosto, ela realmente tinha uma consideração enorme por mim, isso era demasiadamente confortante. Também posso dizer que “achei” uma foto atual de seu filho, ele era realmente um rapaz muito lindo, possuía olhos verdes, covinhas visíveis ao lado da boca devido ao seu sorriso largo, envolta de lábios grossos, pintinhas de sardas espalhadas por sua face, como as minhas, cabelos negros e despenteados, um pouco grandes, fitei aquela última foto com delicadeza antes de guardar tudo, e acabei soltando um longo suspiro involuntário.
Fechei o envelope exatamente como ele estava antes de eu olhá-lo, e o coloquei de volta em seu devido lugar, tia não precisava saber que eu havia visto suas coisas pessoas, eu sei que ela sofria no fundo, sofria muito, mas ela sempre fazia o possível para passar uma imagem contraditória a isso, e eu a entendo, odiava me sentir fraca, odiava quando descobriam minhas fraquezas, de repente alguém poderia usá-las contra mim, nunca se sabe. Peguei a papelada, e as preenchi corretamente no computador o mais depressa possível, meia hora depois titia estava de volta.

- E ai, querida, se divertiu? – ela perguntou sorrindo, enquanto entrava na sala e depositava sua bolsa em cima da mesa. Então eu corri, e a abracei com forca.
- O que houve, querida? – ela tinha ficado bem surpresa com o abraço repentino.
- Nada tia. Eu te amo, tá? – ela acenou com a cabeça e me apertou mais.

Um mês havia se passado, dias corridos e aparentemente intermináveis, e eu continuava na rotina costumeira de me dedicar aos estudos, não havia nada que eu achasse mais importante, ajudava tia em casa e em tudo que ela precisasse, e por mais incrível que pareça, estava me dando melhor com a cada aula, ele parecia finalmente entender algo e eu havia cedido um pouco o jeito bruto de lidar com ele.
Dias atrás ele havia, inclusive, me convidado para ir a sua casa. Era bem menor que a minha, mas não deixava de ser muito bem decorada e confortante, seu quarto era cheio de posters da banda SOJA e faixas contendo frases a favor da paz mundial, bandeiras coloridas, e etc., ele possuía um estilo bem diferente do meu, mas não deixava de me impressionar, tudo aquilo era tão fascinante. Eu havia bolado alguns métodos diferentes para focá-lo nas matérias, já que os tradicionais estavam falhando, e amigavelmente falando, estávamos nos dando muito bem. As aulas continuavam e os exames estavam próximos, estava finalmente preparado para eles, o que significava um grande progresso e que toda aquela minha "marra" para ajudá-lo tinha sido em vão. Ele era realmente um cara bacana e... O que? Eu estou falando bem de ? Não! Aquilo não significava nada, por favor.

- Sim, querido... A saudade está enorme! Helena e eu estamos esperando por você! - ouvi tia falar ao telefone enquanto eu terminava de finalizar um trabalho para a faculdade. Estava ali já havia algum tempo, aqueles óculos realmente incomodavam e me sentia muito cansada.
- Era Paulo. - ela apertou o telefone com força contra o peito enquanto me olhava, um sorriso enorme se formou em seu rosto.
- Que legal, tia, ele vem pra cá? - perguntei arrumando toda aquela bagunça imensa que eu havia feito sobre a mesa.
- Daqui um mês e alguns dias, já está com as malas prontas! - ela vomitava todas aquelas palavras transmitindo uma felicidade imensa que mal cabia dentro de uma mulher só.
- Finalmente vou conhecê-lo!
- Sim, acho que vocês irão se dar bem! Há quanto tempo não vejo meu Paulinho querido... - era assim que ela o chamava a maioria das vezes. Lágrimas brotaram no canto de seus olhos e eu corri para seu abraço, não disse uma só palavra enquanto ela engolia o choro.
- Falando em se dar bem, você e aquele garoto da faculdade estão bem próximos hein...
- O que? ? Não! Eu... - comecei a gaguejar enquanto tentava me justificar e ela gargalhou de mim.
- Não estou insinuando nada, meu amor. - ao final de nossa conversa, meu celular tocou, era ele.
- Agora? Mas são quase oito e meia... Tudo bem, vou me vestir.
Mal dava pra acreditar, havia me convidado para tomar sorvete, em plena terça-feira. Não tínhamos nos visto durante o dia, e eu nunca sai desse jeito, quero dizer, não com , apenas com amigos bem próximos, e não estamos indo para estudar, então seria um pouco estranho, mas não teria coragem de dizer não, era um convite amigável.
Pedi a tia que me levasse lá, com sua leve desconfiança, ela concordou. Alguns instantes depois apareceu, trajava sua bermuda costumeira, um par de chinelos e uma camisa bem colorida. Eu estava parada feito uma estátua na mesa escolhida por mim para nos sentarmos, enquanto ele devorava uma pilha de bolas de sorvete com cobertura de morango.
- Nossa como você come! - falei indignada.
- Que foi? Veio aqui pra ficar olhando pra minha cara? - ele falou com a boca cheia e eu fiz uma cara de nojo, enquanto ele ria.
- Não! Vim aqui porque você me chamou...
- Eu queria tomar sorvete, mas não gosto de sair sozinho. - ele deu de ombros e não tirou os olhos um instante sequer de sua colher.
- E por que chamou a mim? - aquela parecia ter sido uma pergunta totalmente inconveniente, parou e fitou um ponto inexistente na mesa, parecia estar procurando uma resposta.
- Sei lá. - foi tudo o que ele disse. Aquilo me intrigava em certo aspecto, significava então que éramos "amigos"? - Não vai querer nada? Qual é, eu pago... - ele continuou.
- Vou pedir uma casquinha de limão, obrigada.
O resto da noite correu tranquilamente, quanto mais conversávamos, mais eu mudava minha primeira opinião sobre , ele não era um boçal esquisito da faculdade, quero dizer, ele não era SÓ um boçal esquisito da faculdade, ele também era um garoto especial, que possuía uma inteligência insubestimável sobre valores e direitos humanos, e sabia argumentar como ninguém. Éramos praticamente os únicos naquele local, o que nos permitiu ficar até um pouco mais tarde conversando, e depois ele me levou pra casa, em sua moto, a segunda vez não fora tão estranha como a primeira.
- Muito obrigada pela carona. - disse enquanto tirava o capacete e ele desligava a moto.
- Eu que agradeço, me diverti. - ele disse fitando meus olhos, o que me fez corar instantaneamente.
- Eu também. - me aproximei sutilmente dele e fiz menção de abraçá-lo, mas gelei, e então ele me puxou pela cintura e me envolveu em um abraço carinhoso, meus braços mal podiam se mover, eu tremia interiormente enquanto ele se deixava envolver pelo momento. O que acontecia comigo? Era só um garoto! Um colega de faculdade! O que há, Helena! Meu rosto estava apoiado em seu pescoço, podia sentir sua barba a roçar a região de minhas bochechas.
Pisquei os olhos algumas vezes e finalmente soltei meus braços por suas costas, ficamos alguns segundos assim e então nos afastamos, mas não o suficiente para que nossos rostos perdessem o contato, e então ele selou nossos lábios. Assim, sem mais nem menos! Mais inesperadamente impossível! Eu não sabia o que fazer, então o empurrei bruscamente pra longe de mim.
- Helena, desculpa... eu não... quer dizer... ah!
- O que é que você tá pensando? - o olhei assustada, eu não poderia ter qualquer reação além daquela.
- Eu não ia fazer isso, sério! Foi... um impulso! - ele passava a mão nos cabelos nervosamente enquanto se justificava.
- Impulso? Oras! Nem nos conhecemos direito! - as palavras não me vinham a cabeça, eu realmente não me lembraria de nada dito naquela "discussão" alguns dias depois.
- Não nos conhecemos direito? Helena, você...
- Chega! Eu preciso ir, tchau. - dei as costas a ele e bati a porta com força, escorregando escorada na mesma. Ouvi o barulho da moto se afastando. Cenas do ocorrido ainda perturbavam minhas memórias... Não conseguia me decidir se havia feito a coisa certa, mas eu realmente não estava a espera de algo do gênero, nós apenas estudamos juntos! O melhor a fazer no presente momento era dormir.

- Festa na praia?
- Sim! Vai ser demais! Você vai né, Lena? - estava agitada com todo aquele alvoroço de festa de fim de ano. Esta seria uma das melhores, quase toda a faculdade estaria lá.
- Ah, eu preciso estud...
- Não ouse dizer mais nada, Helena ! - ela me cortou antes que eu pudesse terminar. -Você não entendeu, nós PRECISAMOS ir!
- Nós?
- Claro, você é minha melhor amiga! E todo mundo gosta de você, não terá a menor graça sem sua presença! - ela estava quase se pondo de joelhos aos meus pés.
-Tudo bem, iremos. - falei sem muita emoção.
- AI OBRIGADA! - ela pulou em meu pescoço.
Eu não tinha roupa alguma pra ir nesse tipo de festa, e sinceramente nem ânimo, mas eu irei e me divertirei demasiadamente, pois só tenho mais alguns meses para isso.
Tia transbordava de ansiedade e preocupação a cada dia que passava, uma vez que Paulo adiou o voo para dois meses depois da data que havia sido prevista para sua chegada, e isso me cortava o coração. Cabia a mim animá-la e acalmá-la todos os dias, "ele já está por vir, tia!".

Por fim, e eu havíamos ido na tal festa, eu usava uma coroa de flores na cabeça e uma saia rodada verde, tinha adorado o visual, e toda a decoração da festa estava adorável, tinha até uma fogueira, assim como os drinks e petiscos que estavam ótimos, todos dançavam loucamente com seus copos na mão perto do mar, a alegria exalava por todo canto daquele lugar, o tipo de ambiente que eu mais gostava de frequentar.
- Lena, que bom que veio! - as meninas vieram me cumprimentar, trazendo algumas bandejas junto. -Experimente isso aqui!
Algumas horas e alguns drinks depois e eu já estava me juntando ao grupo dos dançarinos, com os cabelos cheios de areia e a voz meio alterada, todos pareciam não querer sair dali nunca mais, inclusive eu. Por alguns segundos, procurei no meio daquele aglomerado de pessoas, mas não o encontrei. O dia já estava prestes a amanhecer e nós continuávamos ali, todos nós, menos , que havia sumido da minha vista há tempos.

- Carol, viu a em algum lugar? - perguntei pra pessoa "quase desmaiando" mais próxima.
- Tava lá no fim da praia com aquele carinha da faculdade...
- Que carinha?
- Aquele gato que escuta reggae... - as palavras saiam como sussurros de sua boca. Não podia ser! Estaria ela falando de ?
Corri o mais rápido possível para a direção que Carol havia apontado, eu me lembro de dizer a que ele não me interessava, e ela o achava bonito...
Foi quando parei de correr, eu já estava bem longe e sem sinal algum de pessoas a minha volta, havia me dado conta de que não tinha motivo para eu estar atrás dele, ou dela, nós apenas nos beijamos e ela é minha amiga, eu só quero o bem dela e se ela quiser ficar com ele...
- Lena! - ouvi uma voz se aproximar, era , e ela realmente estava com um garoto! Então era verdade... Levantei a cabeça firme para mirá-los, quando percebi que o tal garoto não era , não se parecia nenhum pouco com ele, estava longe disso.
- Este aqui é o Leonardo, nós estávamos nadando... Daqui a pouco levo você pra casa, ok? - falava pendurada no garoto de peitoral forte ao seu lado.
- Não precisa, eu já combinei com minha tia! A gente se vê... - acenei e sai andando, rindo por dentro, ele nem sequer havia ido a festa, e eu aqui, deduzindo coisas absurdas! Caminhava por aqueles lados da praia deserta, sentindo uma brisa suave balançar meus longos cabelos embaraçados, finos raios de sol clareavam meu rosto sardento e a água do mar cobria meus pés. Quando senti um braço me puxar bruscamente.
- Ai! Mas que diabos...? - estava parado a minha frente, me segurando contra seu corpo, estava tão lindo quanto o céu daquela manhã, que eu observava há segundos atrás.
- Eu acho que temos um assunto pra terminar. - ele falava com aquela voz inconfundível.

E então, passou a língua em meu lábio inferior e me beijou, como daquela vez, sem cerimônias, e eu não pude hesitar de maneira alguma, já estava envolvida demais a essa altura. O beijo mais doce e intenso que já senti, seus braços acariciavam a extensão de minhas costas, enquanto os meus laçavam seu pescoço, e ficamos naquele ritmo por mais algum tempo, até que me deitou lentamente sob aquela areia e ficou por cima de mim, agora beijava meu pescoço, e continuava com as carícias por todo o meu corpo, até que suas mãos apertaram minhas nádegas, e depois subiram para o meio de minhas coxas, acariciando as mesmas, meu corpo inteiro se arrepiava com cada toque seu, enquanto tentava subir suas mãos cada vez mais, até chegar na barra de minha calcinha, onde eu o parei.
- Acho que... não to pronta. - falei num tom meio tímido.
- Me desculpa, acho que extrapolei um pouco. - então, ele me ajudou a levantar, recostei minha cabeça em seu ombro, e ele me abraçou de lado, assistindo ao nascer do sol, sentados na areia, sozinhos, em silêncio, parecia surreal.
- Como foi que... nós...? - virei minha cabeça para fitá-lo, eu realmente não sabia como terminar a frase, não sabia nem o que realmente queria perguntar, se é que precisava perguntar alguma coisa. Ele apenas sorriu, e voltou a me beijar.
Depois de algum tempo, todos já haviam ido embora, inclusive , que sumiu a festa toda praticamente, então me levou até em casa. Toda molhada e com um sorriso amarelo estampado no rosto.
Eu tinha certeza que naquele momento, o mundo inteiro conseguia ouvir os batimentos acelerados de meu coração, talvez estivesse mesmo na hora de eu me dar uma chance...

- Batata frita?
- Sim! - exclamei animada.
- Não acredito que você quer sair pra ir comer hambúrguer! - ele falava indignado.
- Você disse que ia me deixar escolher! - fiz um biquinho tentando convencê-lo a me levar para lanchar, estava parado com sua moto na porta de minha casa, e estávamos prontos para sair. Algumas semanas haviam se passado e minha vida tinha virado completamente de cabeça para baixo após aquele beijo na festa da praia. e eu "começamos a nos ver frequentemente e já deveríamos estar em nosso vigésimo encontro".
- Tudo bem, madame, como você quiser! Mas antes de irmos, preciso te dizer uma coisa. - ele disse com um tom sério, meu sorriso se desmanchou instantaneamente.
- O que houve?
- Bem, Helena, eu... Eu acho que, gosto de você. - ele disse cabisbaixo, se estivesse olhando em seus olhos agora, teria certeza que estaria vermelho.
- Eu também gosto de você! - respondi sorrindo.
- Não, você não entendeu! Eu gosto mesmo de você, muito. - minhas bochechas se avermelharam no mesmo segundo, ele me fitava com o sorriso mais perfeito do mundo no rosto, acho que essa cena era típica dos livros que tanto leio, mas tinha conseguido fazer isso de um jeito exorbitantemente maravilhoso. Não consegui dizer uma só palavra, além de ter corrido para seus braços e tê-lo beijado com todas as minhas forças. Realmente eu não saberia dizer se aquilo era amor, ou uma paixonite aguçada, mas eu o queria, mais do que conseguia, e o mais incrível de toda essa situação, é que era recíproco.
Eu estava totalmente encantada com tudo! Passava momentos incríveis ao seu lado, seja pra sair e tomar um sorvete, ou ir fumar um baseado nos fins de tarde. Além de tia , ele era o único que me fazia sorrir sempre. Toda a nossa turma de amigos já estavam cientes de que saíamos, nós tínhamos uma "relação" excelente. Não sabia se era pra melhor, mas esse garoto conseguiu me mudar por inteira.
Semanas depois e os exames finais haviam chegado, e então nós estávamos formados. Com a formatura vieram mais despedidas, mais currículos, mais caminhos traçados, mais laços de amizades que se desfizeram, mais oportunidades, mais responsabilidades, e "mais futuro" pra cada um dos alunos daquela faculdade.

Alguns dias depois, e era a vez da minha despedida, finalmente, não sabia ainda onde iria trabalhar, mas já estava no fim da minha trajetória pela faculdade. Escolhi um bar muito legal no centro da cidade, todos estávamos muito contentes e realizados naquela noite, menos . Alguma coisa o incomodava, e estava visível pelo seu jeito calado e a maneira como roía suas unhas desesperadamente, ele nunca era assim, geralmente era o mais animado da turma, ele deveria estar feliz por mim.
- O que aconteceu? - perguntei fitando-o com cara feia.
- Nada... - ele me olhou com um olhar vazio.
- Eu te conheço, aconteceu alguma coisa! ... - falei com um tom preocupado, alguma coisa estava errada, muito errada.
- Meu amor, agora não, estamos todos comemorando o quão brilhante você é, depois conversamos. - após isso, ele se colocou de pé e propôs um brinde em minha homenagem. Porém nada conseguia me acalmar naquele momento, eu jamais havia presenciado em um momento tão desconfortável.
O resto da noite foi maravilhoso, nunca me senti tão triste por partir, mas feliz ao mesmo tempo, por ter conquistado pessoas tão especiais. Após a despedida, me levou pra casa, em um silêncio absoluto.
- Boa noite... - ele já se adiantava, mal eu havia descido de sua moto.
- , você não vai embora até me dizer o que tem! - cruzei os braços a sua frente, não poderia deixá-lo partir com aquela feição decepcionada em seu rosto.
- Lena, eu... - ele fez uma pequena pausa, para olhar em meus olhos. -Eu já não tenho mais tanta certeza assim do que sinto por você.
- O que? - antes ele não tivesse dito nada! Meu coração se prendeu em um único nó, eu desejava com todas as minhas forças que aquilo não estivesse acontecendo. - Você está me dispensando? Dessa maneira? No dia da minha despedida?
- Helena, eu sinto muito, mas eu não quero mais você.
- , você tem coragem de fazer isso comigo? Depois de tudo? Depois que eu me apeguei a você? - o desesperou tomou conta de mim naquele momento, sentia lágrimas quentes escorrerem por todo o meu rosto. Eu jamais esperava aquilo, não naquela noite.
- Não é você, Helena, sou eu! Eu não to pronto pra me envolver... Eu não sou cara de uma mulher só. - palavras seriam insuficientes para explicar o quão vazia eu me sentia, só queria abraçá-lo e dizer que ele estava errado, que estávamos indo tão bem... Mas a única coisa que pude fazer foi olhá-lo com desprezo, olhá-lo bem por uma última vez.
- Tchau, Lena. - seus olhos continham tanta mágoa quanto os meus, e então eu me virei e entrei em casa, enquanto escutava o barulho costumeiro de sua moto se afastar, uma última vez.

“Eu já não tenho mais tanta certeza assim do que sinto por você” algum tempo havia se passado e aquelas palavras ainda ficavam ecoando em minha mente, como lembranças tormentosas, eu sentia meu coração apertar e todos os meus sentimentos haviam sido esmagados, eu jamais esperava por aquela resposta. Talvez eu estivesse gostando dele de verdade! Ele não tinha o direito de fazer isso comigo! Não era nada racional da parte dele... Nenhuma conclusão a que cheguei parecia fazer mais sentido, não havia motivo algum pra isso. Meus olhos ardiam, e estavam visivelmente inchados devido às lágrimas que não paravam de escorrer sobre meu rosto, eu realmente estava magoada, e era impossível disfarçar. Eu estava perdida, me sentia a pior das criaturas deste mundo. Eu evitava as pessoas e todos os possíveis sinais de felicidade que o mundo trazia, evitava observar a paisagem, pois talvez coisas bonitas me lembrassem dele, e aquilo me irritava, e como! Apenas ficava trancada no quarto me lamentando de como a realidade era diferente de tudo o que eu já li em toda a minha vida! Por fim, coloquei na cabeça que deveria me conformar com a solidão. Todas as lembranças dele me sufocavam, talvez não fosse assim tão desesperados, talvez aquilo fosse somente um drama que eu inventei em minha mente, mas o pior de tudo era ter que aceitar. “Saudade” não era a palavra apropriada para descrever o que mais eu sentia naquele momento por ele, talvez seria melhor nunca ter me envolvido, ter escutado o lado do medo... Detestava me sentir fraca, mas desta vez eu não me cobrava sanidade, era realmente a sensação mais desgostosa do universo, a presença dele era irreparável, e de fato eu não estava conseguindo me acostumar com a "nova rotina".

Eu havia acabado o banho quando ouvi batidas em minha porta, abri e logo fui abraçada por tia .
- Minha querida... – eu a apertei mais forte, desejava que ela jamais me soltasse. –Estou muito preocupada com você, Lena! Olhe só seus olhos, estão vermelhos! – ela continuou.
- Tia, eu sei que estou péssima, a senhora pelo menos podia não me lembrar disso né. – soltei um riso fraco e ela sorriu, como sempre.
- Me desculpe. Sabe, Helena, quando meu marido morreu também não foi fácil pra mim, eu me sentia exatamente como você, em partes era ainda pior porque, eu sei que nunca mais vou vê-lo. Eu já era de mais idade e não tinha mais ninguém, o Paulo ainda era um menino, foi horrível pra nós, ver meu filho chorar a morte do pai... – ela fez uma pequena pausa, tirou os óculos e respirou fundo. Ela nunca falava sobre esse assunto. –Todos os dias ele lamentava de saudades, e eu tentava demonstrar que estava tudo bem, para que ele sentisse que estava tudo bem também. Tempos depois ele foi morar sozinho e eu decidi vir pra cá, aquela casa só me deprimiria cada vez mais, e você foi a melhor coisa que me aconteceu, por isso eu não quero vê-la nesse estado, eu não a julgo, pois entendo como você se sente, mas você ainda é jovem, tem muito o que viver, não fique se remoendo por isso, meu anjo, talvez não fosse mesmo pra ser desta maneira. Eu superei, você também vai, eu acredito cegamente nisso, pois você é forte, eu sei disso, e vejo muito de mim em você.
- Tia , me desculpa... – finas lágrimas começaram a escorrer involuntariamente por meu rosto, como eu estava sendo egoísta! Fazendo todo aquele dramalhão enquanto havia situações muito piores que a minha no mundo! Deixe de ser exagerada, Helena, era só um garoto babaca! Aquela história realmente havia abalado todas as minhas estruturas.
- Ah meu amor... – ela deitou minha cabeça em seu colo e passou a mão por meus cabelos. –Agora, vou preparar algo pra você e me prometa que vai comer!
- Eu prometo. – falei sorrindo, ela seria a única pessoa que conseguiria me arrancar um sorriso naquela situação.
Algo que minha tia ou qualquer outra pessoa jamais entenderiam, era que a primeira decepção sempre irá soar mais forte do que todas as outras, é algo natural da vida.
v Aquela noite havia sido tempestuosa, eu havia acordado bem cedo naquela manhã, mas ao invés do ar silencioso da casa, ouvia alguns barulhos vindos da sala. Calcei alguns chinelos e desci, de pijamas mesmo, o tempo estava nublado e se podia sentir o gelado batendo no rosto.
- Mãe, não chore! - escutei uma voz grossa e desconhecida vindo da cozinha, Paulo havia chegado.
- Eu só estou feliz! - ela se justificava chorosa. Tentei esconder-me atrás da porta da sala, mas infelizmente tia havia me visto.
- Lena? - suspirei fundo e caminhei vagarosamente até o local, não que eu não quisesse conhecê-lo, eu só estava com uma tremenda vergonha.
- Olá... - os saudei sem jeito ao chegar ao cômodo.
- Helena, este é meu filho, Paulo. - levantei a cabeça para olhá-lo bem, então um garoto extremamente alto veio me cumprimentar, seu cheiro era maravilhoso, e pude sentir todo o meu corpo esquentar ao tocar sua bochecha.
- Muito prazer, Paulo. - quase gaguejei, sentia minhas bochechas coradas, aquele garoto era extremamente lindo, ainda mais do que nas fotos, era o tipo de cara com quem todas as garotas da faculdade gostariam de sair. Seus olhos eram verdes vivos e suas bochechas levemente rosadas, junto de algumas sardinhas na região do nariz, igualzinho o de tia , aliás acho que já citei que ele se parecia muito com a mãe. Ele tinha lábios e sobrancelhas extremamente grossos, e covinhas ainda mais graciosas vistas de perto. Não possuía muitas expressões pelo que pude notar, sua face era sempre séria e tinha certo ar misterioso, mas ele era realmente charmoso. O que mais me chamou atenção, no entanto, eram seus cabelos, negros e despenteados, volumosos e com as pontas viradas em leves cachos. Eu não estava sabendo disfarçar, nenhum pouco.
- O prazer é todo meu. - ele deu um leve sorriso, deixando a mostra seus perfeitos dentes brancos, eram alinhados e não enormes como os meus. Um silêncio desconfortável tomou conta do momento logo em seguida.
- Paulinho, traga suas coisas até o quarto, filho. - tia o guiava até nossos quarto de visitas, que se encontrava ao lado do meu, no andar de cima da casa.
Fui até meu quarto me arrumar um pouco, Paulo não merecia me ver naquele estado deprimente, quando reparei que meu celular apitava na escrivaninha, era uma mensagem de : "Encontrei com no barzinho da rua 15, os garotos perguntavam à ele sobre você e ele negava qualquer sinal de afeto, como se nunca tivesse ocorrido nada entre os dois. Estou perplexa! Porém, não fique mal, amiga, você não merece isso. Qualquer coisa me ligue. Beijos.", no fundo, me sentia magoava ao ler aquilo, mas hoje eu tinha uma companhia diferente, deveria fazer de tudo para agradá-lo, e com isso, agradar a tia . Então, quem é que liga para o ?
Desci para almoçar e me deparei com Paulo e tia sentados na mesa, enquanto Lúcia os servia, ela nunca almoçava sem mim, mas eu compreendia perfeitamente o quão era importante aquele momento para ela, ele contava sobre sua vida fora, e ela o olhava com uma cara de fascinada.
- Lena, junte-se a nós! - tia me recebeu quando apareci na cozinha.
- Deveríamos tê-la esperado. - ele falou com a maior educação.
- Ah imagina, sem problemas.
- Eu estava pensando, por que vocês dois não saem juntos hoje a noite? - tia disse com a maior empolgação, fazendo com que eu e Paulo desviássemos o olhar da comida diretamente para ela. -Por que não? Assim vocês se conheceriam melhor, agora que vão passar algum tempo juntos aqui. - continuou.
- Ótima ideia. - concordei sorrindo, eu jamais conseguiria dizer não a tia .

- Vamos sim! - Paulo também concordou, e continuamos o almoço sem interrupções.
Passei a tarde dormindo, uma vez que de noite não conseguira nem por alguns instantes, e pretendia deixar tia mimar seu filhote um pouquinho.
Sete em ponto, e Paulo já estava pronto na sala, com os cabelos molhados e bagunçados, um camiseta preta, calça jeans e seus tênis. Aquele garoto só não era mais lindo, porque penso eu que o estragaria. Que coisa feia, Helena, ele é filho da tia ! Mas que ele era perfeito, não dava pra negar.
- Paulo, penteie esses cabelos! - tia teimava com o garoto.
- Pra que? Credo! - ele a olhava indignado, como se penteasse os cabelos fosse a coisa mais absurda do mundo.
- Então vamos? - perguntei, interrompendo a "discussão" dos dois. Eu estava bem básica, apenas com um vestido simples, meia calça e sapatos de salto, uma vez que Paulo e eu possuíamos uma diferença extremamente grande de altura. Iríamos a um barzinho qualquer, apenas para que ele conhecesse a cidade e eu saísse de casa um pouco, não valia a pena me remoer por um idiota feito . Tia emprestou seu carro e ele nos guiou, afinal, eu ainda não havia aprendido a dirigir, uma vergonha. Paulo escolheu um dos bares mais lotados da cidade, aquele ali gostava de um "auê" pelo que pude notar. Pra minha sorte, não havia ninguém da faculdade ali, ninguém pra me encher com perguntas sobre , não queria que Paulo soubesse de nada. Sentamos em uma mesa bem no fundo.

- Então, Helena... - ele tentou puxar assunto, não sabia bem o porquê, mas eu adorava quando ele me olhava nos olhos. - Faz faculdade do que aqui?
- Filosofia. E você, o que faz lá?
- Ciência da computação.
- Imagino que seja uma matéria interessante! - ele deu de ombros.
Penso eu, que aquela noite havia realmente sido necessária, me possibilitou conhecer muito mais sobre Paulo, e ele era um garoto fascinante, tão fascinante como , mas eram completamente diferentes. Paulo adorava vídeo games e tudo relacionado a computadores, era um verdadeiro gênio nisso. gostava de fazer músicas sobre ciências políticas, e pensava em várias maneiras de poder mudar o mundo e acabar com a desigualdade. Eu gostava de garotos inteligentes, cultos e de uma bela aparência social, porém os dois me surpreendiam de maneiras imagináveis. Eu não sentia falta de quando estava com Paulo, mas Paulo não era ele.

A noite havia se passado mais rápido do que eu previa, Paulo já havia pedido a conta, esperávamos a mesma conversando um pouco mais, quando um grupo de garotos arruaceiros entraram falando muito alto no bar e pedindo a melhor mesa, que para nosso azar, ficava ao lado da nossa.
- Devem estar bêbados. - Paulo comentou, e eu soltei um riso fraco em resposta, aqueles garotos me lembravam a turma em que geralmente andava.
- EI! - um deles exclamou mais alto ainda. -Aquela ali não é Helena, ? - aquelas palavras me gelaram até a alma, não podia ser! ELE ESTAVA ATRÁS DE MIM!
-Helena? Quem? - aquele verme disse no tom mais cínico que podia, cerrei os punhos com força, estava tomada por uma fúria exorbitante. Não ousei me virar para olhar, enquanto escutava seus amigos rirem de mim.
- Quem são eles? - Paulo me olhou assustado.
- Vamos embora, por favor! - pedi, já estava morta de vergonha. Paulo pagou a conta e saiu acompanhado de mim daquele bar, em silêncio absoluto durante o caminho até o carro, e ao entrarmos no mesmo, me desmanchei em lágrimas.
- Helena... O que houve? Quem eram aqueles caras? - ele colocou a mão em meu queixo, com intuito de levantar minha cabeça para olhar em seus olhos, eu devia estar horrível, com a maquiagem toda borrada, envergonhada e com raiva.
- Aquele "" que você ouviu, estava saindo comigo a umas semanas atrás, até...
- Até? - Paulo continuou, parecia realmente preocupado.
- Até ele terminar comigo, sem mais nem menos, ele me magoou. - limpei as lágrimas e o borrão de maquiagem com o dedão e continuei a encarar aqueles olhos verdes.
- Lena... - era a primeira vez que ele me chamava assim. - Aquele garoto, pelo que pude notar hoje, é um completo idiota, ele não merece você, ok? Não fica assim. - E então Paulo abriu seus enormes braços para me acolher em um abraço, e o mais acolhedor que já senti, depois do de tia , é claro. Ele parecia ter o mesmo dom de acalmar as pessoas que sua mãe, nada que eu já não tivesse escutado, mas aquilo me deixou realmente melhor. Fomos pra casa ouvindo músicas bem animadas, uma vez que ele tinha o mesmo gosto musical que eu, já havia ganhado infinitos pontos comigo. Chegamos silenciosos, para não acordar titia que como sempre, já havia se deitado há tempos.
- Bom, minha mãe já deve estar dormindo, boa noite. Pro que precisar, chame.
- Obrigada, igualmente. - beijei seu rosto, eu não sentia vergonha dele como sentia de , ele fazia com que eu me sentisse mais a vontade em sua presença. Senti meu celular vibrar no bolso, era uma mensagem de . Há semanas ele não falava comigo! Eu não deveria nem olhar depois do show que ele aprontou comigo hoje. Porém, olhei só por curiosidade: "Quem era aquele garoto que estava com você hoje?"
Que audácia! Como ele se atrevia! Não era da conta dele! Guardei o celular e fui me deitar, furiosa.

Eu estava ajudando tia a limpar a garagem naquele dia, já havia conseguido um emprego, e estava feliz com essa nova vida. Paulo estava me ajudando, e eu já tinha me acostumado com a presença dele em minha vida, era realmente uma pessoa ótima.
- Lena, vou ali dentro ajudar mamãe com os papéis, você termina aí sozinha?
- Tudo bem! - gritei, e voltei a encaixotar algumas coisas que titia pretendia dar embora. O portão estava aberto. Então, escutei uma batida vindo dele, olhei assustada, não estávamos esperando visita alguma aquela hora.
- Você não respondeu minha mensagem aquele dia, então, resolvi vir falar pessoalmente com você... - era ele, parado no portão de minha casa, as três da tarde, me olhando com aqueles olhos vazios.
- Não temos nada pra conversar! E você não tem nada que vir aqui! - respondi grosseira e fiz menção para que ele se retirasse.
- Por favor, Helena! Não posso ir embora sem te dizer que... - larguei as caixas e me aproximei para olhar em seus olhos..
- Sem me dizer o que, ? Se é que posso chamá-lo assim agora...
- Sem te dizer que eu te amo, e cometi o maior erro da minha vida! Me perdoa, Helena, eu preciso ter você de volta! - aquelas palavras pareciam tão surreais quanto a expressão que ele fazia ao dizer tudo aquilo, realmente eu esperava bem no fundo ouvir isso, eu desejava, só que não agora.
- Só que você chegou tarde demais ! Eu não sinto mais nada por você, e eu tenho outro namorado...
- Quem? O carinha que tava com você no bar? - ele falou num tom de deboche.
- Sim, eu e o Paulo estamos namorando. E eu estou muito feliz. - falei, me dando por vitoriosa.
- Tudo bem... - ele abaixou a cabeça e respirou fundo, eu já estava quase perdendo as estribeiras naquele momento, queria muito ele de volta! Mas não podia mais. - Obrigada pelo seu tempo.
- , espera! - o chamei quando ele estava prestes a ir embora, cabisbaixo.
- Seja feliz... - falei e acenei, enquanto eu o via partir e acabar com o resto de sentimento que ainda me restara por sua pessoa.
- Então agora você é minha namorada? - Paulo me tirou do transe, me fazendo entrar em desespero.
-Eu... ele... era só... - não conseguia encontrar as palavras certas a dizer, ele realmente havia me pego em um momento bem embaraçoso.
-Eu entendi tudo. - ele riu.
-Mesmo? - ele assentiu, e então, sem pensar muito bem, eu tomei impulso e o beijei. Paulo ficou sem reação nos primeiros momentos, e em seguida, correspondeu ao beijo, com o mesmo calor e desejo que eu sentia por ele. Possuíamos um química inexplicável!
- Não sei bem como tia vai lidar com isso! - falei, partindo o beijo por alguns segundos.
-Acho que... ela nem precisará ficar sabendo! - então seus lábios se transformaram no sorriso mais incrível do mundo, me deixando completamente tonta, ainda segurando minha cintura, e voltou a me beijar. Ainda me pergunto aonde aquele garoto se meteu todo esse tempo, eu não precisava de muito, mas demorei a perceber.

Fim.


NOTA DA BETA: Qualquer erro de gramática/script/html na fic, deverá ser reportado a mim pelo email: bfranciss18@gmail.com; não use a caixa de comentários. Lembrando que eu não sou a autora da fic.


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