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Última atualização: 20/09/2017

Capítulo 27


– Eu realmente pensei que fosse morrer. – Heather disse num suspiro. Com a cabeça deitada sobre o peito de Trevor e com os braços dele ao redor de seu corpo, aquela era a primeira vez em que ela sentia-se livre para falar sobre qualquer coisa. Qualquer coisa que viesse à sua mente ou que guardasse em seu coração. – Não me deixarão em paz.
Trevor aninhou-a contra si, sentindo a preocupação o invadir. Ela tinha razão. Eles não parariam de atormentá-la até que ela deixasse a cidade. De um modo ou de outro.
– Heather, eu acho que mais pessoas estão envolvidas. – ele começou a explicar. – Essa cidade... Há algo de errado com ela.
Ela ergueu os olhos para encará-lo. E então ele prosseguiu:
– Antes do sequestro, eu... Eu andei fazendo algumas pesquisas.
– Também acho que há algo de errado com esta cidade. – interrompeu Heather. – As pessoas mudaram depois do assassinato de Emma. É como se... Como se todos tivessem uma parcela de culpa. Parece que todos sabem o que realmente aconteceu. – ela desviou seus olhos dos dele. – Todos menos eu.
– Continua tendo aquelas visões?
Heather soltou outro suspiro.
– Há algum tempo ela não se comunica comigo. – fez uma breve pausa para pensar. – Estou com medo, Trevor.
Você? Com medo? – ele não conteve um sorriso de indignação. – Por quê?
– Eu... – Heather levou tempo para encontrar as palavras certas. Mas já não hesitava em contar a ele tudo o que se passava em sua cabeça. – Eu vi algo... Algo que eu jamais havia visto antes.
– Do que está falando? – indagou.
– Na noite em que Emma morreu... Eu... Eu tive uma visão em que... Ela falava comigo. – Heather viu Trevor arquear as sobrancelhas. – Digo... Diretamente comigo. Ela dizia “me ajude, Heather. Me ajude.” E me olhava nos olhos. Ela...
– Você me afirmou que não a tinha conhecido.
– E não conheci. Eu... Eu não me lembro dela. Mas essa visão... Ela falou o meu nome. Chamou por mim e me pediu ajuda.
– Então qual é a sua conclusão?
– Eu... Eu não faço ideia. – bufou ela. – Ela estava conturbada. Confusa. A vida dela estava um verdadeiro inferno.
– Talvez devêssemos tentar descobrir mais a respeito de Emma. Focar-nos apenas nela e nos últimos dias da vida dela.
– Os piores dias da vida dela. – completou. Heather voltou a fitá-lo nos olhos. – Emma desenvolvera bulimia. Também tinha tendências suicidas. A mente dela estava tumultuada. Ela não vivia. Apenas... Sobrevivia. Dia após dia. Mas ela não queria morrer. Disto eu tenho certeza. Ela queria superar todos os seus problemas e... Não sei, tentar ser feliz.
– Você conhece bem a minha opinião a este respeito, Heather.
– Sim, eu sei. Eu sei. – ela o interrompeu novamente. Afastou-se dele, apoiando-se em seu próprio cotovelo sobre o chão onde ambos encontravam-se deitados. – Ainda acha que sou maluca.
– Não acho que seja maluca. De forma alguma. – argumentou ele. Olhou para ela desejando poder proferir as palavras mágicas que tirariam dela todo o seu sofrimento e angústia. Mas não podia. Não podia porque nem ele mesmo conhecia as palavras certas a serem ditas naquele momento. Ele acariciou o cabelo dela suavemente e olhou-a nos olhos. – Vai ficar tudo bem.
– Por que está comigo? – ela perguntou. A questão o pegou de surpresa. Viu-a com uma expressão curiosa no rosto. Heather parecia realmente querer saber. – Por que se meteu nisto tudo? Eu quero dizer... Desde que assumiu o meu caso na clínica. Por quê?
Trevor olhou para baixo. Um aspecto pensativo tomou conta de seu rosto. Ele pensou por poucos segundos. Tornou a olhar para ela, desta vez com um olhar sério. Duro. Firme.
– Quando eu a vi pela primeira vez naquela clínica, – ele deu início à sua explicação – Eu vi a mim mesmo em você.
– Como assim? – Heather inquiriu, confusa.
– Você estava transtornada. Havia confusão em seus olhos, Heather. Era como se você não aceitasse as coisas impostas pela vida. – ele continuou falando sem deixar de olhá-la nos olhos. E Heather manteve-se calada, atenta ao que ele dizia. – Exatamente como eu me senti durante um ano inteiro.
Os olhos de Heather se abriram por completo, expressando sua surpresa. Ela esperava que ele prosseguisse com sua explicação. E foi exatamente o que ele fez.
– Me casei logo depois da faculdade. Ela se chamava Lisa. – a afirmação dele causou a perplexidade de Heather. – Havíamos nos conhecido assim que entramos na mesma universidade.
Foi neste exato momento que Heather percebeu que não sabia quase nada a respeito dele. Todavia, era apenas ao seu lado que se sentia verdadeiramente segura. Ainda assim, depois de muito tempo, Heather sentiu o enorme interesse em saber mais a respeito de Trevor Williams. O modo como ele falava da – até então não citada – esposa fez com que Heather se perguntasse se ele ainda mantinha um relacionamento com a tal mulher. Se ainda era casado. Se a amava.
– Lisa tornou-se depressiva. – Trevor prosseguiu. Sua voz quebrou o silêncio e trouxe Heather de volta à conversa. – Isto foi resultado de um trauma muito grande. – ele fixou seus olhos nos de Heather. – Perdemos nosso bebê em seu quinto mês de gestação.
Houve um profundo e longo silêncio que deixou ela incomodada. Ela voltou a desviar seus olhos para outra direção.
– Ela não comia, não dormia... Deixou que a depressão tomasse conta de sua mente. – ele explicou pacientemente. Heather teve a súbita sensação de que ele estava abrindo seu coração a alguém pela primeira vez, deixando seus sentimentos expostos. – Eu fiz tudo o que pude.
Heather percebeu a voz envolta em emoções enquanto ele narrava os fatos ocorridos.
– Eu realmente tentei.
– O que houve?
– Lisa cometeu suicídio. – declarou firmemente. Heather sentiu-se atônita. – Overdose. Entupiu-se com remédios. Desistiu de lutar. Desistiu de vida.
Consequentemente, ao ouvir aquela frase, Heather lembrou-se do que Charles Stevens havia lhe dito na noite em que se conheceram.
Aceitar a morte não é desistir da vida.
– Talvez ela só estivesse cansada de tentar.
– Foi assim que eu mesmo passei a me sentir depois que ela se foi. – Trevor disse. – Afundei-me em pura solidão, sabe? E não era apenas isto. Era... A culpa, o medo, a tristeza. A vida havia perdido todo o seu sentido. E eu simplesmente não conseguia aceitar o destino.
– Conheço a sensação. – respondeu Heather, cabisbaixa.
Trevor Williams calou-se por segundos. As lembranças de um passado não muito distante invadiram sua mente. Havia sido ele quem encontrara a esposa morta sobre a cama do quarto deles. Lembrava-se claramente de ter chegado do trabalho. De tê-la encontrado, a tomado nos braços. O corpo mole como o de uma boneca de pano. Verificou sua pulsação. Não havia batimentos. A pele estava pálida como papel. Não havia mais vida naquele corpo. Assim como não havia mais nada para o que ele pudesse viver.
– E então eu me tornei frio. – a voz de Trevor voltou a surgir no ambiente. – Como você, Heather.
Ela olhou para ele e tentou entender aonde ele queria chegar com todas aquelas revelações. Coisas pelas quais ela não esperava e nem sequer imaginava.
– Eu me tornei exatamente como você. Meu coração se esfriou. Meus sentimentos foram trancafiados. – ele não deixava de olhá-la nos intensos olhos castanhos que agora irradiavam curiosidade e atenção. – E, ironicamente, foi você quem me salvou disto.
– Eu? – ela perguntou. Parecia indignada.
– Sim, Heather. – ele respondeu. – Dias antes de aceitar seu caso eu havia... Cogitado algo. Uma ideia.
– Do que está falando?
– Seu caso foi o primeiro que aceitei depois do ano em que me afastei da psiquiatria. – explicou. – Antes de aceitar seu caso, eu... Eu estava no chão de meu apartamento. Mil coisas se passavam por minha cabeça. Eu tinha uma mente perturbada e uma arma na mão.
Heather sentiu que uma súbita e incontrolável onda de agonia a invadia. Jamais imaginara que o extremamente decidido e reservado Dr. Williams pudesse levar em consideração a possibilidade de se suicidar. Pensou no quão abalado ele devia estar na época em que a esposa cometera suicídio logo após que sofrera o aborto espontâneo. Uma avalanche de problemas tinha tal resultado na vida das pessoas. Heather – melhor do que ninguém – sabia disto.
– Eu lamento. – foi tudo o que ela fora capaz de dizer no momento em que se encontrava.
– Eu estava preparado. Pronto para... Você sabe, puxar o gatilho. – ele continuou. – Mas algo me fez parar e pensar. Era como se... Não sei, uma voz, algo me disse para esperar. Esperar para ver o que aconteceria nos dias seguintes. Era como se minha consciência estivesse me pedindo uma última chance para me provar que a vida ainda valia a pena. E eu decidi me dar essa última chance. – ele fez uma pausa incômoda, pois o silêncio que se prosseguia causava em Heather um sufoco imenso. Seus intensos olhos azuis estavam fixos nos dela enquanto ele dava continuidade. – Foi quando eu conheci você, Heather.
Ela não soube como reagir diante das palavras que haviam sido ditas direcionadas a ela. Acabou se rendendo às suas próprias emoções, emitindo um sorriso que iluminou seu rosto sujo e com pequenos cortes espalhados por toda parte.
– Eu percebi que... Eu ainda não podia partir desse mundo. Eu ainda tinha muito a fazer. E um destes feitos seria conhecer você, ajudá-la... Heather, você definitivamente foi a minha salvação. – ele não conseguia conter a emoção que embalava suas palavras. – Eu me sinto como se... Como se devesse lhe agradecer por ter salvado a minha vida. Pois foi exatamente isso o que você fez.
Ele não deixou que ela pensasse antes de responder. Aproximou-se dela e selou seus lábios em um beijo calculadamente demorado. Heather sentiu-se novamente preenchida com emoções que antes ela costumava evitar ao máximo. Ela lentamente afastou seus lábios dos dele e exibiu mais um sorriso.
– Temos de sair daqui. – assegurou ela.
– Claro. – ele olhou ao redor. – Creio que seja melhor partimos agora. Ficaremos no hotel em que me instalei.
Heather assentiu com a cabeça.
– Acha que consegue aguentar até chegarmos lá?
– Bem, eu... Eu acho que não temos escolha. – Trevor deu um sorriso cansado. – Podemos seguir até a estrada. Vai dar tudo certo.
Heather acreditava nele. Tudo daria certo agora que o tinha ao seu lado novamente. Já não estava mais sozinha. Vestiu-se apressada, ajudando-o a fazer o mesmo e então se colocou em pé.
– Tudo bem. Não podemos esperar até que nos encontrem. – ela forçou-o a se apoiar sobre seus ombros e eles deixaram a velha construção adentrando o caminho envolto em mato e árvores. O dia estava claro. O céu estava limpo. O sol brilhava mais forte do que nunca. Mas o tempo era curto. Precisavam ser rápidos. Ainda havia pessoas atrás deles. Ironicamente, as mesmas pessoas que estavam a par da verdade. Do segredo escondido há tantos e tantos anos.



– Eu sei que devo me desculpar com você. – Alex conteve o tremor de seu corpo quando Rose começou a enfaixar seu braço. A dor era violenta. – Mas preciso que você me entenda, Rose.
– Eu te entendo. – ela enrolava um tecido branco ao redor do braço dele bruscamente. – Ela faz você se lembrar daquela garota, trouxe as lembranças dela de volta à sua vida... Mas você se esquece, Alex, de que eu sou sua noiva e de que vamos nos casar muito em breve.
Ele estava sentado no sofá e ela encontrava-se agachada em frente a ele com uma pequena maleta de primeiros-socorros ao seu lado, no chão. Quando Alex aparecera em sua casa coberto de ferimentos, Rose soube que aquilo tinha algo a ver com a nova garota. Alex lhe dissera que não iria à polícia ou ao hospital. Isto geraria perguntas. E as perguntas gerariam mais problemas para Heather. Algo que Alex Montini queria evitar.
– Rose, eu não me esqueci disso. – declarou ele confiante.
– Ah, não? – ela afastou as mãos do braço dele e fitou-o com indignação. – Onde você esteve durante todo esse tempo? Com ela. Com aquela garota.
– Rose...
– Eu não gosto dela, Alex. – afirmou severamente.
– O que foi que ela te fez?
– Ela... Eu só não gosto dela. E não quero que se aproxime dela novamente.
– Querida, Heather precisa de ajuda. Está sozinha. Ela não conhece ninguém e precisa de apoio.
– Eu também preciso.
Alex olhou para o rosto infeliz da mulher que outrora ele designara para passar o resto de seus dias ao seu lado. Sentiu uma ponta de pena. Rose não merecia aquilo. Lembrou-se de como a vinha tratando ultimamente. Não soube que argumentos apresentar para conseguir seu perdão. Ele deixou que as palavras fossem articuladas naturalmente, seguindo seu instinto e seu coração.
– Me desculpe, tá legal? – Alex disse impacientemente.
– Eu não sei, Alex. – ela cruzou os braços em frente ao peito num gesto indiferente. – Não sei como agir com você depois do modo como você me tratou.
– Eu estive estressado...
– Claro. – Rose o interrompeu. – E isso obviamente lhe dá o direito de me maltratar. Eu não esperava isso. Eu realmente não esperava.
– Sei que está magoada.
– Que bom.
– Eu prometo que não voltarei a agir daquela maneira com você. – disse ele com convicção. – Mas, por favor, eu lhe peço... Não envolva Heather nisto.
Rose fez um aceno com a cabeça. Nem concordando e nem discordando. Alex levantou-se do sofá da sala dela e caminhou em direção à cozinha. A expressão no rosto de Rose Mason era fria. Ela estava calculando algo. Decidindo uma atitude a ser tomada. Uma medida drástica, talvez. Encarou o nada com seus olhos fixos no ar e murmurou para si mesma:
– Não fui eu quem a envolveu nisto...

Capítulo 28


Ao sair do hospital, Jodie esperava encontrar Frank Palmer. Contradizendo todas as suas expectativas, a pessoa que esperava por ela do lado de fora do quarto era Amanda Thornton. Esta recebera a amiga com um sorriso gentil e palavras um tanto animadoras:
– Vou levá-la para casa.
– Onde está Frank? – Jodie olhou ao redor. Uma enfermeira a segurava pelo braço, ajudando-a a se apoiar enquanto passava pela porta do quarto inteiramente branco. – Ele não veio?
Amanda receava decepcionar a garota. O médico havia lhe dado claras instruções para evitar que Jodie se alterasse. Aproximou-se da amiga mantendo o sorriso no rosto e disse-lhe:
– Está tudo bem. – deu um sinal para que a enfermeira se afastasse e entrelaçou seu braço no de Jodie. – Vamos para casa agora.
– Amanda, onde ele está? – ela começou a se agitar.
– Ele irá vê-la quando chegarmos em casa. Venha. – Amanda segurou-a pelo braço e a conduziu pelo corredor do hospital, seguindo para a recepção e, então, para a saída do Connecticut Valley Hospital.
Amanda ainda se deu ao trabalho de instalar Jodie no banco do passageiro de seu automóvel, em seguida colocando-se no banco ao lado, atrás do volante.
Olhou para Jodie que se encontrava agora ajeitada no assento, com o rosto virado para a janela e um ar de melancolia que invadia todo o ambiente.
– Jodie...
– Ele não veio me buscar. – disse em um suspiro de lamentação.
– E o que você esperava? – Amanda demonstrava revolta. – Jodie, ele é um imbecil, tá legal? Ele não ama ninguém além de si mesmo.
– Mas eu o amo! – Jodie virou-se para Amanda e exclamou, deixando transparecer toda a sua decepção. – Eu o amo e sei que ele vai mudar. Sei que algum dia ele vai me amar também.
– Você ao menos ouve o que está dizendo? Por Deus, Jodie! – Amanda bufou, batendo com as mãos no volante de seu carro. Jodie se calou. Voltou a olhar através da janela do automóvel, observando desatenta qualquer coisa que por ali passasse. Amanda censurou-se por ter elevado seu tom de voz.
– Me desculpe.
– Tudo bem. – Jodie respondeu em tom amuado. Passou com o dedo pelo olho de onde uma lágrima ameaçava cair. – Você está certa. Frank é um imbecil.
– Jodie, eu só acho que... Você sabe. Desde o início eu lhe disse que ele não a faria feliz. Estar com ele é como viver em constante conflito consigo mesma. Nada do que você faça ou diga irá agradá-lo. Nunca. Foi assim com Emma. – Amanda falava em tom severo, porém contendo sua repulsa ao citar a personalidade desprezível de Frank Palmer. – Não seria diferente com você.
Jodie se negou a responder. Ainda com o rosto virado, manteve-se calada, contendo todas as lágrimas que brotavam de seus olhos.
– Eu temo por você, Jodie.
Ouvindo a afirmação de sua amiga, Jodie finalmente virou-se para encará-la.
– De que diabos está falando agora? – indagou. Ainda que tentasse se manter indiferente, a confusão em seus olhos deixara evidente que ela estava confusa com o que ouvira.
– Não quero que acabe como Emma. – respondeu Amanda. Ela falava num misto de receio e hesitação. – Eu temo por você. E temo por mim também.
– Por que está dizendo isso? – Jodie estreitou os olhos, perplexa.
– Porque tenho um mau pressentimento. – declarou Amanda. Sua voz soara trêmula. – Eu sei o que vi na noite de meu acidente. Não estou ficando louca e, definitivamente, eu não estava bêbada.
Jodie não deixou de fitar a garota. Uma confusão de pensamentos corria por sua mente em velocidade incalculável, deixando-a aturdida. Respirou fundo e escolheu bem as palavras.
– Amanda, eu... – deixou que suas palavras cessassem e voltou a pensar antes de prosseguir. – Antes de bater com a cabeça no balcão da cozinha...
– O quê? – Amanda perguntou durante a segunda pausa feita por Jodie.
– Eu... Eu vi uma coisa. – Jodie emitiu uma expressão confusa ao se lembrar daquela manhã. – Acordei e corri para a cozinha, pois estava atrasada para o trabalho. E então... – fez uma terceira pausa. – E então eu a vi.
Os olhos de Amanda imediatamente se abriram por completo. Ela sentiu o sangue se esvair de seu rosto. Suas mãos começaram a suar frio.
– Quem? – inquiriu em um sussurro.
Jodie hesitou. Compartilhar tal experiência poderia fazer com que Amanda a julgasse ridícula. Entretanto, a própria Amanda dissera-lhe o que havia visto, e Jodie tinha plena certeza do que vira na manhã em que batera com a cabeça.
– Tinha as roupas todas molhadas... Ela... Olhava-me com... Não sei... – Jodie buscava por uma explicação admissível que convencesse Amanda. Mas as lembranças da imagem que ela vira tornaram a invadir sua mente, deixando-a atônita. – Parecia-se com Emma. Amanda, eu sei que isso vai soar loucura, mas... Para mim, era ela.
Amanda instintivamente recordou-se do que vira na noite de seu acidente. A figura parada em frente ao seu carro. Seu olhar soturno. O ódio por trás daquele mesmo olhar. A pele pálida como a neve. Os trajes ensopados.
Fora aquela a pessoa que causara seu acidente. Amanda tivera a mesma sensação que Jodie. Aquela presença era familiar. Já a tinha sentido antes. Assim como já havia visto aquele rosto antes.
Mas algo estava diferente.
Talvez fosse a expressão abatida e tempestuosa que estampava aquela face naquela noite. Amanda sentiu um rápido e gélido tremor atravessar seu corpo. Voltou à realidade ainda receosa.
– O que acha que ela quer? – Amanda perguntou, por fim.
Jodie ergueu seus olhos e respondeu com fé:
– A verdade.



Heather atravessara todo o caminho cercado por árvores e mato apoiando um dos braços de Trevor sobre seus ombros. Passando pela trilha que parecia nunca ter um fim, Heather foi tomada por uma súbita sensação de estar habituada com o ambiente ao seu redor.
Por um instante as árvores e o cheiro de terra lhe pareceram familiar. Ela ficou imóvel, olhando para os lados com o braço de Trevor apoiado sobre ela. Ele notou a mudança de comportamento dela.
– O que houve, Heather?
– N-nada. – ela respondeu hesitantemente. Seguiu em passos mais rápidos, conduzindo-o por entre as árvores.
Fizeram mais uma pausa, desta vez mais longa.
Heather recolheu algumas frutas para que ambos pudessem saciar sua fome e sede. Prosseguiram com seu rumo poucos minutos mais tarde. Heather jamais havia se sentido tão feliz por ver a luz do dia.
Depararam-se com uma estrada.
Depois dela, seguiram para a entrada da cidade, guiando para o centro. Havia sido uma longa e cansativa caminhada, mas Heather sentia-se profundamente aliviada pelo fato de que ninguém surgira atrás deles.
Por um momento ela se lembrou do quanto havia caminhado para chegar à cidade onde conhecera Charles Stevens. Ela tinha acabado de escapar da Jones & Johnson e seu veículo de fuga parara de funcionar. Ter caminhado até New Haven havia sido, de fato, quase que igualmente cansativo.
Atravessaram o centro da cidade até alcançarem o hotel onde Trevor Williams havia se hospedado desde o dia em que chegara à Middletown. Chegaram à recepção e uma das recepcionistas os fitou com suspeita.
– Sofremos um pequeno acidente na estrada. – Trevor usou todo o seu dom de persuasão para convencer a moça. – Nada muito grave.
Ela deu de ombros e estendeu a mão com uma chave. Heather tomou posse dela e, consequentemente, eles seguiram para o elevador que os levaria para o quarto reservado.
Ao colocar os pés naquele quarto mais uma vez, Trevor Williams pediu para que Heather o conduzisse para a cama, onde ele deixou-se cair. Há dias atrás ele tinha quase certeza de que não experimentaria a deleitável sensação de se deitar sobre um confortável colchão novamente.
Mas ali estava.
Aquela era mais uma irônica peça que o destino havia lhe pregado. O mesmo ocorrera com Heather. Ela viu-o se acomodar na cama e olhou ao redor. O quarto tinha um aspecto limpo. Intacto. Completamente diferente do lugar onde haviam passado a noite anterior.
– Lar doce lar. – ironizou Heather. – Eu acho.
– É, acho que sim. – Trevor esboçou um leve sorriso.
– Bem, ainda precisamos tratar de você, não é mesmo?
– Por favor. – ele a interrompeu. – Já chega de se preocupar comigo. Temos de nos preocupar com você.
– Com nós dois. – corrigiu ela. – Estão atrás de nós dois. Eu preciso que me diga exatamente do que se lembra.
– Pouca coisa. – respondeu sentando-se na cama. Heather colocou-se ao lado dele, fitando-o atentamente. – Lembro-me de ter deixado uma cafeteria e então eu estava voltando para cá. Abordaram-me no caminho. Um carro preto.
Heather rapidamente lembrou-se do assassinato de Frederick Hatcher. O carro que o tinha atropelado era o mesmo que havia lhe perseguido dois dias antes. E, aparentemente, o mesmo que usaram para abordar Trevor.
É a mesma pessoa...
– Deram-me algo. Não sei ao certo. Perdi os sentidos muito rápido. – ele prosseguiu. – Quando retornei à realidade já estava com os olhos vendados.
– A pessoa que estava com você... – Heather o encarava com seriedade. – Você sabe me dizer de quem se tratava?
– Infelizmente não. – Trevor deixou escapar um suspiro derrotado e viu Heather abaixar a cabeça. – Não pude reconhecer a voz. Mas essa pessoa, esse... Sujeito... Ele sabe sobre você, Heather.
Ela levantou os olhos, confusa.
– Como assim?
– Sabe quem é você e que fugiu de um hospital psiquiátrico. – explicou. – Eu acho que... Ele é o assassino de Emma.
– Ele... – repetiu ela. – Mas quem poderia ser?
– É uma boa pergunta e eu realmente gostaria muito de ter a resposta.
Heather passou as mãos pelos cabelos desgrenhados e respirou fundo, tornando sua frustração perceptível.
– Acalme-se. – ele pousou uma de suas mãos sobre o braço dela. – Vamos dar um fim nisso.
– Estou me afundando cada vez mais nisso tudo.
– Não, não está. E mesmo se estivesse, eu estou aqui para te puxar de volta.
Ela o encarou, surpresa. Deixou que um breve sorriso tomasse conta de sua expressão.
– Obrigada.
– Não me agradeça.
– Bem, e o que faremos agora? – indagou quebrando a tensão entre eles.
– Eu ainda creio que devêssemos nos focar em Emma. Nos últimos dias em que ela fora vista com vida. – Trevor explicou gesticulando. – Não sei. Talvez haja algum fato, alguma coisa que ocorreu neste período de tempo que possa nos ajudar a descobrir o que realmente aconteceu na noite de seu assassinato.
– Como saberemos?
– Eu estava na expectativa de que você me dissesse.
– Há algum tempo eu não tenho visões. – disse ela com uma ponta de angústia. – Tenho medo de que ela me abandone agora. Logo agora que sinto que estamos perto de descobrir toda a verdade.
– Ela te guiou até aqui. – disse ele. – Se era mesmo a boa garota que aparentava ser, ela certamente não nos abandonará justamente agora.
– Assim espero... – murmurou ela, cabisbaixa.
– Quero lhe mostrar uma coisa. – ele apontou para a cômoda de madeira escura que se encontrava no quarto. – Está na primeira gaveta.
Heather colocou-se em pé e caminhou na direção do móvel, abrindo a gaveta que ele havia indicado. Desta ela retirou um laptop e, então, tornou a se sentar na beira de sua cama. Entregou o computador para ele e assistiu-o manejar o objeto com rapidez. Segundos depois ele girou o monitor para ela, declarando:
– Arthur Connors, o avô de Emma, faleceu meses após a morte da neta. – os olhos de Heather brilharam. – Por causas naturais, segundo as pesquisas que fiz a respeito.
– Por que está me mostrando isso?
– Porque estou surpreso pelo fato de você não ter tido nenhum interesse em investigar mais a fundo a vida da garota antes de realmente agir.
Heather repreendeu-se mentalmente, corando.
– Eu sei muito mais do que essas pesquisas poderiam me fornecer.
– Claro. – falou Trevor. – Mas como eu disse antes, você é muito impulsiva.
– Isso não tem graça.
– Ainda bem, porque eu não tenciono zombar de você, Heather. O que eu quero dizer é que de agora em diante nós planejaremos nossos atos antes de agir. Isso não é uma brincadeira. Querem matar você.
Ela olhou para ele e não soube o que responder. Em alguns momentos tinha de concordar que ela, uma vez ou outra, agia sem pensar.
Seguia seus instintos sem pensar nas consequências. Talvez fosse por isso que ela precisava tanto dele. Era como se ele fosse a teoria e ela a prática.
– Você me disse que Emma estava transtornada dias antes de ter sido assassinada.
– Sim. – Heather assentiu. – Passava a maior parte do tempo trancada em um banheiro. – imagens de uma de suas visões surgiram em sua mente enquanto ela explicava. – Ela estava muito perturbada.
– Eu realmente não entendo.
– O quê?
– O motivo pelo qual as pessoas a odiavam tanto. Pelo que pude ver e ouvir a respeito dela, era uma excelente pessoa. Boa aluna, neta, amiga... Evitava encrencas. – Trevor parecia ainda mais confuso do que Heather. – Eu acredito que, uma vez que descubramos o motivo pelo qual a assassinaram, encontraremos o assassino.
Heather descobriu-se o fitando com admiração e surpresa. Desejava ter ao menos uma pequena parcela de sua paciência e sabedoria. Talvez, então, as coisas pudessem ter se saído de modo totalmente diferente.
Mas estava certa de que não.
Ela agia como agia. Impulsivamente. Instintivamente. Heather possuía seus próprios propósitos, seus ideais. Estava lutando pela verdade. Uma verdade que, como consequência, lhe traria outras verdades. Incluindo a de seu passado. Raramente ela se perguntava sobre seu passado.
Por um súbito instante ela se perguntou se seus pais ainda se encontravam com vida. Teria irmãos? Quem foram seus amigos? Como fora sua infância? O desejo de saber mais a respeito de si mesma a dominou e ela segurou-se àquilo com ambas as mãos.
– Heather... – ele a chamou e Heather voltou de seu transe como num choque. – Está me ouvindo?
– Desculpe.
– Podemos procurar mais detalhes a respeito de Emma e, se quiser, de todas as pessoas que a cercavam.
– Certo. – concordou ela.
– Me parece um pouco distante. O que houve? – disse em tom de preocupação.
– Você acha que algum dia me lembrarei de meu passado?
Trevor percebeu a tristeza nos olhos que o fitavam naquele momento e sentiu-se comovido.
– Acho que tudo ficará bem, Heather.
– Não respondeu a minha pergunta.
– Eu a ajudarei no que precisar. Prometo. – aproximou-se dela e ela apoiou sua cabeça sobre o ombro dele. Desejava profundamente que todo aquele tormento acabasse. Já não suportava vê-la naquele estado.
– Minha última visão... – ela tomou a voz mais uma vez. – Foi algo diferente. Era a mesma cena, mas... De um ponto de vista diferente.
– O que está dizendo? – inquiriu Trevor.
– Era como se... Como se ela estivesse olhando para mim, falando comigo. Eu não sei explicar.
Ele a comprimiu contra si, desejando poder protegê-la de todas aquelas frustrações que pareciam não ter mais fim. Aquilo se assemelhava a um rio cuja corrente trazia consigo mais e mais problemas. Problemas dos quais Heather já não sabia mais como se esquivar.
As palavras dela ficaram pairando no ar. Trevor – ainda cansado – levou certo tempo para processar o que ela havia tentado explicar por último.
O que Heather tinha acabado de dizer prosseguiu ecoando na cabeça dele, martelando constantemente, como se tentasse entrar em sua mente a todo custo.
Minha última visão... Era a mesma cena, mas de um ponto de vista diferente... Era como se ela estivesse olhando para mim, falando comigo...
Uma daquelas sentenças – em especial – parecia se esforçar para ser processada por seu cérebro.
Um ponto de vista diferente...
O sangue fugiu do corpo de Trevor e ele sentiu seu coração parar em uma fração de segundos. Sentiu como se o peso de todo o mundo caísse sobre sua cabeça.
Tentou censurar-se por ter sido tão cego durante tanto tempo. Agora estava claro. Óbvio.
Afastou Heather de seus braços e fitou-a com os olhos arregalados. Heather franziu o cenho, não sabendo como interpretar aquele olhar inesperadamente dirigido a ela.
– O que aconteceu? – ela indagou em meio àquela confusão de pensamentos que transitava pela mente de ambos.
– Você estava lá. – alegou ele com profunda convicção.
Os olhos de Heather refletiram o espanto que a tinha tomado assim que ela ouvira as palavras proferidas pelo médico.
Ele parecia estar certo do que afirmara.
E Heather confusa pelo que acabara de ouvir.

Capítulo 29


Heather olhava para Trevor como se ele tivesse acabado de proferir palavras mágicas. Palavras que abriram para ela as portas para a verdade. Para a solução de todos os mistérios que cercavam seu passado.
Com os olhos muito abertos, sem sequer piscar, ela esperava atentamente por uma explicação mais específica. Trevor também a fitava com os olhos arregalados. Uma expressão de surpresa dominava o rosto de ambos.
A tensão entre eles era agora quase que inquebrável.
– É isso, Heather. – disse ele. E sua voz destruiu o silêncio do ambiente que já os estava sufocando. – Você estava lá, você viu o que aconteceu.
– Por que acha isso? – ela perguntou em um sussurro receoso.
– Ora, está óbvio! Aqui. Preto no branco. – dizia ele. – Você testemunhou o assassinato de Emma.
Heather fez menção de respondê-lo. Na verdade, estava a beira de fazer mais uma pergunta, mas Trevor interveio rapidamente:
– É por isso que não se lembra de nada.
– Que ligação tem uma coisa com a outra?
– Todas. Quando uma pessoa sofre um trauma muito grande... Ela desenvolve uma amnésia, um bloqueio de mente. É como se os instintos tentassem proteger a pessoa de seu próprio choque. Pois, se a pessoa se prender a ele, ela pode enlouquecer e agir irracionalmente. – ele a fitou intensamente nos olhos. – O seu grande choque, Heather, foi ter testemunhado aquele crime.
Ela abriu ainda mais os olhos. A confusão transitava por sua mente como um parasita indesejado, aos poucos permitindo que o pânico também tomasse conta dela.
– E-eu não sei... – a voz dela estava trêmula, assim como suas mãos. – Se eu a conhecia, se eu a tinha visto... Então eu certamente já estive nesta cidade antes.
– Há quinze anos. – Trevor completou. – Você, de fato, esteve na cidade. E obviamente você já havia visto Emma antes.
– Mas então... Por que as pessoas agem como se... Como se nunca tivessem me visto antes? Se eu estive na cidade... Eu devo ter tido contato com as pessoas, falado com elas. E elas deveriam se lembrar de mim, mesmo que alguns anos tenham se passado.
– Nós tínhamos razão, Heather. – ele lançou para ela o mais sério dos olhares. – Há algo de errado com as pessoas desta cidade.
– Olha, isto tudo está muito confuso. – ela balançava a cabeça de um lado para o outro.
– Heather, me escuta. – Trevor segurou-a pelos ombros. – Você esteve na cena do crime na noite em que Emma foi assassinada. Você sabe o que aconteceu. Precisamos fazer com que se lembre.
– Eu... Eu não posso... – Heather sentia um nó na garganta que a impedia de falar. Os olhos estavam marejados e sua respiração era pesada.
– Você pode. Precisa me ouvir. – fitando-a com muita atenção, Trevor tentava convencê-la da verdade. – Você precisa se lembrar. Só assim descobriremos quem matou Emma e por que.
– Não me lembro...
– Faremos com que se lembre, mas preciso de sua total colaboração.
– E-eu não consigo... Não... Não entendo...
– Heather, por favor. – apertou seus ombros, forçando-a a olhar para ele. – Você tem de se lembrar. É a chave para todo esse enigma. É o seu passaporte para a verdade. Precisa se lembrar.
– C-como? – gaguejou. Seu corpo todo começara a tremer e ela suava freneticamente. O nervosismo era evidente, assim como a determinação de Trevor Williams para fazer com que ela se lembrasse do que ele acabara de afirmar.
– Há um método muito usado e conhecido, do qual eu tenho certeza que você já ouviu falar. – ele deu início a mais uma explicação. – Chama-se hipnose.
Heather soltou um riso abafado num misto de angústia e ironia.
– Só pode estar brincando.
– Não estou. – declarou ele seriamente. – Faremos uma viagem pelo seu subconsciente e assim poderemos desenterrar as memórias bloqueadas pelo seu choque. – pausa. – Poderemos descobrir toda a verdade.
Ela o observava com perplexidade. Ele parecia estar seguro de que aquilo os ajudaria a descobrir o que realmente havia acontecido. E, obviamente, Heather confiava nele. Acreditava em tudo o que ele afirmava.
– Está disposta a fazer isto, Heather? – ele perguntou.
Heather abaixou seus olhos e depois tornou a levantá-los. Soltou um longo e profundo suspiro, decidindo-se:
– Tudo bem. Podemos fazer isso.
Ele assentiu.
– Tomarei um banho e, se quiser, podemos pedir algo para comer.
Ela arqueou ambas as sobrancelhas. Então Trevor lhe deu a explicação pela qual ela esperava.
– Esse método exige tempo e paciência. Acho melhor que estejamos preparados antes de iniciar a sessão.
Heather encolheu os ombros e fez um gesto afirmativo com a cabeça. Ajudou-o a caminhar até a porta do banheiro onde ele passou a hora seguinte debaixo do chuveiro. Depois, Trevor saiu do mesmo e vestiu roupas limpas. Pediu serviço de quarto enquanto Heather também tomava um longo banho. Aproveitaram o jantar que havia sido enviado para o quarto e ficaram em silêncio, até que Heather já não podia mais conter a sua ansiedade. Trevor notara isto e decidiu que era hora de iniciar a sessão de hipnose. Gentilmente ele pediu para que ela se acomodasse na cama, colocando-se em posição horizontal.
– Sente-se confortável? – ele perguntou com sua suave voz.
Heather balançou a cabeça, hesitante.
– Sim.
– Bem, não há nada com o que deva se preocupar. Você deve fechar os olhos e relaxar. Não sentirá nada.
Ela fechou os olhos e perguntou:
– E agora?
– Se mantenha relaxada, sentindo seus olhos pesarem. – ele viu Heather se agitar lentamente, torcendo os lençóis da cama com força. – Por favor, se acalme e relaxe.
Um silêncio se prolongou por cinco minutos. E então Heather soltou os lençóis. Uma expressão de tranquilidade tomou conta de sua face. Trevor tentou manter uma postura severa e imparcialmente inabalável ao notar a mudança de expressão no rosto dela.
– Muito bem. – Trevor disse em tom baixo, porém firme. – Heather, como se sente?
Outro silêncio. Desta vez, maçante e incômodo. Não servia como resposta.
– Heather...
– Ela não fez nada. – a voz dela soou distante. Um tom taciturno e áspero. Sua respiração tornara-se ofegante. – Ela não merecia aquilo.
– Quem? – o Dr. Williams perguntou naturalmente.
– Emma. – respondeu.
– O que exatamente ela não merecia, Heather?
– Violentaram sua alma e dilaceraram todos os seus sonhos. Sua inocência. Sua bondade. Sua fé nas pessoas. – ela proferia tais palavras com infinita certeza. Era como se estivesse narrando um discurso.
– Você viu quem fez aquilo?
As palavras ditas por ele ficaram no ar, sem resposta. O silêncio de Heather o deixava sufocado, mas não podia hesitar. Não agora.
– Você estava lá?
– Sim. – ela assegurou rudemente. Seus olhos estavam cerrados, mas sua expressão era severa, deixando um ar de superioridade da parte dela em todo o ambiente.
– O que foi que você viu naquela noite? – Trevor prosseguiu com seus questionamentos.
Heather começara a respirar com certa dificuldade. Seu rosto se contorcia em várias expressões. Parecia estar tentando se libertar de algo. Algo em seu interior.
Novamente ela segurava-se com força aos lençóis da cama, torcendo-os em suas mãos suadas.
– Destruíram-na. – declarou. – Seu corpo, sua alma e seu coração. Destruíram tudo.
– Você sabe quem fez isto, Heather?
Mais um intervalo em silêncio. Trevor não permitiu que aquele silêncio se prolongasse tanto quanto os anteriores.
– Você e Emma se conheciam?
– Ela chamou por mim. – Heather mantinha os olhos fechados e voz firme. – Eu tinha de protegê-la. Tinha que ajudá-la. Ela precisava de mim e me chamou. E então... – fez uma pausa e respirou fundo. – E então eu fui até ela.
– Como vocês se conheceram? – Trevor Williams se manteve tranquilo. Sua voz era branda, calma, suave.
– Ela precisava de mim. – repetiu ela.
– Heather, eu quero que confie em mim. – era o principal passo para alcançar o objetivo desejado por ele. Fazer com que ela se sentisse à vontade. – Você confia em mim?
– É muito bom comigo, doutor. – Heather emitiu um sorriso pelo canto dos lábios. – E, embora não seja uma coisa muito sábia de se fazer, eu confio em você.
– Por que diz isso?
– Porque nunca se deve confiar nas pessoas. Nunca.
Trevor pigarreou e tentou se manter focado em suas próximas perguntas. O alvo agora era Heather em si. Já era mais do que óbvio que ela conhecera Emma, mas não queria responder todas as perguntas a respeito da garota.
Trevor Williams partiu para outra tática. O passado de Heather. O assunto que até então se encontrava intocável. Nunca questionado.
– Lembra-se de seus pais, Heather?
– Não. – disse rapidamente.
– Lembra-se de algum familiar? Amigo?
– Não tenho ninguém. – sua voz agora soava fria, porém segura.
– Há alguma lembrança que gostaria de compartilhar?
– Lembranças pertencem ao passado. E reviver o passado é sofrer duas vezes.
– Teve um passado conturbado? – ele indagou tranquilamente.
– Solitário, eu diria. – corrigiu. – Até o dia em que me uni à Emma.
Trevor franziu a testa. Aquela era a brecha pela qual ele estava esperando. Agora não podia recuar.
– O que quer dizer com isto?
O rosto dela se enrijeceu. Ela manteve-se calada.
– Você e Emma eram muito próximas?
– Mais do que imagina. – disse com um sorriso irônico nos lábios. Trevor recordara-se daquele sorriso. O mesmo que ele vira muitas vezes durante suas sessões com Heather na Jones & Johnson.
– Você sabe o que aconteceu a ela, não sabe?
– Ela estava assustada. Sentia-se sozinha. – explicou. – Como eu.
– Foi quando você a conheceu, Heather?
– Sim. – ela respondeu. – Ela precisava de alguém. Precisava de apoio, proteção. E eu proporcionei isto a ela.
– Você a ajudou?
– Fui a única saída que ela pôde encontrar. Um mal necessário. Uma válvula de escape para toda a dor e sofrimento que corromperam sua alma.
Trevor não conseguia ligar os fatos às narrações feitas por Heather enquanto ela estava naquele estado.
E, certamente, ele não podia sugerir que ela fosse mais específica. Ter atingido aquele nível do subconsciente dela em apenas uma primeira e única sessão já era um ocorrido milagroso.
Tudo o que ele tinha de fazer agora era aproveitar a oportunidade. Precisava tirar dela todas as informações que pudesse.
– Todos eles. – ela disse de repente. – Esta é a resposta para a principal pergunta que ronda sua cabeça, doutor. Todos eles.
– Todos eles?
– Todos. – assentiu. – Apenas o remorso será capaz de mostrar o verdadeiro causador de tudo aquilo. O peso da culpa cairá sobre ele e o revelará. A própria culpa o destruirá. Destruirá o culpado.
– Heather... – Trevor fez menção de se manifestar, mas ela começou a se agitar mais uma vez.
– Malditos! Malditos! – gritava ela.
Seus gritos tornaram-se histéricos. Lágrimas escorriam por seu rosto.
Subitamente, Heather abriu seus olhos. Olhos que, surpreendentemente, encontravam-se completamente brancos, como se fossem forçados a rolar para trás. Seu corpo estava agora imóvel. Congelado.
As mãos apertavam os lençóis violentamente. Trevor assistiu o rosto de Heather se contorcer, transformando sua expressão. A voz era soturna e rancorosa quando ela tornara a abrir os lábios.
Você não pode salvá-la, doutor. – de um súbito ela virou seu rosto para ele, direcionando seus terrificantes olhos a ele. – Ela é minha.
O corpo dela foi empurrado para trás, inclinando-se no ar, encostando sua cabeça à cabeceira da cama. O ambiente era tempestuoso. Aterrador. Era como se todo o quarto estivesse envolto em uma forte e terrível pressão.
Como se nuvens carregadas pairassem sobre eles e as paredes se fechassem cada vez mais sobre aquela cama. Ela respirou fundo, aspirando todo o ar que conseguia.
Ficou naquela posição por rápidos e aterrorizantes segundos, deixando-se cair sobre a cama em seguida, num grito horrendo que deveria causar o desespero de Trevor.
Mas ele manteve-se calmo. Sério. Não podia reagir. Ainda que seu impulso maior fosse o de acordá-la e acolhê-la em seus braços, aquela não se tratava de Heather. Trevor Williams havia ouvido e lido a respeito de possessões espirituais, mas sempre ignorara qualquer informação a respeito de tal assunto. Não era uma pessoa crédula em questões espirituais.
Todavia, o que ele presenciara ali, naquele quarto de hotel, naquela cama, era algo com o que ele jamais havia lidado antes. Era algo diferente. Inexplicável. Era assustador, mas intrigante. Ele agora observava o corpo esticado sobre a cama. Os olhos estavam fechados.
Ela parecia dormir. Sua respiração ainda era ofegante, profunda. Trevor lembrou-se de algo que ouvira em relação a possessões. E então, aquilo – pela primeira vez – começou a fazer sentido em sua mente. Segundo alguns especialistas, a possessão espiritual segue passos. Níveis.
O primeiro era o nervosismo. Trevor se deu conta de que Heather sempre se demonstrara nervosa. Inquieta. Os passos se seguiam com fortes dores de cabeça. Insônia. Medo. Desmaios. E, por último, confusão mental. Todos se encaixavam perfeitamente no estado de Heather.
Desde que ele a conhecera. Desde que a vira pela primeira vez. Em outras palavras, Trevor Williams estava certo de que a pessoa que lhe falara por último, de fato, não era Heather.
Era outra pessoa.
Era Emma Connors.
Ele respirou fundo de modo discreto e aproximou-se do corpo. Fechou os olhos e soltou um breve suspiro.
– Heather... Sei que está me ouvindo. Você pode voltar agora. – disse lentamente. – Um... Dois... Três...
Ela abriu os olhos. Instantaneamente olhou para ele. Trevor encontrava-se sentado à beira da cama. Fitava-a com atenção e seriedade.
– O que houve? – ela acabou perguntando.
– Não sei o que lhe dizer exatamente, Heather. – respondeu ele. Por um momento pareceu atônito. – O que posso lhe afirmar, com toda a certeza, é que você e Emma se conheciam.
Heather ergueu as sobrancelhas.
– N-não me lembro.
– Mas seu subconsciente sim. E lembra-se muito bem. Tanto de Emma quanto de sua relação com ela.
Ela abaixou os olhos e tentou compreender. Olhou para ele novamente, indagando:
– Qual sua conclusão?
– Você não só testemunhou o assassinato de Emma Connors, – Trevor articulava suas palavras com firmeza. – como também tinha uma forte ligação com ela. Eram próximas.
– Tudo está... Tão confuso... – Heather passou as mãos pelos cabelos, afundada em confusão. Sua cabeça parecia rodar. Nada daquilo fazia sentido.
Você é a chave para esse mistério, Heather. Só você pode dizer o que aconteceu naquela noite. Na noite em que assassinaram Emma.
– Bem, há alguma informação que possamos usar em nosso favor? – perguntou esperançosa.
– “O peso da culpa cairá sobre ele e o revelará.” – Trevor repetiu o que ouvira minutos atrás.
– Como pode estar tão certo disso? – indagou ela. Seus olhos brilhavam, indicando que lágrimas de desespero estavam começando a brotar de seus olhos.
– Porque ela me disse.
As palavras repetidas pelo Dr. Williams assombravam a mente de Heather em profundos ecos que faziam com que seu corpo todo se arrepiasse.
O peso da culpa cairá sobre ele e o revelará.
De forma impensada, num súbito Heather lembrou-se da noite em que Alex Montini a levara para sua casa logo depois que ela tivera um ataque.
Preparara-lhe uma refeição instantânea e ficaram ambos sentados em uma mesa na cozinha da casa dele. Imediatamente as palavras faladas por ele naquela noite retornaram à cabeça de Heather.
Algo que – subliminarmente – se interligava com o que ela acabara de ouvir dos lábios de Trevor. Palavras que, segundo ele, foram ditas durante a hipnose.
Só quero que saiba que sua presença ameniza todo esse peso que eu trago na consciência.
As duas frases se repetiam em sua mente, mesclando-se, tornando-se apenas uma. Uma frase. Uma sentença. Uma revelação.
– Talvez ela estivesse se referindo ao assassino. – Trevor voltara a tomar a voz, sem notar a expressão apreensiva nos olhos de Heather. – Só nos resta saber de quem se trata.
– Alex Montini. – disse ela sem olhar para ele. Seus olhos estavam fixos no nada. Perdidos em meio àqueles perturbadores pensamentos que a dominavam. Heather evidentemente estava aterrorizada e perplexa.
Entretanto, também estava certa do que dizia. Trevor percebeu a sensação que a perturbava naquele instante e concluiu que ela tomaria alguma atitude a respeito daquilo.
Conhecendo Heather muito bem, Trevor decidiu não se impor. Soltou mais um suspiro e disse:
– Tenho um celular de emergência. Está na terceira gaveta daquela cômoda. – explicou ele. – Quero que leve com você. Eu entrarei em contato e espero que faça o mesmo. Ligue para o telefone deste quarto. – olhou-a nos olhos. – Estarei esperando notícias.



Caminhando pela Pleasant Street, Alex Montini tinha uma das mãos enfiada no bolso de sua jaqueta preta e um braço enfaixado. Há dias não sabia nada sobre Heather. Não ouvia falar dela.
Obviamente não era possível entrar em contato com ela através de seu telefone. O celular encontrava-se fora de área de serviço e ninguém atendia suas chamadas no telefone residencial, o que significava que ela não retornara à sua casa.
Ele tinha acabado de deixar a casa de Rose. As acusações que colocavam sua fidelidade a ela em questão havia se tornado algo que ele não conseguia mais suportar. Gostava de Rose. Muito. Mas já não aguentava mais a pressão, as cobranças, o modo como ela o acusava e tentava controlar sua vida.
Alex começara a se arrepender de tê-la pedido em casamento. Ter se aproximado da garota que aparentava uma doce e adorável personalidade tinha sido um erro.
De início, estava claro que sua intenção era tentar esquecer Emma e todas as coisas que tinham qualquer tipo de ligação com ela. Depois disto, no decorrer de seu relacionamento com Rose Mason, Alex desenvolveu um carinho quase que fraternal por ela.
Desejava o seu bem, vê-la feliz e prometera a si mesmo que faria com que aquilo acontecesse.
Recentemente a ideia de que ele falhara com sua promessa passara a atormentar seus pensamentos. Mas, no fundo, começara a admitir para si mesmo que aquilo já não importava muito. Rose já não importava. Nem seu compromisso com ela.
Admitir tais fatos fazia com que ele se sentisse péssimo, mas não podia lutar contra seus sentimentos. Sua cabeça estava repleta de pensamentos como estes quando, subitamente, ele sentiu a presença de mais alguém naquele local. Parou de andar. Uma figura surgiu por detrás dele, parando em sua frente. O rosto era familiar, mas a expressão que o estampava era desafiadora. Ele recuou um passo, estupefato.
– Heather! – exclamou. – Você está...
– Eu estava cega. – completou ela. Sua voz era ríspida e direta. – Mas você não pode mais me enganar.
Alex franziu seu cenho, demonstrando surpresa.
– Do que está falando?
– Não acredito que mentiu para mim com tanta facilidade...
– Heather, o que está dizendo?
– Você mentiu pra mim! Mentiu! – declarava ela deixando transparecer toda a sua fúria e indignação. – Mentiu pra mim!
– Heather, eu não...
– Não acredito em você! Não mais!
Ele segurou-a pelos ombros, tentando mantê-la calma. Olhava-a diretamente nos olhos, buscando por uma explicação para aquele tipo de comportamento inesperado.
– Onde você esteve? O que houve com você? Encontrou seu amigo? – ele fazia inúmeras perguntas. Havia confusão em seu tom de voz e em seus olhos negros penetrantes. – Machucaram-na?
– Largue-me. – ela o intimidou. Lançou para ele um olhar frio. Rude.
Alex obedeceu, afastando suas mãos dos ombros dela.
– Heather... – disse o nome dela em um suspiro, mas parou. Sentiu outra presença. Uma voz soou logo atrás dele.
– Eu lhe disse, Alex. – ele virou-se para trás e lá estava Rose. O rosto de sua noiva irradiava raiva e decepção. Um misto de sentimentos que, provavelmente, resultaria em mais uma discussão entre eles. – Eu lhe disse para se afastar dela.
– Rose, Heather não fez nada.
– Ela está acabando conosco! – gritou ela, avançando para ele. – Será que você não vê? Ela quer nos separar! Ela está nos separando!
– Rose, por favor. – Alex quase implorou.
– A culpa não é dela, Alex. É sua! – apontou um dedo em frente ao rosto dele, num gesto de acusação. – Você se aproximou dela. Você a trouxe para sua vida. Para as nossas vidas. Vai acabar destruindo-a.
– De que merda está falando? – ele já não conseguia conter sua revolta. Rose estava agindo de modo inaceitável. Não a reconhecia mais.
– É isso o que acontece quando você se aproxima das pessoas. – assegurou Rose. Heather olhava para ela com os olhos muito abertos, atenta ao que a histérica garota estava dizendo. – Você arruína a vida das pessoas. Tem sido assim desde o dia em que chegou com sua família a esta cidade. Se Emma não tivesse se aproximado de você, ela nunca teria...
– Cale-se! – ele a interrompeu em um grito de protesto. – Não sabe o que está dizendo.
– Eu sei muito bem o que estou dizendo, Alex. A culpa foi sua. – as palavras de Rose eram facilmente articuladas, como se ela estivesse deixando toda a sua frustração escapar de uma vez por todas. Ela olhou para os lados e, então, virou-se novamente para Alex. – Mas não deixarei que isto se repita mais uma vez.
Em uma fração de segundos praticamente impossíveis de serem calculados, Rose resolveu-se. Lançou seu corpo com rapidez para cima do corpo de Heather.
Um estrondoso som soou no ar. Um tiro.
As duas caíram ao chão. Heather sentiu o impacto ao colidir contra o concreto da calçada. Também sentiu o choque a invadir. O peso do corpo de Rose sobre o dela diminuiu.
Ela sentiu Rose relaxar, como se algo estivesse se esvaindo dela. Heather afastou o corpo dela do seu, empurrando-a para o lado.
Olhou para o corpo que outrora havia sido projetado para cima do seu e seus olhos imediatamente ficaram surpresos. Havia sangue. Sangue que lentamente escapava por um ferimento nas costas de Rose.
Ela olhou para trás e viu um veículo negro com vidros escuros arrancar, desaparecendo ao virar a primeira esquina daquela rua. Alex correu em socorro da noiva, ajoelhando-se próximo ao corpo. Tomou seu pulso frágil. Ela ainda vivia.
– Rose...
– Afaste-se... Dela... – disse ela com muita dificuldade. Sua respiração era entrecortada, mas ela logo cessou. Assim como seus batimentos cardíacos.
– Rose... Rose... – Alex chamava por ela, mas não houve resposta. O desespero dele era visível. Fitou os olhos arregalados da garota e seu corpo estirado no meio da calçada. Não havia mais nada a ser feito. Heather encontrava-se encolhida próxima a eles. Seu estado era crítico.
O que acontecera ali era como um pesadelo. Era irreal. Inacreditável. Pessoas paravam seus automóveis e desciam destes, aproximando-se do corpo.
– Ambulância! – Alex implorou por socorro. – Chamem uma ambulância!
Mais pessoas foram se aglomerando ao redor daquela cena. Comentários foram feitos. Vozes soavam. Muitas vozes. Heather pousou ambas as mãos sobre sua cabeça, sentindo-se completamente desesperada. A agonia a sufocava.
Ouviu um som desigual soar. Era um telefone. Ela rapidamente se lembrou do aparelho celular que Trevor Williams a tinha convencido a levar com ela.
Colocou uma mão no bolso de sua calça e retirou o aparelho que vibrava e emitia um som irritantemente estridente. Pressionou um botão e levou o telefone à sua orelha, hesitante.
– Heather? – a voz de Trevor soou do outro lado da linha. – Responda.
– Estou aqui. – disse ela. Tremendo da cabeça aos pés, ela colocou-se em pé.
– Heather, sei quem era Emma Connors. – afirmou ele. – Eu a vi. Estive com ela.
– O-o quê? – Heather estremeceu.
No quarto do hotel onde estava hospedado, Trevor Williams observava a tela de seu computador enquanto falava com Heather ao telefone.
Uma fotografia de Emma estampava a tela.
Na fotografia ela exibia um doce e contagiante sorriso.
A perfeita imagem da felicidade.
– Eu vi Emma há quinze anos. – Trevor tentava explicar, mas a ansiedade o dominava sem hesitar. – Quando estive em Middletown. Eu a vi!
Heather sentiu que algo colidia contra seu estômago, como um soco. Algo que fez com que ela sentisse um choque. Seu corpo agora tremia violentamente.
Imagens aleatórias a respeito de uma das visões que Emma lhe enviara surgiram em sua cabeça como um filme.
A visão na qual Emma havia se trancado no banheiro do colégio. Sua volta para casa depois de mais um dia de aula. As dores no estômago.
O desconhecido que viera em seu socorro.
Era ele...
Heather desligou o aparelho, encerrando a chamada, depositando-o de volta em seu bolso. Olhou para a cena à sua frente. Alex chorava desesperadamente sobre o corpo de Rose. Uma ambulância surgiu no início da rua, avançando para eles.
Pessoas ao redor deles assistiam àquilo com terror em seus olhos. Sem pensar muito, Heather virou suas costas e correu.
Sua mente estava um verdadeiro caos. Assim como sua vida.



Trevor Williams estava sentado à beira da cama de seu quarto de hotel, observando a imagem da garota que vira quinze anos atrás encolhida em fortes dores no meio de uma rua. As lembranças daquele encontro agora vinham à sua mente com facilidade e rapidez. Lembrava-se da perturbação escondida por trás do doce e encantador sorriso que ela havia lançado para ele naquela tarde.
Lembrava-se também de ter desejado vê-la mais vezes depois do que presenciara. Ela era linda. Mas havia algo mais que a tornava especial.
Pobre garota. Pensou amargamente.
Trevor estremeceu quando a porta de seu quarto se abriu completamente, causando um som assustadoramente alto. Heather o fitava com ira. Seus olhos queimavam. Seu sangue fervia. Sua respiração era pesada. Seus punhos estavam fechados. Ela avançou para ele e Trevor levantou-se da cama, surpreso.
– Heather, eu me lembrei dela. Sei quem ela era.
– Por que mentiu para mim? – disse ela em tom muito alto.
– Heather...
– Por que nunca me disse que esteve nesta maldita cidade? Por que escondeu isso de mim? – ela aproximara-se dele. Seu rosto irradiava raiva. – Por quê?
– Isto era irrelevante, Heather. Eu não...
– Eu confiei em você. – Heather tinha os olhos fixos nele e sua voz estava envolta em vários sentimentos. – Eu confiei em você e você também mentiu pra mim.
– Eu não menti. Eu realmente não fiz isso.
– Então por que não me disse nada? Por que diabos nunca citou o simples fato de que você esteve nesta cidade quinze anos atrás? Exatamente na época em que Emma foi morta.
– Heather, eu preciso que acredite em mim. Eu mal a conhecia. Encontrei-me com ela apenas uma vez. Uma única vez.
– Não acreditarei em nada do que disser. – asseverou Heather. – Você é como eles.
– Pelo amor de Deus, Heather! – ele exclamou, incrédulo. Estava desesperado para convencê-la. – Estamos juntos nessa. Eu amo você.
– Ora, por favor! – ela soltou um riso amargurado. – Me poupe de cenas como esta. – olhou para ele novamente. – Eu não preciso de você.
– Heather, por favor. Tem que acreditar em mim.
– Basta! – protestou ela. Fitou-o com um olhar ameaçador. – Não se meta mais comigo.
Ela afastou-se dele e virou-se de costas, retirando-se daquele quarto em passos apressados.
– Heather, me escute! – ele pediu. Fez menção de ir atrás dela, mas pelo estado em que ela se encontrava, estava certo de que jamais a convenceria.
Heather deixou aquele hotel com uma mente perturbada e seguiu um caminho sem rumo. Já não tinha mais nada a perder. E nada a ganhar.
Restava-lhe apenas uma coisa para fazer. Uma atitude a tomar. Algo que seria feito por Emma e por ela mesma. Algo que a libertaria de seus fantasmas.
Seu único objetivo desde o dia em que chegara àquela mesma cidade.
Vingança.

Capítulo 30


Alex Montini deixou a delegacia após longas horas preso em um fatigante interrogatório. Rose havia sido levada para o hospital. Retiraram a bala de suas costas, mas nada mais pôde ser feito. Ela não resistira.
Ter dado seu depoimento à polícia havia sido uma tortura para Alex. Imagens do corpo pálido e sem vida de Rose invadiam sua mente, deixando-o atônito.
Anoitecera rapidamente. Ele estava voltando para sua casa, seguindo seu rumo com a cabeça baixa e a mente repleta de perturbadores pensamentos. Sentia-se culpado pelo que ocorrera naquela tarde. Rose tinha razão. Ele arruinava a vida de todos que se aproximavam dele. Era por isso que evitava tanto as pessoas.
Lembrava-se claramente de sua infância e adolescência em Chicago. O modo como os outros alunos de seu antigo colégio o tratavam. O desprezo. A solidão. Alex aprendera desde cedo a viver por si mesmo e mais ninguém. Mas deixava-se levar facilmente pelas provocações das outras crianças. Revidava com golpes e insultos. Isto, consequentemente, resultara em um péssimo histórico escolar e social.
Quando seus pais mudaram-se com ele e a irmã mais velha para Middletown em busca de paz e tranquilidade, ele prometera não se meter mais em encrenca. E, de fato, estava se saindo bem.
Até o dia em que conhecera Emma Connors.
A cena ocorrera há quinze anos, mas ele lembrava-se dela nitidamente. A garota prensada contra a parede do lado de fora de uma boate, levando uma bofetada de um imbecil, fizera com que Alex se enfurecesse em questão de segundos.
E desde então, desde o dia em que apartara ela do ex-namorado, Alex sentira-se completamente preenchido por uma estranha necessidade de protegê-la. Ele havia tentado. Mas falhara. E aquela falha o assombrara desde o dia em que Emma deixou de fazer parte de sua vida. Desde o dia em que ela mesma havia perdido a vida. Todavia, a culpa maior tinha uma ligação com a morte de Emma em si, não com o fato de Alex ter falhado em sua promessa.
Ele tinha uma apresentação no Mancini’s naquela noite. Desejava muito que ela estivesse presente. Tanto que a fizera prometer que estaria lá. Para ele, aquele seria o início de algo. O início da realização de todos os planos que passara a fazer desde o dia em que a vira pela primeira vez.
Entretanto, as coisas não haviam saído como o planejado. Alex dissera à Emma que passaria em frente a casa dela para buscá-la dez minutos antes de sua apresentação no Mancini’s.
Cumprindo com o prometido, Alex Montini seguiu até a casa de Emma. Chamou por ela e logo a viu abrir a porta.
Sua expressão era melancólica, deixando evidente que ela havia chorado.
– O que houve? – ele perguntou.
– Me desculpe. – respondeu sem olhar para ele. – Não irei com você, Alex.
– O quê? – Alex a encarou, surpreso. – Por que não?
– Meu avô pediu para que eu ficasse em casa.
– Mas, Emma... Nós combinamos...
– Eu sei, eu sei. – ela o interrompeu. – Ele não quer que eu o acompanhe, Alex. Sinto muito.
Ele bufou, dizendo:
– Você sabia que isto seria importante para mim.
– O que eu posso fazer? – Emma tentava conter as lágrimas.
– Mas que droga, Emma! – exclamou com raiva. – Será que você não pode enfrentar as pessoas pelo menos uma vez na vida?
– O-o que? – indagou com a voz trêmula. Ele jamais falara com ela naquele tom.
– Isso era importante para mim. Para nós. Quando é que você vai parar de se esconder de seus problemas? Quando é que você vai deixar de ser tão... Fraca?
Emma levantou o olhar e fitou-o, incrédula. Por um instante julgara ter ouvido mal, mas não. Ele havia mesmo dito aquilo. Ele havia agido como eles. Como todos eles. Ele também não a compreendia. Ninguém conseguia compreendê-la. Era este o maior fator para toda a solidão que ela sentia.
– O que está dizendo? – a voz de Emma soou baixa e carregada. Já não conseguia conter as lágrimas que escorriam por seu rosto.
Alex arrependeu-se imediatamente do que havia dito. Havia cometido um erro. Havia agido de forma completamente egoísta. Censurou-se mentalmente pelo que dissera a ela.
– Emma...
– Saia daqui! – declarou ela em voz muito alta. – Saia!
– Por favor...
– Não quero que me procure nunca mais! Vá embora! – lágrimas de indignação e tristeza desabavam de seus olhos. – Você é como eles!
– Emma, eu não...
– Vá embora! Vá embora! – ela gritava freneticamente. Alex viu quando Arthur Connors surgiu por detrás da neta. Seu olhar era severo e ele demonstrava total desaprovação quanto àquela cena.
– Emma, venha para dentro. – ordenou ele. Ela obedeceu sem sequer lhe dirigir uma única palavra. O olhar do velho Sr. Connors imediatamente caiu sobre Alex Montini que se encontrava parado à sua porta, sentindo-se impotente em relação ao que causara.
– Nunca mais procure minha neta, me ouviu? – disse em tom autoritário. – Desapareça de nossas vidas!
Alex olhou assustado para o homem que lhe falava em tom ameaçador. Virou-se e se afastou dali o mais rápido que pôde. Aquela fora a última vez que vira Emma. Naquela mesma noite, segundo as informações a respeito de seu assassinato, Emma havia fugido de casa rumo ao Mancini’s. Certamente queria se reconciliar com Alex. Ou queria lhe pedir para que não a deixasse. Mas jamais fora capaz de fazer com que aquilo acontecesse. Ela partira naquela noite e Alex não pôde dizer-lhe que a amava e que não queria magoá-la outra vez. Mas era tarde demais.
Com a mente presa a estas lembranças, Alex Montini seguia seu caminho para casa. As ruas estavam vazias. Nenhum sinal de veículos ou pessoas. A brisa vinda do rio era suave, tranquilizadora. O céu estava forrado com nuvens carregadas, ameaçando uma forte chuva.
Conturbado e perdido com mil pensamentos em mente, Alex não notara a presença que vinha logo atrás dele.
Mas sentiu quando algo colidiu fortemente contra sua cabeça, fazendo com que ele perdesse os sentidos e caísse ao chão.



Trevor Williams sentia-se forçado a se recuperar de seus ferimentos que, agora, já não se encontravam em estado tão crítico. Guiou com seu carro acinzentado até a casa de Heather.
A casa que antes pertencera à Emma e seu avô. Estacionou o automóvel em frente a casa e saltou para fora, caminhando na direção da porta. Bateu nela por diversas vezes. Não houve resposta. Girou a maçaneta. Estava trancada.
Concluindo que Heather não estava lá, Trevor olhou ao redor para se certificar de que não havia mais ninguém ali por perto. Recuou, afastando-se da porta e, em seguida, avançou para a mesma em alta velocidade, jogando o peso de seu corpo para frente. A porta foi aberta rapidamente e, quando isto aconteceu, ele teve de manter seu equilíbrio para não cair.
Olhou para todos os lados. A casa estava limpa. Arrumada. Heather realmente não estava ali. Não havia qualquer sinal dela. Ele analisou a sala de estar por alguns minutos. Decidira investigar tanto a morte de Emma quanto o passado de Heather. Para isso, o primeiro passo era seguir para o local mais privado de ambas. A casa.
Começou a vasculhar as gavetas da estante, o sofá, as mesas. Abrindo e fechando portas, Trevor Williams chegou à irrelevante conclusão de que não havia nada ali. Pelo menos nada que pudesse ajudá-lo a chegar a algum lugar. Na verdade, tudo aquilo estava levando ele a lugar nenhum.
Deixou-se cair no sofá da sala, soltando um suspiro de derrota. Passou os olhos pela mesa de centro logo à sua frente. Apenas um objeto se encontrava ali. Um livro. Ele instintivamente lembrou-se da noite em que toda a cidade sofrera um blackout. Na noite em que ele fora àquela casa para se certificar de Heather estava bem. Lembrou-se também do que ela havia dito a respeito daquele mesmo livro.
Foi um presente de Charles, meu falecido marido... Disse-me que isto faria algum sentido para mim uma vez que eu coloque um fim em todos esses problemas...
Trevor rapidamente inclinou-se para frente, tomando posse do livro. Encarou a capa por segundos e então começou a folheá-lo, passando seus olhos sobre as palavras em busca de qualquer coisa que lhe fosse útil naquele momento.
A ansiedade o sufocava, mas não era apenas isto. Também temia por Heather. Onde ela estaria agora? O que estaria fazendo? Precisava encontrá-la. Decidiu que faria isto depois que tivesse em mãos algo que pudesse ajudá-la a descobrir toda a verdade. Olhou para o livro novamente.
Subitamente, sua mente foi iluminada por algo. Um detalhe. Um pequeno e quase imperceptível detalhe que, naquele momento, fazia toda a diferença. Estava ali. Claro. Óbvio.
Trevor Williams amaldiçoou-se por ter deixado algo tão importante ter passado por ele de modo despercebido.



Alex abriu os olhos. Sua nuca latejava violentamente. Sua visão estava embaçada e ele sentia sua cabeça rodar. Encontrava-se em pé. Mas algo lhe apertava. Balançou a cabeça e, de repente, sua visão começou a se normalizar.
Viu uma silhueta feminina parada em frente a ele. Levou tempo para identificá-la, mas só teve certeza de quem se tratava quando ela começara a falar.
– Não acredito no que fez com ela.
– H-Heather... – balbuciou ele. Sua cabeça pendia para frente, mas sua visão finalmente estava de volta ao normal. Foi quando ele se deu conta de que estava preso a uma árvore. Olhou ao seu redor. As outras árvores cobriam a estrada que se encontrava à frente deles. Alex reconhecera aquela estrada. Era River Road, do outro lado da cidade. Um lugar muito afastado.
O Rio Connecticut encontrava-se logo ao lado. O som de suas águas era inebriante, calmo. Alex tentou encarar Heather. Os olhos dela eram frios. Rudes. Acusadores. A raiva que a consumia era perceptível.
– Como pôde ter feito aquilo? – inquiriu em um tom de voz ríspido e severo.
– Eu não fiz nada... – ele respondeu com certa dificuldade. A garganta estava seca.
– Mentira! – protestou Heather. Tinha as sobrancelhas franzidas e parecia ranger os dentes. – Tudo o que você diz é mentira.
– Heather...
– Você a matou, Alex! Você a matou!
– Está enganada...
– Já chega! – ela virou-se de costas e começou a caminhar de um lado para o outro. Ela estava proferindo palavras que Alex não pôde ouvir. Era como uma prece. Uma prece articulada em sussurros repetitivos. – O peso da culpa... O peso da culpa...
– Heather! – Alex a chamou. Viu-a se virar para encará-lo. O olhar no rosto dela era insano. Irreconhecível. – Você precisa entender de uma vez por todas. Eu não matei Emma!
– Mentiroso! – gritou ela. – Você é como eles!
Alex arregalou seus olhos, surpreso. Um choque se alastrou por seu corpo. Uma sensação de familiaridade o invadiu.
Ouvira aquela mesma frase antes. Quinze anos atrás. No mesmo tom. Em meio aos mesmos sentimentos.
Era como um déjà vu. Um flashback que estava sendo interpretado por outra pessoa.
– Você sabe que não é verdade. – afirmou ele.
– Cale-se!
– Você sabe que eu não fiz aquilo, Heather. Sabe que eu jamais machucaria Emma. Assim como eu jamais machucaria você. – Alex não se limitou às palavras. Prosseguia firmemente, certo de que a faria enxergar a realidade da qual ele falava.
– Você... É... Um... Mentiroso... – dizia ela com os dentes cerrados. O ódio refletido em seus olhos causara o pânico de Alex.
– Por que acha que eu fiz aquilo? Por que acha que eu matei Emma?
– Porque ela disse. – respondeu rapidamente.
Alex fitou-a, surpreso.
– Ela lhe disse isso? Ela disse que eu a matei? – perguntou ele. – Porque essa não é a Emma que eu conhecia. Emma não mentiria. Ela sabe que eu não fiz nada.
– O peso da culpa cairá sobre ele e o revelará. – ela repetiu a frase dita durante sua sessão de hipnose.
– O que está dizendo? – Alex estava confuso e assustado.
– Foi isto o que ela disse. – Heather explicou. – Foi você mesmo quem sempre disse se sentir culpado, com um peso na consciência. Emma deixou claro que foi você. Era você o tempo todo!
– Heather, por Deus!
– Não quero ouvi-lo! – interveio ela. – Basta! Chega de mentiras! – Heather voltou a caminhar de um lado para o outro. Parecia estar planejando algo. Calculando passos a serem dados a partir daquele momento.
– O que pensa que vai fazer? – ele indagou.
– Vou fazer com que confesse toda a verdade. – ela enfiou uma das mãos no bolso de sua calça, retirando o celular que Trevor Williams havia lhe dado anteriormente. Fazendo algumas seleções no aparelho, Heather depositou-o sobre o chão logo à sua frente. – Vamos. Diga.
– Mas que diabos é isto?
– Gravarei a sua confissão e entregarei à polícia. – respondeu. – Você tem duas opções: confessar... Ou começar a rezar.
O ódio de Heather era imenso. Alex estava seguro disto. A mulher que lhe falava naquele tom estava disposta a qualquer coisa para conseguir a verdade. Verdade da qual ele não sabia.
– Heather, por favor... Eu não matei Emma.
– A verdade. Anda, diga! – ela se aproximou dele, fitando-o nos olhos. – Você brincou com ela, não foi? Aposto que se divertiu muito à custa dela. Foi divertido para você, Alex?
– Eu não a matei!
– Diga-me. Foi divertido ter brincado com os sentimentos dela?
– Não a matei!
– Foi divertido ter feito com que ela perdesse a cabeça e começasse a se automutilar?
– Eu não sou o assassino de Emma!
– A vomitar todas as refeições do dia?
– Não fui eu!
– Foi divertido ter feito com que ela se sentisse um lixo, chamando-a de fraca? Vamos! Responda!
– Eu. Não. Matei. Emma. – disse ele em pausas, tentando manter sua calma.
– Eu não ouvi direito.
– Eu não a matei! – ele gritou.
– Você é um excelente ator. – Heather emitiu um riso irônico, afastando-se dele. – Ela confiava em você. Ela amava você.
– E eu a amava, Heather. – afirmou ele calmamente. – E eu juro que me culpei todos os dias pelo que aconteceu. Eu juro. Eu realmente poderia ter evitado aquilo se não tivesse discutido com ela antes. – Alex falava com o coração aberto, deixando que raras lágrimas de emoção surgissem em seus olhos. – Mas eu não a matei. Eu não a matei.
Heather olhava fixamente nos olhos dele. As lágrimas escorriam pelo rosto do sujeito cujo qual ela designara culpado pela morte de Emma. Lágrimas que, certamente, não convenceriam Heather tão facilmente.
– Eu não a matei, Heather. Tem que acreditar em mim.
– Pela primeira vez na vida, acho que devo concordar com você, Alexander. – uma voz surgiu por detrás das árvores que balançavam devido à brisa vinda do rio.
Instintivamente, Heather virou-se para trás, olhando na direção da voz. Seus olhos se abriram por completo quando se encontraram com os da pessoa que lhes falava.
Parada ali, no meio de toda aquela grama amarelada, com ar triunfante e um olhar indiferente, Amanda Thornton assistia à cena como uma espectadora insatisfeita.
– Amanda?! – Heather arqueou as sobrancelhas. Seu coração batia violentamente rápido. Sua respiração agora cessara. – O que está fazendo aqui?
– Quando você chegou à cidade, – Amanda começou a avançar seus passos, evitado olhar Heather nos olhos. – Eu confesso que achei absurda a ideia que me surgiu na mente. Então eu tive que me certificar. Tive que investigar para ter certeza de que era você mesma.
– O-o que...?
– Quem diria... – ela suspirou, sorrindo. – Você deve saber. Éramos como as três mosqueteiras. Jodie, Emma e eu. Mas Emma sempre fora mais próxima a mim do que Jodie. Éramos melhores amigas. Ela era uma pessoa maravilhosa. – Amanda não hesitava em falar, seguindo seus passos ao redor de Heather. Um animal espreitando sua presa. – Doce. Gentil. Inteligente. Bela. A garota perfeita. Todas queriam ser como ela. Inclusive eu. – ela abriu outro sorriso. – Mas era impossível. Era impossível para qualquer uma ser como Emma. Ela estava no nível mais alto de todas as qualidades. Era quase como se ela fosse uma obra de arte. Sem falhas. – levantou seus olhos para finalmente encarar Heather. – As pessoas costumavam gostar dela. Os garotos queriam chamá-la para sair. E então... Oh, sim. Então ela conheceu Frank. – o sorriso desapareceu. – Frank jamais a teria feito feliz. Ele foi o maior erro da vida dela. E eu disse isso a ela. Eu sempre dizia. Ele não era para ela. Ninguém era. – Amanda fitava os olhos de Heather com seriedade. – Ninguém a não ser eu.
Heather franziu a testa, deixando toda a confusão que a invadia de dentro para fora transparecer. Amanda continuou a falar:
– Estar com Emma era algo incrível. Somente eu sabia valorizar cada segundo ao lado dela, cada palavra que ela dizia, cada movimento que ela fazia, cada segredo que ela me contava... Quando ela finalmente rompeu com Frank... Ah, se você soubesse como eu agradeci a Deus por isso! – sorriu mais uma vez. – Eu finalmente poderia passar mais tempo com ela. Estar ao lado dela o dia todo. A todo o momento. A atenção dela seria exclusivamente minha. Assim como a própria Emma. – ela prosseguia com suas palavras como uma torneira aberta, deixando escorrer toda a verdade oculta há tantos anos em seu interior. – Mas esse... Esse desgraçado apareceu na vida dela! – Amanda virou-se para Alex, dirigindo a ele um olhar repleto de rancor. – E fez com que ela se afastasse de mim. Fez com que ela me abandonasse para sempre. Tirou-a de mim como num passe de mágica. – ela balançou a cabeça negativamente. Lágrimas começaram a escorrer por suas bochechas, despencando no chão. – Eu a perdi... – levantou o rosto. – Eu a perdi. Ela não se separaria dele por mim. Não por mim. Não... – as lágrimas continuavam caindo. – As pessoas começaram a deixá-la de lado por causa dele. Todas as coisas ruins que aconteceram na vida dela foram por causa dele. Mas não foi ele quem a matou. – ela passou ambas as mãos pelo rosto, tentando parar suas lágrimas. – Eu já não conseguia mais ver... Vê-la ao lado dele... Com ele... E não comigo... Eu era a única que a amava de verdade. A única! – exclamou histericamente. – Mas ela não voltaria para mim. Não ficaria comigo. Ela não me amaria. Não como eu a amava. – as lágrimas tornaram a aparecer em seu rosto. – Eu não tive escolha, você entende? Eu não aceitaria... Não aceitaria vê-la feliz ao lado de outra... Outra pessoa. Não aceitaria. – Heather não esboçava reação alguma. Estava congelada. Os pés fincados na grama. Ouvia atentamente o que a garota dizia. – Era noite... Eu havia saído para beber com... – ela soltou um riso abafado e irônico. – Acredite se quiser. Frank Palmer. Ele mesmo. E, claro, alguns outros garotos do colégio... Estávamos andando de carro, música alta e muita bebida, e... Então eu a vi. Estava andando no meio do escuro. Usava um vestido verde. Era tarde. Muito tarde. – ela fez uma pausa para se lembrar. – Pedi para que parassem o carro. Ela estava assustada. A colocamos dentro do carro e seguimos. Seguimos até... – Amanda olhou para os lados e abriu os braços indicando os seus arredores. – Até aqui. Bem aqui.
Heather estremeceu. Ainda sentia-se incapaz de emitir qualquer tipo de reação. Seus olhos estavam vidrados nos de Amanda. Ela prosseguiu com sua narração:
– Era para ser divertido. Paramos o carro e a colocamos no chão. Frank me deu uma garrafa de cerveja e me pediu para me sentar, pois o show já estava para começar. Foi o que ele disse. E eu obedeci. – ela já não sorria mais. – E, bem... Não foi muito bonito. – Amanda respirou fundo e olhou para Heather com um olhar que ela não conseguia interpretar. – Era pra ser uma brincadeira, sabe? Eu só queria assustá-la, dar uma lição nela, fazer com que... Não sei... Com que ela achasse que Alex havia feito aquilo. Assim ela o deixaria e... – ela recomeçara a chorar. – E voltaria para mim. – Amanda agora soluçava sem parar. – Mas as coisas passaram dos limites. Eu... Eles não paravam, eles não paravam... Apenas... Apenas continuaram a fazer aquilo... Até que ela se foi... Ela não reagia mais. Estava... Estava morta... E, Deus! Eu não sabia o que fazer! – o rosto estava encharcado de lágrimas e ela mal podia falar, dominada pelos soluços. – Depois de... De um tempo eu percebi... Acho que foi melhor ter sido assim... Ela não seria minha de qualquer forma... E nem dele... – ela respirou fundo mais uma vez, contendo as lágrimas. – Mas você deve saber de todos os detalhes melhor do que eu. – olhou profundamente nos olhos confusos de Heather. – Não é mesmo... Emma?
Espantada, Heather não pôde controlar a forte e súbita onda de angústia que a dominara no momento em que ouvira aquilo. Suas pernas não paravam de tremer, condizendo com suas mãos que suavam friamente.
Sentiu que algo a invadia rapidamente, sufocando-a como uma mão ao redor de seu pescoço. Algo que lhe apertava com força, com brutalidade, impedindo-a de respirar.



Após algumas ligações, Trevor Williams novamente apoderou-se do telefone que encontrara na casa de Heather. Sua chamada logo fora atendida.
– Por favor, o diretor Jones. – inquiriu Trevor nervosamente.
Ele tinha o livro de Heather em uma das mãos e o auscultador na outra. Uma voz feminina o pediu para que aguardasse na linha. Poucos minutos mais tarde outra voz surgiu na ligação.
– Williams, o que quer? Sabe que horas são?
– Sr. Jones, precisa me ouvir. É sobre uma das pacientes que fugiram na explosão da clínica.
– Ora, essa! – exclamou o sujeito, zangado. – Me poupe de suas investigações baratas.
– Por favor, o senhor tem que me escutar. – ele estava ao ponto de implorar.
– Pois diga.
Trevor suspirou, segurando o auscultador com mais força.
– Heather McLean. Lembra-se dela? Nunca conseguiram diagnosticar seu problema em quinze anos.
– Mas que tipo de merda você tem na cabeça para me ligar a essa hora da noite? E ainda por cima para falar sobre aquele caso perdido?
– Sr. Jones... – Trevor apertou o aparelho, tentando manter sua postura. – Heather sofre de um transtorno dissociativo de identidade.
– Como pode ter tanta certeza? – indagou o diretor do antigo hospital.
– Acabo de entrar em contato com a secretaria de segurança pública e habitação da cidade de Hartford e Middletown. – explicou o Dr. Williams. – Nunca houve ninguém com o nome de Heather McLean em ambas as cidades.
– E o que isto significa?
– A paciente que esteve em seu hospital por quinze anos... – ele respirou fundo. Seus batimentos cardíacos eram rápidos. Seu nervosismo era quase incontrolável. – Na verdade chama-se Emma Connors.
Trevor pôde ouvir Robert Jones se penitenciar do outro lado da linha por não ter lhe dado a devida atenção logo no início daquela ligação. Trevor Williams acrescentou:
– Heather é um alter ego. Ela não existe.
Robert Jones soltou sua respiração, incrédulo.
– Merda! – exclamou. – E onde ela está agora?
– Emma está atrás da pessoa que tentou matá-la. – Trevor respondeu. – Está atrás da verdade.



– Não sei como fez para sobreviver, mas aqui está você. – Amanda Thornton falava agora em tom rude e áspero. – Quando a vi, não acreditei. Tive que ter certeza. Quando pedi para que Frank sequestrasse seu namoradinho... As brincadeiras que fizemos com você durante aquelas ligações... Foi quando eu tive certeza. No banheiro do colégio, na igreja... Eu armei a cilada perfeita e você se entregou impensadamente. Era você mesma.
– O q...
– Você queria descobrir o que aconteceu naquela noite, mas... Mas você se lembra, não é, Emma? Você se lembra.
– Não! – Heather disse em objeção.
– Lembra-se daquela noite. Sei que se lembra.
– Não! Não! Não! – ela colocou as mãos sobre a cabeça que começara a latejar mais forte do que nunca. Ela jamais sentira uma enxaqueca tão grande.
Era impossível controlar a dor. A sensação que a sufocava subitamente parecia estrangulá-la com violência. Ela sentiu que algo lhe atingia o estômago e então, fechou os olhos.
As imagens e as vozes que antes se mesclavam umas nas outras agora fluíam normalmente. Eram reproduzidas com nitidez. Clareza.



Emma estava deitada na grama. No chão. No meio do nada. Havia um corpo sobre dela. Assim como havia mãos que se insinuavam entre suas coxas. Mãos que lhe apertavam, forçando-a a se manter imóvel.
Ela ouviu risos. Gargalhadas. Vozes embriagadas e debochadas. Tinha os olhos fechados, mas gritava como uma louca. Implorava por ajuda. Por socorro. Mas ninguém parecia lhe ouvir.
Sentiu que levantavam seu vestido, puxando suas roupas íntimas para baixo, forçando suas pernas a se afastarem.
– Não! – gritou ela. – Por favor, não! Não! – lágrimas frias escorriam incontrolavelmente por suas faces.
– Calada... Quietinha...
Ela reconhecera aquela voz, embora estivesse em tais circunstâncias. Era cruelmente familiar.
– Frank, não! Não! Por favor! Por favor! Pare! – implorava.
– Façam-na calar a boca! – a voz de Frank Palmer ordenou. Emma sentiu que uma mão era pressionada contra seus lábios, fazendo-a se calar. Bruscamente ele forçou-se para dentro dela. Emma soltou um grito que fora abafado pela mão que tapava sua boca. Lágrimas de dor e desespero escorriam por seus olhos.
E, então, ele parou, saindo de dentro dela aos risos. Aquilo durara minutos.
Todavia, Emma sentira aqueles mesmos movimentos rápidos e frenéticos dentro dela mais uma vez. E outra. Mais uma.
Quatro vezes no total. Quatro pessoas diferentes.
Todas elas proferindo palavras em uma voz sádica e debochada. Pareciam estar se divertindo, mas não tanto quanto Amanda.
Encostada a uma árvore com uma garrafa nas mãos, Amanda Thornton assistia àquela cena com naturalidade. Havia um sorriso em seu rosto. Era quase como se aquilo tudo causasse o seu mais profundo deleite.
Entretanto, o estrupo havia sido apenas uma preliminar. Um dos sujeitos retirou um isqueiro do bolso de sua jaqueta.
– Vamos ver a bruxinha pegar fogo. – disse em tom sugestivo.
Frank soltou uma gargalhada alta. Tomou a garrafa de cerveja das mãos de Amanda e o isqueiro de seu amigo, aproximando-se do corpo de Emma que lentamente se movimentava.
Ela sentia-se fraca. Machucada. Um líquido foi despejado sobre seus braços e pernas. Era gelado. Ela tremeu quando aquilo entrou em contato com sua pele. Frank deixou toda a bebida cair sobre ela e depois atirou a garrafa longe. Acendeu o isqueiro e aproximou-o do corpo dela.
Os braços dela logo se acenderam. O fogo iluminou todo o ambiente. E os gritos de terror que ela emitia eram como música para os ouvidos de Amanda. Uma aterrorizante melodia. Frank apressou-se em também atear fogo nas pernas da garota. Ela gritava e rolava na grama, pedindo ajuda. Ela rolou seu corpo pelo chão até o fogo cessar. Sua pele ardia. Queimava. Uma ardência insuportável.
Ela já não conseguia mais chorar. Sentia-se vazia. Desejava que tudo aquilo fosse um pesadelo, do qual queria acordar o mais rápido possível. Mas não podia. Era real. As dores eram reais, assim como os ferimentos espalhados por todo o seu corpo.
Um dos sujeitos aproximara-se dela, colocando-a em pé. Empurrou-a na direção de outro sujeito. Este jogou seu corpo contra o tronco de uma árvore. Ela bateu com a cabeça. Sangue esguichou de seu nariz.
Outro se aproximou dela, forçando-a a se levantar mais uma fez. Deferiu duas violentas bofetadas em seu rosto, fazendo com que ela fosse ao chão novamente.
Mais um deles tornou a levantá-la. Roçou seus lábios contra o dela, dando-lhe um beijo brutal. Ela começou a se debater, tentando se desvencilhar, mas não conseguia. Não tinha forças. Todos riam.
Frank Palmer a segurou nos braços, jogando-a contra outra árvore. Havia ferimentos por todo o seu rosto. Sangue escorria por todas as partes. Seu corpo estava fraco. Ferido. Destruído.
Eles tornaram a chocá-la contra as árvores e, depois, contra o chão. Diversas vezes. Rindo. Gargalhando. Até que ela já não conseguia mais reagir.
Sua alma começara a evaporar. Sua essência estava escapando, se esvaindo de seu corpo. Ela sentiu seus olhos inchados pesarem. Não conseguia mais mantê-los abertos. A dor não pararia, o sofrimento não acabaria se ela continuasse a reagir.
Decidiu-se, então.
Fechando seus olhos e deixando-se levar pelas trevas que a envolviam lentamente, Emma deixou-se cair no abismo da morte com os braços abertos.
Era um poço sem fundo. Uma viagem infinita. Escura. Melancolicamente acolhedora. Era tudo ao que ela podia se agarrar no momento. Sua única saída. Um raio soou nos céus. Alto e estrondoso.
As agressões pararam. Frank Palmer olhou para a garota no chão. Ela não se debatia mais. Ergueu-a pelos braços e fitou seu rosto machucado. Os olhos fechados. Os lábios cortados e inchados. Sangue banhando sua pele. Balançando a cabeça de um lado para o outro, ele declarou:
– Deve ter desmaiado.
Um dos outros garotos aproximou-se deles e agarrou um dos pulsos de Emma. Em seguida, levantou os olhos lançando para Frank um olhar de preocupação.
– Não tem pulsação.
Frank rapidamente deitou-a sobre a grama mais uma vez. Tomou seu pulso e concluiu que não havia mais nenhum batimento sequer. Gotas de chuva espessas e pesadas começaram a cair.
– Merda... – murmurou. Inclinou-se sobre ela, pousando ambas as suas mãos sobre o peito dela, fazendo pressão para baixo várias vezes seguidas. Depois tornou a tomar-lhe o pulso. Nada. Suas roupas já estavam todas molhadas devido à chuva forte. Relâmpagos iluminavam o ambiente com seus flashes inesperados. Frank, ajoelhado ao chão perto do corpo da garota, virou-se para seus amigos.
– Está morta.
– Está brincando! – Amanda colocou-se em pé e avançou para ele, incrédula e perplexa. – Não pode ser!
– Ela não reage, não respira. – Frank estava tão desesperado quanto ela. – Está morta.
– Merda! Merda! – os outros começaram a se apavorar, andando de um lado para o outro, murmurando palavras de angústia.
– Que diabos faremos agora? – um deles perguntou.
– Não era para acabar assim! Isso não devia ter acontecido! – disse o outro. – O que vamos fazer? Vão encontrá-la! Vão descobrir que...
– Cale essa maldita boca! – protestou Amanda. Estava furiosa e angustiada. – Preciso pensar.
– Não há o que pensar, tá legal? – o garoto que se encontrava em maior desespero não conseguia parar de falar. – Estamos ferrados. Completamente ferrados! A polícia vai encontrar o corpo! Nós vamos acab...
– Já mandei calar a boca! – Amanda fez um sinal para que Frank e os outros prestassem atenção no que ela dizia. – Sei o que fazer. Venha. Ajude-me.
Amanda agachou-se e segurou Emma por um braço, tentando levantar seu corpo. Frank segurou-a pelo outro, auxiliando Amanda. Mais dois deles seguraram-na pelas pernas.
O corpo estava coberto de feridas. Sua pele estava chamuscada. Seu rosto estava irreconhecível. Amanda conduziu o corpo até a beira do rio que ali se encontrava.
Os outros a ajudaram, ainda sem entender.
– Pronto? – ela indagou olhando para eles. Todos emitiram um sinal positivamente hesitante com a cabeça. Depositaram o corpo sobre a beirada do rio e começaram a empurrar. – Um... Dois...
Empurraram com toda a sua força até que o corpo foi projetado para dentro do rio, causando um splash melodioso ao tocar a água.
Amanda e Frank aproximaram-se da beira do Rio Connecticut e olharam para baixo.
– Fomos longe demais. Isso não tinha de acabar assim. – lamentou-se ele.
– Isto não deve sair daqui. – Amanda virou-se para todos eles. – O primeiro que ameaçar falar qualquer coisa a respeito do que aconteceu aqui... Morre.
Todos assentiram. Ela tornou a olhar para o rio. O corpo já não estava mais lá. Ela concluiu que ele afundara. Queima de evidências. Ninguém jamais saberia da verdade. Nunca.
Mal sabia ela que estava enganada.
Emma abriu seus olhos, mas nada conseguia ver. Algo a impedia de respirar. Algo invadia seu corpo. Era frio, incontrolável, forte. Ela fez um movimento com os braços ainda feridos e concluiu que tudo o que havia ao seu redor era água.
A mesma água que agora a invadia.
Era curioso. Ela não conseguia sentir dor debaixo d’água. Era como se a água a acolhesse e a livrasse de toda aquela agonia que, minutos antes, estivera destruindo-a aos poucos. Mas não podia permanecer ali. Ela buscava por ar. Oxigênio. Foi quando percebeu:
Não estou morta!
Moveu seus braços e pernas com movimentos desajeitados e rápidos, sentindo seu corpo flutuar, subindo. Seus pulmões estavam famintos por ar. Quando sua cabeça passou pela superfície, ela sentiu um forte choque térmico colidir contra seu corpo. Ela enxergava com muita dificuldade. Mal conseguia respirar. Procurava por ar freneticamente. Seus pulmões aos poucos eram preenchidos pelo oxigênio.
Ela começou a tossir e a jorrar água. Sua cabeça pesava de modo que uma forte enxaqueca tomara conta dela. Olhou ao redor. Havia água por toda parte. Ainda sentia-se demasiadamente fraca. Começou a bater seus braços e pernas, guiando pela água até encontrar terra firme.
Deixou-se cair sobre a lama na beira do rio, ainda jorrando água pela boca e narinas. A simples ação de respirar fazia com que seu corpo ardesse por dentro. Ela deitou-se sobre o chão úmido e sujo, tentando controlar sua respiração, fazer com que ela se normalizasse por completo.
Fechou os olhos e imediatamente sentiu um súbito medo a invadir. Tentou se colocar em pé e adentrou as árvores que se encontravam logo à sua frente, cambaleando pelo caminho.
Ela seguiu seu rumo desconhecido até não conseguir mais se manter acordada. Deixou seu corpo cair sobre o chão mais uma vez, cerrando seus olhos. Acordara na minha seguinte. Os fortes raios do sol penetravam seus olhos cruelmente. Ela foi obrigada a procurar por sombra debaixo das árvores. E lá ela ficou. Não apenas uma noite ou um dia, mas várias noites e vários dias.
Alimentava-se de todas as frutas que conseguia encontrar. Dormia no meio da terra e do mato. Lavava-se no rio. Porventura, enquanto procurava por frutas em uma tarde nublada, ela acabara encontrando uma árvore diferente.
Começou a descascar seu tronco com uma pedra. Um líquido de cor indefinida escorreu dela. Seu cheiro era suave. Emma recolheu um pouco daquilo e passou nos cabelos.
Fez o mesmo com o suco que retirava do limão, pois gostava do aroma. Com o passar dos dias, aquilo foi fazendo com que seus cabelos naturalmente escuros ficassem mais claros até se tornarem dourados. Mas ela não se importava. O cheiro de limão causava nela uma suave sensação de limpeza.
Não havia visto ninguém desde então. Os ferimentos espalhados por seu corpo a incomodavam. Coçavam. Sangravam. Ela passara a espalhar lama e folhas por todas as feridas, na esperança de que aquilo fosse aliviar sua agonia.
De fato, funcionara.
Aquilo causava nela um prazeroso alívio. Para sua surpresa, aquilo também ajudara na cicatrização de seus ferimentos. Em questão de dias eles já estavam fechados e, consequentemente, não havia qualquer rastro de cicatriz em sua pele.
Mas ainda haviam feridas em sua alma.
Quando aquele ambiente já não lhe parecia tão seguro quanto antes, Emma seguiu outro caminho. Um rumo para lugar nenhum. Este rumo, entretanto, fizera com que ela fosse parar no meio de River Road – uma estrada para fora de Middletown –.
O barulho dos carros a incomodava. Toda aquela movimentação a estava deixando assustada. Não era um lugar tranquilo e pacífico como onde passara os dias anteriores. Ela queria que todos aqueles sons e imagens parassem.
Soltou um grito horrivelmente selvagem, correndo para o meio da pista.
Um veículo vinha em alta velocidade na direção dela. Este freou bruscamente à sua frente, quase chocando contra seu corpo. Emma o encarava com fúria. Dois homens uniformizados desceram do carro. Era um carro de polícia.
– Está maluca?! – indignou-se um deles. O outro fitou com curiosidade a garota de cabelos dourados desalinhados e vestido cheio de rasgos e manchas de sujeira. – Queria nos matar?
– Ei, ei... – o segundo policial se aproximou dela com cautela. – Você está bem?
Não houve qualquer resposta.
– Quem é você?
Silêncio. Ela os fitava com um olhar apaticamente opaco. Não havia qualquer tipo de emoção em sua expressão.
O policial que havia se indignado abanou a cabeça e disse:
– Coloque-a no carro.
O outro obedeceu. Segurou-a por um braço, guiando-a para o automóvel. Abriu a porta de trás e empurrou-a para dentro. Os policiais instalaram-se nos bancos da frente e o carro arrancou.
Durante o percurso para a delegacia de Hartford, a garota não disse nenhuma palavra sequer. Um olhar vago em seu rosto. Ela não reagia. Levaram-na para a delegacia da cidade. O delegado a recebeu com má vontade.
Era um sujeito na casa dos quarenta anos, tinha cabelos grisalhos bem penteados e um olhar severo. Colocaram a garota para se sentar na cadeira em frente a ele. O delegado inquiriu de primeira:
– Quem é você?
Ela se manteve calada, mas a pergunta tornou a soar:
– Diga-me. Qual é o seu nome?
– O meu nome – ela levantou seus olhos castanhos para fitá-lo. – É Heather. Heather McLean.
– E o que houve com você, Heather?
Ela subitamente pareceu confusa.
– N-não me lembro... Não sei...
– Pode me passar algum contato? Poderemos chamar um familiar, um amigo para vir lhe buscar.
– Não tenho ninguém. – respondeu.
– Onde você mora?
– Eu... Eu não sei...
O delegado emitiu um suspiro de derrota.
– Tudo bem.
Naquele mesmo dia mandaram-na para uma clínica psiquiátrica da cidade. Entraram com seu pedido de internação na Jones & Johnson apresentando-a como Heather McLean.
Os médicos tentaram insistentemente tentar entender o que estava em sua mente. De onde ela tinha vindo. O que havia acontecido com ela. Mas nem mesmo a própria Heather lembrava-se de seu passado. Ela não tinha um passado. Seu passado pertencia à outra pessoa. Outra vida.
Heather sentiu a pressão contra seu estômago relaxar. Ela estava voltando à realidade. Voltando ao momento onde tudo – finalmente – estava começando a fazer sentido.



– Eu tenho te observado desde o dia que chegou a esta cidade. – sussurrou Amanda. Seu tom de voz era insanamente assustador. – Mas tive medo de me aproximar demais. Eu... Eu não queria a sua rejeição... Não sei por que voltou, Emma. – ela avançava para Heather em passos cautelosos. – Mas vou te mandar para o lugar de onde você não deveria ter saído. Ficaremos juntas. Juntas para sempre. No inferno.
Heather viu Amanda retirar do bolso traseiro de sua calça um revolver, em seguida, avançando rapidamente para ela. As duas caíram no chão, rolando pela grama. Heather tentava inutilmente afastá-la de si.
– Ficaremos juntas, Emma... Juntas... – Amanda ria e chorava ao mesmo tempo, segurando a arma na mão, rolando com Heather pelo chão.
– Amanda! Pare! – Alex gritava sentindo-se inútil perante aquela situação. Ainda estava preso à árvore. – Deixe-a em paz!
– Juntas para sempre... Juntas para sempre...
Heather esperneava e empurrava-a com as mãos, tentando se livrar dela com toda a sua força. Agindo por seu instinto, cuspiu-lhe no rosto. Amanda fechou os olhos. Heather tateou por debaixo do corpo dela até sentir a arma.
Puxou-a das mãos dela, tomando posse do revólver. Mas Amanda fora mais rápida, fazendo menção de reagir. Abriu os olhos e lançou para Heather um sorriso sádico.
Um tiro ecoou soando alto seguido de um trovão nas nuvens. Um raio caiu ali perto, fazendo todo o chão se estremecer. Alex arregalou seus olhos, assistindo à cena com espanto.
Heather e Amanda fitavam-se fixamente nos olhos. O sorriso de Amanda lentamente se desmanchou em seu rosto. Ela não deixava de olhar para Heather. Seus olhos mudaram de expressão. Havia surpresa e perplexidade neles agora.
Gotas de chuva começaram a cair, cobrindo seus corpos.
– Não... – ela murmurou. – Não, Emma... Não...
Heather respirava ofegante. Seu coração disparou e então, de repente, começou a perder o ritmo. Seus olhos estavam muito abertos. A chuva agora caía fortemente. Raios e trovões misturavam-se no céu.
– Emma... – lágrimas escorreram de ambos os olhos de Amanda. – Emma...
Heather sentiu a pressão do corpo de Amanda relaxar repentinamente. Empurrou-a para trás, vendo-a cair no chão. Colocou-se em pé com dificuldade. Havia sangue em suas mãos e em suas roupas. Olhou para a garota deitada na grama.
– Teríamos... Ficado... Juntas... – ela falava com imensa dificuldade. Ainda tinha a arma na mão. – Eu... A amava... Tanto... Emma...
Heather estava paralisada. O sangue de Amanda espalhava-se pelo chão, fundindo-se com a terra molhada. O corpo dela vibrava devido ao choque.
– Meu nome é Heather. – ela olhou uma última vez para Amanda. Estendeu o braço, apontando a arma na direção dela. Tinha seu rosto na mira.
Sem hesitar, deitou seu dedo sobre o gatilho. Um clarão iluminou o corpo de Amanda. Heather fechou os olhos e depois voltou a abri-los. A bala penetrara Amanda Thornton na testa, em cheio.
Seus olhos estavam abertos, mas seu corpo imóvel.
Permanentemente.
Heather sentiu como se as cortinas daquele aterrorizante espetáculo fossem se fechar a qualquer momento.
Quando viu automóveis da polícia cercando o local e Trevor Williams descendo de seu veículo cinza, correndo para ela, Heather teve certeza.
O pesadelo chegara ao fim.



Ela encontrava-se sentada. Relaxada. Calma. Estava em hipnose profunda. Uma voz suave lhe falava lentamente:
– Seu trauma foi muito grande, Emma. Heather nasceu do seu sofrimento. Você a criou, fez com que ela tomasse conta de seu corpo e mente para se proteger de sua própria dor, de seu choque. Ela foi sua fortaleza por quinze anos. Mas agora este trauma já passou. Está tudo acabado. Vocês agora são uma só pessoa. – Trevor Williams mantinha-se sério e calmo. – Você é Emma Connors. Uma pessoa forte e obstinada.
Aquela era a última sessão dela. Há meses estivera em tratamento para se curar de seu trauma. Suas lembranças retornaram à sua mente na noite em que Amanda Thornton lhe revelara toda a verdade.
Mal sabia ela que o celular continuara ligado, gravando todas as palavras ditas por ela naquela noite.
Usando aquilo como uma forte evidência, o júri determinou Frank Palmer e mais quatro sujeitos – amigos que o próprio Frank havia entregado à polícia – culpados por todos os crimes cometidos na noite que mudara a vida de Emma para sempre. Também pelo homicídio de Frederick Hatcher.
Frank acabara confessando que Amanda havia pedido para que ele executasse o professor, que em uma manhã habitual ouvira a garota falando consigo mesma a respeito do que fizera a Emma. Ele sabia da verdade. Ou, pelo menos, parte dela. Era um perigo para Amanda.
Ela, Emma Connors, alegou legítima defesa, se livrando de qualquer acusação a respeito da morte de Amanda Thornton. Alex Montini fora designado para depor a favor de Emma. Sem hesitar, ele fez o que pôde para ajudar.
Encontrara-se com ela pela última vez na saída do tribunal. Ela estava acompanhada do Dr. Williams. Alex havia perguntado se ela teria um minuto para falar com ele. Emma pedira para que Trevor a aguardasse no carro. Estava frente a frente com Alex. Lembranças de um passado do qual ela costumava não se lembrar assombraram a mente de ambos naquele momento.
– Eu não sei como começar. – ele exibiu um sorriso nervoso. – Temos muito que conversar, não acha?
– Não tenho certeza, Alex. – ela respondeu educadamente. Seu tom de voz era o mesmo que usara anos atrás. Antes de tudo aquilo acontecer. Antes de terem destruído sua vida.
– Bem, eu só... Só quero pedir perdão.
– Não há o que perdoar.
– Aquela noite. – disse ele. – Quando eu a chamei de fraca. Eu não quis realmente dizer aquilo. Foi algo dito em um momento de frustração.
– Não se preocupe.
– Só quero que saiba que... Você provou a todas as pessoas que um dia chamaram-na de fraca que eles estavam todos enganados.
– Eu nunca quis provar nada a ninguém. – Emma olhou para ele com seriedade em seus olhos. – Sei muito bem do que sou capaz. Eu não sou fraca. Nunca precisei pisar em alguém para me sentir melhor. Sobrevivi a tudo aquilo sozinha.
Alex fitou-a com imensa admiração. Como ela havia se tornado forte! Ainda era Emma. Ainda era a garota doce e encantadora que um dia fizera parte de sua vida. Mas também era uma mulher decidida e independente. Não havia qualquer sinal de fraqueza nela.
– Desejo-lhe toda a sorte deste mundo.
– O mesmo para você, Alex. – ela fitou-o com ternura e virou-se, deixando o tribunal.
Aquele havia sido o primeiro passo para o recomeço. Para a renovação de sua vida.
Seu tratamento finalmente chegara ao fim. Trevor contou até três e ela abriu os olhos, acordando para a realidade.
– Sente-se bem?
– Ótima. – ela sorriu. – Acho que estou pronta.
Depois daquela última sessão, Trevor a levou para tomar um café na cidade. Estavam sentados a uma mesa. Ela olhou para ele, dizendo:
– Eu sempre me perguntei.
– O quê? – ele bebericou de seu café e depois ergueu seus olhos para fitá-la.
– Quando foi que você descobriu?
Trevor emitiu um riso breve.
– Você alguma vez chegou a finalizar o livro que seu falecido marido lhe deu?
Ela fez que não com a cabeça. Ele prosseguiu:
– O Médico e o Monstro conta a história de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. – começou a explicar. – Na tentativa de separar seu lado bom de seus impulsos sombrios, Dr. Jekyll descobre uma poção. Essa poção o transforma em outra pessoa. Uma criatura má, cruel. Mr. Hyde. Mas algo aconteceu. O médico começou a perder o controle e, ciente de que Hyde dominaria seu corpo de uma vez por todas, ele deixou uma carta explicando todo o mistério.
Emma o fitou com surpresa.
– Charles havia me dito que...
– Que isto faria sentido quando você descobrisse toda a verdade. – Trevor completou sua sentença. – Creio que ele descobriu o que estava acontecendo com você antes de ter falecido. Não quis lhe contar porque, talvez, você não fosse acreditar. Precisava descobrir tudo sozinha. Precisava aceitar a realidade e, assim, recuperar suas lembranças. Lembranças que sempre pertenceram a você.
– Alex disse-me que havia visto Em... Que havia me visto em seu quarto na noite em que a energia elétrica parou de funcionar na cidade.
– Eu acredito que muitas outras pessoas pensaram ter visto você, Emma. – Trevor pousou sua xícara sobre a mesa. – Estas visões foram nada mais nada menos do que frutos da imaginação deles. Talvez eles sentissem uma parcela de culpa por terem lhe maltratado daquele jeito. O peso desta culpa mexeu com a mente deles. Estavam atormentados pelo passado. – ele não deixava de olhar para ela. – Afinal, todos eles a machucaram de alguma forma.
Emma lembrava-se das vezes em que seu verdadeiro eu tomara conta de seu corpo. Da noite em que Frank Palmer tentara abusar dela em seu carro. Enquanto ele e Alex Montini se espancavam no chão, Emma tomara posse daquela mente desacordada. Retirou o canivete que levava consigo na bolsa, cravando seu próprio nome nos bancos de couro do veículo, deixando que Heather retornasse ao corpo em seguida.
Lembrava-se também de ter invadido o escritório de Amanda Thornton no meio da noite. De ter vasculhado as gavetas de sua mesa, deixando escrito em uma fotografia: hipócrita.
As lembranças vinham à sua mente com normalidade agora.
Retornando à realidade, ela exibiu um sorriso leve.
– Tem sido maravilhoso comigo.
– Sabe que sempre poderá contar comigo. – ele respondeu. – Eu sempre tentarei ajudá-la. Eu sempre tentei. Desde a primeira vez em que nos vimos. Quinze anos atrás.
Emma abaixou sua cabeça lembrando-se do que ele havia acabado de dizer.
– Na primeira vez em que eu a hipnotizei... Confesso que havia acreditado que aquilo era uma... Não sei, possessão espiritual. – comentou. – As aparências realmente enganam.
– Pois é.
– Posso saber quais são os seus planos agora que o tratamento acabou?
– Bem... – ela respirou fundo. – Estou deixando o país esta tarde.
Trevor arqueou as sobrancelhas.
– Vai embora?
– Creio que seja melhor.
– Claro, mas... Poderemos ao menos manter contato?
– Eu não sei, Trevor. – Emma soltou um suspiro. – Acho que quero recomeçar. Quero seguir um rumo diferente. Algo novo.
Ele fez um gesto positivo com a cabeça.
– Entendo.
Despediram-se com um aperto de mãos formal. Ela recusou-se a olhá-lo nos olhos. Deixou aquela cafeteria com o coração carregado de emoções e sentimentos que ela tencionava esquecer para poder seguir com sua vida. Seu futuro.
Usando roupas elegantes e – ao mesmo tempo – simples, Emma olhou para o céu. A manhã estava clara. O sol brilhava alto. Os sons dos automóveis e das pessoas eram melodia para seus ouvidos. Ajeitando seus cabelos dourados, Emma sorriu para si mesma e pensou:
A vida continua.
Não sabia o que aconteceria dali por diante, mas estava completamente certa de que estava pronta para qualquer coisa ou qualquer pessoa que atravessasse seu caminho. Não importava se os acontecimentos seguintes seriam bons ou ruins. A vida era imprevisível. Complicada. Bela. Divertida. Dura. Era um misto de adjetivos que ironicamente tornavam-na tal como era.
Uma dádiva.

Epílogo


Emma Connors olhou ao redor. Era uma tarde ensolarada. Estava pronta para embarcar em um aeroporto em New Haven. Deixou escapar um suspiro.
Adeus.
Virou-se segurando uma mala na mão, seguindo a caminho do avião que esperava por ela. O avião que a levaria para uma nova vida. Uma nova estrada a ser percorrida.
Avançou em passos calmos e suaves. Estava pronta para atravessar as portas há muito tempo fechadas para ela. Portas que agora estavam abertas. Destrancadas. Portas que a separavam de seu futuro. Já não havia mais nada para deixar para trás.
Ironicamente tudo o que ela mais desejava agora era esquecer seu passado. O passado que outrora ela ansiava tanto em recordar.
Adentrou o avião, atravessando o corredor de assentos até encontrar o seu próprio. Acomodou-se em uma das poltronas, olhando através da janela do avião. Era hora de recomeçar. Finalmente.
Quando a cidade começou a diminuir lá embaixo de seu ponto de vista, Emma sentiu as primeiras pontadas de ansiedade tomarem conta dela. Ela sorria e observava o avião se afastar lentamente do chão.
Sentiu que uma presença se aproximava. Alguém ocupara a poltrona ao seu lado.
Ainda sorrindo ansiosa, Emma virou-se para fitar seu companheiro de viagem.
A surpresa a dominou quando seus olhos se cruzaram com os dele.
– Você achou mesmo que poderia se livrar de mim? – ele perguntou.
Emma abriu seus olhos, espantada. Os batimentos de seu coração aceleraram subitamente. Suas mãos tremiam. Mas ele soltou um riso e ela também não pôde conter o seu. Com o rosto iluminado pela felicidade, ela declarou:
– Não vai mesmo me deixar em paz, não é, doutor?
– Nem em um milhão de anos. – respondeu Trevor Williams com a maior fé.
Aproximaram-se um do outro e trocaram um longo e profundo beijo que deixava transparecer todos os desejos de promessas que tinham para um futuro próspero e auspicioso.
Para ambos, o pesadelo e a solidão tinham acabado. Mas os planos para reescrever a vida tinham apenas começado, pois quem escreve as páginas do destino somos nós mesmos.

Fim!



Nota da autora: Book trailer da fic


Nota da Beta: Gente, que doidera! Passei dois anos acompanhando todo esse suspense, todo passado conturbado de Emma, e Heather a procura da verdade e dos culpados de tudo isso. Nem to acreditando que acabou e que tudo foi revelado.
Como existe gente ruim nesse mundo, né?! Ainda bem que eles pagaram finalmente pelo que fizeram, e que bom que Emma conseguiu passar por cima de todo esse trauma e foi seguir a vida.
Eu vou sentir falta da loucura que é essa fic, mas eu realmente adorei fazer parte disso. Parabéns Anny, minha xará, pela incrível estória!! xx




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