A primeira vez que o conheci era primavera, as flores estavam surgindo assim como o calor. Nosso amor foi exatamente como as flores: floresceu lentamente, forte e bonito. Sobrevivemos ao verão, apesar dos biquínis pequenos e dos sorvetes nas praças. Mas quando o outono chegou, perdemos as forças. Primeiro murchamos, depois, as cores mudaram. E agora, estamos secando. Já nos vejo caindo, apodrecendo num chão com outros como nós. Alcançamos o nosso ápice, e então apenas decaímos.
Sinto falta de seus beijos, cada vez menos frequentes. Também sinto falta de sua presença, que parece cada vez mais distante. E o pior é saber que daqui a pouco, sentirei falta de seu calor junto a mim. Mas por enquanto, tudo que posso fazer é aproveitar e torcer para tudo não ruir cedo demais.
- Está gostando do filme? - sussurra em meu ouvido.
Mesmo com toda a turbulência em meus pensamentos, eu sorrio. Porque sua voz tem esse efeito em mim: acalma todos os meus nervos, aviva meu corpo.
- Não vejo diferença entre esse e o último. - respondo-lhe com um sorriso zombeteiro, distanciando-me o suficiente para enxergá-lo melhor.
sorri de volta para mim e me puxa pela camiseta de encontro a ele. Nosso beijo dura apenas um segundo, pois assim que nossos lábios se encostam toda a tensão ignorada é exposta. E isso é demais para aguentar. Então eu começo a chorar.
- Eu não quero te perder. - choramingo, apertando-me a sua camiseta.
Seus braços apertam em torno de mim, e ele beija o topo de minha cabeça sem se importar com meus cabelos avoados. Ele sabe que anda distante, ele sabe que o que temos está ruído com a chegada desse doloroso e gelado outono. Porque nosso amor é como as flores e nesse momento estamos morrendo.
Quando eu não paro, nem diminuo a intensidade do choro levanta meu rosto para si. Ele apenas me olha nos olhos e eu vejo quão profundo ele é. Aquela imensidão escondida sob os longos cílios foi o que me fez cair de amores por ele; foi por aqueles segredos escondidos que eu me apaixonei.
Só de encarar novamente aqueles olhos eu nos vejo de volta ao começo, quando nos conhecemos. Vejo tudo novamente como um filme em minha cabeça. Lá estava eu, presa a um passado condenado; e lá estava ele, um solitário perdido em seu mundo. E então, lá estávamos nós sentados embaixo da mesma árvore, rindo de algum imprevisto que nos havia colocado juntos. E lá estavam seus olhos profundos como naquele exato instante.
- Você não vai me perder. - murmura , apertando meu rosto pelas minhas bochechas molhadas, desesperado por uma chance de consertar tudo. - Nós vamos ficar bem. Isso é apenas uma fase. Eu te disse e vou dizer para sempre: eu sempre vou estar ao seu lado, . Todos os dias de cada mês, todos os anos que eu viver. Eu nunca vou sair daqui.
Meus olhos ainda estão molhados quando ele encosta sua testa na minha, seus olhos fechados pairando sobre os meus. Estamos tão próximos e mesmo assim tão distantes. E essa distância me mata tanto, mas tanto, que mesmo com lágrimas grossas rolando pelo meu rosto eu desisto de tudo.
Apenas desisto de todos os meses que passamos juntos e de todas as coisas que fizemos. Apenas me afasto e, sem olhar para trás, cruzo a sala até a porta do outro lado. E ele nada faz para me impedir.
Paro ao abrir a porta, já com a bolsa na mão e me viro para ele. me olha estático do sofá, as lágrimas enchendo seus olhos. Com um suspiro engasgado seguro as lágrimas e atravesso a porta, fechando-a e caindo sobre ela logo em seguida.
Reunindo todas as minhas forças entro no elevador aberto e a última coisa que ouço antes de as portas fecharem é sua porta abrindo e sua voz chamando meu nome. Consigo até mesmo ver sua silhueta uma última vez antes de a porta fechar e nos separar.
Descendo até o hall, minhas pernas fraquejam e minhas mãos soam. Meu coração, porém, está incrivelmente calmo; mais calmo do que nunca. Ele só acelera quando as portas se abrem novamente.
Não sei ao certo o que eu esperava, mas não era o silêncio total que se seguiu. Nem a decepção que me tomou ao perceber que ainda está em seu andar, não atrás de mim. Segurando o choro, ignorando meu rosto vermelho e provavelmente inchado, começo a andar para a calçada.
O ar frio de outono bate em meu rosto exposto e eu solto meus cabelos para evitar um resfriado. Com o casaco fino que uso, tenho a sensação que a gelidão do tempo penetra minhas roupas, esfriando até meus ossos, de um jeito estranho. Como se o frio morasse dentro, e não fora de mim.
Apenas quando passo por uma vitrine de vidro e me enxergo, percebo o inevitável: essa sou eu andando perdida por essas ruas como uma flor que acaba de cair de sua árvore. E, nesse momento nada parece mais real que isso.
Exceto o frio; esse, está presente até mesmo em meu coração.
Então eu o enxergo. Lá está ele, ofegante e, apesar de tudo, soando. Veste apenas o shorts, a camiseta fina e as meias que usava quando eu deixei seu apartamento. Seu cabelo está arrepiado e tem marcas de dedos nervosos. Mas o que mais me choca são seus olhos. É como se ele tivesse envelhecido décadas em minutos.
E, de algum jeito, eles continuam os mesmos olhos que, um dia, me fizeram apaixonar.
O ar some de meus pulmões quando ele me encontra. Isso porque dessa vez, apesar de todas as pessoas que nos cercam, da distância que nos separa, eu sinto como se só existisse eu e ele. Sinto sua presença bem em frente a mim e sei que ele sente o mesmo. Dura apenas o tempo de uma lágrima escorrer pela minha bochecha para ele estar bem aqui, comigo.
E então, é como se toda aquela distância houvesse sumido. Como se, de uma hora para outra, a nuvem que nos separava tivesse se transformado em poeira. E quando sua testa se encosta a minha, e suas mãos limpam as lágrimas do meu rosto, eu sinto o frio fugir de meu corpo.
Porque agora somos como uma flor em plena primavera, no auge de seus dias. E nem o frio de outono pode nos fazer cair.
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