Escrita por: Nanda A.
Betada por: That


O início.

fitou o céu daquela madrugada e sorriu, antes de olhar para trás e olhar a figura que descansava lânguida em sua cama, espalhada entre seus travesseiros e cobertas, sonhando profundamente com coisas que ele seria incapaz de imaginar. , minha adorável , sussurrou, voltando para cama e afundando o rosto na pele dela, sentindo seu cheiro de lilases que era entranhado a sua pele. Sorriu, apertando os dedos contras as coxas dela, porque tinha a impressão que ainda não a conhecia por completo. A cada dia que acordava, tinha impressão que acabara de conhecê-la.

Seus olhos e seus olhares
Milhares de tentações

Tudo começou com um temporal comum de final de verão. As águas caíam pelas ruas , o que obrigou a entrar numa cafeteria para proteger da chuva repentina e intensa. Ele estava distraído, meio incomodado com as gotículas de água de chuva que escorriam de seu cabelo, quando a pegou olhando para si. A cafeteria estava vazia e dona daquele olhar não era discreta. Não somente em seus olhares: seus cabelos de cor intensa e indecisa chamavam atenção, assim como a sua pose de princesa arrogante se projetava naquela cadeira de madeira a duas mesas de distância da dele.
Mesmo desviando de seus olhares para fitar a rua molhada e vazia, ainda conseguia senti-los de tal maneira que começou também a fitá-la incessantemente até que foi impelido a andar a pequena (para ele, enorme) distância que havia entre eles. E parou diante da mesa dela: neste momento, ela fingiu estar lendo o livro que estava aberto sobre a mesa e sua dissimulação era tal que quase acreditou que tinha inventado que ela o olhava. Mas seu sorriso de lábios pintados não conseguiam disfarçar as travessuras que perpassavam a mente dela.
— Eu sou . - ainda não acreditava que estava ali falando com ela. Mas as palavras já tinham sido ditas e ele não poderia voltar atrás.
— Sente-se, . - a forma como a voz dela pronunciou o nome dele e se curvou para formar as palavras era sensual e imperativa. Ele se acomodou a frente dela, com um suspiro baixo.
— Por que me olha tanto? - um sorriso jocoso espreitou os lábios dela, mas mesmo assim, a mulher não levantou o olhar das páginas brancas. — Qual seu nome?
. - fechou o livro com tanta delicadeza que sequer ouviu a batida suave da capa dura. — Qual o problema de te olhar, ? - ele ficou sem palavras por um momento, abrindo a boca sem motivo. Até que por fim, soltou um suspiro e começou a encarar os olhos da mulher, observando o divertimento em sua expressão. De modo algum ela poderia ter mais que vinte e dois anos, mas carregava um ar de sabedoria que parecia respaldar sua pose.
— Gostei do seu olhar ingênuo e distraído. - confessou ela, se inclinando sobre a mesa. — Quantos anos tem?
— Dezenove. E você?
— É bastante corajoso para alguém da sua idade. Conheci alguns homens bem mais velhos que não teriam sua iniciativa. - corou e deixou um sorriso torto brotar em seu rosto. — Vinte e sete anos. - esticou a mão para um cumprimento e o rapaz aceitou. Sem que ele percebesse, ela roubou o anel do polegar dele com um sorriso, antes de depositá-lo sobre a mesa. — Sobre o que quer falar?
— Você quem deveria saber. Eu estava apenas sendo olhado.
— Achei que fosse mais velho. Erro de julgamento.
— Achei que fosse mais nova. Outro erro de julgamento. - apoiou o queixo no dorso da mão e seus olhos o invadiram, milímetro a milímetro. E ele se deixou ser tomado durante esta invasão,apreciando o calor que isso trazia. — Posso ver o livro? - ela empurrou com a ponta dos dedos para ele. — Os fragmentos de Heráclito. Filosofia? - ela afirmou com a cabeça.
— É um tipo de gênero bom para refletir. Por exemplo, existe uma citação que eu particularmente adoro neste livro: "transformando-se, repousa".
— Que quer dizer...
— Na minha opinião, esta frase resume as diversas da fase da vida, até mesmo aquela mesma em que não somos capazes de perceber: transformação é uma variável de tempo, mas até o tempo possui variáveis, podendo ser cronológico ou psicológico. Isso quer dizer que eu não sou a mesma de um milésimo de segundo atrás, tampouco que não sou a mesma depois que você veio conversar comigo. - o jeito com que ela riu e ajeitou a franja que caía sobre os olhos fora gracioso o suficiente para . — Não deixe que eu me empolgue, senão fico falando essas besteiras eternamente!
— Então continua falando, está sendo divertido.
— Melhor falarmos sobre outra coisa. O que sugere?
— Que tal uma pergunta indiscreta: flerta tão descaradamente assim com os caras? - gargalhou baixinho, antes de mordiscar o polegar e fitá-lo, pensando na resposta que deveria dar.

Certas mulheres como você
Me levam sempre onde querem

— Por acaso vê algum problema nisso? - ela cruzou as pernas e voltou a sua pose de princesa, com aquele olhar de cima. — Só homens podem olhar as mulheres e demonstrar interesse?
— Não estamos acostumados a sermos objetos de estudo.
— Só porque não sou discreta como a maioria das mulheres? Então vou te contar um segredo: podem achar que não, mas as mulheres também flertam e se mostram interessadas. O mundo poderia ser menos difícil se vocês soubessem aceitar a iniciativa de algumas garotas.
— Feminista?
— Não. Mulher. - sorriu, atordoado. Se lhe dissessem que acabaria aquele dia chuvoso com uma mulher que o nocautearia com palavras, diria que era balela. — No que está pensando?
— Não acredito em horóscopo, mas você é de leão? - questionou, de súbito, fazendo a expressão no rosto dela se dividir em riso e dúvida.
— Como soube? - sua pergunta era ao mesmo tempo curiosa e com um ligeiro toque de escárnio.
— Com essa personalidade, apenas leão ou escorpião.
— Que personalidade? - sua voz era um sussurro baixo e rouco, que arrepiou os pelos de . Assim como ver como ela mordia o lábio, aguardando sua resposta com uma olhar cerrado e deliciosamente sexy.
— Quente. - respondeu e se viu falando no mesmo tom que ela, fazendo sorrir. Aquela mulher tinha que entender uma coisa: seus sorrisos deveriam ser proibidos de serem oferecidos assim, sem qualquer aviso prévio. Porque era fácil de ser manipulado por aquele tipo de sorriso jeitoso, safado e por aquela boca que parecia tão macia ao toque. E percebeu que queria tocá-la naquele momento. Talvez quisesse desde que reconheceu seus olhares a distância. Então, muito mais tarde, depois de invadir o apartamento e sua dona... Depois de se extasiar sobre e sob ela, deitou-se entre seus braços e seios. Se acomodou com os cabelos revoltosos em seu rosto e o sorriso de satisfação que ela lhe lançava.
— Prometa não se apaixonar. - pediu, em meia voz, enquanto arrastava sua boca languidamente pelo corpo dele. Um breve assentir, um rápido sorriso e um gemido rouco foram suficientes. Naquele noite, ele descobriu o que ela era. era simplesmente o paraíso personificado.

O meio.

Seus dentes e seus sorrisos
Mastigam meu corpo e juízo

Ela dormia naquele momento e a observava. Ainda era capaz de sentir gosto de vinho, canela e, principalmente, . Era daqueles beijos com gosto afrodisíacos, viciantes, que lhe davam sempre vontade de descobrir todos os cantos daquela boca macia e de possuí-la inteiramente. Não só física, mas queria poder ter até sua alma errante e única.
Só que aquela era . E ela não sabia amar e, para o pesar dele, parecia não querer aprender.

fechou os olhos, inspirando fundo mais uma vez. Não conseguia se concentrar porque ocupava todo seu pensamento. Fazia um mês desde que aquela loucura começara e ele quem estava se perdendo na insanidade que ela causava.
O motivo de sua desatenção tinha começado da seguinte maneira. Estava no meio do estágio, fazendo uma reação química dentro da capela quando seu celular vibrou. Pouco deu atenção, preocupado em aquecer demais a solução e colocar fogo no laboratório. Mas o celular vibrou uma segunda vez e, com ligeira irritação, ele puxou o vidro para baixo e tirou o celular do jaleco. Sua irritação se desfez por completo quando abriu a mensagem e encontrou um foto das pernas dela recobertas por uma fina meia calça. Mostrava apenas pouco acima de seus joelhos, mas ele gostou de ver os enormes saltos pretos que ela usava em seus pés delicados.
— Estou entediada.

— Estou terminando meu trabalho.

Uma nova imagem estava sendo carregada e logo esqueceu de qualquer reação ao ver as pernas inteira, recobertas do fino tecido da meia calça 7/8. Havia uma pequena mordida na parte externa, arroxeada, o que o satisfez mais. Era a marca que tinha deixado ali noutro dia.
Tão ocupado para mim?

sorriu. De todas as qualidades que possuía, uma das que mais apreciava talvez fosse seu estilo selvagem e insano de ser. Queria tudo para agora e conseguia conduzi-lo de tal maneira que ele mesmo se via entorpecido pelas loucuras dela. Não era somente o seu corpo: era a aura intensa que que a cercava. Era o modo como sorria provocante, debochada e inocente. O modo como o desnudava com os olhos e, pouco depois, o desprezava com a mesma facilidade.
— Venha me entreter.

Outra foto. Podia ver seu ombro, a alça do sutiã com um laço rosa bem ao lado de um sinal marrom. Podia ver aquela subida em direção ao pescoço, um chupão e uns fios despontavam da base de sua nuca.
Mais uma. Seu indicador repousava sobre seus lábios na sua cor natural. Seus dentes mordiscavam um pedaço da carne macia e havia um esboço de sorriso, um daqueles que simplesmente o fazia perder a linha porque simplesmente reunia todos os sentimentos que ele queria enxergar.
— A chave está no lugar de sempre.


Devoram os meus sentidos
Eu já não me importo comigo

Não tinha outra alternativa a não ser ceder a loucura dela. Foi ao apartamento o mais rápido que pôde. Ao destrancar a porta e avistá-la no centro da sala, sorriu, batendo a porta atrás de si apenas para chamar sua atenção. Cazuza e uma taça cheia de vinho tinto faziam companhia a garota durante o tempo que ele levara até ali.
— Você veio mesmo. - ela sorriu. Desatou os cabelos do nó que se encontravam e deixou que caíssem em ondas por seus ombros, bagunçados daquele jeito espevitado que a fazia parecer adolescente tentando ser sedutora. O problema é que ela era. Ela era aquela mescla de olhos de ar felino e de sorriso de deboche que sempre se desenhava no cantos dos lábios. era de leão até o último fio de seus cabelos meio ruivos, meio castanhos, meio indecisos como ela. não conseguia se controlar perto dela porque ela parecia quebrar toda a linha de raciocínio que tinha.
Se aproximou em poucos passos, parando na frente dela, observando seu olhar astuto. Ela parecia desdenhar dele daquela maneira e, de alguma maneira, isso o fazia sorrir. Enrolou os dedos nos cabelos dela. Puxou-os, junto com o gemido sôfrego que subiu aos lábios dela, enquanto ele puxava lentamente a cabeça de para trás e deixava a sua própria boca milimetricamente próxima a da garota.
— Por que eu não viria? - sussurrou, acariciando a nuca com as pontas dos dedos. Os olhos dela se cerraram, os cílios longos batendo num ritmo lento e curto, enquanto sua pose de atriz era retomada. se inclinou, beijando a bochecha e os arredores de sua boca, mordiscando a pele sensível e úmida.
— Você tem exatamente três mil horas para parar de me beijar. - murmurou, a mão pequena segurando o rosto dele.
— E se eu não quiser?
— Então você tem exatamente um segundo para aprender a me amar.

* — Você podia parar de me olhar. - ronronou, com a voz deliciosamente rouca, fazendo sorrir.
— Isso é quase impossível. - alisou os cabelos dela. — Mas por que eu deveria?
— Me deixa sem graça.
— Isso também é quase impossível. - um sorriso enrubescido, pequeno e rápido se fez presente, surpreendendo o rapaz. Era a primeira vez que via aquele sorriso. Sentiu vontade de vê-lo mais. — Me conte um segredo, .
— Você é o cara mais novo que já fiquei na vida. - disse, alisando o rosto dele com as pontas dos dedos. — É o suficiente?
— Não me conte o óbvio. - beijou as pontas dos dedos, antes se segurá-los entre os seus. — Por que tem tanto medo de abrir?
— Sou assim desde que lembro. Então não sou capaz de responder isso. - os olhos se encontraram e a garota desviou primeiro. — Você me deixa desconcertada, garoto. - sussurrou como quem confessa seus pecados no escuro da noite. Talvez, para ela, fosse um pecado dizer isso.
— Por que?
— Não sei. Apenas sei que sei e isso é suficiente. - o rapaz soltou um suspiro pesado e deitou de barriga para cima, encarando o teto branco. — Vou viajar. - ele pensou em perguntar para onde. Mas sabia que ela poderia apenas mentir ou desviar do assunto. Ela prezava demais sua solidão.
— Não se esqueça de mim. - disse, apenas, enquanto fechava os olhos que pesavam com o sono se aproximando. Ficaram em silêncio e apenas o ruído das ruas barulhentas se fazia presente entre eles e parecia agradável a , que era embalado por essa melodia das grandes cidades. E, enquanto cochilava, prestes a se jogar no abismo dos sonhos, pensou ter escutado algo. Porém, não era ingênuo demais para acreditar no que tinha ouvido.
— Isso é quase impossível. - disse aquela voz rouca.

O final.

Não sei o que faço
Aqui de palhaço
Seguindo seus passos


O trem estava parado na estação. Os passageiros caminhavam em passos rápidos até o interior de cada vagão, tentando encontrar algum lugar vazio para que pudessem sentar e curtir um descanso até que chegassem ao seu destino. Do lado de fora do trem, alguns praticavam suas costumeiras despedidas aos seus parceiros, com abraços apertados e beijos demorados, além das promessas de um retorno breve nos feriados e das ligações diárias para relatar os acontecidos usuais.
Porém, uma mulher ali parada do lado de fora do trem, com sua maleta de mão, sentia-se deslocada em meio aquele ar de adeus, carregado de sonhos. Trazia nos lábios um cigarrette de cereja, que não deixava seu hálito com o incômodo cheiro de nicotina e, cobrindo suas olheiras de uma noite mal-dormida, um wayfarer de lentes escuras e armação preta. As roupas estavam ligeiramente amarrotadas, por terem sido vestidas com pressa, porque estava fugindo de tudo. Ou apenas dele.
pegou o cigarrette entre os dedos e esboçou um sorriso nos lábios pálidos e ainda machucados da noite anterior. Seu coração acelerou em algumas batidas ao lembrar-se de algumas horas atrás, assim como seu corpo esquentou em alguns graus. Encostou-se numa pilastra perto do seu corpo e fechou os olhos, também apoiando a cabeça na estrutura. Pela primeira vez, adiara uma viagem por algum motivo que não fosse só seu. Apesar de ter sido seu egoísmo que a mantivera ali por mais algum tempo, apenas por sempre querer mais uma noite, mais uma vez. incitava a vontade dela de retornar.
— Por que ir sem se despedir?. - a voz soou ao seu lado e os olhos da garota se abriram em reflexo.
Não podia ser ele ali. Porém, era inegável contestar o perfume tóxico que invadia suas narinas, muito menos, negar a tonalidade de voz, rouca e sensual, que a enlouquecia sempre. Mas, com uma calma que nunca a pertencera, virou o rosto, encontrando o par de olhos ridiculamente intensos que piscavam lenta e maliciosamente em sua direção. Perdeu-se por segundos ali, antes de olhar todo o rosto dele: os cabelos estavam bagunçados despropositalmente e alguns fios lhe caíam sobre a fronte; as olheiras estavam escurecidas, sob seus olhos; um sorriso lateral, um tanto perverso, se esticava nos lábios macios, cujo gosto era indescrítivel, principalmente se misturados a vinho, como ontem.
— Eu pedi que não criasse laços. - soprou . Ela tornou a levar o cigarro entre os lábios e os tragou, prendendo a fumaça por alguns segundos, antes de soltá-las e vê-las esvanecer a sua frente, ao passo que era observada por . — O que está fazendo aqui? - a pergunta o fez soltar uma risada baixa.
— Eu queria dizer adeus a mulher que me deu o melhor sexo da minha vida. - a única coisa que aconteceu a ela ao ouvir tal frase, naquele tom sempre insinuante,foi um arrepio percorrer sua espinha e sua respiração descompassar por segundos. Sobretudo com os olhos descarados fitando-a de modo invasivo. — Eu queria muito mais. Queria realmente confirmar minhas suspeitas de que você é a mulher mais incrível que eu poderia conhecer. E que a gente daria certo, mesmo sem se encaixar completamente. Mas você não deixa nada acontecer.
— É difícil explicar. - a voz quase não fluía por seus lábios, mas sabia que a tinha ouvido.
— Você disse isso ontem.
— Já perguntei o que está fazendo aqui, ?
— Só vim buscar o que é meu. - ele deu de ombros, como se aquilo não tivesse importância.
Mas tinha. Ele sabia que tinha. Ela também. não queria ter se sentido surpresa, muito menos, desprovida de alguma resposta. Por um momento, quis sentar-se um pouco e colocar a cabeça entre as pernas, conforme o procedimento de emergência para terremotos. Porque era aquilo que a maldita frase causara: um terremoto em escala 9 no seu peito. Seu cérebro era a pura definição de caos, porque envolviam tantas possíveis respostas e nenhuma suficientemente boa. Porque haviam tantos pensamentos e tantas previsões. Só que todas tinham o final em ruínas.
Porque era isso que sobrava após um terremoto: destruição e desesperança.
— Eu tenho um pequeno segredo para você: eu não pertenço a ninguém. - vociferou, antes de dar as costas, apertando fortemente a alça de sua maleta.
— Será? - o sussurro levado pela brisa chegou até , que diminuiu a intensidade de seus passos. Não queria dizer adeus para ele. Por que? Justamente porque era ele, , a personificação de seus desejos adolescentes e de sua libido insaciável. — Esse teu espírito de atriz é tão indomável e misterioso. No fim, acho que nunca soube o motivo de seus risos ou se suas falas são forjadas num script de peças de quinta categoria. Não sei se sente o que mente para mim. Ou se mente para si sobre o que eu sinto por você. - novamente deu os ombros. — Eu sei que sou apenas um personagem efêmero, um espectador do seu ensaio, mas isso não faz doer menos. - o encarou.
— Não ouse dizer isso. - sua voz pareceu ficar presa em sua garganta. - Não ouse dizer que você não foi nada, maldito! - começou a socar o peito largo, com o olhar baixo. Não queria que ele visse sua vulnerabilidade. Não queria que ele descobrisse que tinha tocado um ponto sensível em seu âmago. Afinal, por mais idas e vindas que houvessem, sempre fora sua fraqueza. Nunca negara nada a ele desde a primeira vez que o tinha visto naquele café. Era além do sexual. Era como se houvesse uma frequência que apenas os dois pudessem processar, mesmo sendo tão diferentes.
— Então não me deixe. - murmurou ele, prendendo seus pulsos e abraçando o corpo que vibrava de fúria. — Por favor.
. - fitou aquelas orbes maravilhosas e cheias de dor e seu próprio peito pareceu arder. Ela entendeu o que ele não disse. Como se ignorasse aquela gravidade que o prendia a ele, esquivou-se e pegou sua maleta abandonada. Não olhou para trás enquanto seguia os metros até o trem. Sua cabeça baixa a impedia de ver as pessoas a sua frente e esbarrava nelas, pouco se importando com isso: parecia anestesiada, de qualquer forma. Chegou ao seu vagão ao fundo do trem. Jogou a maleta num canto qualquer e sentou no banco estofado de couro, apoiando o rosto nas mãos, querendo chorar. Não devia ser tão difícil deixá-lo para trás. Não devia doer tanto ver a expressão desolada dele. Seu coração parecia sangrar um sangue sujo e denso. Um soluço chegou aos lábios pálidos e ela os mordeu para se calar. O choro se prendeu à garganta e arranhou suas cordas vocais. inspirou fundo e olhou o teto de cor indistinguível com olhos arregalados para que as lágrimas que tinham se acumulado secassem. Inspirou fundo para seu coração apertado se afrouxar e parar de doer dentro do seu peito. Nunca tinha se sentido assim.
O meu amor tem um jeito manso que é só seu... E que me deixa louca quando me beija a boca. - cantarolou, como se aquilo fosse diminuir sua dor. Sentiu a quentura de uma lágrima fugidia na boca ressecada. — A minha pele fica toda arrepiada.
E me beija com calma e fundo, até minha alma se sentir beijada. - não olhou para quem completara sua canção. Era desnecessário quando seu corpo respondia pela voz rouca.
— Você lembra dessa música?
— Lembro de tudo que te envolve. - ele entrou na cabine e fechou a porta atrás de si.
— Por que não me deixa ir embora? Seria tão mais simples. - se aproximou e tocou a face quente dela.
— São esses teus olhos que me seduzem como um feitiço. - acariciou-lhe as pálpebras. — E essa boca embebida em veneno que me mata a cada beijo. - o polegar alisou o lábio machucado. — E essa voz que me assassina a cada palavra. - tocou o maxilar e fez com que erguesse o rosto. — Eu te odeio por me fazer te amar.
— Passe apenas a me odiar e resolveremos nossos problemas.
— Não gosto de alternativas tão fáceis. Quero tentar o mais difícil.
— E qual seria o mais difícil?
— Roubar seu coração para mim. - comentou ele, antes de beijar-lhe os lábios calidamente.

Era involuntário responder ao seu toque e ao seu beijo. Não há outro jeito de montar um quebra cabeça: apenas com a peça certa. E era a peça que se encaixava perfeitamente a ela. Talvez por isso, diante de sua declaração, sentisse uma tremedeira reverberar em seu corpo e uma vontade imensa de abraçá-lo e dizer que era toda dele. Sem restrições e sem amarras.
Seus braços o envolveram como sempre e as mãos grandes de apertaram a cintura estreita, arrancando um suspiro deliciado dela, o que fez com que ele se afastasse e a encarasse com olhos amorosos.
— Eu gosto desde o modo como você suspira baixinho entre os beijos até o olhar cheio de angústia, implorando por mais quando te deixo assim. - comentou, alisando a bochecha rubra.
— Como você consegue fazer isso? - murmurou, pressionando a mão dele em seu rosto. — Nunca fui uma mulher de muitos pudores.
— Não é questão de ser despudorada ou não, . - ele a abraçou, enterrando o nariz no pescoço dela. — Você apenas gosta mais de mim do que realmente admite. E mais do que desejaria.
— Por favor, ... — o indicador dele se pressionou sobre sua fala, calando-a.
— Shiu, meu amor. Você sempre me repele quando falo de sentimentos, mas eu não vim disposto a sair de mãos vazias.
— Por que?

Então são mãos e braços
Beijos e abraços
Pele, barriga e seus laços
São armadilhas



— Você é a única mulher que eu já quis prender a mim. Trancafiar numa torre inalcançável para sempre ter mais de você. Mais do teu corpo sob o meu e do teu cheiro impregnado em minha pele. Mais da tua boca macia e das tuas palavras sussurradas. A única que eu quis ter a alma, só para poder completá-la com a minha. Mas você tenta sempre escapar por entre meus dedos feito água. - beijou os dedos dela, antes de fitar os olhos que o encaravam puramente assustados e amorosos.
— Eu sou como um pássaro, : não conseguiria aceitar ter minhas asas cortadas e viver dentro de uma gaiola. - sorriu para ele, em tom de desculpas.
— Como o meu amor por você poderia machucá-la dessa maneira? - ele alisou o pescoço dela, vendo-a inclinar a cabeça para trás, deixando espaço para que ele beijasse a pele morna com tanta suavidade quanto sua fala. — Em momento algum, eu quis limitá-la. - suas mãos se enfiaram e se esconderam pela blusa fina, apertando a pele macia. Ele escutou um suspiro baixinho e sorriu contra o pescoço dela, depositando estalinhos e chupões fracos para que se juntassem aos anteriores. — Só quero fazer parte da sua vida como alguém e não como um objeto sexual. - deslizou as mãos até os seios, divertindo-se com a ausência de sutiã. Lambeu languidamente a curva do pescoço e sentiu afundar as mãos em seus cabelos, puxando-os da maneira como tanto lhe agradava, ao mesmo tempo que soltava um ronronar sensual. A pele dela se arrepiou diante das mãos geladas em seus mamilos. Parou para olhá-lo e suspirar por seus olhos quentes e límpidos.
— Seja minha. - pediu, a boca a tão pequenina distância que se tornava uma tortura não beijá-la.
— Mas... - as mãos exigentes dele se afastaram apenas para desabotoar a blusa e deixá-lo escorregar por seus braços e se calou, meio sem querer, meio querendo.
— Me deixe amá-la sem rodeios. - tocou-a pouquinho a pouquinho, enquanto seus olhos invadiam a alma dela. — Vou te amar cruamente, sem medo e sem receios.
— Você é o único que consegue me deixar acanhada. - murmurou, escondendo os seios com o braço. Observou o sorriso dele se estender ao máximo e os olhos se fecharem, como se ouvisse música. — Isso me deixa feliz. - disse, após alguns segundos duradouros. — E por favor... - afastou o braço dela, obrigando a expor o torso nu. — Não poupe-me de sua visão. Ela é linda. - ela riu, sem graça. Ele acaricou a bochecha macia, antes de inclinar-se para beijar a pele rubra até chegar aos lábios. Puxou-a pela cintura, enquanto sentava-se no banco do vagão. se despiu de suas últimas peças e se encaixou a ele. Seus braços se apoiaram nos ombros largos dele e soltou um suspiro satisfeito ao ver seu rosto tão próximo. Ele era tão particularmente bonito! Seus cabelos revoltos, sempre parecendo precisar de um corte e algumas sardinhas espalhadas pela pele macia. Seu lábio superior um pouquinho mais proeminente que o inferior. Porra, ele era a coisa mais preciosa que havia parecido em sua vida conturbada. Entre as efemeridades de sua vida de atriz, ele apareceu num café com sorriso sensual e um olhar que a comia de cima a baixo. Um olhar cheio de curiosidade! E, com ar de quem nada queria, a deixou que se aproximasse e falasse com ele. E uma noite virou outra. E uma semana se juntou a outra. Sempre que tentava deixá-lo, ele não a prendia. Só a encarava com aquele olhar de quem espera por mais um dia. Por uma outra noite.
Seu orgasmo chegou tão leve quando uma brisa da manhã, arrancando um gemido baixinho. Escondeu o rosto na curva do pescoço dele. Ofegava baixinho, respirando pela boca e, quando ele abriu os olhos, chegou a uma conclusão de toda aquela conversa.
Vagarosa, segurou o rosto dele com ambas as mãos, acariciando-lhe com os polegares.
— Você veio e me desequilibrou sem querer. Sem que eu pedisse ou esperasse, você veio com esse seu ar de garoto e mexeu com meu mundo tão intensamente que eu sou incapaz de me reconhecer sem você.
— Isso quer dizer que gosta de mim.
— Gosto tanto que poderia explodir a cada vez que ouço sua voz dizendo que me ama. - fitou os olhos adoráveis e sentiu que eles atravessavam sua alma e deixavam um rastro quente e doce.
— Gosta o suficiente para casar comigo? - ela inspirou fundo e sorriu, balançando a cabeça. Seu coração batia rápido, como se não conseguissem acreditar no sonho que vivia. E o sentimento que estava presente nos olhos que a encaravam tão compenetrados a enchia de maneira gradual e deliciosa.
— Você é só um garoto louco.
— Sou só um garoto louco por você.

Garotos como eu sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos...



FIM



Nota da autora: (24/08/2014): Hello... De novo! Como sempre, eu nunca sei o que dizer nessa nota de autora. Mas vamos lá, eu consigo! Então, essa fanfic foi escrita e totalmente dedicada a That, minha beta, que ficou mais gostosa há dois dias (nota mental: depois dos vinte, a gente fica mais gostosa e não mais velha). Como todo ano, ela sempre me pede uma fic e eu sempre digo que vou escrever e acabo não escrevendo *vergonha*, eu me preparei um mês antes, praticamente, para escrevê-la a tempo (e atrasei um dia, shiu!). Eu realmente espero que ela tenha gostado e, com toda a permissão dela, estou publicando no FFOBS e espero que você ai que esteja lendo também tenha gostado, viu?! E se gostar, que tal dizer pra mim por que gostou aqui embaixo, hm? Enfim, no more words! Beijos!



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