Escrita por: Maddie Rose
Betada por: Larys




CAPÍTULOS: [CAPÍTULO ÚNICO]



CAPÍTULO ÚNICO


São Rafael – CA


Pego a ficha cadastral do Sr. Fitzpatrick e a olho inteiramente, não sabendo ao certo pelo que procuro. Engulo em seco, percebendo o quão impaciente ele está para entrar na sala de Betty e começar o martírio que é a limpeza nos dentes. Passo meus olhos outra vez por sua ficha, ela parece embaralhar por completo em frente aos meus olhos.
- Precisa de ajuda, ? – Ele pergunta, um tanto inquieto. – Você parece estar em outro mundo hoje.
- Impressão. – Dou um sorrisinho amarelo, sem desviar minha atenção da folha. – Eu só não estou conseguindo encontrar seu número, parece que todas as le... – Um dos dedos do Sr. Fitzpatrick indicam um enorme número em negrito no canto inferior antes que eu consiga terminar a frase. Rio, sem graça. – Obrigada.
Anoto seu número no envelope de raio-x e o entrego. Eu não preciso pronunciar uma só palavra para ele dar um aceno gentil com a cabeça e seguir pelo corredor branco, em direção à última porta.
Esparramo-me pela cadeira e solto a respiração com tudo, logo ouvindo o barulho da máquina da dentista Denise. Olho para o relógio perto da porta, ele marca 12h05min. Susi, minha melhor amiga e dentista da clínica onde trabalho, saiu há pouco mais de sete minutos para pegar nossos almoços na rua detrás. E, por mais que eu estivesse ligeiramente arrependida de ter pedido a ela McFish ao invés de McChicken, não é bem essa a razão por eu estar tão angustiada.
A grande verdade é que eu sempre soube onde fica o maldito número do paciente, como também sei que precisava ter pegado café para todos antes de chegar ao trabalho. Eu sei de tudo isso, eu sempre soube, porque eu faço essas coisas há quatro anos. Há malditos quatro anos. Todo o santo dia. E, por quatro anos, eu nunca esqueci nenhum detalhe, talvez um ou outro, mas nunca como hoje. Nunca como hoje. Nunca como hoje. Nada é como hoje, na verdade. Nada. Porque, hoje, infelizmente, eu estou percebendo que talvez eu tenha cometido a maior burrada da minha vida. E, por perceber estar fazendo isso, eu quero que o número do paciente vá pro espaço, juntando com todos os cafés com pouco açúcar, porque eu, definitivamente, não consigo pensar em detalhes hoje, não quando ele está indo embora para nunca mais voltar.
Endireito-me na cadeira de rodinhas e respiro fundo, tentando me acalmar. Encosto a testa na mesa de vidro, pensando que talvez sua temperatura me ajude a clarear a mente. Porém, como uma piada ridícula da vida ou até mesmo praga das brabas de Susi, é a lembrança de vê-lo pela primeira vez que me toma os pensamentos.
Eu lembro de estar vagabundeando no computador da empresa, passando o tempo no perfil de Emma no Facebook, quando ele entrou. O dia estava um tédio enorme, chovia desde a noite anterior e ainda era segunda-feira. Lembro que estava encharcado e seus tênis faziam um barulho engraçado no assoalho. Ele ficou instantaneamente envergonhado quando percebeu o rastro d’água que deixou pela recepção e até fez menção de pegar o rodo de Greta, nossa faxineira, para limpar. “Não se preocupe”, ela disse, já dando um jeito na bagunça. Eu levei certo tempo para reconhecê-lo, ainda mais que ele não parecia um cara mundialmente famoso quando olhava para os lados e tentava pensar no que fazer, se ia embora ou se continuava a molhar o chão de madeira. Assim que ele me olhou e abriu um sorriso completamente desconcertado, eu não tive dúvidas de que era quem eu pensava que era. se aproximou do balcão e me entregou sua ficha completamente destruída pela água. E, no meio tempo em que suas bochechas ruborizavam e ele remexia na carteira atrás de algum documento com foto, eu me apaixonei.
Nunca pensei que breves conversas na recepção pudessem render algo. frequentou a Clínica Teeth por três semanas, totalizando quatro visitas. Ele sempre puxava assunto e eu nunca deixava de o lembrar sobre a bagunça que ele fez no primeiro dia. Ele sempre corava. E isso era a coisa mais gracinha do mundo. Mas depois de um tempo, quando soube que sua banda iria para o outro lado do país, ele nunca mais apareceu. Susi era quem o atendia e sempre foi muito transparente comigo quando dizia que ele nem sequer comentava sobre mim.
Mas foi depois de um tempo, em um Festival na Califórnia, que o reencontrei. Eu havia conseguido ingressos com acesso ao backstage, estava procurando um banheiro com urgência quando passei por ele às pressas. Sua mão, de algum jeito inexplicável até mesmo para ele, me parou. já estava alto e abriu um sorriso enorme quando me viu. “Eu lembro de você”, falou, “não pensei que te encontraria de novo”. E, mais uma vez, eu me apaixonei.
Toda vez que encontrava eu me apaixonava. E ele disse acontecer a mesma coisa quando, depois de três encontros estranhos e sem nenhum beijo, ele se despediu de mim pela primeira vez. De alguma forma nós não conseguíamos desistir um do outro, nem mesmo quando, no segundo encontro, ficamos mais de dez minutos sem abrir a boca. Mas havia algo naquela despedida, ele estava no hall do meu edifício, tinha o cabelo desarrumado e o discurso de que não podia ir embora sem me ver. Ele ficaria afastado por dois meses, tempo de seus shows na Europa. Eu estava com uma coberta em volta do corpo, sem maquiagem e só pensando que eu não o queria longe, não quando eu não consegui tê-lo perto. Foi quando disse. “Eu estou achando isso a coisa mais ridícula do mundo” riu, as mãos enterradas nos bolsos da calça preta, “mas eu simplesmente não consigo entender porque você é o motivo por eu não querer ir embora”.
Depois disso nós nos beijamos. Quer dizer, eu o beijei. Foi um ato meio doido e irracional, ainda mais que a Sra. Garattonni estava recolhendo as cartas a uns metros de nós. Mas foi bom. Eu nos embrulhei com a coberta e ele me correspondeu um pouco surpreso, mas, mesmo assim, a altura. Eu não o carreguei para meu apartamento, por mais que eu quisesse, mas, depois de dois meses, quando ele voltou, bem... Vamos dizer que fizemos de tudo e talvez mais um pouco.
Nós mantivemos um relacionamento à distância, com viagens relâmpagos no dia seguinte quando a saudade doía muito no peito na noite anterior. Foi assim durante três anos... Até ontem.
Sinto minha garganta fechar traiçoeiramente. O acúmulo de estupidezes entalado, como se a qualquer palavra pronunciada eu pudesse cair em lágrimas.
A chave do carro de Betty brilha no meu campo de visão, pendurada perto dos casacos. Meus olhos correm rapidamente para o relógio de novo. 12h11min. Pulo da cadeira. Por um minuto tento equilibrar todos os prós e contras, todas as consequências e todos os meus sentimentos. Mas a única conclusão que consigo tirar é que eu não tenho tempo e que eu, como todas as coisas que envolvem , deveria agir pelo coração. E meu coração, nesse instante, só consegue gritar por ele.
Apanho as chaves de Betty e coloco meu casaco, escrevo um bilhete rápido para Susi e o jogo no balcão. Grito para Greta tomar conta das coisas até eu voltar, ela tenta entender o que acontece, me perseguindo até o fim das escadas, mas fracassa completamente, uma vez que saio pela calçada sem nenhuma intenção de me explicar.
Meus pés trançam e eu olho para os lados. A montoeira de pessoas na rua não me ajuda em nada e eu saco o telefone, com a esperança de que me atenda. Mas ele definitivamente não quer falar comigo. Devolvo o aparelho para o bolso com raiva e com o desespero começando a me afetar.
E se ele realmente for embora? E se, dessa vez, quando ele voltar, não me procurar?
Com milhares de “e se...” se formando sem parar em minha mente, eu sinto meu coração se encolher, nenhuma suposição é boa, nenhuma consegue fugir de “três anos de namoro e um fim ridículo, , tudo por sua causa”.
Viro-me na calçada mais uma vez, já perdida novamente e não sabendo o que procuro; quando vejo Susi. Ela está com dois sacos do McDonald’s em mãos, o jaleco apertado pelos quilos que ganhou no verão e as bochechas rosas de calor. Passo por ela sem a menor cerimônia, enfim percebendo o que devo procurar.
- ? – Ela pergunta confusa, vindo atrás de mim com certa dificuldade em carregar todos os lanches. – Onde você está indo?
- Eu errei, Susi. – Digo, sem parar de caminhar, a voz embargando dolorosamente. – Eu errei feio.
- Do que você está falando? – Ela apressa o passo e consegue ficar ao meu lado. Suas bochechas estão mais vermelhas do que nunca e o cabelo louro chicoteia pelo ar. – Você está falando do lanche? Eu posso comer seu McFish, não tem proble...
- Eu estou falando do . – Digo, encontrando finalmente o carro de Betty estacionado na esquina e chegando perto o mais rápido que posso. – Eu preciso ir atrás dele!
- Como assim? – Ela dá um pulo ao meu lado e se agarra a porta, antes que eu consiga fechá-la. – Você não pode dirigir desse jeito!
- E eu não posso deixar que ele vá. – Rebato, sentindo meu nariz pinicar de angústia. – Eu preciso ir atrás dele, Susi, eu preciso!
- Betty te emprestou o carro?
- Não. – Digo sem questão alguma de lhe esconder algo. – Eu o peguei sem permissão.
Seus olhos azuis crescem no rosto rechonchudo.
- Você é maluca! Ela precisa buscar Kevin na escol...
- Susi! – Repreendo-a, logo lançando um olhar de piedade. – Por favor.
Seu rosto me encara em resposta com certa compaixão. Ela mede a rua movimentada por alguns instantes e depois solta o ar, rendida:
- Elas vão me matar se não levar o lanche delas, mas ok. – Diz, estendendo os sacos marrons para mim. – Eu vou com você.
- Você não precisa. – Digo, rapidamente, vendo-a dar a volta no carro e sentar ao meu lado. – Susi, você não preci...
- Se a Betty souber que deixei você sair igual uma louca com o carro dela, ela me faz engolir os quatro pneus. – Ela pega os lanches novamente de minhas mãos e os coloca no para-brisa. – Agora, me diga, onde você pretende ir?
- Preciso pegar a Highway 1. – Revelo, ligando o carro rapidamente e já manobrando para sair. – Ele disse que iriam sair às 12h do hotel, vão com o ônibus da turnê até Los Angeles hoje.
- Mas... Mas você sabe que precisa pegar a ponte, não sabe?
Respiro fundo, tentando não desanimar.
- Eu sei.
- E você sabe que ela está um caos esse horário, certo?
- Você não está ajudando, Susi! – Digo entredentes, acelerando o carro e, no instante seguinte, jogando meu celular em seu colo. – Tente ligar para .
- Ele não vai te atender. – Quase ri descrente. – Ainda mais depois do que você fez ontem.
- Então ligue para ! Só ligue para algum deles, por favor, Susi!
- Ok, calma! Fique calma, as coisas vão dar certo. – Aconselha, com toda sua voz maternal, já procurando os números na agenda telefônica e ligando. Corto alguns carros no trânsito e viro à esquerda. – Ninguém está atendendo, .
- Arghhh, - bato no volante, indignada. – caras, malditos caras e nenhum tem a capacidade de atender. Será que está tão bravo assim que pediu para que todos me ignorassem?!
- É bem provável...
- Eu odeio o ! – Bato no volante, irada. Já sentindo a primeira lágrima escorrer pela bochecha. – Eu quero ele pra mim de novo, Susi, ele precisa atender isso! Manda uma mensagem.
Corto mais alguns carros e entro na avenida principal, me deparando com um trânsito terrível. Respiro fundo e fecho os olhos, tentando pensar em coisas positivas e felizes.
- Você está sem crédito para mandar mensagens. – Diz, olhando-me pelo canto dos olhos e com os dedos no teclado touch.
- Como assim? – Pego o aparelho de suas mãos e o meço, logo vendo a mensagem da operadora. Entrego o celular para ela outra vez e ando com o carro por alguns metros, parando outra vez. – Manda mensagem do seu!
- Eu deixei meu celular na clínica.
- Como você deixa seu celular na clínica? – Retruco, irada, deixando a testa bater no volante.
- Ah, perdão, , - começa, sua voz transbordando sarcasmo – eu tinha me esquecido que roubaria o carro de Betty para ir atrás de um ônibus cheio de caras famosos.
- Argh, desculpa. – Peço, relutante.
- Tudo bem. – Estala a língua, desgostosa, logo ligando o som. – Pegue a primeira esquerda, eu sei um atalho.
- Um atalho? Por que você não disse antes?
- Porque eu só lembrei dele agora. – Pega um dos sacos do McDonald’s e tira o pacote de batatas fritas. – Quer?
Nego, percebendo que estou ansiosa a ponto de não conseguir comer uma mosca. Acelero o carro e vou pelo acostamento até conseguir dobrar a rua que Susi sugeriu, recebendo como consequência milhares de buzinas.
- Agora ande até o fim e dobre a direita, você vai chegar na Highway 1 em cinco minutos.
E foi o que aconteceu. Assim que entro na rodovia, afundo o pé no acelerador. As batatinhas do McDonald’s voam longe e as janelas recém abertas trazem uma brisa do mar louca. Susi tenta lutar contra seu cabelo, enquanto eu corto o trânsito sem calma alguma. É quando, inesperadamente, a música favorita de começa a tocar.
Como uma explosão desesperada, meu peito aperta e todos os pensamentos felizes que tentei ter voam para longe, deixando escapar um choro sufocado e arrependido.
- Eu pensei que tudo estava errado, entende? – Digo de repente, sentindo minhas lágrimas escorrendo como uma cachoeira pelas bochechas. Eu não olho, mas sei que Susi está com os olhos fixos em mim. - Eu não queria me casar sem antes estar com tudo certo, do jeito que pensei. As coisas não teriam sentido algum se eu não estivesse em um bom emprego, com luzes feitas e com um carro próprio, você me entende? Não teria sentido eu aceitar o pedido de casamento dele se tudo não estivesse em seu devido lugar. – Olho-a, tentando passar todo o meu desespero para Susi. - Mas então eu percebi que a única coisa que faz sentido na minha vida é o !
Suas mãos estão agarradas no banco e eu percebo que a medida que falo, a velocidade do carro aumenta.
- Isso não faz o menor sen... Tido! – Ela grita, agarrando-se ao puxador da porta, quando ultrapasso dois caminhões.
- Eu sei! – Nossas vozes são relativamente altas, a velocidade quase me faz gritar para que ela me ouça – Eu sei disso!
O silêncio não permanece por muito tempo quando chega. Ele fica por poucos segundos até que Susi retome o assunto, e eu logo percebo que apesar do medo de me ter no volante, ela ainda está tentando me ajudar.
- O que você disse para ele?
- Eu disse que não queria aquilo. - Olho para ela, suas bochechas perderam a cor completamente e eu sei que ela está apavorada. E, talvez, o lance de me ajudar só esteja servindo para que ela esqueça das ultrapassagens violentas. - Que era precipitado demais, que era ridículo.
- Argh, é verdade... – Intercalo meu olhar entre ela e a estrada, logo conseguindo vê-la revirar os olhos rapidamente. - Eu tinha me esquecido que você tinha usado essa palavra.
- Ele ficou tão chateado. – Lamento, limpando as lágrimas com a palma das mãos. - se levantou da mesa, pagou a conta e me largou em casa. Nós nem conversamos no caminho, Susi, nem conversamos! – Bato no volante, brava. - No fim, ele disse que se eu não pensava em um futuro para nós dois, não valia mais a pena nós estarmos juntos.
- Ouch. – Ela faz uma careta dolorosa. – E você?
- Eu deixei ele ir! – Berro descontrolada. – Eu sou uma vaca!
- Você não é uma vaca!
- Susi, eu quero me casar com ele! – Grito, deixando umas lágrimas rolarem desesperadas pelas minhas bochechas outra vez. – Eu quero que ele compre roupas para o nosso filho que sejam iguais as dele, quero que os dois andem iguaizinhos. Eu quero que ele corte a grama no domingo e me encha o saco quando eu estiver cozinhando. – Gaguejo, soltando um soluço alto. - Eu quero uma casa com um jardim grande e bem arejada. Eu quero brinquedos pela sala inteira. Eu quero comprar um carro espaçoso ao invés de bonito, porque carros esportivos não são nada familiares. Eu quero brigar com ele por causa do controle da televisão. Eu quero tudo, Susi, eu quero tanto que eu nem acredito que pensei que não quisesse!
- , você precisa se acalmar! – Ela pede, encostando em minha perna, como se isso fosse me fazer aliviar na velocidade. Seus olhos azuis parecendo que vão saltar de seu rosto a qualquer instante. – Você só ficou nervosa, não é sua culpa.
- Ele disse pra mim que estava desesperado, que não lembrava a última vez que tinha me visto. – Continuo, sem conseguir mais parar de falar. – Disse que sabe que nosso relacionamento é o mais bizarro do século, com visitas de três em três meses, mas que estava disposto a dar um jeito nisso. Queria me ter por perto, porque sabia que nós éramos pra sempre. – Solto um grito que acompanha mais uma enxurrada de lágrimas. - Ele até usou aquela frase ridícula de “sem você eu fico sem direção”, mas, pensando bem, eu amei, Susi, eu amei tanto! – Ultrapasso mais alguns carros, desesperada. – E só de pensar que ele pode estar indo embora sem a resposta certa, eu fico... Argh, sai da frente, seu merda! A esquerda é pra ultrapassagem!
- ! – Susi dá um grito alto e esganiçado. E, em um reflexo vitorioso, eu afundo meu pé no freio. Os pneus do carro cantam e nós dançamos por cima do asfalto. Derrapamos por cinquenta metros até sofrermos um solavanco do freio de mão. Eu e Susi somos empurradas para frente e depois, violentamente, para trás. Os lanches voam do para-brisa e a fumaça dos pneus invadem o carro.
- Nós batemos? – Sua voz sai espontânea, enquanto seu peito sobe e desce em uma respiração pesada. – Nós morremos?
- Está tudo bem. – Digo, tentando me recuperar do choque. – Eu consegui parar a tempo.
O carro de Betty está parado atrás de uma fileira imensa de carros na entrada da Golden Gate. E, logo após cinco segundos, nós já estamos cercadas de mais carros. O sol está forte e a leve brisa não consegue vencer os 38 graus.
- O que é isso? – Solto, depois de um tempo.
- É a Golden Gate ao meio dia. – Susi respira, parecendo, pela primeira vez, aliviada.
Um grito histérico é deixado de lado assim que ouço o toque de meu celular entre suas coxas. Sem cerimônia alguma, pego o aparelho e o atendo.
- ? – É . – Você me ligou?
- Pelo amor de Deus, - peço, a voz embargando outra vez – eu sei que o não quer falar comigo em hipótese alguma, mas eu preciso que você diga para ele que eu me arrependi, que eu fiz burrada, que eu não consigo imaginar uma vida sem ele!
- ... – Ele fala depois de um tempo, sem graça. – Ele não está aqui.
- Como assim?
- está em um carro separado, vai parar em São Francisco para resolver umas coisas e nós vamos seguir viagem.
- Então ligue para ele, por favor! – Solto o grito histérico, finalmente. – Ele não me atende em hipótese alguma, acho que...
- Ele não está atendendo ninguém. interrompe, chateado. – Ele desligou o celular, disse que precisava de um tempo. Acho que você precisa dar espaço pra e...
- Você não está entendendo, ! – Corto, quase arrancando meus cabelos. – Eu quero me casar com ele! Eu estou na entrada da ponte, no meio de um engarrafamento e eu estou disposta a encontrá-lo pra dizer isso!
- Você está aqui? – Sua voz se sobressalta e o barulho de vozes que antes existia se cessa.
- Vocês estão na ponte também? – Dou um pulo no lugar, minhas pernas tremendo de pânico enquanto eu me agarro ao último fiapo de esperança. – está na ponte também?
- É provável que sim! Nós saímos jun... ? – Alguém acaba de tirar o celular das mãos de . – É você?
- Sim! – Sinto o desespero escapando pelos olhos novamente ao ouvir a voz do melhor amigo de . – , eu estou tão arrependida! Eu preciso encontrar com ele, eu não sei onde eu estava com a cabe...
- Ele está em um carro preto. – Diz, de repente, e eu logo consigo ouvir o barulho da brisa atrapalhando o som de sua voz. – Não deve estar muito longe de nós. Estamos parados depois de uns três quilômetros da primeira base de sustentação. - Ele se interrompe para cumprimentar uma fã. – Você precisa ir atrás dele, .
- Eu sei!
- O carro é um utilitário, o mesmo em que vocês saíram ontem. – Completa a informação.
- Obrigada! – Digo em lágrimas. – Obrigada.
- Você precisa correr. – Afirma. – Houve um acidente, mas daqui a pouco estarão liberando a pista.
- Ok, ok. – Solto o cinto de segurança de qualquer jeito e abro a porta. Susi segura meu braço, assustada. – Obrigada, , obrigada!
Encerro a ligação e jogo o aparelho para ela.
- O que você está fazendo? – Sua voz é cortada e seus cabelos batem suavemente em seu rosto pela pequena brisa que passou.
- Eu vou atrás dele. – Solto-me de seus braços e bato a porta, jogo a chave pela janela e a olho. – Leve o carro de volta para Betty, diga o que aconteceu.
- Espera! – Ela grita quando faço menção de correr. – Você vai voltar?
- Se tudo der certo, não. – Digo, a respiração a mil por não ter arquitetado nenhum plano. – Mas se tudo der errado...
Susi ri, chacoalhando a cabeça e pulando para o banco do motorista.
- Você é completamente maluca. – Diz. – Agora vai, corra, faça jus as aulas de pilates!
Com um sorriso de agradecimento, eu emendo uma corrida desengonçada pelo meio dos carros. Desvio de motos e espelhos laterais. As sapatilhas da Forever 21 começando a sambar nos meus pés e o cabelo ricochetando em meu rosto depois de eu avançar cem metros. A calça branca de sarja não favorece em nada meus movimentos, mas eu, por uma fração de segundos, consigo ser grata por ter escolhido uma regata de viscose para vestir.
E eu, por uma fração de segundos também, consigo me ver no clipe de Welcome To My Life do Simple Plan.
Paro embaixo da primeira base de sustentação e me apoio nos joelhos, recuperando o fôlego. As pessoas dentro dos carros me olham com curiosidade e algumas até arriscam alguma pergunta sobre meu estado físico, mas eu as ignoro por completo. Daqui eu já consigo enxergar algo alto entre os carros e, se tudo estiver ao meu favor e for péssimo com quilometragem, pode muito bem ser o ônibus da banda.
Tiro as sapatilhas, sentindo o vapor quente do asfalto sob meus pés e volto a correr. Consigo sentir as gotas de suor entre meus seios e a cabeça fervendo pelo sol forte bater direto no couro cabeludo. Mas não consigo pensar em desistir. Na verdade, a única coisa que consigo pensar é em e eu nos beijando no último Natal, na varanda da casa de seu pai em Mullingar. Foi a noite mais mágica que tivemos. Ele me levou para passear na cidade depois da meia noite e, enquanto nós caminhávamos de mãos dadas pela praça perto de sua casa, eu senti que aquilo poderia ser para sempre.
Enquanto sinto o arrependimento forte caindo sobre meus ombros, eu percebo que, milagrosamente, a sorte está a meu favor. A coisa alta entre os carros é mesmo o ônibus da banda e, quando eu me aproximo, consigo ver um pequeno grupo de fãs ao seu redor e os garotos pendurados nas janelas distribuindo autógrafos. Grito para o primeiro que vejo.
- ! – Paro a três carros deles, ofegante. Ele ergue os olhos. – Onde ele está?
- Você é rápida! – Ri. – está naquele carro. – Ele indica o utilitário um pouco a frente com mais um grupo de fãs em volta. – Vai ser bom te ter na família definitivamente.
- Eu também acho! – Grito de volta, sentindo o peito esquentar. Algumas fãs me olham, mas nenhum tem reação alguma a meu respeito.
Calço minhas sapatilhas novamente e jogo meus cabelos para trás, e, sem mais correr, me aproximo aos poucos do carro de . Ele está na janela, usa uma camiseta branca pura e distribui sorrisos simpáticos para a meia dúzia de fãs paradas em sua porta. Algumas tiram fotos e outras até aproveitam para conversar com ele.
Respiro fundo e me aproximo mais um pouco, parando há dois metros. Ele continua a atender as fãs e, quando devolve o caderno de uma delas, me encontra. Minha respiração acelera mais um pouco e trava seu olhar em mim, esquecendo completamente o que estava fazendo antes. As fãs seguem seu olhar e me encontram completamente suada, ofegante e vermelha. Algumas murmuram meu nome, enquanto as outras só conseguem olhar de um para o outro.
De repente, como o refrão de sua música favorita, contraria todos os meus pensamentos dolorosos e ruins abrindo um sorriso leve e surpreso.
- Você veio correndo? – Ele pergunta depois de um tempo, encostando sua cabeça na porta do carro e me fitando com o olhar mais brilhante que já vi.
- Se você não tivesse desligado o celular, eu poderia ter te encontrado de carro no fim da ponte. – Retruco, divertida. – Mas você sempre precisa dificultar as coisas, não é?
- Não fui bem eu que disse não ontem à noite. – Ele diz rapidamente, como se estivesse esperando desde o início para falar isso. – Quem dificultou dessa vez foi você.
Solto a respiração com tristeza e me aproximo alguns passos.
- Eu não sei o que aconteceu comigo. – Digo, sincera. – Desde o início eu imaginei isso. E eu juro que nunca fiquei tão arrependida em toda a minha vida.
- Nem mesmo quando você usou aquela saia horrível de tweed no jantar com a minha mãe?
Rio, lembrando da peça de roupa.
- Não, nem mesmo quando eu usei aquela saia ridícula. – Olho-o e, como se fosse a primeira vez, eu me apaixono por de novo. E eu sinto bem lá no fundo que sempre será assim. – Eu quero me casar com você. – Sinto que as fãs em volta prenderam a respiração. - E eu não ligo de ter que fazer aquela dança estranha em todas as reuniões familiares e nem servir de chacota pra sua família toda vez que eu ficar bêbada com a primeira cerveja.
De repente, tira metade de seu corpo para fora do carro e me puxa pela regata de viscose; meu corpo bate na lataria e eu logo me vejo em seus braços, recebendo o melhor beijo do mundo. Aperto-me contra seu peito e sinto sua pele gelada encostando na minha que borbulha pelo sol da Califórnia.
- Você me perdoa? – Ouço-me dizer, enquanto ainda sinto suas mãos em volta de minha cintura e sua boca distribuindo beijos em minha clavícula. Ele assente, sorrindo, e me olha. Os olhos tão e meu peito quase explodindo de felicidade. – Você quer casar comigo?
afasta os cabelos de meu rosto, enquanto conseguimos ouvir centenas de câmeras se deliciando com o nosso momento.
- Só se você prometer usar aquela saia de tweed na nossa lua de mel. – Sorri, enquanto eu tombo minha cabeça para trás e solto uma gargalhada.
- Eu sabia que você tinha gostado dela.
Entre barulhos de câmeras, conversinhas paralelas e um trânsito infernal, me puxa para dentro do carro pela janela, me fazendo deitar em seus braços e suspirar pelo ar condicionado.
- Como você chegou aqui? – Pergunta, meus pés ainda para fora e ele ainda sem descolar sua boca do meu rosto.
- Eu peguei o carro de Betty. – Rio quando seus lábios chegam ao meu pescoço. – Depois eu me garanti com alguns contatos.
- O carro de Betty? – Ele sobressalta, olha-me surpreso. – Você pegou emprestado ou...
- Eu meio que roubei. – Giro os olhos, vendo-o rir. Aos poucos, todo o meu corpo vai relaxando em seus braços e eu vou me sentindo completamente em casa.
- Eu não sei o que te fez mudar de ideia, - ele começa, pensativo, analisando cada detalhe de meu rosto – mas eu não poderia estar mais feliz do que agora.
Passo minhas mãos em volta de seu pescoço e lhe dou mais um daqueles beijos bons de verão. O motorista pigarreia desconfortável, mas nem isso nos faz parar. me puxa para mais perto em um abraço apertado, logo deixando um beijo estratégico perto de meu ouvido.
- É bom te ter de volta.
E, mais uma vez, eu me apaixonei.


FIM



Nota da autora (28/09/2014): Oi, gente! Tudo bom? Espero que tenham gostado da minha primeira oneshot da vida, haha. Em breve vou começar a postar uma shortfic aqui, Pluviophile, pra quem se interessar.
Beijinhos


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