(Você pode colocar essa música pra carregar, e dar o play quando o nome dela aparecer na história)
Sempre parecia mais frio perto do Lago Winston, agora um espelho de águas congeladas pelo tempo. Mas era um cenário bonito, a neve cobrindo toda a grama verde daquele parque centenário, árvores antes tão repletas de folhas coloridas agora não passavam de troncos nus, exceto por pequenas luzinhas douradas penduradas em seus galhos. Dezembro havia chegado tão de repente, e com a mesma rapidez os deixava, seus dias curtos e cinzentos passando como estrelas cadentes apressadas para chegar ao seu destino. Mesmo que houvesse certo calor festivo no ar, certa nostalgia agradável e um aroma doce por todos os lados, ainda conseguia ser triste. Lágrimas escorriam aqui e ali, lembranças inoportunas que teimavam em aparecer nos momentos mais errados dos dias, como pequenos alfinetes cravados um a um em corações que há muito já não podiam aguentar dores profundas. Nem sequer as canções entoadas por corais em vestes verdes e vermelhas pareciam afastar a melancolia, a prenuncia de solidão que ecoava nos ventos do norte que sopravam cabelos para fora de capuzes. Natais podiam ser a renovação do espírito, a celebração da vida e da alegria. Mas também eram o tempo mais propício para lembrar-se daqueles que nos deixaram para sempre.
Eram três pessoas, sentadas em uma antiga toalha de piquenique sobre a neve, como uma grande mancha de sangue em meio à pureza. Escondidos atrás do maior e mais antigo carvalho do lugar, ninguém os via, e era justamente essa a intenção. Enfiados em pesados casacos de inverno negros como o anoitecer, pareciam somente estranhos perdendo tempo e calor corporal. Mas eles sabiam que aquilo significava mais. Quase uma homenagem. Uma nova lembrança.
Kallister estava aconchegado no colo do namorado, sentindo-se protegido pelo abraço apertado de Damian O’Hare. Na maior parte do tempo precisavam se esconder do mundo, preocupados com o julgamento ignorante de uma cidade tão pequena e atrasada como aquela, e com as fofocas que poderiam chegar aos ouvidos do pastor Philip . Ainda não era a hora certa para o pai de Damian saber da opção sexual do filho. Não em meio àquela confusão de mágoa e ressentimentos. Mas aquilo era uma trégua, uma exceção, uma hora e um local onde eles poderiam ser apenas os dois. Apaixonados e comprometidos, uma alma em sintonia com a outra. Somente Damian, somente .
Havia uma mão pequena, delicada e fria como uma pedra de gelo ao redor da sua. As unhas agora estavam elegantemente pintadas de azul, mas lembrava-se da época de esmaltes absurdamente pretos. Talvez preferisse a rebelião daqueles dias. Mas em seu interior, sabia que Dawson continuava a ser Dawson. Sua melhor amiga desde os tempos de orfanato exibia cabelos limpos e bem penteados, um rosto que exalava respeito e decoro. Uma farsa bem executada, cujo único resultado aparente era o crescente vazio em seu peito. Ela não era nada além de um belo desastre, um refresco para olhos cansados e uma trilha sonora perfeita para corações partidos.
- Nós três vínhamos aqui todos os anos, na véspera de natal – ele sussurrou, limpando uma das muitas lágrimas teimosas que insistiam em lhe escapar dos olhos desde o dia em que sua irmã gêmea se foi – Eu, e . Era nossa celebração particular. Tomávamos chocolate quente com marshmallows, falávamos amenidades, trocávamos nossos presentes. Nosso jeito especial de participar do dia um do outro. Éramos felizes demais, e nem ao menos desconfiávamos...
- Esma nunca me deixou participar das festas na casa dos Kallister – explicou, os olhos perdidos em algum canto dos bonecos de neve empilhados a sua frente – Mesmo que Rick não visse problema algum nisso, ela me proibia. Dizia que Natal era coisa de família. Talvez ela nunca tenha entendido que vocês sempre foram a minha família de verdade.
Permaneceram num silêncio agradável por alguns longos minutos, reunindo recordações em suas mentes conturbadas, reconstruindo pedacinhos de uma vida que podia não ser perfeita, mas era mais fácil e suportável do que aquela que levavam agora. Damian colou os lábios gelados na nuca descoberta do namorado, puxando-o para mais perto, como se para afastar sua dor, ou absorvê-la para si. não pode deixar de sorrir ao observar o gesto, tão delicado e carinhoso. Sentia uma inveja branca de , do amor puro e incondicional que seu amigo podia desfrutar todos os dias. Ele era correspondido, amado, idolatrado por aquele que era dono de seu coração. Mas a garota já estava acostumada com sua sorte miserável, a guerra que parecia ser travada entre seu lado racional e seu lado emocional toda vez que se tratava de . Quanto tempo mais conseguiria não só aguentar, mas levar aquilo adiante sem machucar-se mais profundamente? A resposta parecia distante, nublada, quase como se não existisse de fato.
- Obrigado – voltou a sussurrar, juntando as mãos de cada um sob as suas, como se selasse um tipo de contrato ou elo invisível, um plano para tempos futuros – A vocês dois, por tudo. Por não me abandonarem. Por estarem sempre comigo. Eu sei que vocês não acreditam nessas coisas, mas eu acredito de verdade que Deus mandou seus dois melhores anjos pra minha vida – ele chorava abertamente, olhos e nariz vermelhos, a voz cortada por soluços baixos em sua garganta – Acho que se não fosse pelos dois, eu teria ido também. Junto dela. Será que ela se sente sozinha? Ela podia usar a minha companhia. Então nós estaríamos juntos de novo. Mas vocês dois existem. Eu não saberia deixar vocês dois para trás. Seria o mesmo que perder o resto do meu coração.
- Shh – Damian beijava as lágrimas que escorriam pelas bochechas do garoto, rosadas pelo frio. Uma das mãos acariciava os cabelos , os dedos se embrenhando pelas mechas curtas. – Não ouse dizer isso de novo. Isso parte meu coração de uma maneira... Eu vou para onde você for, . Seja o céu, o inferno ou o purgatório. Seja essa vida de merda aqui mesmo na Terra. Não existem meios possíveis de você se livrar de mim.
- Faço minha as suas palavras – a garota piscou um dos brilhantes olhos para o melhor amigo, um meio sorriso em seu rosto.
- Depois que tudo isso acabar, assim que a fizer dezoito anos, nós vamos embora. Nós três. Talvez o Patrick possa vir junto. Mas nós vamos para uma cidade grande, onde possamos começar uma vida nova, uma vida feliz de verdade. Eu tenho alguma coisa da herança dos meus pais biológicos, podemos comprar um apartamento pequeno para dividirmos. – então parou, ponderando por um momento – Se vocês quiserem, é claro.
- Não preciso responder, preciso? – Damian riu, roçando o nariz na bochecha do namorado, arrancando um sorriso dos lábios pálidos de . Então os dois olharam para a garota ao seu lado, uma batalha estampada na ruga entre suas sobrancelhas. A situação de era complicada. Mesmo que ela não dissesse aquilo em voz alta, eles sabiam que haveria sempre um empecilho em sua vida. . A indecisão entre o que lhe faria bem e o que seu coração queria era visível.
- Eu adoraria. – respondeu simplesmente, mesmo que ainda houvesse certa dúvida em sua mente.
- O que eu não adoraria – resmungou, entrelaçando seus dedos nos de Damian com tranquilidade – é ter que participar da festa de Natal na casa dos . Vai ser deprimente e assustador. Sem ofensas, Dam, mas... Eu não sei. Aquela família parece tão estranha. Eu só queria um Natal tranquilo, na minha casa, com você e os meus pais. Mas eles acharam mais conveniente aceitar o convite. Mamãe não está psicologicamente forte o suficiente para passar o feriado sem algum calmante. Nem eu, na verdade. Ela acha que precisamos estar em contato com pessoas, com música, com calor humano. Mas passar a noite inteira sem poder sequer segurar a mão da pessoa que amo? Em pleno natal? É tortura.
- Mas eu vou estar lá – o outro respondeu, tentando melhorar a situação – É uma exigência do meu... Pai. Podemos passar a noite toda próximos, fingindo que conversamos sobre as melhores coelhinhas da Playboy. E depois vamos para sua casa, comemorar do nosso jeito. Caleb me liberou para dormir lá quando eu quiser. Vai funcionar. E vai estar lá também para te distrair do meu charme inegável e da tentação que ele proporciona.
- Idiota – mas o garoto riu, beijando a palma de sua mão – Mas ela provavelmente vai ser monopolizada, primeiro pela sua não tão adorável madrasta, depois pelo seu absolutamente detestável meio-irmão. Quero minha amiga, não a escrava dos .
- Caso vocês tenham esquecido durante o momento "fofurinha, vamos fazer sexo selvagem mais tarde, não se preocupe", eu ainda estou aqui – A garota resmungou, limpando a neve das botas novas – E isso é injusto comigo, . Você sabe que eu não posso fazer nada.
- Você tem sempre aquela outra opção...
- E se fosse você na minha situação, ? Você não faria a mesma coisa pelo Damian?
- Eu nunca pediria, ou no caso exigiria, uma coisa dessas dele, . Não se amasse como eu amo.
- Vocês só fazem me julgar – seu semblante era sério, fechado como uma nuvem de chuva – Julgar, julgar, julgar. Nunca tentam me compreender. Ver o meu lado. Às vezes é impossível ter uma conversa racional com vocês dois.
- Ok, chega. Eu não quero brigar com você, . Não hoje, não nesse lugar – e então ela sabia que o choro já ameaçava escapar de novo pela garganta do amigo, suas mãos tremendo levemente em anúncio – Não vamos falar sobre isso. Vamos esquecer. E tentar sobreviver a essa festa. Todos nós.
Ela assentiu, comprimindo os lábios numa linha fina. Recuperara a amizade de totalmente após a morte de , mas não sem algumas restrições. O assunto "" costumava ser proibido entre os dois, o que na maior parte do tempo trazia um clima estranho, não como uma tensão, mas como se houvesse um peso enorme entre eles, mas ambos simplesmente ignorassem. A presença de Damian ajudava, sua leveza e sorriso afastando alguns fantasmas que insistiam em lhes perseguir. Mas a sensação de não poder falar sobre aquilo que mais lhe doía justamente com aquele quer era seu melhor amigo lhe matava aos poucos. Se pegara chorando, uma ou duas vezes, refém de memórias, de desejos e de pura culpa. Mais de uma vez uma única pergunta rondou sua mente: Quem é Dawson? Mas talvez a questão correta fosse "O que foi feito de Dawson?". Não havia resposta. Só silêncio e frio.
- Acho que está na hora de irmos – Damian comentou distraidamente, observando o relógio em seu pulso – Precisamos passar em casa antes do maldito culto, .
- Não quero – resmungou como uma criança contrariada, escondendo o rosto na curva do pescoço do namorado – Quero ficar aqui. Criar raízes e dormir até que eu congele eternamente. Vocês podem ir. Aproveitem o natal por mim.
- Shh, nada disso. Vamos lá, – Levantou-se, puxando consigo o garoto – Vai ficar tudo bem, meu amor. Tudo bem. , me apoie nisso, por favor?
- Damian tem razão. Precisamos ir. Precisamos seguir em frente – juntou-se aos dois, limpando a neve do casaco rapidamente, tentando não pensar nas horas desgastantes que ainda precisaria enfrentar.
- Eu estou seguindo em frente – abraçou Damian fortemente uma última vez, irritado pelo fato de que logo teria que manter certa distância dele – Só não estou com ânimo pra tudo isso.
- É só uma noite. Vamos passar por isso, como passamos por todas as outras noites difíceis. Certo? – abraçou-o com mais força, piscando cúmplice para a garota ao seu lado – Tem alguma coisa que você queira dizer antes de partirmos? Algo para ?
Limpou as lágrimas na manga do casaco, pensando em todas as palavras que poderia dizer para a irmã. Toda a dor e a saudade estampadas na ponta de sua língua, ferindo seu coração jovem e sua mente tranquila. Pronunciou então um resumo daquilo tudo, sentimentos à flor da pele e a emoção escorregando pela ponta dos dedos. Duas frases. Simples, humildes, sinceras.
- Feliz Natal, . Eu sinto sua falta.
A sala de festas da grande casa dos estava aquecida, fogo crepitando preguiçosamente em uma imponente lareira de marfim. Era um espaço amplo, paredes pintadas de um cinza amarronzado aconchegante, com colunas espalhadas por todos os lados. As janelas ficavam escondidas por pesadas cortinas cor de creme, lustres caros pendendo do teto, refletindo pequenos cristais de luz. Especialmente naquele dia, havia uma gigantesca árvore de natal no canto oeste, próxima a um conjunto de sofás e poltronas elegantes de veludo vermelho. No lado oposto se sustentava uma mesa de vidro claro e madeira escura, cadeiras altas de assento macio a rodeando. As mais caras louças ali repousavam, juntamente a taças de cristal, guardanapos de seda e um faqueiro de prata centenário. Os mínimos detalhes planejados por dias e dias, para que nada saísse menos do que perfeito. Perfeição nunca era demais para Angel .
não sabia exatamente há quantas horas estava ali, medindo espaços milimétricos entre facas e garfos, ficando de olho em preparo de biscoitos e organização de presentes sob a árvore. Eram tarefas ridículas e desgastantes, que conseguiam transformar seu Natal em uma data totalmente maçante. Fora intimada pela sogra para ajudar com os preparativos da ceia, e sob seu olhar firme e ameaçador passara toda uma tarde e parte da noite, refazendo pequenos serviços pela milésima vez. Esgotada. estava esgotada. Nem ao menos havia se banhado e trocado de roupa ainda, mesmo que os convidados já estivessem prestes a se fazerem presentes, vindos do espalhafatoso e tradicionalíssimo culto natalino que o pastor Philip ministrava às sete horas. Ao menos havia se livrado daquele compromisso. Por enquanto. Sabia que Angel não deixaria aquilo passar.
Estava completamente certa.
- , meu bem – ela chamou com sua voz autoritária, desfilando pelo salão em seu vestido de veludo cinza, sapatos altíssimos nos pés e cabelo extremamente penteado. É claro que ela estaria se arrumando, impecável como uma deusa, enquanto a garota bancava a Gata Borralheira – Lamento muito que tenhamos perdido o culto. Mas às vezes os cuidados com a família vêm em primeiro lugar. Você logo terá a sua, então é bom que comece a aprender. – estendeu a mão para ela, ignorando a expressão de choque em seu rosto – Venha, vamos fazer a nossa prece. Eu ainda preciso conversar com você sobre um assunto delicado.
Mesmo contrariada, a garota aceitou, deixando-se levar pela matriarca dos até um canto afastado do lugar, onde um pequeno altar se erguia, majestoso. Que assunto delicado era aquele que a mulher gostaria de falar-lhe? Seu sangue congelava aos poucos, medo nadando aos poucos em sua corrente sanguínea. Ajoelhando-se totalmente sem jeito ao lado da sogra, deixou que ela fizesse as orações, tentando sem muito sucesso acompanhá-la, as mãos cruzadas próximas a testa. Aquilo era um tanto ridículo em sua opinião. Todas aquelas palavras e aqueles gestos que de nada adiantariam. Mas deveria continuar interpretando seu papel. Mesmo que fosse contra todas as suas crenças.
- Amém – a mulher finalizou, sorrindo como uma leoa satisfeita – Muito bem, minha querida. Você realmente está melhorando. Logo poderá conduzir uma prece sozinha. Talvez no ano novo? Podemos tentar. – Não, não, não. Era tudo que se passava em sua mente. Ela nunca conseguiria, nunca poderia tomar a iniciativa – Mas o assunto que eu quero tratar com você, bom, é uma mancha no passado de nossa família. Quando eu estava grávida de , eu e meu marido tivemos um pequeno desentendimento, que acabou acarretando em uma situação constrangedora – ela observava o crucifixo de madeira na parede, como se nele pudesse enxergar com clareza tudo que havia passado.
- É de Damian que vamos falar? – perguntou simplesmente, reconhecendo a história que um dia lhe havia sido contada.
- Sim, sim... Você já sabe? – uma pequena ruga se formou entre as sobrancelhas da mulher, uma confusão explícita em seu olhar – lhe contou?
- Sim. – mentiu rapidamente, achando melhor esconder o fato de que já fazia algum tempo que convivia diretamente com o garoto – Nós não mantemos segredos um com o outro – um alarme vermelho poderia soar a qualquer instante, somente para denunciar a barbaridade que havia acabado de sair de sua boca.
- Isso é ótimo! Maravilhoso. Uma relação feliz e duradoura se mantém na base da confiança – ela batia palmas exageradamente, levantando-se num pulo – Bom, então eu não preciso lhe explicar a presença de Damian aqui está noite. Perfeito. Mais tarde lhe apresentarei a minha família, meus três irmãos vem comemorar esta data tão célebre conosco. Agora vá, vá. Você pode banhar-se e trocar esta roupa no quarto de . Está preparado para você. Mas não demore! Os convidados já estão para chegar.
assentiu, levantando-se rapidamente e saindo pelas portas de madeira entalhadas por desenhos, até que encontrasse as escadas que levavam ao segundo andar. Conhecia exatamente aquela porta e o seu interior, as paredes pintadas de azul claro, o armário embutido, a escrivaninha perfeitamente arrumada. E o cheiro de por todos os lados. O vestido que Esma havia escolhido para aquela ocasião estava depositado em cima da cama, assim como toalhas brancas felpudas e seus itens pessoais. Suspirando, pegou o que fosse necessário e carregou até o grande banheiro, evitando se olhar no espelho limpo demais.
Secava seus cabelos sem pressa, sentada sobre o colchão macio da cama do suposto namorado. Havia sido um banho rápido, quente, mas não o suficiente para limpar sua alma. Seu estado de espírito continuava escuro e cansado, torcendo para que aquela noite terminasse logo. Não sabia o que viria a seguir, o que teria que enfrentar, como estaria o humor de . Tudo que desejava era um modo de escapar, conseguir adiantar sua vida para a manhã seguinte. Rindo sem humor algum de sua ideia absurda, calçou os seus altos sapatos, exatamente da mesma cor do vestido. Usava pouca maquiagem, algo com o que havia demorado a se acostumar, mas agora não passava de rotina. Fechando a porta do quarto ao sair, deparou-se com o espelho decorado do corredor, que refletia seu corpo inteiro. Quase não se reconheceu.
Seu vestido de mangas compridas era colado ao corpo, o comprimento alguns dedos acima dos joelhos. Assim como os sapatos, era de uma cor de creme bonita, que combinava com sua pele. O detalhe maior estava no imenso decote nas costas, deixando-as completamente nuas. O cabelo liso penteado para o lado brilhava, o cheiro de frutas vermelhas característico marcando-a com força. Tão diferente da de somente alguns meses atrás. Quem era aquela garota? Ela não sabia responder. A campainha soando no andar debaixo a impediu de pensar mais profundamente no assunto, despertando-a para uma realidade que a assombrava completamente. Descendo degrau por degrau, a garota inspirou profundamente ao chegar ao seu destino, encontrando-se com Angel, que recepcionava um casal elegante e sorridente junto a três crianças absurdamente comportadas.
- Ah, , meu bem, ai está você! – sua sogra exclamou, puxando-a para o centro das atenções. – Esta é minha irmã mais nova, Heaven, e seu marido, Tristan – gesticulou para os dois com delicadeza. Heaven era uma mulher pequena, com longos cabelos loiros e um rosto um tanto infantilizado, com maçãs do rosto saliente e longos cílios negros ao redor dos olhos extremamente cinzas. Usava um vestido de seda dourada, sapatos baixos em seus pés e brincos de pedras negras pendiam em suas orelhas. Já Tristan era alto, elegante em seu terno azul marinho, a gravata preta apertada em seu pescoço. Tinha cabelos loiros como os da mulher, porém muito encaracolados, e olhos verdes e brilhantes – E seus três filhos, Audrey, Marilyn e Deann. – Os três eram muito loiros e sorridentes, o que a assustava um pouco. Audrey era a mais velha, estando em torno dos dez anos de idade, com seus olhos cinzas e vestido cor-de-rosa. Marilyn, a do meio, deveria ter sete, olhos como os do pai e um vestido exatamente da mesma cor do da mãe. O caçula da família, Deann, não devia ter mais de quatro anos de idade, mas mesmo assim parecia imponente em seu conjunto de calça negra e colete de veludo sobre uma camisa branca – E esta adorável moça é minha nora, .
- A famosa – não era só o rosto de Heaven que parecia infantil, a garota pôde notar – Mas se ela não é um colírio para os olhos? é sortudo por ter encontrado este bibelô. – "Bibelô". Já era autorizada a vomitar? – Falando em meu amado sobrinho, onde ele está?
- À espera de vocês no salão de festas. – virou-se para a garota, jogando todo o peso dos olhos cinzas em cima dos – Você poderia acompanhá-los até lá?
- Com todo prazer – pegou-se gaguejando, nervosa por estar acompanhada de estranhos tão excêntricos quanto aqueles. Guiando-os com agilidade, agradeceu mentalmente pelo confortável silêncio que se instaurou, por não saber que tipo de conversa poderia ter com aquela gente. Chegando ao local de destino, deparou-se com parado próximo à árvore de Natal.
Ele sorriu aquele tipo de sorriso falso, cordial, perfeito para enganar todos a sua volta, pintando-o de bom moço, de homem honrado. Não para ela. Sabia o que havia debaixo daquela máscara, e mesmo que por tantas noites antes houvesse tentado se enganar, sabia que amava ambas as partes. O médico e o monstro. O filho do pastor e o filho da Sonic Underground. usava um terno cinza elegante, acompanhado de um colete e uma gravata azul escura que lhe caiam perfeitamente bem. Mesmo em sua falsa figura, um pedaço de pecado diante dela, seus olhos destacando-se como chamas, hipnotizando a todos ao seu redor.
- Tio Tristan, Tia Heaven – cumprimentou-os, o homem com um aperto de mão firme, a mulher ao seu lado com um beijo rápido em uma das bochechas – É um prazer tê-los conosco. Assim como seus filhos. Audrey e Marilyn estão encantadoras. E Deann logo estará apto a disputar algumas partidas de xadrez comigo, não é, garoto? – As duas meninas pareciam a ponto de desmaiar após o elogio do primo mais velho. pode reparar que Audrey parecia agitada demais perto de , e riu sozinha, perguntando-se se ali poderia haver uma paixão platônica. Pobre Audrey...
- , meu amor. Que homem fantástico você se tornou! – Heaven elogiou, acariciando o rosto do sobrinho – E escolheu um anjo para ficar ao seu lado, não é? é absolutamente adorável.
Ele pareceu notá-la pela primeira vez naquela noite, como se realmente não houvesse visto a garota parada ao lado de Deann. Alguns segundos se passaram até que ele conseguisse formular uma resposta completa, oferecendo ao mesmo tempo a mão para a namorada. Sentindo a pele quente dele em contato com a sua, relaxou por um momento, entrelaçando seus dedos, não se importando muito com o rumo da conversa.
- Fico feliz que vocês já tenham tido a oportunidade de conhecê-la. É ótimo poder compartilhar uma das minhas maiores alegrias com a minha família.
- Soube que vocês vão se casar no ano que vem – foi a primeira vez que Tristan falou, a voz grave ressoando com força, o poder daquelas palavras deixando a garota em total desespero.
- Não vamos confirmar nada por enquanto, mas... É sempre uma possibilidade – o filho do pastor sorriu para seus tios, beijando o topo da cabeça de num gesto totalmente ensaiado.
- Heaven, Tristan! – Angel apareceu de repente, abraçando a irmã e o cunhado – Deixem as crianças brincando nos sofás, elas vão ficar bem. Philip e Angelina querem muito cumprimentá-los. E vocês dois – gesticulou para o filho e a nora com leveza – poderiam recepcionar os convidados para mim?
- É claro, mãe – afirmou, e ela sabia que o garoto só chamava Angel de ‘mãe’ quando estava frente a frente com a mesma. Um ato covarde, em sua opinião, mas não era um assunto que gostaria de intrometer-se. De problemas parentais, já bastavam os seus.
Eles afastaram-se vagarosamente, sombras de sorrisos programados em seus rostos jovens. Soltaram as mãos assim que todos se distraíram, embora seus corpos continuassem próximos, a pele se roçando num contato até mais intimo do que o anterior. Como um magnetismo que não era capaz de lhes abandonar, uma necessidade que corrompia centímetro por centímetro de seus seres. Então chegaram junto a imensa porta de madeira principal, encarando-a como se esperassem algum espírito espectral atravessá-la, certo silêncio constrangedor que antes nunca existira pairando entre aqueles que sempre tiveram algum assunto ou insulto para trocar.
- Sua mãe tem mais alguma irmã? – finalmente sussurrou, incomodada com aquela situação tão incomum que parecia se alastrar desde a morte de .
- Não – ele respondeu, os olhos fixos na porta, como se sua mente vagasse por lugares obscuros demais, sua mão segurando com força algo em seu bolso – Só dois irmãos. Jesus e Salvatore. Os dois são mais velhos que ela. Heaven é a caçula.
- Jesus, Salvatore, Angel e Heaven. Sério?
- Infelizmente. A falecida Mary, mãe deles, que começou com toda essa loucura – resmungava, como se tivesse más recordações da avó – Jesus é padre da igreja católica. Angel acabou casando com o pastor Philip, e Salvatore e Heaven são fanáticos absurdamente fervorosos. Tudo por influência daquela velha desgraçada.
- Você fala deles como se não fossem a sua família...
- E não são. Tirando Angelina, eu não tenho uma família, . – Seu sorriso era um misto de ironia e desgosto, uma imagem bonita de ser admirada – Tenho carcereiros e torturadores.
- Não fale assim... – o tom doce demais de sua voz fora uma escolha absurdamente errada.
- Não se atreva a sentir pena de mim, Dawson – sua voz era ameaçadora, e o modo como ele a puxou para mais perto, colando-os um no outro, olhos nos olhos, a eletricidade pulsando quase de modo fatal – Não esqueça quem eu sou, ou tudo que eu fiz. Não ouse demonstrar qualquer tipo de afeto ou atenção, para que eu não me irrite com você. Estamos funcionando, . Não estrague tudo por uma bobagem, uma estúpida ideia romântica que você possa ter.
- Eu não...
- Antes que eu me esqueça, ou que alguém nos interrompa – agora o sorriso que exibia era aquele, feito para ela e só para ela, aquele esgar de lábios totalmente sacana e malicioso – Você está deliciosa demais para o seu próprio bem. Ou o meu.
Quando os lábios frios dele encostaram nos dela, tudo foi para o espaço. Os dias carregados de indiferença, as provocações e as ameaças, as tristezas e as dores. Era o que sempre acontecia quando suas línguas se encontravam, vorazes e necessitadas. Os beijos cálidos e doentios de e eram sua redenção, o resolver de todos os problemas que ambos poderiam encontrar pelo caminho. As mãos quentes do garoto apertavam a base de suas costas nuas, enviando todo tipo de arrepio insano para todas as células de seu corpo. Mesmo que adorasse deslizar os dedos pelos cabelos do filho do pastor, ela sabia que não podia, então contentava-se em agarrar seus ombros largos, pendurando-se nele como se sua vida dependesse disso. Talvez essa fosse a realidade. a beijava com força, com vontade, exigindo dela tudo que fosse possível, exigindo que a garota pertencesse totalmente a ele. Ela o fazia, de bom grado. Com um ultimo puxão em seu vermelho lábio inferior, o filho do pastor a soltou de repente, sem nenhuma explicação.
- Recomponha-se – foi sua única instrução, enquanto ele próprio parecia fazer o mesmo, deslizando os dedos sobre a boca e arrumando o terno com rapidez. Deliciado com a falta de reação da garota, completou em seu ouvido – A noite só está começando, meu bem.
bufou, desamarrotando o vestido, penteando os cabelos com as mãos. E então aprontava alguma daquelas e desencadeava sua total indignação. Tudo bem, ela não poderia negar que daquela vez o garoto tinha razão. Se fossem pegos naquela situação expansiva demais, calorosa demais, certamente ouviriam poucas e boas. Totalmente desnecessário para uma noite de Natal inofensiva como aquela. Não precisariam de mais complicações do que já possuíam. Quando a campainha tocou duas vezes, alto o suficiente para que todas as lembranças e sensações dos minutos anteriores se expurgassem por completo. Será que ainda se lembrava como fingir um sorriso? Não saberia dizer. Mas o tentou, mesmo que parecesse mais uma careta do que qualquer outra coisa. riu levemente, antes de girar as duas maçanetas.
parecia um tanto nervoso do lado de fora, em seu terno negro e sobretudo da mesma cor, uma gravata vermelha apertada em seu colarinho. Seus brilhantes olhos estavam inquietos, o cabelo curto bagunçado para todos os lados. Às vezes sentia falta dos cachos macios que ele antes possuía, mas não podia negar que o amigo parecia incrivelmente mais bonito daquele modo. E tudo aquilo para uma pessoa. Damian. Ela ficava feliz pelos dois, mas também invejosa. Quisera a garota ter algo tão eterno e verdadeiro quanto o relacionamento dos dois. Logo atrás do garoto vinham Caleb e Linda, os dois numa aura depressivamente cinza e duradoura. Ambos vestidos de preto, um luto que parecia nunca terminar.
- Boa noite, – Caleb cumprimentou, tentando soar um pouco animado, mas falhando terrivelmente – Agradecemos o convite tão gentil.
- Senhor e Senhora Kallister, é nosso o prazer de tê-los conosco nessa noite – parecia amigável, mas as pupilas não desgrudavam de , como se ele fosse um inimigo em potencial. O filho do pastor desconhecia totalmente a relação do garoto com o meio-irmão, o que era risível, na opinião de – . Entrem, por favor.
A pequena família adentrou a sala elegante, apertando a mão de seu anfitrião, num cenário totalmente bizarro. Ignorando os olhares de , abraçou com força, escondendo o rosto em seus cabelos. Ela retribuiu, acariciando suas costas, sussurrando todos os tipos de palavras de apoio enquanto cumprimentava distraidamente os Kallister.
- Ele já chegou? – simplesmente sussurrou, a voz chorosa mesmo que não houvessem lágrimas em seu rosto.
- Ainda não. Vai ficar tudo bem. Vou terminar a recepção e logo lhe farei companhia – beijou sua bochecha delicadamente, sorrindo em incentivo para ele – Ok?
- Ok...
- Se puderem me acompanhar, os festejos são por aqui – o garoto resmungou, encaminhando Linda e Caleb pelo grande corredor, praticamente obrigando a se separar da melhor amiga. Rude e rabugento, existiriam melhores palavras para definir ?
Se fosse possível emitir um pedido de desculpas com o olhar, certamente o fez naquele momento. Estava enlouquecendo aos poucos. Primeiro o filho do pastor lhe dizia para não ter ridículas fantasias adolescentes, mas logo depois encenava uma patética cena de ciúmes completamente genuína. O que diabos estava tentando fazer? Onde iriam parar, pelo inferno? Cruzou os braços, observando os flocos de neve caindo lá fora. O vento frio era cortante, mas suportável. Ela teria fechado a porta, se não tivesse enxergado uma figura ao fundo, fincando as botas nas camadas brancas de gelo com pressa. Reconheceu os cabelos tingidos de negro, os ombros levemente curvados e os olhos verde-oliva, mesmo a distância. Damian caminhava a passos largos, vestindo jeans escuros e um suéter pesado da cor do vinho sob um longo casaco cinza. Ele lhe sorriu ao subir pulando os dois degraus de distância, envolvendo-a em um abraço carinhoso.
- Desculpe a demora – Riu, tentando arrumar os cabelos bagunçados – Estava guardando o presente do no nosso guarda-roupa. Caleb pediu que eu finalmente me mudasse para a casa dos Kallister. Bom, eu já estava vivendo lá de qualquer jeito.
- Isso é ótimo, Dam! De verdade, fico feliz por vocês. Agora, acho melhor você entrar logo. não parecia muito bem.
- Merda – resmungou baixinho, olhando por cima do ombro da garota – Sabia que deveria ter me apressado. Estou preocupado com ele, , de verdade.
- Vai dar tudo certo – ela segurou seu rosto, forçando-o a olhar em seus olhos – Sim? Vamos fazer tudo funcionar e transformar este num ótimo Natal para ele, e para nós.
- Que cena comovente – reapareceu, as mãos nos bolsos das calças, o rosto inelegível – O bastardo e a órfã. Uma dupla realmente dinâmica não? Será que estão trocando experiências de vida, dicas de sobrevivência na selva? Ou talvez vocês estejam simplesmente tramando uma fuga no meio da noite, para viver embaixo da ponte?
- Sinceramente, . E você ainda nos pede para compreender. Eu desisto. – Damian jogou as mãos para o alto, dramatizando todo seu argumento. Puxando-a novamente, plantou com força um beijo em sua bochecha, como se provocasse o irmão mais velho – Te vejo lá dentro.
Os dois garotos se encararam, todo o tipo de chamas e ódio se misturando naquela pequena troca de olhares antes que o mais novo adentrasse o corredor, sabendo de cor o caminho do lugar onde um dia viveu, mesmo que fosse uma época infeliz e digna de ser esquecida. Agora só restavam os dois novamente, e , e um peso na atmosfera que parecia sufocar a ambos, afundados em mágoa e desconfiança, dor e desespero. O filho do pastor ainda não havia aprendido o quanto suas palavras podiam ser afiadas como navalhas, feitas somente para cravar-se no coração da garota e ali liberar um tipo de veneno que a destruiria ao poucos, lufada de ar por lufada de ar. Não houveram toques ou sussurros quando ele voltou a sua posição de origem, mas era melhor assim. Estava ruim, mas ainda podia ser infinitamente piorado. Bastava abrir a boca.
O resto dos convidados chegou pouco a pouco, mas a garota mal assimilava o tempo passar. O próximo na lista foi o Padre Jesus, que ironia. Era um homem alto, magro e curvado, uma cascata de cabelos brancos presos por uma fita de cetim negra num rabo elegante na nuca, a típica camisa negra com colarinho branco escondida por um casaco marrom, destoando das compridas calças negras. o achou ligeiramente assustador, com seus frios olhos cinzas e a pele branca esticada sobre o rosto, como se ele tivesse emagrecido demais. Quando o homem a cumprimentou, foi como se uma estátua de cera o fizesse. Se recusou a fazer comentários, agradecendo quando novamente se ofereceu para levá-lo até o salão principal. Era mais fácil permanecer na porta, sozinha, digerindo todos aqueles acontecimentos e aquelas pessoas. E então as palavras de e Damian ressoaram em seu cérebro. Será que realmente valia a pena? Afinal, pelo que estava se anulando, deixando sua essência morrer? Por migalhas de atenção e beijos roubados em horários incertos. Era o bastante?
É claro que nunca seria.
Ainda estava sozinha quando Rick e Esma chegaram de mãos dadas, sua mãe adotiva deslumbrante num longo vestido roxo, os cabelos ruivos presos num coque alto e brincos pesados em suas orelhas. Já o pai seguia a risca a tendência de ternos escuros e sobretudos longos, uma gravata do exato tom do vestuário da mulher em seu pescoço. Pareciam radiantes e felizes, controlados e exuberantes. Perto deles, não era nada. Não parecia fazer parte da mesma família, talvez realmente não fizesse. Não foi isso que os dois abraços apertados do casal diziam. Eram calorosos, acolhedores, cheios de amor fraternal. Segurando seu rosto pelo queixo, Esma sorriu com doçura, olhos brilhando cheios de lágrimas, como se a visão da garota fosse um pedacinho do paraíso bem a sua frente.
- Meu amor, você está tão fantástica. Nunca te vi mais linda – sua voz calma exclamou em orgulho do trabalho que havia feito – E lá vem meu genro favorito!
- Creio que eu seja o único, senhora Dawson – a palma da mão do garoto estava novamente na base das costas nuas dela, o que piorava absurdamente a situação. Era tão quente e delicioso, aquela pequena sensação de querer que ele a acariciasse para sempre. Devia ignorar. Era só mais uma armadilha nefasta – Ao menos eu espero que seja! ?
- Não seja bobo, , - fingiu um sorriso, acariciando seu rosto levemente – Você sabe que é único.
- Vocês dois são adoráveis – a matriarca parecia à beira da glória, como se todos os seus sonhos estivessem se realizando – E por favor, você pode nos chamar pelo primeiro nome, . Somos praticamente uma família.
- Se é assim que você deseja, Esma – a cordialidade dele era de dar nojo, revirar completamente seu estômago – Me perdoe pela falta de atenção, Rick, mas você precisa entender meu deslumbramento com as damas que nos acompanham essa noite – apertou a mão do sogro, recebendo uma risada sonora do homem.
- Compreendo perfeitamente. Somos sortudos, não?
- Até demais.
Então os convidados restantes chegaram, o último dos irmãos Fitzgellar, o antigo sobrenome de Angel, chamado Salvatore, era um homem mediano, de cabelos negros e emplastrados de gel, o terno marrom riscado de giz e a gravata verde-garrafa combinando com seus olhos, e pode reparar que ele era o único que não possuía as pupilas cinzas dos outros. Sua mulher era altíssima, longilínea, uma latina de volumosos cabelos castanhos avermelhados e vestido estampado, um colar pesado em seu pescoço. Atrás deles os filhos, dois homens absurdamente belos. Castiel era o mais velho, no alto de seus 27 anos, cacheados cabelos do mesmo tom da mãe, olhos muito verdes como os do pai. Escondido em um sobretudo branco, fazia tudo parecer meio entediante, meio blasé. Já Carson, de 20 e poucos, tinha os mesmos cabelos negros de Salvatore, curtos e sedosos, olhos azuis como os de Camille e uma elegância natural no seu terno escuro e gravata prateada. Tinha um rosto bonito demais, quase como um anjo. Ambos irmãos puxaram a altura maternal, ficando páreo a páreo com .
sentiu-se aliviada, quase em êxtase, quando se viu caminhando em direção ao grande salão, acompanhada por todos aqueles estranhos conhecidos, ouvindo risadas e conversas civilizadas demais, sendo praticamente carregada pelo filho do pastor. Seu transe emocional parecia nunca passar. Então foi envolvida por palavras e sabores, perfumes diferentes e pupilas coloridas e atentas. Seus pés doíam. Ela queria muito sentar-se próxima a , repousar em seu colo por um instante, chorar suas mágoas. Mas sua presença era sempre requisitada por um dos parentes insuportáveis de , com ladainhas sobre faculdade e o maldito casamento, religião e a ceia de Natal. Era a estrela da festa, mesmo que nunca houvesse pedido aquilo. E seu melhor amigo permanecia sozinho em um canto, uma taça de vinho meio vazia em mãos, uma expressão lamentável em seu rosto tão bonito. Quis correr para ele. Em vez disso, foi puxada novamente por Heaven e Camille para uma conversa sobre vestidos de noiva.
A festa corria bem, convidados sentados por todos os lados, as crianças brincando de jogos de tabuleiro em um canto afastado, taças sempre abastecidas por vinho ou licor caro e todos pareciam felizes e satisfeitos. Só pareciam. Era uma tradição dos servir o jantar à meia-noite e depois executar a troca de presentes. Ainda faltava meia hora e muitos ali se esforçavam para manter-se inteiros. Num momento de distração das mulheres da família, fugiu, refugiando-se junto a num sofá escondido junto a parede.
- Me desculpe. De verdade, perdão – ela choramingou, escondendo o rosto na curva do pescoço do amigo, inalando seu perfume agradável de loção pós-barba – Eles querem me enlouquecer, . Eu não aguento mais.
- Tudo bem, meu amor. Eu vi. Estava louco pra te salvar, mas parece que preciso ficar de olho em outras coisas – o garoto parecia muito mais velho e cansado, a voz um tanto amargurada quando gesticulou com a cabeça para onde Damian estava. Seu noivo conversava animadamente com o bonito Carson, os dois rindo e tocando-se sem querer – Você sabia que ele é gay?
- Carson?
- Esse aí mesmo – ele riu, sem humor algum – Existe esse lugar há algumas horas daqui, um tipo de café com leitura de poesias e apresentações artísticas, frequentado exclusivamente pela comunidade homossexual. Nós gostamos de ir lá às vezes, é um bom local, com pessoas legais e que não nos discriminam nem nada do tipo. São como nós. – seus olhos pareciam perdidos em lembranças – Então alguns meses atrás, ele estava lá. Damian imediatamente o reconheceu e me apresentou. O primo que nunca deu muita bola para ele agora parece interessadíssimo.
- Damian nunca olharia pra ele dessa maneira, amor...
- Por que não, ? Carson é bonito de doer, é rico, influente e é da família. Que chance eu tenho contra isso? Por que ele escolheria o quebrado e estranho Kallister no lugar do fantástico Carson Fitzgellar? – Ela sabia que o garoto desabaria a qualquer momento, as lágrimas já se mostrando no canto dos lindos olhos .
- Olha pra mim. Presta atenção – segurou seu rosto com delicadeza, forçando-o a não desviar o olhar – Damian ama você. Mais do que tudo nesse planeta. Ele te escolheu muito antes de conhecer esse almofadinhas dos infernos. Vocês vão se casar, vão começar uma vida nova. Ah, , você não viu o quão animado ele estava por se mudar para a sua casa. Pro quarto de vocês. Não há nada nesse mundo que possa ser mais forte do que isso, meu amor.
- Eu estou com tanto medo, . Se ele me deixar... Eu não vou aguentar se Damian também me deixar.
- Vai ficar tudo bem. Você não confia em mim? – ela o puxou para seu colo, acariciando os cabelos – Aliás, chega de vinho pra você.
- Mas o que está acontecendo aqui?
Angelina tinha as mãos na cintura, no rosto uma expressão preocupada. Os cabelos loiros penteados em ondas, presos para o lado como os de , o vestido de seda azul caindo graciosamente em seu corpo. Havia falado pouco com a caçula dos naquela noite, já que ela parecia tão atarefada quanto a própria. Com seus movimentos delicados e um tanto angelicais, a pequena limpou as lágrimas teimosas que escaparam pelo rosto do garoto, um muxoxo de tristeza em sua garganta.
- O que houve, meu bem? Por que meu cunhado favorito está triste? Não se sinta ofendida, . Você é minha cunhada favorita – rolou os olhos em obviedade. Angelina era a única da família de Damian a saber da relação do irmão com o filho dos Kallister e os apoiava completamente, adotando-os como seus bebês preciosos. – O que diabos o idiota do O’Hare está fazendo batendo papo? Ele devia estar aqui com você!
- Está tudo bem, Angs – não passou de um sussurro, fraco demais para ser levado a sério – É só uma melancolia natalina. Dizem que é normal, não?
- Não. Não é. Principalmente para alguém como você, . – ela piscava com força, pisando repetidamente com o salto prata no chão limpo – Vamos resolver isso. Já. Mas precisamos de discrição – Virou-se para , pensativa – Onde o imprestável do se enfiou?
- Não faço ideia. O perdi em algum lugar entre o padre e o pastor. – tentou fazer o amigo rir, sem sucesso aparente.
- Ótimo! Um problema a menos! Você vai poder me ajudar no lugar de ficar distraindo o imbecil. Ok. Me esperem aqui. Volto já.
Saiu dançando pelo salão, antes que os dois a perdessem de vista, só o leve brilho da seda deixando algum rastro aparente. Balançando a cabeça distraidamente, finalmente riu, incrédulo:
- Angelina parece ligada na tomada 24 horas por dia ou é impressão minha?
- Ela está razoavelmente calma hoje, acredite. – deu de ombros, procurando por um par de olhos que lhe tiravam o fôlego. Ainda estava magoada com , mas seu sumiço a preocupava. Em que tipo de enrascada estava se metendo agora? Não teve muito tempo para ponderar mais. No minuto seguinte a loira já voltava aos pulos, trazendo o meio-irmão pela mão com um sorriso vitorioso no rosto.
- Resgatei o cavaleiro da caverna do dragão! – ela comemorou, animada – Tudo certo, tudo certo. , venha cá. Vocês dois! Não ousem se mover se possuem algum amor pela vida purpurinada. – puxou a cunhada, sussurrando seu plano infalível em seu ouvido. A mais velha somente riu. Era uma boa ideia, afinal. – Certo. Certo! Vamos lá.
Continuou puxando Damian, o que fez puxar o melhor amigo também. Os três seguiam a loira pelos cômodos desocupados da casa, tomando o cuidado necessário para não serem vistos por ninguém que os considerassem suspeitos de algum crime contra a ética e a moral familiar.
- Alguém pode me explicar o que diabos está acontecendo? – Damian resmungou, parecendo confuso em meio a correria – O que te deu na cabeça, Angs?
- Cale a boca e me agradeça depois – mostrou-lhe a língua, antes de dobrar em um último corredor, chegando a outra gigantesca porta de madeira dupla que nunca havia visto antes. Soltando a mão do irmão por um momento, ela girou as maçanetas, revelando um grande escritório em seu interior. Havia um tapete persa verdadeiro cobrindo a maior parte do chão e um conjunto de sofás de couro marrom no meio da sala. As paredes eram puras estantes cobertas dos mais diversos livros, ao fundo uma mesa de mogno e uma cadeira empresarial cara, luminárias verdes por todos os cantos e um grande crucifixo pendurado junto a um pequeno altar. Provavelmente o lugar de estudos do pastor Philip. Angelina fez sinal para que a seguissem, sussurrando com uma autoridade que era tão característica dos – Entrem, entrem.
- O que estamos fazendo aqui? – Agora o confuso era , tentando entender qual o motivo por trás daquilo tudo.
- É o nosso presente de natal para vocês dois, teimosos irremediáveis. parecia muito triste com sua aproximação repentina do babaca do Carson, Dam. Então nós duas chegamos a conclusão de que vocês precisavam disso. Simples.
- O quê? Quando? Você estava com ciúmes de Carson? – o garoto parecia chocado, como se aquela fosse uma ideia absurda demais para ser digerida – Ah, meu amor, não. Não faça isso com nós dois. Você sabe que é mais importante que tudo pra mim, . Eu te amo, e não é nenhum primo qualquer que vai mudar isso. Ninguém vai me tirar de você.
- Vocês dois ficam bem juntos – fungou, limpando as lágrimas que voltavam na manga do terno – Pareciam estar se divertido. Eu sei que ando chorando demais, reclamando demais e que não sou a melhor companhia do mundo. Você precisa de alguém que te divirta, que te faça feliz, não alguém que te traga problemas que não são seus.
- Não ouse, Kallister, repetir isso. Nunca mais, ouviu bem? – ele se aproximou do namorado, paixão estampada nos olhos verdes – Carson não passa de um amigo. Você é o amor da minha vida. Não há ninguém que eu queira mais que você. Entendeu?
- Ora, calem essa boca! – Angelina interrompeu, nervosa, entregando um pequeno objeto não identificado nas mãos de – Vocês podem ter essa DR em casa. Não é isso que vocês estão fazendo aqui. Eu vou vigiar a porta. , mantenha o visco no lugar.
Então a garota sorriu, ficando na ponta dos pés, próxima aos amigos. Em sua mão delicada havia um pequeno visco decorado que ela fez questão de posicionar exatamente acima da cabeça dos dois. parecia mais confuso do que nunca, os olhos estreitos para a pequena planta. Mas Damian entendeu tudo, imediatamente.
Foi um milésimo de segundo, um olhar rápido para cima antes que Damian enlaçasse a cintura do namorado, colando seus corpos com força, apertados um contra o outro. E então foram narizes que se roçaram delicados, dois pares de olhos mergulhados completamente em adoração, até que a última distância já não mais existisse e os lábios se unissem levemente. Damian beijou o namorado como se fosse a primeira vez, com certa insegurança, mas com uma paixão infinita. Foram momentos somente disso, de toques de bocas, das mãos de adentrando os cabelos tingidos de negro, puxando-o para si, seu mundo inteiro em suas mãos. Então ele entreabriu os lábios, deixando que a língua quente e macia do outro encontrasse a sua, o gosto de vinho de ambas o deixando tonto. Quando se beijavam daquele jeito, não havia mais nada. Não haviam dificuldades ou mortes, não havia sofrimento ou uma sociedade podre que não os aceitava. Eram só os dois e seu amor imensurável, compartilhado de novo e de novo, a cada mover de bocas, a cada beijo prolongado e carícia suave e deliciosa. gostava do jeito que o noivo o segurava, com força, as mãos plantadas na base de suas costas. Gostava de seu perfume simples, da sua pele macia, dos seus lábios roçando seu pescoço alvo com calma, antes de voltar ao ponto de origem e aprofundar um outro beijo, como se não houvesse amanhã, ou outras pessoas na sala. E então sorriam entre beijos, entre línguas que exploravam as bocas um do outro, até que o ar não mais existisse em seus pulmões e eles fossem finalmente obrigados a se separar, não sem milhares de beijos menores, de sucções em lábios inferiores e ‘eu te amo’s sussurrando com rostos próximos demais. Ao ver os sorrisos estampados nos rostos de e Angelina, eles só puderam rir. Ficaria tudo bem. Daria tudo certo.
- Parece que era isso que precisávamos – Damian se recusava a largar o noivo, espiando as duas garotas com o canto do olho – Obrigado. De verdade.
- Disponha – Angelina deu de ombros – Estarei esperando um belo e brilhante presente de Natal mais tarde.
- Sabia que haveria algum pedido desse tipo – mas ele riu, roubando mais um beijo do outro – Daremos um jeito.
- Ok, chega. Precisamos ir, antes que desconfiem. Tudo culpa da mocinha aí – apontou para , que massageava o cotovelo levemente – Que precisava namorar o desconfiado maluco insuportável do meu irmão mais velho.
- Ah, me perdoem pelo gênio indomável e lunático do irmão de vocês. – bufou, brincando com o visco em suas mãos.
- Podemos ter essa maldita discussão em outro lugar? Já devem estar dando falta da minha fabulosa companhia. Vamos, vamos.
Dessa vez, moveram-se diferentemente. Angelina e primeiro, de braços dados como pequenas espiãs cúmplices, cochichando e rindo baixinho a respeito de alguma piada boba qualquer, e logo depois e Damian, caminhando lado a lado, sorrindo como loucos. Era mais fácil assim, fingir que eram desconhecidos, tomando caminhos diferentes para então se encontrarem em seu destino final. Faltavam minutos para a meia-noite, então seus passos eram rápidos, ansiosos. Se houvesse qualquer tipo de atraso, sabiam que Angel as comeria vivas. Mas não foi a matriarca que as interceptou perto da entrada do salão, fazendo com que as duas garotas parassem repentinamente. tinha os braços cruzados, um olhar desconfiado no rosto e os lábios fechados numa linha fina. Aproximando-se vagarosamente, ele perguntou, sem rodeios:
- Onde vocês estavam?
- E te interessa? – a irmã desafiava, um sorriso malcriado em seu rosto.
- Se eu perguntei... Você é uma péssima influência para , Angelina. – seus olhos estreitaram-se, passando-os de uma para a outra – Novamente, e dessa vez espero uma resposta. Onde diabos vocês estavam?
- Resolvendo coisas de meninas, ora! Sinceramente, , vá pastar.
- Igualmente, adorável irmã – sorriu irônico, antes de puxar a namorada para seu lado como uma boneca de pano qualquer – Estão esperando por nós para começarem a ceia. E Angel quer você na cozinha, agora.
- Educação mandou lembranças pra você.
Mas a ignorou completamente, direcionando de volta ao lugar das comemorações opulentas. A maior parte do jantar já estava servido, os convidados sentados em volta da imensa mesa. A garota sorriu ao ver que e Damian haviam arrumado lugares lado a lado, absortos em uma conversa baixa, desligados do resto do mundo. Carson felizmente sentara longe, junto do irmão e dos primos menores, parecendo remotamente contrariado. Os dois, no entanto, posicionaram-se próximos à ponta da mesa, com Esma e Rick a seu lado e duas cadeiras que provavelmente pertenceriam a Angel e Angelina a sua frente. Na cabeceira, o pastor Philip lhe sorriu, elogiando a nora e sua elegância. Era esquisito, mas a garota agradeceu, esperando enquanto o namorado puxava uma cadeira para ela. Não demorou para que todos estivessem presentes, um silêncio espectral no momento de levantar-se e dar as mãos para uma pequena prece, regida por ambos os sacerdotes ali presentes, o pastor Philip em uma ponta, o padre Jesus em outra. De mãos dadas com e Esma, se sentia desconfortável, quase sufocada. Era aquela hora novamente, aquela que a afligia em cada feriado, onde se perguntava o que faria dali para frente. Realmente queria repetir esta noite todos os anos? Queria ser a esposa de , conviver com todos aqueles lunáticos religiosos, viver à mercê das mudanças de humor e das palavras duras do garoto?
Então imaginou seu futuro. Uma mansão muito parecida com aquela, com um clima frio, pesado e inebriante. Empregados para cima e para baixo, realizando tarefas simples e bobas, enquanto ela observava a vida lá fora por uma janela limpa demais. Usava um vestido elegante, mas recatado demais. Suas mãos repousavam em seu ventre pronunciado, redondo pelo bebê que ali descansava. Uma criança que mal havia nascido e já possuía regras e limites, horários malucos e crenças na qual devia cegamente acreditar. A maldição se repetindo mais uma vez, bem diante de seus olhos, sem que ela pudesse fazer nada para retardar ou mudar aquilo. À noite, enquanto dormia sozinha em uma cama grande demais, onde estaria ? Transando com alguma prostituta, perdido pelas ruas da cidade vizinha ou se embebedando na Sonic Underground.
Aquilo não seria uma vida. Aquilo era um pedaço do inferno.
Sentindo-se tonta demais, assim que todos voltaram a seus lugares, ela pediu licença, correndo para o banheiro mais próximo. Não ouviu as vozes que chamavam seu nome preocupadas, somente continuou caminhando até aquele lugar conhecido. Abrindo a porta com força, a garota hiperventilava, seu peito subindo e descendo com rapidez, perigoso demais para sua sanidade. Jogou água ao redor do pescoço e dos pulsos, tentando respirar fundo e devagar, mesmo que não obtivesse sucesso algum. Aquela pequena cena imaginada destruíra seu emocional mais radicalmente do que qualquer pesadelo horripilante que já houvesse lhe atormentado durante toda a sua vida. Quando irrompeu no lavatório, preocupação em seu rosto, ela quase se rendeu as lágrimas que ameaçavam irromper. Quando o amigo a abraçou, uma única frase escapou de seus lábios, repetidamente:
- Eu não sei o que estou fazendo. Eu não faço ideia do que estou fazendo.
- O que houve, meu amor? Você estava tão bem...
- Um choque de realidade. Um maldito choque de realidade que...
Mas não conseguiu terminar a sentença. Não conseguiu, porque seus olhos encontraram aqueles , e eles estavam preocupados. estava parado na porta aberta, observando a garota abraçada no melhor amigo. então percebeu sua presença, virando-se quase no mesmo segundo.
- Tudo bem, Kallister. Eu assumo daqui. – estendeu a mão, e sua voz era carregada, pesada, um tanto sombria.
- As coisas estão sob controle, . Não precisamos que você piore tudo. – o garoto resmungou, posicionando na frente da amiga, protetor.
- Não ouse. , venha comigo.
- Não – tentou ser mais alto, soar mais autoritário.
- Você não sabe onde está se metendo, Kallister. Você não quer comprar essa briga.
- Quer apostar?
- Chega! – então foi a vez de colocar um basta naquilo, nervosa – Não ousem começar essa briguinha ridícula. Vocês estão piorando tudo. Mas que merda! – sua voz tremia, assim como seu corpo – Eu vou com , se isso vai fazer com que os dois parem. , volte para o salão. Diga que estou bem, que só preciso de um pouco de ar. Pode fazer isso por mim?
- Mas ...
- Por favor, – e havia algo em seu pedido que o convenceu. Talvez a dor, o desespero. Talvez a urgência e a necessidade. Ele não sabia dizer. Somente concordou com a cabeça, lhe beijando a bochecha antes de passar pelo filho do pastor, esbarrando nele com força ao sair. não esboçou nenhuma reação. Somente estendeu sua mão novamente para a garota.
Suspirando, entrelaçou seus dedos nos dele, deixando que a levasse com delicadeza até a vazia sala de estar dos , paredes pintadas de branco e lustres de cristal no teto. Ela conhecia aquele lugar, que em um primeiro momento lhe despertara arrepios em todo seu corpo. Ele a deixou parada exatamente no meio do local, de braços cruzados, enquanto o garoto se dirigia a uma das prateleiras do local.
- O que estamos fazendo aqui? – sussurrou, confusa. O que diabos o filho do pastor faria?
- Vamos dançar.
- Dançar? Por favor, , sem brincadeiras.
- Cale a boca, . Por favor, dance comigo.
Uma música realmente começou a tocar, e para sua surpresa era uma de suas favoritas. A linda Yayo, de Lana Del Rey. A letra parecia uma ironia no momento. deu dois passos a frente, afastando uma mecha de cabelo do rosto bonito dela, enlaçando sua cintura com os braços, movendo-os para os lados muito devagar, quase não saindo do chão. Ela se rendeu, passando os braços ao redor do pescoço do outro, deixando que descansasse a cabeça em seu ombro, os lábios quentes em contato com sua pele. Eles dançavam com leveza, passos muito pequenos para os lados, deslizando com suavidade sobre o tapete caro. O propósito daquilo ainda lhe era desconhecido, mas não reclamava. A calmaria se instaurava em seu coração, relaxando seus músculos e sua mente aos poucos. Quando os beijos do garoto subiram até o lóbulo de sua orelha, palavras foram ditas, e aquela vontade maldita de chorar voltava aos poucos.
- O que houve?
- Nada – sussurrou, apertando-o mais contra si, como se fosse capaz de cair.
- Não minta pra mim. Não sou qualquer um daqueles idiotas que você já conheceu. – o filho do pastor resmungou, acariciando suas costas com a ponta dos dedos – Alguma coisa aconteceu. Você está grávida?
- Não seja idiota, – um riso baixo escapou de sua garganta, tão breve e sonoro – Por que eu estaria?
- Primeiro você se esconde sabe-se lá onde com Angelina e depois tem um surto em meio a ceia de Natal... Quer que eu pense o que?
- Não estou grávida, . Só estou preocupada. Magoada.
O silêncio voltou a reinar, somente a voz de Lana os envolvendo com calma, fazendo com que os dois girassem sutilmente, sem nunca parar de dançar, totalmente colados um no outro.
- Me desculpe por mais cedo – finalmente soltou, encostando seu nariz no dela – Foi rude demais. Não queria te ofender, ou te machucar. Só que... Não gosto de vê-la perto do Kallister, ou do O’Hare. Não gosto do jeito que eles olham pra você, falam com você, tocam você... Lembre-se que você me pertence. É minha, de mais ninguém.
- São meus amigos. Nada mais do que isso. Não pretendo sair dando desesperadamente para qualquer par de calças que surja a minha frente – seus lábios se tocavam, enquanto ela continuava a falar – Isso dói, . Porque você sabe. Eu sei o que disse, e eu sei o que você ouviu na noite em que morreu. Então pare com essa besteira, por favor. Você só piora tudo. Só me faz querer desistir.
- Não. Shh. Não desista.
Beijou-a, uma, duas, três vezes, sugando seus lábios com cuidado, suas mãos cobrindo o rosto macio da garota. Eram só toques, até que ela finalmente lhe desse permissão para deslizar sua língua até a dela, explorando cada pedacinho de sua boca. Agora eles já não se moviam, somente continuavam ali, perdidos em carícias. Foi um beijo mais doce do que o normal, mais calmo do que todos os outros. Mesmo quando ele pedia por mais, quando pressionava as bocas com mais intensidade, ainda era tranquilo. escondia suas mãos no interior do terno cinza de , ao redor de seu tronco, enquanto ele deslizava os dedos compridos por seu pescoço, descendo pelos ombros e pelas costas nuas, deixando rastros de calor aqui e ali, despertando novamente na garota aquela vontade oculta de se entregar a ele mais uma vez, mesmo que fosse ali, próximo as pessoas idiotas que a sufocavam, o perigo lhe excitando ainda mais. Puxou ou lábios de com os dentes, o fazendo sorrir antes de mergulhar para seu maxilar, subindo com cuidado até o contorno de seu rosto, descendo novamente até a pele escondida pelos longos cabelos . Pele essa que, pela intensidade dos beijos do garoto, ela sabia que logo estaria vermelha. Não se importava. Quando ele puxou o topo do vestido um pouquinho para baixo, somente para passar a língua em suas clavículas, o apertou com mais força. Que diabos era aquele poder que o maldito possuía sobre ela?
- Por que você faz isso comigo? – a garota suspirou – Por que me prende quando tudo que vejo a nossa frente é um futuro miserável?
- Porque você sempre foi meio cega, meu bem, e não vê as coisas do modo que eu vejo – pressionou as nádegas dela com as mãos, esfregando os quadris levemente – Você só precisa confiar em mim.
- É a mesma coisa que me pedir para confiar em uma bomba-relógio.
- Ao menos você sabe que uma hora ou outra ela vai explodir – ele riu, antes de colar novamente os lábios de ambos por um momento, sempre atento a passos perdidos agora que a música havia terminado – Passa a noite comigo. Nós dois juntos, a cama no posto de gasolina... O que você acha?
- É tentador, mas...
- Só diga que sim. Pare de pensar tanto no futuro, , porque talvez não exista um onde possamos viver.
- Você sempre vence no final – parecia derrotada, mas animada com a perspectiva que ele lhe oferecia.
- Meus argumentos são indiscutíveis. – deu de ombros, beijado-a uma última vez – Não que me agrade, mas precisamos voltar antes que mandem alguém a nossa procura.
- Tem certeza?
- Absoluta.
Sabia que tinha razão. Segurando sua mão com força, ergueu a cabeça ao voltar a caminhar, pesando tudo aquilo que havia acontecido naquela noite inesquecível. Ainda teria desculpas esfarrapadas a proferir, presentes que ela não queria para abrir e pessoas que não gostava para suportar. Mas pela primeira vez, precisava escutar a si mesma e as palavras que repetira durante toda a noite para . Ia ficar tudo bem. Daria tudo certo no final. Mesmo que não fosse verdade, era nisso que acreditaria. Quando as coisas ficassem difíceis e o ar ruim de respirar, se agarraria a esperança de que um dia sua vida seria diferente. Se agarraria a um amor incerto, a amizades duradoras e certezas irrevogáveis. Aproveitaria as últimas horas de seu Natal, tentando celebrar o início de uma nova vida, ou somente tentando celebrar a vida que levava. Seu presente seria depois. Seu paraíso em motocicletas e postos de gasolina abandonados. Respirando fundo uma última vez antes de voltarem ao grande salão, ela grudou a boca no ouvido de , últimas palavras claras e fáceis de se compreender.
- Obrigada, . Feliz Natal.
*O título desse especial, Hello Heaven foi tirado da mesma música desse capítulo, a linda e maravilhosa Yayo, da musa máxima, Lana Del Rey
N/a: Feliz Natal, Feliz Natal, lalalala. Ok, calei. Como vão peeps? Espero que bem. O mistério finalmente foi revelado! Acho que deixei um monte de gente curiosa com "O que é Hello Heaven? Onde Yayo vai se encaixar na história? Por que diabos o filho do pastor esta usando um terno? Ele não tinha sido preso?". Tinha. Aliás, ele continua preso. Mas na reta final de Holy Fool. Essa pequena história natalina acontece entre os capítulos 16 e 17, depois da morte da melhor amiga, mas antes da principal saber de todos os podres do filho do pastor. Queria deixar claro que durante essa época ele já sabia que estava apaixonado por ela, só era cabeça dura demais pra admitir. Há algum tempo queria escrever alguma coisa mais fofa dos dois, e essa foi uma boa oportunidade. Juntei o útil ao agradável e escrevi uma cena do casal que todo mundo ama não tem como não amar, nosso Dax. Espero que vocês gostem. Bom, eu acho que é isso. Leiam tudo, comentem, me contem o que acharam. E tenham um natal maravilhoso (sou apaixonada por Natal, não reparem). Até a próxima!