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Escrita por: Cris Turner
Betada por: Barbara Oliveira




CAPÍTULOS: [19] [20] [21] [Epílogo]



Capítulo 19


Acho que minhas intenções de arrancar o braço da garota fora estavam estampadas no meu rosto porque, assim que me aproximei o suficiente para que me visse chegando, a cor sumiu de seu rosto e ele deu um pulo para longe do alcance da oferecida. A garota, contudo, não pareceu entender o claro recado e fez menção de voltar a acariciá-lo. Eu, contudo, agindo mais rápido do que julgaria ser possível tendo em vista as muletas, enfiei-me no meio deles.
O choque no rosto dela foi engraçado o suficiente para quase me fazer rir. Quase.
O fato de ela tentar passar a mão no meu homem tirava toda a graça da situação.
- Com licença? – falou com a voz esganiçada depois de se recuperar do choque.
A resposta mal-educada estava na ponta da língua quando senti a mão dele em meu ombro. Queria me encolher para longe. Estava chateada por ele ter deixado a biscate chegar tão perto, mesmo sabendo que era irracional ter ciúmes das fãs deles.
Engoli em seco e forcei um sorriso, pensando rapidamente em um plano.
- Olá. Você quer que eu tire uma foto de vocês dois? – meu tom era robótico.
Ela imediatamente fechou a cara e tive certeza de que iria ganhar uma negativa rude quando resolveu que era hora de intervir:
- Acho uma ótima ideia – passou por mim e se postou ao lado da garota, mas a uma distância segura.
A morena me entregou o celular sem olhar para minha direção, preocupada que estava em babar em cima do . Revirei os olhos e tirei uma foto deles, trincando os dentes quando a vi passando o braço pela cintura dele. forçou um sorriso. Imediatamente depois, empurrei a droga do celular no peito dela e agarrei a manga da blusa dele.
- Infelizmente temos que ir agora. Tchauzinho.
Antes que ela pudesse reclamar, já estávamos do lado de fora.
- , me espera, amor.
Assim que a perua sumiu de vista, eu larguei de sua blusa e comecei a andar para o carro, deixando-o para trás.
- !
Ignorei seus chamados e continuei andando até que ele se postou na minha frente.
- Amor!
- Agora não, .
- Agora sim! – falou, firme.
- Sobre o que você quer falar, ? Sobre como a noite está bonita? Sobre os problemas do ? Sobre o aquecimento global? – olhei para os lados, gesticulando. - Ou talvez sobre o fato daquela oferecida passar a mão em você? – sibilei.
arregalou os olhos e seus lábios se contorciam em uma tentativa meia-boca de não rir.
Além de tudo ele tinha a coragem de rir?
Sentindo a raiva borbulhar, dei a volta nele e continuei andando. Não tinha dado dois passos quando outra vez ele estava lá para bloquear meu caminho.
- ...
Desviei o olhar para o lado, decidida a ignorá-lo.
- , por favor...
- Amor!
Ok. Aquilo era golpe baixo. Voltei minha atenção para ele.
- Que foi? Veio rir de novo?
Ele teve a decência de tentar disfarçar o divertimento que estava em seu rosto.
- Desculpe, amor. Não estou rindo de você, juro. É só que... você fica ainda mais adorável quando fica com ciúmes – conseguiu segurar os dois potes de sorvete em uma mão para, com a outra, apertar meu nariz.
- Não estou com ciúmes – estapeei sua mão para longe.
- Não? – arqueou a sobrancelha. – Então o que é toda essa hostilidade repentina?
- Respeito aos bons costumes – falei a primeira mentira que apareceu.
- Ok. E como seria isso? – fingiu acreditar, dando corda para que eu me enforcasse.
- Não gosto de amostras de afeto tão fogosas assim.
- Tão fogosas? – agora o sorriso quase ganhava seu rosto.
Eu podia quase ouvir a gargalhada que ele segurava.
Rangi os dentes.
- A garota estava toda em cima de você! Se esfregando em você! – bati o dedo em seu peito. – Uma pouca vergonha!
- Uma pouca vergonha? Amor, ela mal colocou a mão em mim. Só no meu cabelo – como para enfatizar, deslizou os dedos pelo cabelo.
- EXATAMENTE! – exclamei, batendo uma das muletas no chão.
arregalou os olhos, surpreso com minha reação.
- Amor... – fez uma pausa, obviamente medindo suas próximas palavras. – Elas são nossas fãs, são a razão de eu poder fazer o que eu amo. Não posso ignorá-las.
- Não seja ridículo, – revirei os olhos. – Não tenho problema nenhum com as suas fãs e jamais tentaria afastá-las de vocês. Meu problema é quando começam a mexer com o que é meu. E esse cabelo – apontei – é definitivamente meu – aproximei-me mais para agarrar a sua blusa e puxá-lo para baixo. – Entendeu?
tombou a cabeça para o lado, um sorrisinho sapeca.
- Esse cabelo? – passou a mão por seus fios. - É seu?
Puxei-o ainda mais para baixo e para frente ao mesmo tempo em que me inclinava para frente, meu nariz quase encostando no dele.
- É. É sim. É meu – sibilei, muito séria. – Algum problema?
O sorriso dele aumentou até quase não caber em seu rosto e por alguns segundos apenas ficou lá, parado e me encarando de maneira meio vesga - já que estávamos tão perto.
- Não. Problema nenhum – sussurrou antes de vencer o pouco espaço entre nossos lábios.
Minha mão escorregou da sua blusa para seu ombro e as dele foram para o meu pescoço, os polegares acariciando minhas bochechas enquanto ele me beijava devagar. Podia sentir seu sorriso. Apoiei a muleta contra o corpo e puxei seu cabelo, afastando-o de mim.
soltou uma risada rouca e breve.
- E quanto ao “respeito aos bons costumes”? – ironizou, tentando imitar minha voz.
Franzi o cenho, voltando à realidade. Reprimi, então, o tapa que queria dar em seu ombro, concentrando-me no assunto em questão:
- A próxima biscate que eu vir passando a mão no seu cabelo vai sair machucada, entendeu?
mordeu o lábio inchado e assentiu solenemente antes de voltar a abaixar a cabeça em busca de outro beijo. Virei o rosto.
- Nem vem, engraçadinho.
- O quê? Por quê?
- Não sei – bati o dedo no queixo, fingindo pensar. – Talvez porque você deixou outra mulher passar a mão em você ou talvez por ter rido de mim depois. Ou, quem sabe, por causa dessa imitação ridícula que você acabou de fazer. E, por falar nisso, eu não falo daquele jeito agudo.
Em seu favor, ao menos tentou não rir da minha resposta patética e dita sem pensar. Claro que ele não conseguiu e em poucos segundos estava gargalhando outra vez. Senti vontade de gritar.
Aquela parecia estar sendo a rotina daquela noite. Ele rindo e eu ficando frustrada.
Dei-lhe as costas e caminhei até o carro. Infelizmente minha saída dramática foi estragada pelo fato de ter que esperar destravar a porta do carro, o que ele não fez, justamente para me alcançar mais uma vez.
- Amor, espera – encostou-se contra o carro em um ângulo de 90° enquanto me mantive encarando a janela do automóvel. - Eu estou confuso.
- Claramente – virei a cabeça um pouco para ele, ironia óbvia em meu tom. - Claramente você está confuso se acha que pode deixar outra garota passar a mão em você, e que iria ficar por isso mesmo.
- Eu... hmm... – murmurou. – Isso não é justo – resmungou baixinho depois de um tempo. - Essa é claramente – me olhou de maneira significativa ao dizer essa palavra – uma daquelas ocasiões em que qualquer resposta é errada.
Sim, era uma dessas situações, mas não iria facilitar para ele.
- Talvez seja errada porque você sabe que está errado.
- Mas, , a culpa não foi minha. Eu tentei me afastar educadamente.
- E não fez um bom trabalho, não é mesmo?
- Eu não sabia que você iria ficar tão brava – falou, olhando para o chão.
- Como não sabia? Por acaso você ficaria feliz se eu deixasse outro cara apertar meu nariz do jeito que você faz?
Sua cabeça se levantou de supetão, os olhos se queimaram sobre os meus.
- Você não deixaria – rosnou.
- Exatamente! Eu não deixaria, mas isso não pareceu impedir você, não é mesmo?
- Não é a mesma coisa! – protestou veemente, desencostando-se do carro e chegando até mesmo bater o pé no chão para enfatizar seu ponto.
Revirei os olhos frente seu momento criança mimada.
- Claro que é a mesma coisa. É a nossa coisa. É a minha mania de passar a mão no seu cabelo e é a sua mania de apertar o meu nariz. É a nossa coisa – gesticulei para o espaço entre nós dois. – Então não é justo quando você deixa que a nossa coisa vire a sua coisa e a da... daquela coisinha lá – apontei para a sorveteria.
- Mas eu não fiz de propósito!
Arqueei a sobrancelha e me virei para ficar de frente para ele. Teria cruzado os braços se isso não causasse mais trabalho do que estava disposta a gastar por causa dele agora.
Depois de alguns segundos ele entendeu o recado e finalmente começou a dizer o que deveria ter dito desde o começo:
- Ok, ok. Desculpe. Desculpe, amor. Não vai acontecer de novo.
- Acho bom.
soltou o ar pesadamente, mas não respondeu. Abri um sorrisinho de lado e peguei meu potinho de sorvete de sua mão. Já estava meio derretido, mas sorvete é sorvete. Afastei-me um pouco do carro para que ele entendesse a dica para abrir a porta para mim. Ele agiu como o cavalheiro que era, mas parei no meio do caminho entre sentar no banco e ficar em pé do lado de fora ao vê-lo sorrindo. Franzi o cenho.
- Que foi?
- Nós acabamos de ter nossa primeira DR, amor.
Arqueei a sobrancelha e não pude evitar uma risada.
- Essa não foi uma DR, .
- Não? Como não?
- Você vai saber quando estivermos tendo uma DR, – me acomodei no banco e empurrei as muletas contra o peito dele. - Acredite. Você vai saber.

xxx

Uma semana depois do acontecimento na sorveteria, coloquei os pés pela primeira vez no estúdio de gravação dos garotos. Digamos que não estava no melhor dos humores naquele dia. Não que não quisesse conhecer onde One Direction fazia sua mágica, não era isso. O problema era que não gostava nem um pouco quando alguém me coagia a fazer as coisas - ainda mais quando era coação daquela que te vence pelo cansaço. E foi exatamente isso que fez: azucrinou-me durante sete dias até que finalmente concordei em ir com ele num dia em que ele e fossem gravar.
“Vamos, sis. Por favor! Vamos fazer uma surpresa para o nosso ”, foi o que ele repetiu de novo e de novo até que concordei, apesar de toda matéria que tinha que estudar e todos os trabalhos que tinha que terminar.
Então depois de um caminho um tanto quanto turbulento – digamos apenas que não é o motorista mais paciente que já conheci – finalmente estávamos naquele famoso prédio. Tudo impecavelmente arrumado e equipado com a última tecnologia disponível. Meu irmãozão, como ele adorável chamar a si mesmo, cumprimentou diversas pessoas até que, depois de pegarmos o elevador, chegamos ao sétimo andar e ele me conduziu até a terceira porta no longo corredor. Assim que entramos, minha atenção foi imediatamente para aquele do outro lado do vidro que separava o cômodo em duas partes.
estava com os olhos fechados, uma mão sobre o fone em seu ouvido enquanto cantava sua parte do que provavelmente seria o próximo grande sucesso da banda. O som de sua voz rouca chegava em mim como ondas e não pude evitar o sorriso bobo. Sei que ele é um grande cantor e algumas vezes já tive o privilégio de ouvi-lo cantar em meu ouvido, mas a sensação era boa toda vez. Sempre me causava um arrepio bom. Talvez porque me recordava das vezes em que ele sussurrava uma música para mim e depois terminava com o beijo no ponto sensível atrás da minha orelha. Ou talvez só porque a voz dele fosse uma delícia de ouvir de qualquer jeito.
Continuei lá, parada e encarando-o como uma boba até que segundos depois seus olhos se abriram e seu olhar caiu sobre o meu. Um sorriso de lado apareceu em seu rosto e ele cantou as últimas duas estrofes:
- You and I. Oh, you and I.
Assim que ele terminou, uma voz grave e desconhecida soou bem ao meu lado:
- Muito bem, . Agora a outra parte!
Pulei de susto, o que fez com que caísse na gargalhada. Desviei a atenção para o dono daquela voz e encontrei um homem de meia-idade sentado na cadeira em frente ao painel cheio de botões dos quais eu desconhecia a utilidade. Ele tinha os cabelos entre o preto e o grisalho e uma barriga meio avantajada. Suas roupas consistiam em uma calça jeans e uma camiseta preta. Despojado.
, usando de um pouco de bom-senso, postou-se ao meu lado e falou para o homem:
- Ross, essa aqui é a – colocou o braço sobre meus ombros. – , esse é o Ross, o homem responsável pela mágica por trás dos nossos CDs. Também conhecido como nosso produtor.
- É um prazer – estendi a mão.
Ao responder meu gesto, pude perceber que seu olhar passeou pela perna engessada que meu vestido azul deixava à mostra.
- A famosa do ?
Senti minhas bochechas se colorirem, mas felizmente fui poupada de responder já que se intrometeu:
- Eu, particularmente, prefiro o título de “irmã mais nova do ”, mas esse aí também serve para descrevê-la – deu uma piscadinha para mim. – Não é mesmo, sis?
Ross soltou uma gargalhada.
- É um prazer conhecê-la, . Já ouvi falar muito de você. Garota corajosa – sacudiu a cabeça, o tom impressionado.
Eu nunca sabia o que responder quando as pessoas insistiam em trazer o quase acidente de Emily à tona outra vez.
- Qualquer um teria feito o mesmo – falei, baixinho e logo me apressei em mudar de assunto. – Vocês estão gravando uma música nova?
- Sim, linda – aquela voz rouca soou pertinho e senti o braço de ser empurrado para longe e imediatamente ser substituído pelo de .
Virei a cabeça e encontrei seu sorriso a poucos centímetros.
- Gostou?
Não conseguia pensar direito quando ele estava tão perto. Tão lindo.
- Gostei do quê?
- Da música.
- Ah! Sim. Gostei – sorri.
- Ótimo! – seu sorriso se alargou.
- ! – Ross nos interrompeu. – Já viu sua garota. Agora volte para lá! Nós não terminamos ainda.
resmungou alguma coisa que não consegui identificar e depois abaixou seus lábios sobre os meus em um beijo rápido.
- O dever me chama, amor. Você me espera?
Assenti.
- Vou embora com você. Não quero arriscar minha vida outra vez com o senhor Fúria Sobre Rodas ali – mexi a cabeça em direção ao amigo dele.
- Hey! Eu dirijo muito bem – o objeto de nossa conversa retrucou. - Os outros que dirigem mal.
Preferi nem mesmo responder tamanha inverdade. pareceu compartilhar da minha resolução e simplesmente sacudiu a cabeça para ele antes de me dar um beijo na bochecha e voltar para a cabine de gravação.
- Ainda vai levar uma meia-hora, . – Ross informou, o tom gentil. – Temos um sofá ali – apontou para o fundo da sala – se você quiser se sentar.
- Boa ideia. Obrigada – agradeci e me encaminhei para o confortável sofá vermelho de três lugares.
não demorou a se sentar ao meu lado.
- , eu não dirijo mal. Você sabe disso – juntou os lábios em um biquinho de pirraça.
- Claro que sei, big bro – dei umas batinhas em seu joelho. – Você só precisa trabalhar nessa sua raiva.
Ele arqueou a sobrancelha.
- Eu? Problemas para controlar a raiva? Talvez seja algo de família então – falou, enigmático, lançando-me um olhar condescendente.
- De família? Isso foi uma indireta?
Estava confusa.
- Não. Nada não – sacudiu a cabeça e se levantou. – Vou buscar um refrigerante. Quer alguma coisa?
- Quero uma Coca-Cola – coloquei a mão no bolso. – Espera. Vou te dar o dinheiro.
revirou os olhos e saiu andando. Soltei um muxoxo. Eles nunca me deixavam pagar nada. Absolutamente nada. Outro dia, quando precisei ir à livraria comprar um livro novo os sistemas cardiovascular e respiratório me deu uma carona e, assim que encontrei o que procurava, pegou-o da minha mão e literalmente correu para o caixa. Todas as minhas tentativas de pagá-lo de volta foram completamente ignoradas.
Queria poder pagar alguma coisa de vez enquanto. Sentia que estava abusando da boa vontade deles.
Sacudi a cabeça e peguei meu celular, pretendendo trocar algumas mensagens com Lorelai. Ela estava estranhamente quieta nesses últimos dias. Não cheguei a digitar a primeira mensagem antes de sentir que estava sendo observada. Levantei a cabeça e encontrei outro homem desconhecido me analisando atentamente. Esse, contudo, era bem diferente de Ross. Mais novo, o porte mais elegante – que se refletia em seu terno impecável e em suas calças e sapatos sociais – e muito mais sério.
Ele caminhou com passos determinado até mim e sentou-se no lugar que antes ocupava. Tive o pressentimento de que não gostaria de saber o motivo pelo qual ele estava ali – não que ele parecesse se importar o que eu queria.
- Você deve ser a . Eu sou Ethan. É um prazer conhecê-la pessoalmente.
Apertei sua mão estendida.
- Eu...
Eu estava intimidada, e isso cortava o fluxo normalmente bem eficaz entre meu cérebro e minha boca.
Engoli em seco e me concentrei, tentando pensar em um jeito educado de dizer que não fazia a mínima ideia de quem ele era.
- Eu sou o chefe da assessoria de imprensa dos garotos.
Assenti.
- Você sabe como a imagem é importante para todos os famosos, certo?
Assenti outra vez e procurei deixar meu rosto o mais impassível que consegui. Não queria que ele percebesse o quanto seu tom professoral estava começando a me irritar.
- E é por isso que estamos sempre de olho nas redes sociais tanto quanto monitoramos a impressa para uma medição mais precisa de como está à opinião do público sobre os meninos individualmente e sobre a One Direction em si. Foi assim que descobrimos o pequeno incidente na sorveteria semana passada.
Tive completa certeza de que a surpresa que aquelas palavras me causaram apareceu em meu rosto. Talvez por isso, Ethan completou:
- Aparentemente algumas fãs viram vocês lá e tiraram algumas fotos do que depois pareceu ser uma discussão. Quando vocês estavam caminhando para o carro de . Felizmente ninguém foi capaz de ouvir sobre o que vocês falaram, mas havia várias ideias no twitter sobre uma possível briga a respeito das fãs deles. Sobre você estar com ciúmes ou alguma coisa assim. Claro que não foi isso que aconteceu – seu tom condescendente por de trás daquelas palavras dizia que ele sabia que fora exatamente aquilo que aconteceu, mas que estava sendo gentil o suficiente para fingir que não.
- É. Não foi isso – murmurei como uma idiota.
- Sim, é claro – assentiu. – Mas esses pequenos boatos falsos podem crescer e virar um desastre de grandes proporções, o que seria péssimo para todos nós.
Não estava seguindo o raciocínio dele. Não entendi o porquê de toda aquela conversa. Ele queria que eu me afastasse dos meninos? Meu coração falhou uma batida só com o mero pensamento dessa possibilidade.
Não queria me afastar deles. Não agora... e provavelmente nunca mais.
- Não me entenda mal – continuou, totalmente alheio a minha crise de pânico interna. – Nós achamos ótimo quando um deles está namorando e ela é aprovada pelos fãs.
- Não estamos namorando – corrigi automaticamente.
Lançou-me um olhar impaciente.
- Sim, sim. Que vocês tenham seja lá o que vocês jovens chamam hoje em dia – sacudiu a mão em um gesto de descaso. – Como estava dizendo, nós achamos bom isso. Geralmente resulta nos meninos mais contentes, inspiração para músicas e mais publicidade ainda. O problema começa quando aqueles pequenos boatos que mencionei surgem. Eu vi que você tem uma conta no twitter – falou, de repente.
E eu fiquei ainda mais confusa. O que o meu twitter tinha a ver com todo aquele discurso sobre o bem maior da One Direction?
- Sim, eu tenho.
- Mas você quase nunca o usa.
Não havia uma pergunta ali, então não me incomodei em responder.
- Senhor, eu não estou entendo o caminho dessa conversa.
- Direta. Gosto disso. Pois bem. Tenho certeza que uma garota esperta como você já percebeu que sua vida privada não é mais tão privada. E há certos sacrifícios que precisam ser feitos uma vez que você se torna parte do círculo íntimo da maior boyband do mundo.
- Você está tentando dizer que não posso sair em público com eles, é isso?
Ele arqueou a sobrancelha em resposta ao meu tom agressivo.
- Não, jovem. Não é isso que estou dizendo. O que eu estava esperando que você pudesse fazer é usar mais as redes sociais, principalmente o twitter. Isso te mostra como alguém mais acessível, mais... usando termos bem simples... mais legal. E isso gera boa publicidade. Está me entendendo, ?
Assenti. Não parecia de todo tão ruim. Mesmo eu não gostando que me digam o que fazer.
- Posso fazer isso.
- Ótimo – levantou-se. – Muito bem – caminhou alguns passos antes de se virar para mim. - Estaremos de olho então – dessa vez o sorriso dele não estava ali e o tom era um pouco mais ameaçador do que deixava qualquer pessoa confortável. – Para ter certeza de que tudo está correndo conforme o planejado.
Definitivamente uma ameaça.
Não desviei o olhar. Não mostrar medo.
“Não deixe que eles saibam que te intimidam. Essa é a primeira vantagem deles”, era o conselho de tia Claire. E ela está certa. Claire Hardy está sempre certa.
Seus lábios se levantaram em um pequeno sorriso e por um segundo pude ver admiração em seus olhos antes de ele me dar as costas e deixar o cômodo.
Lancei um olhar sobre Ross para ver se ele tinha presenciado toda aquela situação, mas o homem estava totalmente concentrado em seu próprio trabalho.
Não que isso fizesse diferença.
Com poucas palavras, o tal Ethan conseguiu estragar meu dia. Meu dia leve e descompromissado havia acabado de se tornar um dia para analisar problemas que eu nem sabia que tinha. Aquele, contudo, não era o lugar para isso, e foi por essa razão que guardei o celular no bolso e forcei um sorriso quando se aproximou trazendo meu refrigerante.
Foi por isso também que murmurei uma resposta vaga qualquer quando ele me perguntou se estava tudo bem.
Virei para o lado e fingi prestar atenção em cantando. Nenhuma nota, contudo, penetrou em meu cérebro. Triste esses momentos da vida em que as preocupações obscurecem a arte.

xxx

Em nossa viagem de volta para casa, consegui evitar todas as perguntas feitas por sobre o porquê de eu estar tão calada. Felizmente tinha ficado no estúdio para gravar. Inquisição feita por um só já era ruim o suficiente, dois inquisidores e eu terminaria com uma dor de cabeça. Eles iriam me espremer até conseguir algum tipo de resposta, o que era justamente o que não queria, visto que o problema era meu e não fazia qualquer sentido preocupá-los.
De alguma maneira consegui convencê-lo de que eu estava bem e de que ele precisava ir atrás de aquela noite para ter a conversa que estávamos adiando faz tempo. Pelo menos não o mandei para longe por um motivo fútil. Estava realmente preocupada com . Ele estava cada mais se fechando em si. Era completamente horrível assistir seu amigo se afastar cada vez mais de tudo. Não que fosse uma mudança brusca. Na verdade, era bem sutil – tão sutil que os meninos pareciam nem perceber. Homens não percebiam essas coisas, mas eu podia ver claramente. Assistir de camarote a esse distanciamento acontecendo a cada vez que ele não aparecia para um jantar ou todas as vezes que ele passava alguns minutos encarando o vazio.
Infelizmente eu sozinha não estava conseguindo ajudá-lo.
Droga!
Eu não estava nem mesmo conseguindo entender o que estava acontecendo. não me contava. Era por isso que precisei envolver os meninos. Só esperava que conseguisse arrancar a verdade ali.
Balancei a cabeça e me sentei na cama, colocando as muletas ao lado. Tantos problemas e um único dia. Era como se um problema puxasse o outro. Foi só surgir aquilo com Ethan e imediatamente estava de volta àquela questão com .
Desgraça pouca é bobagem.
Soltei o ar pesadamente. Não havia mais o que fazer a respeito de meu amigo – pelo menos não até que voltasse com novidades, então era hora de cuidar da minha outra preocupação.
Puxei o meu iPhone e me conectei no twitter. Imediatamente meus olhos se arregalaram. Mais de um milhão de seguidores.
UM. MILHÃO.
E isso era ainda mais surpreendente levando-se em conta o fato de que eu havia mandando um total de dois tweets, os quais, aliás, acabei de descobrir que haviam sido reproduzidos mais de dez mil vezes.
Ok. Engolindo a surpresa, cliquei nas notificações e – surpresa de novo – haviam centenas delas. Mirei as primeiras para responder.

@drathirteen onde você compra suas roupas?
Oi, @itsmyname eu compro em vários lugares diferentes, mas adoro as roupas da #Ments
@drathirteen diga olá para Itália, por favor. Eu te amo.
@queenme Olá, Itália. Minha melhor amiga é metade italiana. Haha País do coração <3
Por que você some, @drathirteen? Para que twitter se não usa? Queria tweets.
@LucyH desculpe o sumiço. Prometo tentar aparecer mais por aqui.
@drathirteen você é linda demais! Você e o seriam o casal mais lindo do mundo.
@luluzherin muito obrigada. Você é linda também. Hahaha e eu somos apenas amigos.
Conta pra gente @drathirteen se o dorme de meias.
@iftheysay HAHAHAHA boa pergunta. Vou perguntar para ele e te conto.

E havia várias assim. E cada era uma surpresa maior. Perguntavam-me o que eu comia, o que eu vestia, o que eu gostava de fazer e outros detalhes assim. Não entendia o interesse sobre a minha vida, mas passei mais de uma hora respondendo às perguntas desse tipo, acreditando que logo terminaria. Contudo, a cada tweet que eu respondia, outros três surgiam. Tentei também responder algumas curiosidades inofensivas quanto à vida dos garotos. A bateria do meu celular já estava no limite quando resolvi parar.
As respostas dadas e a quantidade delas deviam ser o suficiente para deixar Ethan satisfeito e, olhando por outro lado, isso de Twitter até que havia sido uma experiência interessante. Descobri que, de fato, várias pessoas estavam interessadas na minha vida. Algumas delas eram muito gentis e diversos profiles denominados “Summer uptades” haviam sido criados. Um deles, aliás, tinha, além de fotos minhas que nunca percebi terem sido tiradas e outras informações triviais sobre minhas aulas, minha cor favorita, onde eu nascera no Brasil. Meus olhos se arregalavam um pouquinho mais a cada vez que lia um conhecimento sobre a minha pessoa sendo estampado nas páginas da internet. Se eu fosse um pouquinho paranoica, ficaria com medo, mas tinha coisas mais importantes com quais me preocupar – e entendia que era uma maneira de mostrar afeto.
É claro que nem tudo eram flores. Havia muitas pessoas que adoravam insultar outras a troco de nada com palavras como “@drathirteen vadia. Se aproveitando da grana dos meninos” ou “@drathirteen sua biscate gorda, volte para sua casa e pare de incomodar o ” ou ainda “Prostituta @drathirteen Aposto que empurrou a Emily na frente do carro só para depois posar de herói”. E também havia aqueles que tinham certeza que eu estava em um relacionamento a três com e : “@drathirteen dando para dois ao mesmo tempo. Vadia sortuda”
Seria cômico não fosse trágico. Ou talvez fosse cômico e trágico. Cômico porque eu não me importava com nenhuma daquelas acusações ridículas ou com aquelas grosserias gratuitas. Há muito tempo renunciei a esse luxo de me importar com a opinião alheia, o que, de certa forma, era meio óbvio visto que não teria aceitado me mudar para a casa de dois caras que não são meus familiares se me preocupasse com boatos.
E era trágico pensar que várias pessoas desperdiçavam horas de seus dias pensando em insultos e jogando-os contra quem eles nem mesmo conheciam pessoalmente. Triste pensar o quanto isso poderia afetar alguém que se importasse.
Arqueei minhas costas cansadas e peguei o livro que havia deixado ali ao lado, sobre a cama, quando aparecera com aquele papo de irmos ao estúdio. A internet já me cansara demais hoje.
Melhor me concentrar na boa e velha farmacologia. Por pior que a matéria fosse, ao menos ela não iria me pressionar – como Ethan – ou me ignorar – como – ou, pior ainda, me encher de insultos vazios – como dezenas de pessoas desconhecidas.
Em um evento até então praticamente inédito desde que me mudara, consegui terminar de ler os capítulos e fazer os exercícios da matéria que precisavam ser feitos sem que ninguém aparecesse para me interromper. Fechei o caderno e peguei as muletas para buscar um pouco d’água na cozinha. Estava encostada na ilha, o copo esquecido encostado nos lábios enquanto encarava o vazio sem pensar em nada quando ouvi a porta da frente se abrir e logo depois meu nome ser chamado por .
Franzi o cenho. Não se lembrava de ter combinado nada com .
Coloquei o copo sobre o balcão e fui até a sala. A visão que lá me esperava era, no mínimo, surpreendente. estava empurrando um risonho para se sentar no sofá – ou pelo menos essa parecia ser a intenção, mas acabou caindo deitado de lado sobre as almofadas. lançou um olhar frustrado sobre o amigo e levantou a cabeça, sua atenção caindo em mim.
- ! – chamou, aliviado. – Acho que nunca fiquei tão feliz por vê-la!
Meu nome deve ter chamado a atenção de porque ele levantou precariamente a cabeça e exclamou com um sorriso:
- Amor!
Sua voz estava embargada.
Bêbado.
Voltei a olhar para e arqueei a sobrancelha em uma pergunta silenciosa.
- Sei lá o que aconteceu – deu de ombros. – me ligou e disse que e estavam se embebedando na casa dele e se recusavam a ir embora. Então fui lá buscar esse aí enquanto colocava para dormir. Mas agora esse aqui é seu problema.
- E como exatamente você quer que eu o coloque na cama? – lancei um olhar significativo para minha perna engessada.
- Ah! Esqueci-me disso. Você quer que eu-
- , le-lembra aquela vez que colocaram gelatina na sua bota? – interrompeu. – FUI EU! – gritou, achando tudo muito engraçado.
O rosto de se fechou em uma careta.
- Acho que ele merece ficar aqui mesmo. Nada melhor que uma dor nas costas para curar a bebedeira.
Assenti, tentando conter a risada.
- Até depois, – começou de costas para a porta. – Ah! E se você puder, evite conversar com ele. tem a tendência a uma brutal honestidade quando está bêbado – virou-se e rapidamente saiu do apartamento.
Acho que ele mesmo não queria ter que lidar com essa sinceridade toda.
Revirei os olhos e fui me sentar ao lado no pequeno espaço do sofá que não ocupava. Ele não perdeu tempo para descoordenadamente colocar a cabeça no meu colo. Abaixei a vista e encontrei-o me encarando e sorrindo.
- Oi, amor.
- Oi, – não pude evitar sorrir também.
Suas bochechas coradas e os olhos meio fechados o deixavam adorável.
- O que aconteceu? – perguntei, passando os dedos por seu cabelo.
- Aconteceu onde? – murmurou, distraído, fechando os olhos.
- Na casa do , bobo.
- ! Be-bebidas.– tropeçou na palavra. - Muitas bebidas aconteceram na casa do . O levou uma tequila que ele comprou no México a última vez que... – as palavras foram abaixando até sumirem.
- A última vez que o quê? – puxei seu cabelo de leve para que ele prestasse atenção em mim.
- Que o quê? – perguntou, confuso, abrindo os olhos e olhando para os lados.
Respirei fundo. Melhor esquecer aquela pergunta. Ele não estava em condições de responder muita coisa e eu queria me concentrar – ou fazê-lo se concentrar – naquilo que era mais importante.
- O que aconteceu na casa do ? Além das bebidas – completei quando percebi que ele iria falar sobre o álcool de novo.
- ‘tava lá.
Acho que, além de sincero, era um bêbado disperso.
- Sei – murmurei, desistindo de saber o que aconteceu enquanto ele estava naquele estado. - E o que mais vocês fizeram?
- Videogames! – falou, animado, mas logo a animação deu lugar a um franzir de cenho. – ganhou todas. Ele é chato – juntou os lábios em um biquinho.
Suprimi um “onw” e abaixei a cabeça para dar-lhe um beijo rápido e desfazer aquele bico. Senti o gosto inconfundível de vodca.
- Volta aqui, amor – tentou colocar a mão na minha nuca e me puxar de volta para si, mas sua coordenação não estava firme o suficiente para tanto.
O máximo que ele conseguiu foi bater a mão na minha testa.
- Ai! – resmunguei de brincadeira.
- Oops – riu. - Desculpe, amor. Vem aqui para eu dar um beijinho para sarar.
Revirei os olhos.
- Você é que está precisando ficar bem. Vai ter uma dor de cabeças daquelas amanhã. Que tal dormir um pouco?
- Mas eu não terminei de contar o que nós fizemos.
Tinha mais?
- Ok. Então me conta.
- Teve videogame e depois pizza.
Um típico dia de garotos então. Espero que isso não o tenha distraído do seu objetivo.
- Que legal – murmurei, distraída, olhando os fios de seu cabelo deslizaram por entre meus dedos.
- Não foi tão legal.
- Não? Por quê?
- Porque eu fiquei com saudades.
- Saudades do ?
Esses dois pareciam grudados. Um não podia ir a nenhum lugar sem o outro.
- ? Não! Você é boba, – soltou um risinho.
- Não ri de mim, seu bêbado – dei um beliscão do seu braço, rindo também. - De quem então?
- Da minha linda – dessa vez ele conseguiu entrelaçar a mão no meu cabelo e me puxar para baixo. – Linda, linda, linda – murmurou várias vezes baixinho contra meus lábios antes de me dar um beijo.
Mesmo alcoolizado, ele conseguia beijar muito bem. Soltou um resmungo quando me afastei.
- Também fico com saudades, bobo. Mas agora é hora de dormir. Amanhã nós conversamos mais.
- Mas, ....
E esse foi o primeiro de alguns resmungos e de várias tentativas de me fazer permanecer no lugar. Só depois de algum esforço – e graças ao fato de suas forças não estarem em seu potencial total – consegui me levantar e convencê-lo a ficar deitado no sofá.
- , amanhã você me beija de novo? – perguntou quando me abaixei uma última vez ao lado dele para depositar um beijo de boa noite em sua testa. - Eu gosto quando você me beija – falou preguiçosamente quando me levantei. – Gosto muito.
Sorri em resposta.
- Também gosto – murmurei depois de um tempo, mas ele já tinha fechado os olhos.
Talvez estivesse dormindo.
Dei-lhe as costas e estava prestes a sair da sala quando ouvi:
- Gosto muito. Gosto muito de você, . Acho que...
Meu coração parou por um segundo esperando que ele completasse aquela frase, porém, felizmente, o cansaço pareceu tê-lo vencido. Ainda meio sem fôlego por causa das últimas palavras dele, caminhei cegamente até o quarto, onde me revirei a noite inteira. Apenas alguns minutos de sono foram tudo que consegui. No outro dia acordei no mesmo horário de sempre, o que era uma porcaria já que obviamente não tinha dormido o suficiente e aquela era a manhã feita para dormir até mais tarde. Dia de aulas vespertinas, afinal.
Havia coisas demais da minha cabeça, contudo. Pensamentos demais zunindo de um lado para o outro para permanecer deitada. Precisava me distrair. E foi por isso que levantei e fui para cozinha. Dessa vez não estava lá – provavelmente com ressaca demais para se levantar e preparar o café-da-manhã como todos os dias - então me pus a cuidar dessa tarefa. Estava terminando as panquecas quando , com os olhos entreabertos e o cabelo mais bagunçado do que o normal, entrou na cozinha. Mesmo minha atenção tendo se focado em seu tórax nu e em suas calças de moletom que se segurava precariamente em sua cintura, os ecos de ontem à noite se fizeram presente em minha cabeça.
Piscando algumas vezes para voltar ao foco, dei-lhe as costas e me concentrei em tirar as panquecas prontas da frigideira e colocá-las em um prato. Senti ele se aproximar.
- Bom-dia, amor – deu um beijo em minha bochecha antes de se afastar para abrir a geladeira.
- Oi – respondi, desligando o fogo e colocando o prato sobre a mesa. – Como está sua cabeça? Doendo muito?
- Muito – resmungou, abrindo uma garrafa d’água e tomando o líquido ali direito, sem copo. – E minhas costas também. Achei que nosso sofá fosse melhor para dormir.
- Era o esperado. Já tomou um remédio?
Assentiu devagar.
- Ok. E agora você pode me contar o que aconteceu para você chegar em casa carregado ontem?
Nenhum tipo de acusação ali, apenas uma pergunta.
- Ah! Então aquilo foi verdade. Achei que só tinha sonhado com você – respondeu depois de abaixar a garrafa, as bochechas um pouco coradas. – Que vergonha. Por favor, não me diga que falei demais ontem.
- Ouvi sobre essa sua tendência à verdade induzida pelo álcool. Mas não se preocupe. Você não falou nada demais.
- Ótimo – murmurou, aliviado antes de tomar mais um pouco de água.
- Mas fiquei sem saber o que aconteceu ontem – falei, apoiando a mão sobre uma das cadeiras. – O plano funcionou?
- Não exatamente - ele passou a mão pelo rosto. – Eu chamei para ir lá também para não ficar muito óbvio que tinha ido caçar informações. Acontece que meu plano de embebedar só o deu totalmente errado assim que apareceu com aquela garrafa de tequila. Eu gosto de tequila, gosto muito. E eles sabem, então não tinha como falar que não queria beber. Ainda mais aquela. Uma mexicana que ele comprou na nossa última viagem. Muito boa.
Assenti, rindo.
- Entendi o problema com a execução, mas e quanto aos resultados?
- Estou chegando lá, apressadinha – caminhou até onde eu estava e apertou meu nariz. – Paciência é uma virtude.
- Nunca foi minha virtude favorita.
- Ah é? E qual seria então?
- Castidade – abri um sorrisinho sarcástico.
arregalou os olhos em horror.
- Nem brinca com isso, amor.
- Então, a não ser que você queira pagar para ver, ou, melhor, pagar para não ver, acho bom começar a falar sobre o que eu estou perguntado. Detesto esses suspenses.
- Você é malvada, – se jogou em uma cadeira com uma careta.
Arqueei a sobrancelha. Ele revirou os olhos, mas começou a falar:
- Ok. Pulando os detalhes, já que você está tão ansiosa – enfatizou. – Consegui arrancar algumas poucas informações.
- Ok...
- Descobri que o que está incomodando não é o casamento.
- Não? – me inclinei sobre a cadeira em direção a ele, totalmente surpresa.
- Não – sacudiu a cabeça e começou a se servir de um pouco dos ovos e bacon que preparei. – Ele disse que está tudo bem com a tal ex que agora vai ser irmã dele... qual o nome dela mesmo? – enfiou uma colherada de bacon na boca enquanto pensava. – Ah! Georgia... não, não – engoliu a comida. – Georgina! Disse que não tem nenhum problema com a Georgina, que até são amigos.
- Mas então o quê?
- Tentei especular sobre a Kim então, mas isso não deu muito certo. Ele ficou bem irritado e começou a fumar, parou de beber e ficou resmungando coisas desconexas. E, quando eu o pressionei um pouquinho mais, ele começou a falar algumas coisas. Falou que... – parou no meio da frase, ficando sério de repente.
- Falou o quê?
me olhou nos olhos e levou o copo de suco de uva – que há pouco havia enchido – aos lábios. Era um claro artifício para ganhar tempo.
Não estava gostando do rumo que aquela conversa estava tomando. O ar na cozinha tinha ficado mais pesado, mais sério. Tinha o pressentimento muito concreto de que não iria gostar de sua resposta e por um segundo desejei poder retirar a pergunta.
- Felizmente apareceu lá e me trouxe para casa antes que eu pudesse responder. Porque provavelmente teríamos brigado. Não tenho muita paciência quando estou naquele estado.
- Responder o quê?
- disse que eu estava sendo muito intrometido e que eu não tinha esse direito porque... – outra vez se interrompeu.
- Fala de uma vez, ! – exclamei, exasperada.
O medo do desconhecido era pior do que o arrependimento de perguntar o que não devia. E nunca fui covarde. Queria respostas.
Ele respirou fundo e olhou para o lado.
- Disse que eu não tinha o direito de ficar me intrometendo nos assuntos dele quando o que nós dois temos – voltou seu olhar para o meu – é tão confuso.
- Confuso?
- É... Nós... não sei. Mas entendi o que ele quis dizer. Não somos namorados, mas somos mais do que simples amigos que se pegam.
Era exatamente o caminho que achei que essa conversa estava tomando. O caminho que temia que ela tomasse. Senti meus ombros travarem de tensão e minha respiração começar a sair aos trancos.
- Eu não quero que as coisas fiquem confusas – passou a mão pelo cabelo. – Você é importante para mim, .
Por favor, não. Por favor, não diga o que estou pensando que você vai dizer.
Meu coração estava disparado.
- , eu quero o poder te chamar de minha namorada. Quero que sejamos oficiais. Então... – abriu um sorrisinho sapeca – quer ser minha namorada?
E o pânico que senti ao ouvir aquelas palavras foi tão grande que a bile subiu a minha garganta e por um segundo o mundo ao meu redor escureceu.

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{N/A:Esse capítulo é dedicado a Luara Zambon – que teve a incrível ideia de me mostrar os looks que ela imagina para a Summer; a Valéria Aleixo – que criou looks incríveis para Summ; e a Kalini – que também foi lindamente participar dessa ideia. Muito obrigada. Vocês são lindas.}


Capítulo 20


Se não estivesse com a perna engessada, agora provavelmente estaria andando em círculos em uma típica e um tanto quanto clichê maneira de tentar aliviar a impaciência. Como essa opção estava inviável no momento, tive que me contentar em bater a mão repetidamente contra a coxa enquanto olhava o tic-tac do relógio de cabeceira de Mark. Não entendia a demora de Lorelai. Eu havia dito para Mark encontrá-la e mandá-la para casa – dele - com urgência. Precisava de em um lugar privado para conversar e o elevador do dormitório dele funcionava.
Tive que me segurar para não pular para ficar em pé quando ouvi o barulho da maçaneta girando. Também contive o sermão sobre se atrasar para uma emergência quando vi que ela carregava cinto sacolas de compra verdes com um emblema redondo no meio que imediatamente reconheci como sendo da loja Mints.
- Que diabos é isso?
Lorelai manteve a cabeça baixa, concentrada em passar todas as sacolas pela porta enquanto falava:
- Você que me explique – colocou algumas sacolas no chão. – Eu cheguei em casa e tinha isso aqui me esperando na porta no nosso apartamento. Tem um cartão com o seu nome em uma delas – soltou as outras sacolas que faltavam. – São todas suas. E todas lotadas de roupas.
Blake mexeu os braços um pouco para aliviar o peso que as sacolas deveriam ter causado.
- Quando Mark me mandou uma mensagem dizendo que você queria me ver aqui, resolvi trazer essas porcarias – chutou uma das sacolas e ignorou meu murmúrio de protesto por seu gesto. – O que obviamente foi uma péssima ideia. Elas estão muito pesadas. Depois você pede para Carter levar isso para um dos cinquenta carros dele.
Senti um puxão desconfortável em meu peito.
- não tem cinquenta carros – murmurei. – E não foi ele quem me trouxe ou quem vai vir me buscar.
Aquilo fez Lorelai levantar a cabeça e me encarar com um olhar desconfiado. Também foi só então que realmente prestei atenção nela. Seus cabelos que antes eram completamente pretos, agora estavam mais claros em um tom acastanhado e com alguns fios amarelados. Suas roupas pretas também deram lugar a um vestido branco om detalhes vermelhos até os joelhos com um colete jeans sem manga sobre ele. Botas marrons sem salto e de cano baixo completavam o visual.
Ah! Uma nova fase então. Já estava demorando para que ela deixasse a fase punk. Infelizmente, ao que parecia, seu humor ainda não tinha mudado para o modo hippie.
- Por quê?
- Por que você aderiu ao estilo hippie de novo?
- Não seja ridícula. Isso – passou a mão pelo vestido - não é hippie, é boho chic. Eu nunca repito um visual. E não fuja da minha pergunta. Por que Nick não te trouxe hoje? E quem te trouxe então?
- .
- O esquisito?
- Hey! Ele não é esquisito. Ele é só... na dele. Quieto.
- Quando eu os conheci, ele era “quieto” e “na dele” – fez o sinal de aspas os dedos indicador e médio –, agora ele é só esquisito mesmo.
Ela tinha razão. estava me deixando mais preocupada a cada dia, mas infelizmente tinha outros problemas mais imediatos me corroendo agora.
- não faz perguntas. Por isso ele me trouxe – voltei a sentar na cama.
De repente toda aquela carga emocional que estava se acumulando nos últimos dias caiu sobre mim.
- E por que você está evitando perguntas? – caminhou até sentar-se ao meu lado. – Que foi que aconteceu?
Soltei um suspiro pesado, pensando em uma maneira de resumir tudo.
- Foi o Carter, não foi? O que ele fez? – levantou-se outra vez. – Eu vou ensinar-lhe uma coisa ou outra... ele vai ver só – já estava a meio caminho da saída quando consegui me levantar e me interpor entre ela e a porta.
- Lorelai, não. Sério. Ele não fez nada errado – falei, odiando o quão baixo minha voz soava.
Blake, em silêncio, me olhou longamente por alguns segundos antes de soltar um suspiro e sentar na cama, gesticulando para que eu ocupasse o lugar ao seu lado. Depois que voltei a me sentar, não nos encaramos. Eu estava olhando para o espaço vazio na minha frente, encarando um ponto qualquer enquanto meus pensamentos viajavam a uma velocidade rápida demais para ser confortável. Lorelai estava em uma posição parecida, mas sei que ela apenas esperava por alguma manifestação minha.
Fiquei grata por ela não me pressionar.
Não sei quanto tempo ficamos ali envoltas naquele silêncio. Para ser bem sincera, eu não queria falar. Nunca quis falar, não sobre esse tipo de coisa. Não sobre meus problemas. Contudo, minha resolução de não me envolver demais com alguém já tinha ido para o espaço assim que e eu começamos... o que tínhamos.
Soltei um suspiro.
- Ele me pediu em namoro – engasguei nas palavras.
- Pediu você em namoro? Mas vocês já não estavam namorando?
Continuei mantendo minha vista no nada.
- Não. Nós não estávamos namorando.
- Sério? Porque não parecia que vocês não estavam namorando. Podia jurar que era o contrário, na verdade.
- Eu realmente não preciso das suas ironias agora, Blake.
- Ok, ok. Você está certa. Desculpe.
Mais alguns segundos quietos.
- Mas se ele pediu para oficializar tudo, por que você está assim?
- Eu... eu...
Eu não conseguia explicar. As palavras não saiam. Não o motivo, mas ao menos conseguia explicar as objetividades da situação.
- – colocou a mão sobre meu ombro, apertando-o de maneira reconfortante. – , o que aconteceu?
- Eu não respondi – murmurei, olhando, agora, para minhas mãos.
- Como assim você não respondeu? Você deixou Carter falando sozinho? – deu uma risadinha, provavelmente pensando que aquela alternativa era tão ridícula que merecia uma risada.
Respondi com uma estremecida. Não tinha orgulho de ter feito aquilo.
- Ai meu Deus! Você o deixou falando sozinho! – o tom dela passou para abismado, o que não fez nada para que eu me sentisse melhor.
- Eu congelei, ok? Eu congelei! Não esperava por aquilo. Entrei em pânico e passei a evitá-lo desde então.
- O que você quer dizer com “desde então”?
- Faz dois dias – murmurei, sentindo uma pontado no meu peito ao pensar que fazia tanto tempo que não o via.
- Dois dias? – engasgou. – Você deixou isso cozinhar durante dois dias?
- Não foi minha opção! Eu tentei falar com ele, mas não quis ouvir.
- Falar sobre esse fiasco?
- Não! – exclamei, horrorizada. – Não sei... – esfreguei a mão sobre a testa.
- É claro que ele não iria querer falar sobre qualquer coisa, ! Óbvio que ele não iria querer falar sobre o tempo ou sobre a faculdade - a incredulidade era tanta que por vezes sua voz falhava.
Aquelas palavras fizeram com que eu me virasse para ela, franzindo o cenho.
- Como você sabe que eu tentei falar sobre outro assunto?
- Porque eu conheço minha melhor amiga. E você está errada, .
- Mas pelo menos eu tentei! Eu o procurei para tentar consertar as coisas e ele me ignorou.
- E com razão! O cara te pediu em namoro. Tem noção de quanta coragem precisa para isso? E o que você fez? Não respondeu, evitou-o e depois fingiu que nada tinha acontecido. Carter tem todo o direito de estar chateado, de estar machucado.
Olhei para baixo, sentindo-me ainda mais culpada do que antes.
- Não quero que ele fique chateado, mas você sabe que nunca gostei de rótulos. Estava tudo tão perfeito, tão certo e agora ele quer estragar tudo – o bolo na minha garganta fazia com que as palavras saíssem cortadas.
- “Estragar tudo”? – repetiu, surpresa outra vez. – , olha aqui. Olha para mim – colocou a mão sobre as minhas.
Soltei um suspiro antes de fazer o que ela pedia.
- , amiga, como assim estragar tudo? – agora seu tom era gentil, como se estivesse falando com um gatinho assustado. – Ele te pediu em namoro. Quer tornar tudo mais firme entre vocês, tudo oficial, certo. Como isso pode ser errado?
Olhei para o teto, estava tão triste, tão drenada que não tinha nem vontade de chorar.
- É... complicado, Lorelai.
- Eu sei que é – apertou minha mão de maneira reconfortante. – Fale comigo, me conta. Para que eu entenda.
Não.
Eu não falava sobre isso. Com ninguém. Nem mesmo com ela.
Sacudi a cabeça.
- Ok, tudo bem. Não precisa me contar. Não para mim, mas você precisa falar com ele. Carter merece uma explicação.
Ela tinha razão. Meu peito só pesava um pouco mais a cada segundo.
Deitei minha cabeça no seu ombro e o silêncio caiu sobe nós outra vez. Agora, contudo, sentia-me um pouquinho melhor do que quando tinha chegado. Era por isso que amizade era importante.
Não sei quanto tempo ficamos paradas, quietas e olhando para o vazio. Ou quantos minutos se passaram enquanto Lorelai falava alguma coisas genéricas e avulsas para tentar me distrair. Só dei-me conta da passagem do tempo quando me ligou para perguntar se eu estava pronta para ir para casa.
Minha melhor amiga ainda perguntou se queria ficar ali, disse que poderíamos dormir na casa de Mark e expulsá-lo para nossa casa. “Uma noite das garotas, sem problemas”, ela disse, mas neguei depois de agradecer. Podia até ter me tornado uma covarde, contudo, não era uma fugitiva. Não tinha chegado a um ponto tão baixo. Pelo menos não ainda. Blake, então, carregou as sacolas – que insistiu que eu deveria dar um jeito porque elas ocupavam espaço e tinham o meu nome - pelo elevador e até o carro esportivo de . Despedi-me de minha amiga apenas com um sorriso fraco antes de me acomodar no banco de couro.
Pensei de maneira não relevante que, entre todos os carros incríveis dos meninos, estava ficando mal-acostumada em relação a automóveis.
e eu não trocamos nenhuma palavra durante o percurso inteiro, os dois absortos em seus próprios problemas. Parte de mim – a parte que se preocupava com os amigos – queria perguntar o que havia de errado com ele, mas seria hipocrisia demais, pois não queria ouvir a mesma pergunta de volta.
Só quando estávamos no elevador é que o clima ficou esquisito demais, então finalmente paramos de evitar o olhar um do outro e resolveu quebrar a quietude:
- Comprou bastante coisa, hein – murmurou, olhando para as diversas sacolas da Mints em suas mãos, sacolas que ele insistira em carregar todas.
- Na verdade, eu não comprei nada – falei tão baixo quanto ele. – Para ser bem sincera, não sei o que é isso tudo. Lorelai disse que apareceu lá em casa. Mencionou também que tem um bilhete – olhei por cima das sacolas.
- Acho que é esse aqui – ele se abaixou um pouco e fez um malabarismo para enfiar a mão esquerda em uma das sacolas e puxar um pedaço de papel timbrado com a logomarca da loja.
nem mesmo tentou ler o que estava escrito, imediatamente me estendo o objeto.
- Hmm... – murmurei enquanto passava os olhos pelas letras ali e senti meus olhos se arregalarem.
- Bom, - tossi para limpar a surpresa da garganta, - aqui está dizendo “Querida, senhorita , ficamos muito satisfeitos em saber que a senhorita aprecia nossa marca, por favor, aceite algumas peças de nossa nova coleção ainda não lançada. Sentir-nos-íamos muito honrados se você as aceitasse. Com admiração, atenciosamente, Addie Mints” – quase não consegui terminar de ler as duas últimas palavras já que meu queixo deveria estar em algum lugar perto do chão.
Levantei a cabeça e encontrei com um raro sorriso.
- Addie Mints? – aquilo saiu em um meio-termo entre um sussurro e um grito. – A Addie Mints? Addie Mints me mandou uma carta escrita à mão! – franzi o cenho e abaixei a vista para o papel outra vez. – Por que Addie Mints me mandou uma carta e roupas?
- Vou arriscar e dizer que você deve ter mencionado em algum lugar que usava roupas dessa marca.
- Como você- Sim! – sacudi a cabeça, concentrando-me no mais importante. - Perguntaram-me sobre isso no twitter e eu respondi.
- Então está explicado! Isso – levantou as sacolas. – É o que eles fazem. Você agora é uma de nós, alta exposição midiática e tudo mais. Assim eles dão presentes para ganhar a propaganda que não podem comprar.
Pisquei devagar, tentando absorver tudo.
- Mas eu não sou famosa. Eu não consigo influenciar ninguém ao ponto de grandes marcas me darem presentes. Muito menos tantos presentes – gesticulei para as diversas sacolas. – E também não sei se quero ganhar essas coisas. Não quero dever favores a ninguém. Vou devolver tudo.
- Não precisa devolver, sério. É você quem está fazendo um favor para elas. Se gostar, fique com as roupas. Se não gostar, doe – deu de ombros. – É isso que fazemos.
- Mas... – murmurei bobamente, mas a porta do elevador se abriu, anunciando nosso andar.
- Não fique se preocupando com isso, . A vida tem problemas bem maiores para nos estressarmos.
E, com aquelas palavras sábias, caminhou até abrir a porta da minha casa e gesticular para que eu entrasse primeiro. Ele perguntou se queria que deixasse tudo no meu quarto, mas neguei. Então, com um sorrisinho fraco, meu amigo se despediu e foi embora.
Soltei um suspiro, encarando a madeira da porta pela qual ele havia acabado de passar. Precisava de um pouco d´água, minha garganta estava seca. A caminhada para a cozinha foi interrompida, contudo, por saindo do corredor que dava para os quartos. Foi como um daqueles momentos de filmes. Nós paramos no meio do caminho e ficamos alguns segundos em silêncio, nos encarando.
A diferença era que apostava que nos filmes os personagens não se sentiam tão... mal. Tinha certeza de que o estômago da mocinha não revirava de maneira tão horrorosa e que os olhos do mocinho não ficavam tão vazios.
Pois era assim que estávamos agora. Queria me encolher pelo jeito como me encarava, como se eu fosse uma desconhecida. sempre me olhava com carinho, mesmo quando discutíamos. Agora, contudo, não havia nem sombra daquele sentimento ali. Aliás, era como se não houvesse sentimento nenhum. Nada.
Vazio.
- ... – sussurrei.
- Sim? – sua voz também não continha aquele tom gostoso que adorava.
- , eu-
Eu não fazia nem ideia do que dizer.
Engoli em seco.
- Podemos conversar?
Sua expressão não se alterou.
- Conversar? Você quer conversar agora? Mas não queria conversar há dois dias. Engraçado – coçou o queixo, fingindo friamente refletir sobre aquela questão
Obviamente ele sentia que a situação era tudo, menos engraçada. Descobri que não gostava quando estava sendo sarcástico. Não combinava com ele.
- , eu, por fa-
Alguma coisa passou rápido por seus olhos, mas não consegui identificar antes que o vazio voltasse.
- Olha, eu realmente não tenho tempo agora – olhou para o relógio em seu pulso. – Quem sabe depois.
Antes que pudesse responder, já estava sozinha outra vez naquele cômodo. O revirar horroroso em meu estômago e o peso no meu peito aumentaram e de repente não queria nada além de me deitar no meu quarto e fingir que esses últimos dias não haviam existido. Caminhei lentamente até meu quarto e já estava prestes a mergulhar na cama quando a porta do meu dormitório bateu com força.
Por um segundo pensei que era e uma pitada de esperança surgiu em meu peito, pitada essa que sumiu imediatamente quando encontrei Kristine Green de braços cruzados e, mesmo a alguns metros de distância, pude reconhecer a fúria em seu rosto.
- Kristine, eu não estou a fim de-
- Senta aí – cuspiu.
A surpresa ao ouvir aquelas palavras raivosas foi tão grande que superou o entorpecimento que estava sentindo. Arregalei os olhos.
- Como é qu-
- Mandei sentar! – falou entre os dentes e marchou alguns passos em minha direção.
Ainda em choque, acabei por sentar na cama. Estava aturdida demais para fazer qualquer outra coisa.
- Ótimo. Agora nós duas vamos ser bem honestas e bem rápido.
Antes que eu pudesse perguntar o que droga estava acontecendo, ela começou a despejar:
- O que merda você estava pensando, hein? te pediu em namoro e você não respondeu? Saiu para o seu quarto como se ele tivesse perguntando se você queria uma xícara de chá? Sem responder nada! – cuspiu a última palavra como se estivesse queimando em sua boca.
Kristine não estava gritando, mas tinha tanto veneno nas suas palavras que eu preferia que ela estivesse berrando aos quatro ventos. Gritos não me intimidavam, o jeito que ela estava falando, contudo, fazia com que arrepios horríveis descessem pelas minhas costas.
E na mistura daqueles sentimentos ruins, senti-me invadida por ela saber daquilo.
- Ele te contou isso?
- Ele me cont- CLARO QUE ELE ME CONTOU! – bateu o pé no chão.
Green estava com tanta raiva que aquele sentimento ruim estava chegando a mim em ondas.
Parou por um segundo e levantou os olhos para o teto e respirou fundo, provavelmente tentando se controlar antes de me olhar de novo, com tanta raiva quanto antes:
– É claro que me contou, . Ele me conta tudo. Sempre. Mas talvez você queira saber como ele me contou – abaixou-se um pouco, as mãos na cintura. – me ligou às duas da manhã. Duas. Da. Manhã. E ele levou três minutos para conseguir falar alguma coisa. Eu já estava trocando de roupa para pegar o carro para vir para cá. Você tem noção de como eu me senti ao ficar esperando meu irmão me contar o que estava acontecendo? Melhor, você tem noção de como ele se sentiu? – trincou os dentes.
- E-e-u
- Pois eu te explico. Te explico como é ter um bolo na garganta tão horrível, tão desesperador que você não consegue nem falar – ela gesticulava tanto que pensei que ela estava se controlando para não me atacar fisicamente. - Te explico como é se sentir tão impotente que nem mesmo sua voz você consegue controlar. Era isso que você queria saber? Hein?
Não precisava que ela me explicasse aquele sentimento, pois era exatamente pelo o que estava passando agora.
- E sabe o que aconteceu quando ele finalmente conseguiu falar? Eu não reconheci a voz dele. Eu não consegui reconhecer a voz do meu melhor amigo de tão quebrada que estava! Se eu me senti um lixo só de imaginar o que ele estava passando, me diga, doutora , como é que estava se sentindo? Como ele ESTÁ se sentindo!
Agora havia lágrimas no canto dos olhos dela.
- Olha, , eu não sei o porquê de você ter feito o que fez e, para ser bem sincera, isso não me interessa – passou as costas das mãos pelos olhos com força. – Mas você vai consertar, entendeu? – apontou para o chão. – Você vai consertar! Sabe por quê? – perguntou retoricamente, mas, mesmo assim, parou de falar por uns segundos.
A única coisa que consegui fazer foi sacudir a cabeça.
Green soltou uma risada seca.
- Sabe, uma vez, quando e eu tínhamos catorze anos, eu tive meu primeiro namorado. Depois de um tempo ele me traiu, quebrou meu coração – olhou para o lado, a expressão longe, provavelmente recordando os fatos que narrava. – quebrou a mão ao socá-lo.
Não estava entendo a ligação entre a anedota e a situação.
Voltou a olhar para mim
- Meu melhor amigo nunca se firmou com ninguém, nunca gostou de ninguém ao ponto de querer namorá-la. Não até você – estreitou os olhos. - Sempre me orgulhei de saber julgar o caráter de alguém e, por isso, quando ele pediu minha opinião, aprovei você. Não é possível que eu tenha errado tanto com alguém.
Gaguejei qualquer coisa que nem mesmo eu entendi e logo Green levantou a mão para que eu me calasse outra vez.
- Você não precisa explicar nada para mim. Aliás, eu nem quero ouvir. Mas você vai explicar para o – abaixou-se até que seu olhar ficasse no mesmo nível que os meus. – Entendeu? – sibilou, ríspida.
Não pude fazer nada além de balançar a cabeça. Sentia-me estúpida por estar me curvando às palavras dela, mas o fazia porque tinha ciência de que ela estava falando a verdade. Sabia que ela estava certa e eu, errada.
Kristine voltou a se endireitar e girou os calcanhares e caminhou até a saída do quarto.
Já com a mão na maçaneta, virou-se outra vez para mim:
- Eu sempre desejei nunca ter que retribuir o favor que me fez ao quebrar o nariz do imbecil do meu ex. Mas isso não vai me impedir de fazê-lo se for preciso. Não me obrigue a usar essa retribuição em você.
E, com um último olhar gelado, Green saiu do meu quarto, batendo a porta.
De maneira automática levantei e passei a chave na fechadura antes de deixar que meus joelhos cedessem e eu caísse sentada outra vez sobre a cama. Apoiei os cotovelos sobre as coxas e enfiei as mãos nos cabelos, sentindo que minha cabeça pesava toneladas e toneladas.
A respiração era difícil e saía aos trancos. O mundo parecia girar um pouco mais ao meu redor enquanto eu me sentia uma das piores pessoas nele.
Lorelai, e Kristine tinham razão. Todos estavam certos, exceto eu.
Não devia ter deixado sem resposta e não deveria tê-lo ignorado por dois dias, ter me escondido em meu quarto como uma covarde quando ele tentou falar comigo.
Não conseguia nem mesmo me reconhecer. Nunca fugi dos meus problemas, nunca fiquei assim por outra pessoa. Nunca senti aquele peso tão ruim que parecia que iria me esmagar a qualquer momento. E não era peso na consciência, não. Aquilo eu poderia aguentar. O que machucava era aquela aflição terrível que parecia escancarar meu peito.
A dor era tanto minha por ter percebido agora o quão imbecil fora quanto um reflexo da dor que deveria estar sentido. Não queria ter machucado , nunca quis. Não sabia, contudo, o quanto machucá-lo me machucaria também.
Ofeguei, olhando para os lados.
Eu estava me sentindo claustrofóbica, como se tudo estivesse fechando em cima de mim. Paredes físicas e metafóricas. Minha mão se agarrou com força sobre o tecido da camisa que cobria meu peito, puxando-o para longe. Até aquela camiseta larga estava me sufocando.
Precisava fazer alguma coisa antes que entrasse em colapso total. Por um segundo pensei em procurar e tentar conversar, mas mesmo meu cérebro embaçado no momento conseguiu perceber que aquela não era uma boa ideia.
Precisa, todavia, falar com alguém.
Não.
Não alguém. Só havia uma pessoa com quem falar, a única pessoa que me entenderia.
Minhas mãos tremiam visivelmente quando meus dedos deslizaram pela tela do iPhone.
Levei o aparelho à orelha e rezei para todas as entidades possíveis para que o destinatário da chamada me atendesse. Quando finalmente houve uma resposta, só consegui sussurrar duas palavras antes de, pela primeira vez em mais de dez anos, cair em um choro compulsivo:
- Tia Claire.


Capítulo 21


Claire Hardy sempre foi uma pessoa prática. Poucas coisas abalavam a expressão impassível que ela usava tanto na vida profissional quanto na pessoal. Tão centrada e focada que alguns diriam que ela poderia ganhar muito dinheiro como jogadora de pôquer se já não o fizesse como a maior advogada britânica atual. Nunca foi impulsiva, então, quando tive que passar os dez primeiros minutos daquela conversa telefônica tentando convencê-la de que não era necessário pegar o primeiro avião para Londres, foi que percebi o quanto a situação toda estava destorcida.
Assim que tia Claire se inteirou do lamentável estado emocional que me encontrava, já pude ouvi-la gritar ao fundo para que sua secretária conseguisse um voo imediatamente ou para pedir o jatinho de um de seus clientes emprestado. Segundos depois ela voltou sua inteira atenção para mim, perguntando repetidamente o que estava acontecendo. Eu só conseguia murmurar palavras desconexas, tentando explicar o inexplicável caos em meu peito. Sabia que precisava me controlar o suficiente para ter uma conversa descente, que toda aquela lamúria incompreensível só estava deixando-a ainda mais preocupada. Então, usando aquele tipo de força de vontade que você só descobre que tem em um momento de necessidade, respirei fundo algumas vezes e passei os dez minutos mais longos da minha vida persuadindo-a de que só precisava conversar um pouco, de que uma viagem era desnecessária. Relutantemente, ela deixou que eu ganhasse aquela pequena discussão. O engraçado era que podia sentir sob seu tom o quanto a doutora Hardy se rebelava com a ideia de perder qualquer tipo de embate, mas que se resignava frente ao fato de que minha tia Claire sempre viria antes de sua faceta Tubarão Hardy.
Ela provavelmente percebera que estava ficando ainda mais perturbada tendo que lidar com mais aquele assunto. Tia Claire suspirou no telefone e pediu para que eu contasse, então, o que estava acontecendo e o que ela poderia fazer para consertar as coisas. Assim como fiz com Lorelai, preferi cortar o assunto para que ele ficasse mais apresentável. Contudo, diferentemente do que aconteceu com Blake, assim que terminei o relato sobre o que havia acontecido dois dias atrás, não houve uma reação explosiva.
Não.
A pessoa que eu mais respeitava no mundo ficou em silêncio por alguns segundos.
E eu soube que ela entendeu todo o significado por trás das minhas ações.
Esperava por um discurso de consolo ou repreensão ou talvez qualquer coisa parecida com isso. Enfim, esperava um discurso – não que quisesse ouvir um - mas fui surpreendida mais uma vez com o dom das palavras que minha tia sempre possuiu. Depois de tudo que falei, ela tinha apenas duas frases. Poucas palavras que significaram mais do que uma homilia inteira. Tia Claire, com aquela voz límpida de sempre – e aqui até pude imaginar o olhar de compaixão que ela lançaria sobre mim se estivesse ali comigo – e disse: “Vocês não são eles, minha querida. Não deixe que os erros deles estraguem sua vida”.
Meia hora de conversa e catorze palavras que fizeram com que eu passasse o resto do dia deitada na cama, remoendo minha vida inteira, decidindo o que faria com o resto dela. Eu tinha duas opções bem claras. Podia conversar com sobre coisas da qual nunca falei com ninguém ou podia me fechar em mim mesma. De novo.
Podia lidar com a pressão de decidir entre duas escolhas bem delineadas e viver com as consequências de minhas ações. O problema era que, agora, a única coisa clara ali eram aquelas duas opções, tudo o mais era um borrão. Conseguia enxergar o agora, o que poderia escolher, mas não conseguia imaginar nada que viria disso. Nada vinha em minha mente. Só havia o aterrorizante vazio.
Era isso que eu sentia, ou, melhor, não sentia. Nada. Vazio. Era horrível e trazia novas lágrimas aos meus olhos - como se, agora que havia permitido que aquela umidade traiçoeira descesse por meu rosto, ela não pudesse ser paradas.
Uma mistura caótica de lágrimas e pensamentos confusos. Era nisso que eu havia sido reduzida.
Patética.
Como havia chegado a esse ponto? E para quê? Por quê?
Aquelas eram só mais algumas das várias perguntas que me rondavam. Não me surpreenderia se alguém dissesse que realmente podia ver aquelas nuvenzinhas de desenho girando ao meu redor.
Minha cabeça parecia pesar quilos, mas aquilo não era pior do que aquela dor horrível em meu peito. Em certo momento cheguei a olhar por baixo da minha blusa para me certificar de que não havia um machucado aberto sobre a pele.
Horas de solidão e nenhuma resposta satisfatória já estavam me levando a um desespero completo até que ouvi uma porta bater ao longe.
Pulei na cama, assustada ao lembrar que o resto do mundo estava seguindo seu ritmo normal do lado de fora da segurança das paredes do meu quarto. Aquilo, contudo, foi mais benéfico do que todos aqueles minutos sentada no escuro. Era como se o baque de madeira contra madeira fosse um tapa de bom-senso direto em meu rosto. Um choque de realidade que trouxe meu raciocínio lógico de volta. E de repente eu sabia o que fazer.
Agarrei as muletas e quase escorreguei duas vezes na pressa de sair do quarto e encontrar quem havia chegado em casa. Encontrei revirando a geladeira.
- ! – chamei, minha voz saindo mais rouca do que o normal graças ao tempo que ficara sem utilizá-la.
Ele se virou devagar, um sanduiche na mão.
- Oi, si- suas palavras de boca cheia foram interrompidas assim que ele colocou os olhos sobre mim.
A expressão surpresa em seu rosto teria sido cômica se meu estado não estivesse tão trágico. Tinha noção, contudo, que não poderia culpá-lo pelo olhar analisador que ele me lançava.
Eu era a plena definição de bagunça. Os cabelos desgrenhados de tanto puxá-los, os olhos inchados de tanto chorar e as roupas amassadas por ter ficado encolhida na cama por tanto tempo.
- , cadê o ?
- Sis, o que acont-
- Agora não! , cadê o ? – sibilei, não me preocupando nem um pouco em ser rude.
- Acho que ele está no quarto dele, mas o que-
Suas palavras ficaram perdidas no ar, pois já tinha saído em direção ao cômodo que ele indicara. Entrei no quarto sem bater, tranquei a porta e guardei a chave no bolso antes de vasculhar o quarto com os olhos. Encontrei-o sentado na cama de cabeça baixa e encarando o celular. Felizmente estava sozinho – não queria ter que lidar com o furacão Green outra vez.
- , eu já disse que não estou a fim de conversar – resmungou, ainda sem olhar para mim.
Sua voz estava tão oca quanto a minha.
Engoli em seco, reunindo a coragem que havia me levado até ali.
- Eu não sou o .
Aquilo fez com que ele levantasse a cabeça imediatamente. Surpresa brilhou por um segundo em seus olhos antes de apagar para dar lugar à frieza.
- Bom, , não estou a fim de conversar – e, dizendo isso, voltou sua atenção para o aparelho em sua mão, dispensando-me.
Arqueei a sobrancelha.
Mas não. Ah não! Isso não iria ficar assim. Sem chance. Não depois de todas aquelas horas que fiquei sofrendo para tomar uma decisão.
Caminhei até onde ele estava e puxei o celular de sua mão, jogando-o por cima de meu ombro e reprimindo um sorrisinho satisfeito ao ouvir o baque que o objeto fez ao cair no chão.
ergueu o queixo e me encarou embasbacado, piscando várias vezes.
- Que pena que você não quer conversar. Então vai só ouvir. Você queria saber o que está acontecendo, não queria?! Pois bem. Vou te contar.
E foi mais ou menos naquele minuto que 80% da coragem que eu tinha reunido se esvaiu. Orgulhosa que sou, contudo, continuei ali, encarnado aqueles olhos maravilhosos dele e deixando que as palavras rasgasse seu caminho para fora da minha garganta:
- Você se lembra de quando te contei sobre meus avós maternos, sobre eles serem escoceses?
franziu o cenho, assentindo devagar, provavelmente não entendendo o porquê de começar assim.
- Naquele dia eu disse também que minha família era pouco convencional.
Assentiu outra vez.
Olhei para o lado, soltando um suspiro. Aquilo era bem mais difícil do que eu imaginava. Precisava me sentar, algum apoio era melhor do que a instabilidade que minhas pernas estavam sofrendo – instabilidade essa que não tinha nada a ver com o gesso. Caminhei devagar e tateei o colchão até me acomodar num lugar a uns dois palmos de onde ele estava. Mantive meu olhar sobre a cortina azul arriada ao lado da janela quando recomecei a falar:
- Aquele dia eu não me referia tanto aos meus tios, mas sim aos meus pais.
Suspirei.
- Eles nunca foram do tipo que você usaria como exemplo de família comum. Na verdade, até meus cinco anos eles não eram nem casados. Apesar disso, éramos relativamente normais. Minha mãe trabalhava em uma agência de viagem e meu pai trabalhava em uma empresa de telecomunicações. Eles tinham suas peculiaridades, mas, como disse, nada muito incomum. As coisas corriam bem até que, pouco antes do meu aniversário de seis anos, eles decidiram tirar umas férias na cidade vizinha. Foram duas semanas ao invés de uma. Durante esse tempo fiquei na casa da minha tia e não recebi qualquer notícia deles – olhei para minhas mãos sobre meu colo, soltando uma risadinha seca. – Ainda lembro a primeira vez que os vi depois daquelas semanas. Quase não reconheci meus próprios pais. Nada mais de terno e gravata e vestidos sociais, ao invés disso agora havia camisetas largas e vestidos enormes e com cores berrantes. “Nós temos boas notícias, ”, eles disseram, “descobrimos várias coisas, querida”. E foi com essas palavras que eles começaram o discurso que virou minha vida de cabeça para baixo – agora as palavras saiam automáticas e não me lembrava da última vez que tinha piscado, quase um robô. – Eles tiveram algum tipo de descoberta cósmica – outra vez aquela risadinha amarga – e perceberam que aquilo de vida “ditada pelas ordens restritivas da sociedade opressora” não era para eles – fiz sinal de aspas com o dedo indicador e o médio. – Eles haviam se casado na praia e agora teríamos umas mudanças. Não era ótimo, querida? Vamos viver na praia, . Vamos poder apreciar o sol e a natureza, filha – tinha a vaga consciência de que meu tom de voz se tornou inflexível ao soltar aquelas últimas frases, que minha voz estava mais fria do que o normal, mas estava absorta demais naquelas lembranças para me importar. – Nenhum dos dois percebeu que estava apavorada por mudar para uma cidade onde não teria minha tia Claire todos os dias. Nenhum deles se importou. Afinal eu era apenas uma criança e eles estavam fazendo isso em nome do melhor para o cosmo.
A passagem na minha garganta e os dutos lagrimais em meus olhos começaram a funcionar em grandezas inversamente proporcionais. Na medida em que um se fechava, o outro se abria.
- Apesar de todos os argumentos de minha tia sobre não ser saudável mudar a minha rotina de modo tão drástico ou sobre o fato de eles não poderem se demitir desse jeito porque não conseguiriam se sustentar, nos mudamos para uma casa perto da praia e eles passaram a vender sementes e ervas medicinas. Tia Claire vinha nos visitar no mínimo três vezes por semana, dizendo que estava com saudades, mas hoje percebo que ela fazia isso para ter certeza de que eu estava sendo bem cuidada, que tinha comida na mesa. Minha tia, no começo, se preocupava com o fato de que o novo negócio dos meus pais poderia falir a qualquer momento. Felizmente ou não, isso não aconteceu. Essa onda verde tinha acabado de chegar e todo mundo queria ser saudável. Tínhamos dinheiro, é verdade, mas eles entravam cada vez mais nessa coisa de serem hippies modernos e com isso nos afastávamos. Eu queria de volta ao menos o pouquinho de estabilidade que tinha antes deles resolverem jogar minha vida em espiral enquanto eles queriam adorar o sol, a lua e sei lá mais o que. Não me leve a mal, não queria que meus pais desistissem da vida que tinham escolhido para si. Só queria que eles lembrassem que também tinham responsabilidades como pais.
Passei a mão pelo cabelo, meus ombros caindo para frente com o peso das minhas próprias palavras.
- Várias vezes eu fiquei esperando mais de duas horas na porta da escola porque minha mãe tinha se esquecido de ir me buscar. Várias vezes tive que ligar para minha tia, fazê-la sair de casa, na cidade vizinha, para ir me buscar porque eles me esqueceram na porta da escola. Eu me sentia mal duas vezes quando isso acontecia. Primeiro porque meus próprios pais davam preferência às horas sagradas de regar tal semente especial vinda da Tailândia sobre ir buscar a filha quando ela tentava se educar para ser alguém melhor na vida. E me sentia péssima por incomodar minha tia de novo e de novo – passei a mão na testa, estava suando frio.
Senti se aproximar um pouco, provavelmente sentindo pena. Meu estômago se revirou. Odiava que sentissem pena de mim.
- Não precisa ter pena de mim – vocalizei meu pensamento, tentando manter a voz neutra. - Não faltou amor. Eles eram bem carinhosos. Mas nunca foram... pais. Era como se tivesse dois tios daqueles bem doidos, sabe? Que você adora encontrar nos feriados, mas com quem a convivência era esquisita – dei de ombros, soltando o ar pesadamente. – Depois de um tempo fiz amizade com uma vizinha, Linda, e a mãe dela sempre me dava carona. Apesar disso, demorei muito tempo para me acostumar com aquele novo jeito deles. Precisei crescer muito rápido porque a responsável na casa era eu. Quando completei onze anos e passei a entender um pouco mais da vida, era eu quem lembrava que era preciso pagar as contas, as datas necessárias. Imagino que só não precisei cuidar da parte financeira porque meu pai gostava dessas coisas envolvendo matemática – sorri fraco ao recordar meu bom e velho pai e seu espírito livre.
- Eles também não acreditavam em limites ou em coisas tecnológicas. E isso também foi difícil para mim, por mais incrível que pareça. Como já disse, não queria amigos ou tios moderninhos, queria uma família como a das outras crianças, queria que meus pais me dissessem que eu não poderia ir a tal lugar e não que “devemos criar os filhos para o mundo e deixar que eles desenvolvam suas próprias convicções” – tentei imitar a voz da minha mãe. – A primeira vez que minha mãe disse isso foi quando minha tia foi tirar satisfação com ela pelo jeito que eu estava sendo criada. Foi a primeira vez que vi tia Claire gritar. Ela estava furiosa – dei de ombros. – De qualquer jeito, eu tinha uns treze anos nessa época. Tudo bem liberal lá em casa, menos, é claro, quando se tratava das tecnologias do mundo. Verdadeiros tecnofóbicos, meus pais. Para me conectar ao resto do mundo como qualquer outra adolescente dependi outra vez de Claire.
Agora ele se aproximou ainda mais de mim, o calor de seu corpo irradiava par ao meu, mas, mesmo assim, sentia frio.
- No final levou vários anos para que me conformasse com o fato de que as coisas nunca voltariam a ser como antes, que aquela história “de viver a vida ao máximo de acordo com os ensinamentos da natureza” nunca passaria. Então me adaptei – dei de ombros outra vez, passando a mão pelo jeans do meu short. – Outro baque aconteceu quando tia Claire se casou e foi morar a um oceano de distância. Ela chegou a me perguntar se eu queria ir junto com ela, mas não iria me impor a recém-casados, mesmo tio Ryan sendo tão legal como é. Cerca de quatro anos depois, consegui a bolsa para estudar aqui. E o resto você já sabe.
O silêncio não durou mais do que alguns segundos, mas parecia que me esmagaria por toda eternidade.
- – ele chamou baixinho, colocando a mão em meu rosto e me virando para ele.
O peso em meu peito diminuiu um pouco ao encontrar seu olhar tão calmo, cheio de um sentimento de carinho. Não queria encará-lo, contudo, qualquer coisa era melhor do que o vazio com que tinha me deparado ao entrar no quarto.
- ...
- Não, shiu... – sussurrou devagar, passando os dedos pelas minhas bochechas, limpando as lágrimas que eu nem percebi que haviam caído.
Queria me abaixar, deitar sobre seu peito e esquecer tudo, abandonar o assunto, mas sabia que se fizesse isso deixaria coisas inacabadas entre nós e isso seria prejudicial. Decidi, então, chegar para trás, afastando-me tanto física quanto figurativamente.
- Não, deixa... deixa eu terminar de contar.
relutou por um segundo antes de assentir e também se afastar o mínimo necessário.
- Foi por isso que eu desenvolvi essa... – gesticulei com a mão, procurando uma palavra – essa fobia... essa, sei lá, aversão a palavra “relacionamento”. Houve outros caras antes. Nós tínhamos uma... coisa, mas sempre que chegava perto de se tornar sério ou quando eles mencionavam a palavra “namoro”, eu terminava tudo. Desistia. Deixava-os e não olhava para trás. Não via problemas nisso. Não que eu fosse uma vaca sem coração, eu sentia falta deles, mas era isso. Uma lembrança boa que incomodava de saudade um pouquinho quando recordava.
Voltei a encarar a cortina.
- O pior talvez é que eu sabia que fazer aquilo não fazia sentido. Sabia que era totalmente irracional culpar a instituição do casamento ou do relacionamento em geral por meus pais terem passado a se preocupar mais com as boas vibrações do universo do que comigo ao terem se casado. E saber que estava agindo sem razão, sem um motivo concreto era desesperador. Mas eu não conseguia fazer nada. O pânico era maior do que qualquer raciocínio que eu pudesse fazer. E, para ser bem sincera, acho que eu não tentava realmente. Era bom, era gostoso, mas não valia todo o trabalho, então eu simplesmente desistia quando eles batiam nessa parede que eu havia construído. Era fácil. Agora não é mais – virei para ele.
estava perto e muito, muito sério. Seu olhar imediatamente atraiu o meu e foi ali que minha atenção permaneceu durante minhas próximas palavras:
- Não é fácil. É difícil, é aterrorizante – a palavra saiu estrangulada. – Totalmente aterrorizante pensar que você também estava indo embora, que eu estava te deixando ir embora porque eu sou uma medrosa. Então eu não vou desistir – tentei firmar a voz. – E se você queria desistir, o problema é seu – bati o dedo em seu peito várias vezes, meu lábio inferior tremia e eu tentava engolir o choro. – Porque não vou deixar. Não vou desistir de nós dois e não vou deixar você fazer isso. Não quando doí tanto – parei de cutucá-lo para bater o pulso contra meu peito.
Aquele sentimento sufocante estava de volta. Era só pensar em se afastando que aquela coisa horrorosa se apoderava outra vez do meu peito.
Ouvi vagamente, ao longe, chamar meu nome, mas estava perdida demais em meus próprios pensamentos. Apesar das minhas palavras, sabia que não estava sendo justa. Precisava pensar primeiro nele.
Primeiro nele porque... porque...
Por quê?
Meu lado racional – que aparentemente havia voltado a funcionar depois da ligação com tia Claire – trabalhou por poucos segundos antes de voltar com a resposta.
Resposta que era óbvia e talvez por isso tenha surgido tão rápido em minha mente quando finalmente criei coragem para procurá-la.
Ofeguei.
Oh, céus!
Bati o pulso de novo contra o peito.
Outra vez a sensação de estar afogando. Dessa vez, contudo, havia também um sentimento diferente, algo caloroso que se espalhava por todo meu corpo enquanto eu finalmente reconhecia o porquê de tudo isso. O porquê de importar mais agora do que outros importaram antes.
Eu o amava. Amava-o mais do que minha teimosia, mais do que minha covardia, mais do que meu orgulho e amava-o mais do que minhas dúvidas sobre a racionalidade de se apaixonar tão rápido por alguém.
Amava-o demais para deixar que ele se envolvesse demais com uma bagunça que eu sou.
- Mas você tem que ir agora... porque eu sou uma bagunça – vocalizei meus pensamentos, minha voz saindo abafada quando enfiei o rosto nas mãos. – Você merece coisa melhor.
Um soluço escapou da minha garganta. E imediatamente ouvi murmurar:
- É engraçado.
E talvez por aquilo ter sido uma das poucas coisas que realmente não esperava ouvir foi que levantei a cabeça de uma vez, virando-me para olhá-lo.
- O que você disse? – franzi o cenho, piscando repetidamente.
- Disse que é engraçado – seu som era suave, conciliador como se tivesse falando com um animalzinho assustado. - Engraçado como você adora me chamar de bobo, mas agora é você quem está dizendo bobagens.
- Bobagens? – murmurei, não entendo nada.
- É verdade. Acho que essa palavra não caiu muito bem aqui. Que tal “idiotices completas”? Ou, quem sabe, “a coisa mais idiota que ouvi”?
Dessa vez não fui capaz de falar nada, só fiquei olhando-o como uma imbecil, abrindo e fechando a boca repetidas vezes.
- , vem cá – passou seu braço por minha cintura e me puxou até que encostei meu ombro em seu braço.
- Não, – murmurei.
Coloquei minha mão sobre a sua e tentei - não de maneira muito convicta – me afastar. Ele ignorou minhas palavras, abaixando a cabeça para encarar minha mão que agora estava sobre a sua. Encarei seus cabelos por alguns segundos antes de também abaixar a vista à procura do que ele achava tão interessante. Poucos segundos depois, seu polegar começou a acariciar as costas da minha mão e foi como se pequenas fagulhas irradiassem do ponto em que ele tocava para o resto do meu corpo.
Dois dias e eu já havia sentido falta daquelas sensações como uma viciada em abstinência.
- Eu adoro suas mãos – murmurou, rouco, ainda sem me olhar. – São tão macias. Adoro quando você as usa para puxar meu cabelo quando eu te beijo.
O ar estava ficando preso em meu peito.
- Mas, acima de tudo – parou por um segundo para levar minha mão contra seus lábios e depositar ali um beijo casto - adoro quando você inconscientemente entrelaça sua mão na minha quando estamos assistindo televisão.
Agora eu já nem me lembrava de como respirar direito.
- , eu… eu - titubeei.
Levantou a cabeça para me encarar de novo, o que não foi muito do meu agrado, pois eu devia estar com uma expressão idiota.
- Gosto do seu cabelo – enrolou uma mecha em dois dos seus dedos, passando agora sua atenção para o que estava fazendo. – Gosto de enrolá-lo na minha mão e de quando você o deixa solto, mas também adoro quando você prende ou quando faz uma trança.
Engoli em seco, cada vez mais surpresa e cada vez mais curiosa.
- , o que você está fazendo? Do que você está falando? – sussurrei.
Não que não estivesse gostando de seus gestos e elogios, mas aquilo não era o que estava esperando quando fiz o discurso sobre o meu passado. Essa indefinição estava me deixando muito ansiosa. E meus nervos não podia levar mais nenhum baque, eles já estavam fragilizados demais.
Ele soltou meu cabelo e me olhou nos olhos de novo.
- , vêm aqui – colou a mão em minha cintura e chegou para trás até encostar as costas na cabeceira da cama, me puxando com cuidado para junto de si.
Deixei que ele fizesse o que queria, confusa demais para reagir e, em silêncio, nos acomodou até que eu estivesse entre suas pernas, com as costas contra seu peito. Suas mãos pousaram sobre minha barriga.
- Por que eu estou falando isso? Porque são verdades, diferentemente das idiotices que você estava falando há um minuto. Como assim “você merece coisa melhor”? Nunca pensei que fosse ouvir uma coisa dessas vindo de você, amor. Afinal, você é a inteligente aqui. Minha inteligente do tipo médica – suas palavras soavam perto do meu ouvido e vários arrepios surgiam. – Mas chega até a ser coerente, não? Você está agindo de maneira tão diferente do seu normal que talvez eu deva fazer o mesmo.
Minha mente exausta não trabalhava com a atenção necessária para entender a que ele se referia.
- Estou dizendo que se você vai agir como irracional, eu serei o racional. E meu ato como ser mais racional dessa relação é te proibir de dizer qualquer merda sobre arrumar alguém melhor. Aliás, por que você disse isso? Nunca pensei que você tivesse esse lado inseguro assim, .
Engoli em seco outra vez.
- Não é isso. Não estou fazendo manha. É só que...
- Só que o quê? – apertou de leve minha cintura para enfatizar.
- Pare de me distrair, ! – dei um tapa em sua mão, mas ela permaneceu no mesmo lugar. – E pare de desviar o assunto. Eu tenho bastante confiança em mim mesma e é por isso que assumo que nosso... nosso... relacionamento...
A última palavra engasgou em minha garganta por uns segundos. E, quando hesitei, pude sentir se retesar.
- ...que nosso relacionamento – repeti, aquilo estava se tornando um pouco mais fácil a cada vez - pode não dar certo.
- E amanhã o mundo pode acabar graças a uma guerra nuclear surpresa, mas isso não vai te impedir de acordar e manter sua rotina, não é mesmo?
- Não estou me referindo a isso, , mas sim ao fato de que meus pais são uma bagunça. Eu sou uma bagunça. Olha só como eu reagi quando você fez o pedido.
- Você não é uma bagunça, – seu tom se amaciou e senti que ele agora acariciava a pele exposta na minha cintura. – Não vou mentir. Seus pais, pelo que você me contou, parecem ser meio exóticos.
Não pude evitar um sorriso ao ouvir o adjetivo. Aquele era um jeito bem diplomático de se referir a eles.
- Mas isso não quer dizer que você seja uma bagunça, amor. Sim, você surtou com o pedido e isso foi péssimo.
Foi a minha vez de me encolher. Saber aquilo não tornava mais agradável ouvir sobre.
- Não estou falando isso para te fazer sentir culpada, linda. Só acho que devemos ser sinceros agora, então não vou mentir que não doeu. Porque doeu. Doeu pra caralho.
- Doeu em mim também. Doeu quando percebi que agi como uma vadia cruel, doeu quando percebi que tinha te machucado, mas o que mais doeu foi ter percebido que você estava desistindo – odiei o quanto a minha voz estava baixinha e assustada.
- Desistindo? – seu tom continha um toque de surpresa.
- É, . Eu posso não entender muito de relacionamento, mas entendo de desistir deles. E era isso que você estava fazendo, me ignorando quando tentei conversar. Se recusando a me ver.
- Desistindo? – ele repetiu, rindo.
- Isso não tem graça, idiota - empurrei meu cotovelo contra sua barriga e, com satisfação, ouvi seu resmungo de dor.
- Ai, amor! - resmungou. – Ok, ok. Desculpe. Mas é que é engraçado ouvir que você realmente achou que eu fosse desistir. Essa ideia é bem ridícula, ainda mais vinda de você, . Como eu poderia desistir? Isso nunca foi nem mesmo uma opção. Eu só precisa de um tempo para pensar e me acalmar um pouco. Você sabe que tenho essa mania de falar merda de cabeça quente, então preferi esperar um pouco.
Mordi a infantil exclamação de “mas me ignorou mesmo assim”, afinal não estava em posição de exigir nada depois da maneira como reagi ao pedido dele.
Virei um pouco o corpo para encará-lo melhor.
- Mas desistir? Desistir nunca – sacudiu a cabeça. - Desde o dia em que coloquei meus olhos em você. Naquele hospital. Você estava toda desgrenhada e meio histérica.
Senti que corava. Ele deslizou o dedo indicador devagar por minha bochecha, me encarando atentamente.
- E, mesmo assim, eu sabia que você era a pessoa mais bonita que já havia visto na minha vida.
Agora o que eu sentia eram meus dentes se afundando em meu lábio inferior, meu estômago revirar com borboletas e meu coração disparar.
- Deixa de ser mentiroso, – tentei disfarçar. – Eu estava horrorosa naquele dia.
me olhou longamente antes de começar a falar, com a voz mais profunda do que o normal:
- Você acredita no Universo, ?
Franzi o cenho.
- Claro que acredito. Teve o Big Bang, - comecei a gesticular com as mãos, simulando uma explosão ao fechar as mãos em punho e depois abri-las rapidamente, - depois vieram as partículas e-
- Não isso, amor – riu, cobrindo minhas mãos com as suas e as abaixando até que estivessem de volta sobre minha barriga. – Estou me referindo às coisas como aquela frase “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”.
- Francamente, . Eu acabei de te contar sobre as bobeiras dos meus pais e você vem me perguntar se eu acredito nisso?! Você escutou alguma coisa sobre o que disse? – falei, entre brava e decepcionada.
- Eu ouvi tudo, . Prestei atenção em tudo – assegurou veementemente. – E eu também era cético quanto essas ideias de destinados um ao outro e blá blá blá, mas eu simplesmente não consigo achar outra coisa para explicar isso – apontou para mim e depois para si próprio.
Evitei pensar no quanto suas palavras pareciam com as que Lorelai havia atirado em mim há meses.
- Já ouviu falar sobre aquela coisinha que os romântico chamam de “amor”?
abriu um sorriso lento e preguiçoso.
- E você se inclui nessa categoria, na dos românticos?
- Não... – deixei a palavra pender no ar alguns instantes – não até recentemente.
- O que você quer dizer com isso?
- Você quer ouvir as palavras, não é mesmo? – mordi um sorriso. – Vai me fazer dizer as palavras – sacudi a cabeça, virando o corpo para, da melhor maneira possível, apoiar minhas mãos sobre seu tórax.
- Não – entrelaçou os dedos no meu cabelo e manteve seu olhar no meu. – Só se você quiser – deu um beijo rápido e mordeu meu lábio inferior por um segundo. – Você quer? – sua mão deslizou por meu ombro até parar em minha nuca, onde ele começou a fazer carinho devagar.
Engoli em seco e me senti como uma pessoa encurralada entre um precipício e uma parede de fogo. Em minha metáfora mental, haveria um lago no fim do precipício. Pular era a única saída, o único jeito de uma possível chance de viver, mas a altura era aterrorizante.
Contudo, não havia o que pensar. Só o pulo.
E foi isso que eu fiz.
Eu pulei.
- Eu amo você, .
Foi como se antes houvesse um elefante sentado sobre meu peito e agora ele tivesse desaparecido. Sentia-me mais leve, conseguia até mesmo respirar melhor agora, mas isso não era principal.
Não.
Foi o brilho nos olhos dele assim que terminei de falar que valeram cada centímetro de queda.
E o beijo que ele me deu depois também foi uma recompensa deliciosa. Deliciosa, quente e muito, muito firme.
E foi apenas o primeiro.
A mão em minha nuca fez pressão para que eu me aproximasse enquanto ele fazia o mesmo. E por alguns minutos ele me beijou como nunca antes tinha feito. Quando finalmente nos afastamos, apoiei o queixo sobre seu peito e olhei para cima.
- Eu também amo você – sussurrou, deslizando os dedos por meu cabelo. – Fico feliz por finalmente poder dizer em voz alta.
Franzi o cenho.
- Como assim?
- Bom... faz uns dias que eu queria dizer isso – passou a língua devagar pelo lábio inferior. – Mas sabia que você não iria querer ouvir isso, pelo menos não até agora.
Minha mão se fechou sobre o pano preto de sua camiseta enquanto eu respirava fundo e sentia meu coração se encher ainda mais de amor por aquele homem na minha frente.
- Eu amo você – sussurrei de novo.
Ficava cada vez mais fácil dizer aquilo, cada vez mais certo.
sorriu preguiçoso antes de apertar o meu nariz de leve. Sorri de volta, pensando em o quanto tinha sentido falta daquele gesto nos dois últimos dias. , então, olhou-me em silêncio por alguns segundos e soube que ele estava pensando sobre o que falaria a seguir.
- Hey, linda – segurou, com carinho, meu rosto. - Não quero te pressionar e não precisamos falar disso se você não quiser, mas... se você quiser... quando você quiser, pode falar comigo sobre seu pais. Ou sobre o que você quiser – acrescentou a última parte rapidamente ao ver que eu franzia o cenho.
Soltei uma risadinha, derretendo por ele ser tão fofo.
- Não precisa ficar assim, . Você pode falar a palavra “pais” sem problemas. Não vamos colocá-la sob censura, ok? Até porque já te disse que não foi de todo mal. Espera. Meus braços estão doendo.
Girei o corpo para voltar a encostar minhas costas em seu peito.
- Nós podemos falar sobre meus pais se você quiser, , e você pode me perguntar sobre eles também. Não tem problema. Descobri que não tem problema falar com você – enfatizei – sobre isso – dei de ombros.
- Já disse, amor, não precisa falar se você não quiser.
Apertei a mão sobre sua coxa que me cercava.
- Você é um bobo, . Por acaso acha que faço alguma coisa que não quero fazer?
Ouvi uma gargalhada rouca.
- Tem razão, amor. Minha senhorita independente – puxou de leve uma mecha do meu cabelo. – Mas, então, me diga... ou não me diga.
- Ah! Você só quer saber como vai ser quando tiver que lidar com seus sogros, hein? – brinquei.
- Talvez – havia um toque se seriedade ali.
Tive que rir de sua preocupação infundada.
- Não se preocupe, . O máximo que eles vão querer fazer é ler a sua aura ou alguma coisa assim.
- Nada de interrogatórios ou ameaças sobre eu estar corrompendo a filinha deles?
- Não. Não deles, pelo menos. Já da tia Claire... – deixei aquelas palavras no ar e virei bem a tempo de ver sua expressão horror.
- Acho que preferia enfrentar seu pai.
- Acho que essa seria uma opção mais segura – ri. – Mas, não, sério.
Pensei por um momento sobre o que diria.
- Agora, em uma análise mais objetiva, até que teve suas vantagens ter sido criada da maneira como eu fui criada.
teve a delicadeza de não soltar uma exclamação espantada do tipo “sério?”. Limitou-se em ficar em silêncio, apenas esperando que eu continuasse meu raciocínio.
- Naquela época foi uma merda ter várias crianças da escola me encarando por causa das minhas roupas de um estilo mais... hippie, se assim poderíamos chamar aquelas coisas horrorosas. Eram uns panos roxos e amarelos e rosas – gesticulei no ar, rindo ao me lembrar daquelas roupas que minha mãe pensava serem maravilhosas. – Horrorosas. Nossa. Elas eram muito feias mesmo – ri outra vez.
Felizmente podia tirar alguma risada disso agora, diferentemente daqueles dias. Pensando nessa parte, deixei o sorriso morrer e continuei:
- Crianças podem ser bem malvadas, sabia? E no começo eu fui a esquisita da classe. Então levou um tempo até que elas se acostumassem com minhas roupas chamativas e, durante esse tempo, elas tinham alguns comentários bem ruins para jogar em cima de mim a cada novo dia.
- Sinto muito por isso, amor – deu um beijo reconfortante no meu ombro.
- Tudo bem. Já passou. E depois elas se acostumaram comigo e perdeu a graça. Mas isso é útil para nós.
- Para nós?
- É – dei de ombros. – Como aprendi desde cedo a não ligar para os comentários horríveis de pessoas que não me conhecem, consigo facilmente ignorar a língua ferina de algumas das suas fãs.
- Como assim? Ah não! Twitter?
- É – dei de ombros. – Mas está tudo bem.
Virei a cabeça para trás e sorri para ele ao sentir que ele ficara tenso ao ouvir minha confirmação. forçou um sorriso antes de dar um beijo rápido em meus lábios.
Voltei a posição anterior e continuei encarando a parede ao falar:
- Sério. Eu não ligo. Não me afeta. Eu nem mesmo fui pega de surpresa por isso. Lorelai comentou que isso poderia acontecer e eu não ligo muito para internet mesmo. Então, para mim, isso é quase indiferente. E não podemos esquecer que tem algumas fãs que são bem legais.
- Sim, amor. Claro. Mas não queria que algumas poucas te magoem.
- Está tudo bem, sério. Eu não fui pega de surpresa, então não tem problema. Meu problema são essas surpresas inesperadas demais. Coisas totalmente imprevisíveis me fazem balançar de um jeito nem um pouco agradável. Faz com que eu me lembre dos primeiros dias na escolinha nova e, consequentemente, dos primeiros dias da vida nova dos meus pais. Não tinha controle nenhum sobre aquilo... e também não tenho controle sobre surpresas, então não gosto muito desse tipo de coisa – murmurei. – Foi por isso que eu surtei naquele dia dos paparazzi do lado de fora do supermercado – acrescentei, decidindo que era melhor falar tudo de uma vez. – Eu nunca pensei que passaria por alguma coisa como aquela então estava totalmente despreparada. Todas aquelas pessoas gritando perguntas e me olhando foi como estar de volta no primeiro dia de aula na escola nova e vestindo aquela combinação horrorosa de cores. Mas agora já me preparei mentalmente e não vai acontecer de novo.
Sabia, mesmo sem me virar para olhar, que o rosto de estava fechado em uma careta de preocupação.
- Desculpe por isso também, . E pelo twitter eu nã-
Virei-me de modo a sentar transversalmente para ele – meu ombro contra seu peito e minhas pernas sobre uma das suas. Agora estava praticamente em seu colo. Coloquei a mão sobre seus lábios para que ele parasse de falar.
- Já disse que não tem problema, amor.
Assim que terminei de falar nós dois congelamos, minha mão ainda em seu rosto.
Foi quem reagiu primeiro. Ele pegou minha mão e deu um beijo na palma antes de afastá-la para falar:
- Acho que o dia chegou, hein – referiu-se à minhas palavras naquele primeiro dia em que me chamou daquele jeito.
Seu tom foi uma tentativa de brincadeira para dissipar o clima esquisito que se instalou. Mas foi uma tentativa frustrada porque a intensidade com que ele me olhava e o rugido do sangue correndo pelas minhas veias deixava tudo sério demais, importante demais.
- É – assenti bobamente, meu olhar fixo no seu. – Sim. Chegou sim.
- Isso é... isso é ótimo – ofegou na última palavra.
espalmou suas mãos em minhas costas e me puxou para mais perto de si antes de me beijar. Firme e de uma maneira tão deliciosa que até me inclinei para trás. Depois de um tempo ele decidiu descer os beijos por meu pescoço. O ar começou a faltar em meus pulmões e o clima estava ficando cada vez mais quente, mas quando tentei chegar ainda mais perto dele, o gesso em minha perna se fez presente para dificultar o processo.
Por um segundo odiei aquela porcaria. Resignadamente, enfiei minha mão em seu cabelo e o puxei para longe.
- Assume então que você gosta quando te chamo de amor, amor? – perguntei, acariciando sua nuca.
sorriu preguiçoso.
- Tanto quanto você gosta quando eu te chamo assim.
- É? – arqueei a sobrancelha. – E como você sabe que eu gosto tanto assim? – provoquei.
- Porque eu te sinto aqui – segurou minha mão sobre seu peito e eu senti as batidas do coração dele.
Fiquei sem palavras, totalmente surpresa e encantada.
- Você é meu clichê favorito, – sussurrei.
Ele me respondeu com um sorriso ainda maior e um aperto de leve em meu nariz.
- Acho que agora nós somos seu clichê favorito, não é mesmo, ?
- Hey! Eu não sou um clichê.
- Claro que é! Se eu sou, você também é. Estamos nessa juntos agora, senhorita .
- Ok, amor – ri, sacudindo a cabeça. - Mas, diga-me, senhor Clichê, não vai me pedir em namoro outra vez? Estou esperando meu pedido oficial.
- Não – sorriu.
- Não? Não vai me pedir de novo? – perguntei, achando graça na situação.
- Nope – sacudiu a cabeça. – Vou esperar o momento certo.
- E esse momento não é o certo?
- Não, esse é o momento perfeito. Só não é o momento perfeito para isso.
- E quando vai ser então?
- Não sei ao certo, mas nós vamos saber. Assim como eu soube que você seria importante para mim naquele primeiro dia no hospital. Eu olhei para você, , e soube. Eu soube – repetiu baixinho.
continuou me olhando nos olhos enquanto dizia aquilo e senti todo aquele sentimento bom que vinha sentindo desde o momento em que nos acertamos se expandir como nunca. Meu coração parecia falhar algumas batidas de tão rápido que estava e aquelas famosas borboletas no estômago faziam uma festa enquanto arrepios desciam sem parar por minhas costas.
E, usando as palavras dele, foi quando eu soube. Soube que queria passar o resto da minha vida com ele. E se aquilo era obra de uma entidade divina, uma jogada do cosmo – como acreditam meus pais – ou se era pura interferência do Destino, eu não sabia. Mas aquilo não importava. Porque o importante eu sabia.
Eu amava . E aquilo era tudo o que eu precisava saber.


Epílogo


Não pude evitar o sorriso imenso que apareceu em meu rosto assim que o vi caminhar em minha direção. O mesmo sorriso meio assim de lado, o mesmo cabelo macio que adorava um cafuné e aqueles olhos lindos que eu amava tanto. Quando ele me alcançou, colocou os braços ao meu redor e me abraçou firme. Correspondi ao gesto de carinho.
- Hey, babe, como foi seu dia?
Mas antes que ele pudesse responder, fomos interrompidos por uma voz feminina:
- Doutora ?
Tirei os olhos do meu filhote e virei a cabeça em direção à voz.
- Bom-dia, Miss Meyer – cumprimentei a professora de piano de Austin. – Pois não?
- Poderíamos conversar um minuto?
Aquilo me deixou alarmada.
- Sim, claro. Austin, espere a mamãe aqui, ok? – apontei para a cadeira ao lado e ele se sentou. – Aqui – entreguei meu celular depois de colocar no joguinho de dragões que ele adorava. – Joga um pouquinho enquanto isso.
Ele sorriu outra vez aquele sorriso e deu um beijo em minha bochecha, agradecendo rapidamente antes de voltar sua completa atenção para o jogo. Nós duas nos afastamos alguns passos para fora do alcance de seus ouvidos, mas tive a certeza de mantê-lo em minha linha de visão.
- Aconteceu alguma coisa, senhorita Meyer? – perguntei, receosa, lançando uma olhadela rápida sobre a mulher antes de voltar minha vista para Austin e escanear seu corpinho em busca de algum machucado visível.
- Oh, não, não, doutora – apressou-se em dizer. - Não é nada sério. É só que... a senhora se lembra de Aisla King?
Sim, eu lembrava vagamente, então levei um momento para vasculhar meu cérebro de maneira a colocar um rosto no nome.
- Aquela garotinha ruiva que faz aula antes de Austin? – perguntei, franzindo o cenho.
Aquele era provavelmente o caminho mais inesperado que essa conversa poderia tomar.
- Sim, ela mesma – assentiu. – Hoje a babá dos King se atrasou e ela acompanhou um pouco da aula de Austin enquanto esperava.
Permaneci em silêncio, esperando que ela continuasse o raciocínio mais esquisito que tinha presenciado desde que Louis decidira me contar sobre o porquê de pensar que comprar um pônei para sua esposa como presente de casamento era uma boa ideia.
- Ele tinha acabado a primeira canção e me virei apenas por um segundo para pegar a outra partitura e quando voltei para olhá-los foi bem a tempo de ver a senhorita King dando um beijo nos lábios do senhor .
Arregalei os olhos e virei o rosto de volta para ela, a jovem moça tinha minha total atenção agora.
- Como assim? Você está dizendo que uma garotinha de uns seis anos beijou meu filho?
- Na verdade, ela não tem a mesma idade que o senhor . Ela tem cinco anos.
- Isso não explica a situação.
- Sim, claro, doutora – sacudiu a cabeça e vi que ela estava em busca das melhores palavras. – Eu conversei com os dois e expliquei a Aisla que aquilo não era correto e perguntei o porquê de ela ter feito o que fez. Aisla então disse que viu sua mãe beijando seu pai nos lábios hoje e que por isso a senhora King lhe explicou que era assim que cumprimentávamos aquele que amamos quando o espírito natalino chega. E a pequena senhorita King argumento que “ama” – fez o sinal de aspas com os dedos – Austin e gostaria de se despedir dele apropriadamente já que ficaria, segundo as palavras dela, muito, muito tempo sem vê-lo devido aos feriados.
Pisquei devagar, absorvendo a informação.
- Mas eu já esclareci tudo com ela – apressou-se a dizer. – Aisla prometeu não fazer isso novamente. Estou informando a senhora porque esse é o correto a ser feito, mas tenho certeza que não teremos outro incidente como este.
- Ok – falei devagar, ainda no processo de absorção. - São apenas crianças. E a garotinha não tem culpa se a mãe não foi feliz na explicação que deu. Desde que isso não aconteça novamente, acho que está tudo bem. Nenhum dano permanente.
Assisti o alívio se espalhar pelo rosto da morena à minha frente. Talvez ela estivesse esperando algum tipo de processo por negligência, mas aquilo seria um exagero para a ocasião e eu também estava envolvida pelo dito sentimento dos feriados.
- É uma promessa, doutora . Isso não vai acontecer novamente – sacudiu a cabeça veementemente.
- Ok. Boas festas, senhorita Meyer.
Estendi a mão e ela logo se apressou em apertar e murmurar um cumprimento de volta, ansiosa para que fosse embora antes de mudar de ideia. Apressei o passo para longe dela e de volta para Austin. Assim que viu que me aproximava, ele pulou da cadeira e me entregou o celular.
- Aqui, mamãe.
Nenhum tipo de reclamação, nenhuma birra por ter que interromper seu joguinho. Ele tinha exatamente o mesmo caráter calmo do pai dele.
- Vem, filhote. Vamos para casa.
Imediatamente ele esgueirou sua mão para a minha e assim caminhamos até o luxuoso Land Rover preto que havia comprado – depois da interferência da opinião do meu querido marido e seu amor por essa marca de carro. Acomodei-o em sua cadeirinha no banco traseiro e tomei meu lugar na direção. Esperei alguns metros antes de lançar uma espiadela nele através do retrovisor e falar:
- Austin, querido, a senhorita Meyer contou para mamãe que Aisla esteve na sua aula hoje – toquei no assunto para ver como ele reagia.
Precisava ter a certeza de que meu filho não tinha ficado traumatizado ou alguma coisa assim. Já me bastava meu homem sendo atacado por garotas desconhecidas, não precisava que meu filho também passasse por isso.
- É. Ela é esquisita.
Assim que terminou de falar arregalou os olhos e tampou a boca com suas mãozinhas.
- Mãe, não conta pro papai que eu falei isso. Por favor? – pediu, lançando aquele olhar pidão que era exatamente igual ao da pessoa a quem agora ele pedia para deixar de fora da conversa.
- Por que, querido?
- Papai disse que não podemos falar assim das damas.
Mordi o sorriso ao ouvir a seriedade com que ele repetia os ensinamentos do pai. Meu peito, contudo, enchia-se de orgulho pelos valores estarem sendo passados para próxima geração.
- E seu pai tem razão – respondi, parando em um semáforo e aproveitando para virar para trás e encará-lo. – Mas acho que podemos deixar essa passar se você prometer que não falará mais esse tipo de coisa.
- Sim, mãe, prometo – assentiu devagar.
- Ótimo, querido. Mas por que você não gosta da sua coleguinha?
- Porque ela fica me abraçando. Isso é yuck – sacudiu a cabeça. – Meninas são yuck.
- “Yuki”? – repeti, rindo. – Então a mamãe também é yuck?
- Não! – exclamou, arregalando os olhos – Você não é yuck, mamãe.
Virei para frente outra vez ao ver que os carros ao lado começam a se movimentar.
- Mas a mamãe é uma menina – respondi, acelerando o carro.
- Não. A senhora é uma mãe.
- E a Eve? Eve é yuck?
- Às vezes – murmurou meio culpado, olhando para baixo.
Outra vez tive que engolir a risada que queria soltar. Não poderia encorajá-lo.
- Ok, querido, mas e hoje, o que aconteceu hoje? – decidi voltar ao assunto principal.
- Ela me beijou do jeito que você beija o papai e Fall beija Noah. Yuck! – acrescentou a última parte com uma careta. – Mas eu não podia empurrá-la porque papai disse que cavalheiros não fazem isso – acrescentou solenemente
- E seu pai tem razão, Austin. Então conversei com a senhorita Meyer para que ela não deixe que isso aconteça novamente, ok, querido?
- Ok, mamãe. Podemos ir na casa do tio hoje?
A maneira abrupta com que ele mudou de assunto me tranquilizou. Dos seis anos que conhecia meu filho, sabia que aquilo significava que ele não dava importância para o assunto que descartara.
- Vamos ver, querido – murmurei, fazendo a última curva antes de parar na garagem da nossa casa antes de abrir o portão e estacionar o carro no lugar correto.
Peguei minha bolsa e tirei meu filhote da cadeirinha e, no minuto que o coloquei no chão, ele correu para dentro de casa. Segui o mesmo caminho, mas em passadas normais.
- NOAH! Quantas vezes tenho que te dizer para trancar a porta quando passar? – gritei assim que passei pelo batente.
Vários anos depois e ainda mantinha enraizada aquela fixação brasileira por portas trancadas.
- Desculpe, mãe – sua voz rouca respondeu de algum do andar de cima da casa. – Não vai acontecer de novo.
- Acho bom! – resmunguei, mesmo sabendo que seria inútil.
Ouvi um latido animado e logo o cachorro que meu filho mais velho havia ganhado da tia Lola estava correndo escada abaixo para me cumprimentar.
- Hey, Nick – cocei atrás da sua orelha.
Lorelai escolheu o nome do pastor alemão. Ela achou aquela piada hilária e dizia que fazia com que ela se lembrasse de como tudo tinha começado. Nick soltou mais alguns latidos felizes antes de voltar correndo para perto de seu dono. Ele nunca ficava muito tempo longe de Austin. Deixei a bolsa sobre o sofá e fui até a cozinha em busca de alguma bebida gelada. Encontrei meu marido sentado em um dos bancos altos, folheando uma revista que estava sobre a ilha no meio do cômodo.
- Hey, babe – coloquei a mão em seu ombro e bati os lábios nos seus quando ele virou a cabeça para mim.
- Oi, amor. Como foi seu dia? Cuidou de muitos corações hoje?
- Tive minha cota de corações por hoje – respondi, abrindo a geladeira em busca de uma caixinha de suco de uva.
- Agora só o meu, né?
Ri, sacudindo a caixinha antes de colocar o canudo e me sentar de frente para ele.
- Sim, amor. Claro. Agora só o seu – tomei um pouco da minha bebida e lhe dei uma piscadela.
- Você conseguiu ver o ensaio de Austin hoje?
- Não – suspirei. – A última consulta demorou mais do que o previsto e só cheguei faltando apenas alguns minutos para o final da aula – olhei para o lado, me sentindo culpada.
- , hey, não é como se você estivesse faltado de propósito. Ele sabe que você estava ocupada salvando vidas – envolveu minha mão com a sua e a apertou de leve. – Ele adora contar para todo mundo como a mãe é uma heroína de verdade, salvando o dia de várias pessoas.
Ri, pensando em quão exagerado meu marido era.
- Bobo como sempre, .
- E você adora.
- Amo – corrigi.
- Há mais de vinte anos – completou.
- Há mais de vinte anos que você é um bobo? – arqueei a sobrancelha.
revirou os olhos.
- E há mais de vinte anos que você é espertinha.
Abri um sorriso antes de beber mais um pouco de suco.
- Mas só faz seis anos que você é o herói de Austin.
- Pare de falar bobagens, – resmunguei com uma pontinha idiota de ciúmes. - O garoto te idolatra e é igualzinho a você. Não só fisicamente.
Não que eu estivesse reclamando, afinal amava o fato de meu filho – ou, melhor, dos meus filhos – serem cópias perfeitas do pai. Noah ficava cada vez mais parecido com o que eu tinha conhecido. Já Austin era idêntico às fotos de criança que minha sogra me mostrara. Os mesmos olhos, o mesmo cabelo... até o jeito de andar era igualzinho.
- Bom, , - frisou o nome que eu tinha orgulho de carregar há anos, – quem está sendo bobo agora?
- Ele tem o seu nariz e Noah tem a sua boca. E os dois herdaram sua inteligência, ou você acha que só com os meus genes nosso primogênito seria aceito em Economics and Management em Oxford?
Como sempre acontecia quando ouvia sobre aquela conquista do meu garoto, meu peito se encheu de orgulho.
- E Austin pode até ter o meu amor pela música, mas é preciso muito foco e disciplina para tocar piano. Esses dois atributos também certamente não vieram de mim. Também não vamos nem começar a falar sobre de onde saiu a beleza de Eve. Essa parte é mérito meu – ajeitou o colarinho da própria blusa propositalmente em um gesto de convencimento.
Revirei os olhos, rindo.
- Ok, ok – ergui as mãos em sinal de rendimento, rindo.
Apesar de gostar de ouvir aquilo, precisava contar os eventos importantes do dia.
- Vamos chamar de empate – decidi diplomaticamente. – Mas antes de encerrar esse assunto preciso te dizer que seu filho mais novo também herdou seu imã para...
- Mulheres bonitas? – completou com um sorriso sapeca.
Aquilo era quase o que eu diria - sem a parte do “bonitas”, é claro – mas não daria o braço a torcer.
- Imã para problemas, . Para problemas.
Ele riu.
- E por que você diz isso, menina bonita? – passou a mão de leve por meu queixo.
- Porque uma coleguinha das aulas de piano dele o agarrou hoje.
Meu marido arregalou os olhos.
- Como assim?
- É! Eu sei – assenti repetidamente, tomando mais um gole de suco antes de continuar. - Essa foi minha reação também.
Repeti para ele o que a professora de piano tinha me contado.
- Como se já não bastasse eu ter que lidar com aquelas garotas te agarrando e as líderes de torcida se jogando em cima de Noah, agora também terei que lidar com crianças se atirando no meu bebê. No meu bebê! – repeti, entre horrorizada e divertida.
Não ajudou em nada ver que meu marido tentava segurar uma gargalhada. Inclinei-me sobre a bancada para dar um tapa em seu ombro.
- Isso não é divertido, !
- Ai, amor! Isso dói! – esfregou a parte que tinha atingido. – Mas você tem que pensar pelo lado positivo, pelo menos Noah agora é problema de Fall, não nosso.
- Você não está ajudando o seu caso – estreitei os olhos.
Dessa vez ele riu abertamente.
- Desculpe, desculpe. Mas não dá para fugir do charme . Ele vem do nascimento.
E aqui estava a oportunidade perfeita para virar o jogo.
- Quer dizer que Eve também tem esse charme e está tudo bem se tivermos garotos fazendo filas por ela aqui na porta de casa? – arqueei a sobrancelha, um sorriso malvado no rosto.
Com satisfação vi sua expressão divertida sumir e dar lugar a uma careta de desagrado.
- Isso não tem graça, – seus lábios até mesmo se juntaram em um bico de pirraça.
- Está vendo o que eu passo?
- Nada de filas de garotos. Nada de garotos. Ela é muito nova ainda! – sacudiu a cabeça de maneira decidida. Resolvi não discutir aquele ponto outra vez, precisava escolher minhas batalhas e o próximo tópico já seria um ponto de discordância.
- Tá bom, tá bom. Mas, amor, mudando de assunto, marquei com a Lou para você cortar o cabelo amanhã.
- O quê? Não, amor! – resmungou. – Não quero cortar o cabelo. Eu gosto dele assim – passou a mão por seu farto cabelo que já estava bem maior do que o normal.
- Está parecendo sujo e descuidado. Eu te disse enquanto você estava na América para cortar o cabelo e você não o fez. Não pense que me esqueci disso!
abaixou o olhar, envergonhado por ter sido pego.
- Eu esqueci – murmurou, brincando com a folha da revista e mentindo muito mal.
- Então agora que você está em casa, eu vou te lembrar – falei, condescendente, ficando de pé.
- Mas, ... – olhou-me outra vez.
Lancei um olhar significativo para ele.
- Sim, ?
- Eu não quero – continuou resmungando, esticando as palavras.
Quando ele falava assim soava igualzinho ao nosso filho mais novo.
- Não foi uma opção, amor – coloquei a mão em seu ombro e o acariciei de leve para dar uma suavizada nas palavras duras.
E lá estava de novo o biquinho de pirraça.
- Tá bom, tá bom – me puxou para mais perto, abraçando-me pela cintura. - Posso ao menos ganhar um beijo? – apoiou o queixo sobre meu peito enquanto me olhava.
Abri um sorriso preguiçoso, abaixando a cabeça e quando nossos lábios se encontraram lá estavam novamente as borboletas no estômago e aquele calor delicioso no meu peito. Meu marido me beijou devagar, deslizando suas mãos quentes por minhas costas.
Eram os mesmos arrepios e as mesmas sensações gostosas que me tomavam desde o primeiro dia que ele me beijara naquela garagem.
Era exatamente a mesma coisa.
- YUCK! PAI, MÃE!
Ou quase a mesma coisa...

xxx

- NÃO! JÁ DISSE QUE NÃO!
- VOCÊ É MUITO NOVA!
- CALE A BOCA, NOAH! ISSO NÃO TEM NADA A VER COM VOCÊ!
Assim que passei pela porta de casa pude ouvir os gritos que vinham do andar de cima. Revirei os olhos, tendo uma boa ideia do motivo da discussão, afinal só havia uma razão que poderia levar e Noah a levantarem a voz com a princesa deles. Soltei um suspiro e coloquei as sacolas dos presentes recém-comprados no chão antes de subir as escadas para enfrentar o campo de guerra.
- ISSO NÃO É JUSTO! – Eve gritou outra vez.
O volume aumentava um pouco mais a cada metro que eu avançava em direção à suíte principal.
- CLARO QUE É! VOCÊ SÓ TEM DEZESSEIS ANOS!
- MAS, PAI, EU NÃ-
- JÁ DEI MINHA ÚLTIMA PALAVRA, EVELYN!
- VOCÊ ESTÁ SENDO UM HIPÓCRITA E-
- Hey, hey, hey - entrei no cômodo e encontrei e Noah lado a lado e ambos de frente para Eve. – Que diabos está acontecendo aqui?
Todos eles ficaram em silêncio por um segundo, todos os três estavam em pose de enfrentamento. Minha filha foi a primeira a reagir.
- MÃE! – ela correu para se jogar nos meus braços.
- Oi, querida. O que aconteceu? – murmurei, alisando seu bonito cabelo loiro. – Eve, você está chorando? – arregalei os olhos ao perceber o seus olhos inchados e vermelhos.
- Mãe, o papai é muito injusto – soluçou, me abraçando mais forte.
Lancei um olhar significativo para meu marido furioso por sobre a cabeça dela, esperando por uma explicação.
- Evelyn tem um namorado! – exclamou como se aquilo explicasse todo o seu ponto de vista, os punhos cerrados ao lado do corpo.
Então eu estava certa.
- E? – perguntei depois de alguns segundos de tenso silêncio.
- E o que, mãe? – meu filho se intrometeu, indignado. - Ela tem um namorado!
- Estou falando com o seu pai, Noah. E não use esse tom comigo se você sabe o que é bom para você.
Ele resmungou alguma coisa, mas não respondeu, limitando-se a cruzar os braços e manter uma careta fechada.
- ?
- Ela tem um namorado, ! Ela é muito nova para isso! Ela não tem autorização para ter um namorado!
Foram tantas exclamações em tão poucas palavras que quase me perdi.
Assim que meu marido terminou de falar, Eve soltou mais um soluço forte antes de finalmente conseguir se pronunciar em palavras entrecortadas:
- Mãe... eu só queria... apresentá-lo formalmente... – afastou-se um pouco para passar as mãos pelo rosto, tentando limpar as lágrimas, mas mantive meus braços ao redor da sua cintura para reconfortá-la. - E o Noah escutou quando fui falar com papai e de repente estavam os dois gritando comigo. É tão injusto! – queixou-se, novas lágrimas caindo.
- Oh, querida.
Reprimi – porque sabia que isso não ajudaria - a vontade de dizer que ela deveria ter vindo falar comigo antes de soltar a bomba sobre o pai.
- Por que você não vai para o seu quarto? Vou conversar com o seu pai.
“Mas não tem o que conversar sobre isso!” o protesto de meu filho foi ao mesmo tempo do de seu pai reclamando que “não iria convencê-lo do contrário”.
Evelyn ignorou os dois e fez o que eu disse.
- Você também, Noah! – apontei com o polegar por sobre o meu ombro e em direção à porta.
- Mas, mãe!
- Noah William ! Ninguém ficou te enchendo o saco quando você veio nos contar que estava namorando Autumn, não é mesmo? Então com que direito você vem reclamar agora? Qual é a diferença entre você e sua irmã, hein?
- É diferente! Eu não tenho dezesseis anos.
- Mas Fall também tinha dezesseis anos quando vocês começaram a namorar. Então, repito, qual é a diferença? – cruzei os braços.
- Não é certo! Ela é muito nova para namorar algum cara!
- Algum cara?- perguntei, chocada. - Você nem mesmo se preocupou em perguntar quem ela está namorando? - Por quê perguntaria? O importante não é isso!
- Não acredito que estou ouvindo uma coisa dessas. Seu pai e eu te criamos melhor do que isso! Te criamos para não julgar sem antes saber dos fatos.
- Mãe, eu-
- Vá para o seu quarto antes que eu perca a paciência de vez – falei, inflexível. - Depois conversamos.
Meu filho me lançou um olhar indignado, mas fez o que eu mandei. O espertinho propositalmente deixara a porta aberta ao passar, a clara intenção de ouvir a conversa. Fui até o batente e bati a porta, trancando-a, depois caminhei até nossa cama e me sentei.
- Senta aqui, amor – bati na cama.
Tinha decidido por uma abordagem mais suave com meu marido, já que, apesar de não ter se manifestado tanto quanto nosso primogênito, ele também estava revirando de raiva.
Afinal eu sabia perfeitamente bem de quem Noah tinha herdado todo aquele sentimento “protetor”.
arrastou os pés e sentou-se ao meu lado esquerdo, emburrado e de braços cruzados. - , eu já tomei uma decisão.
Soltei um suspiro e coloquei minha mão sobre as suas. Por um segundo só observei nossas mãos. Ali estavam as três joias que eu nunca tirava exceto por motivos de trabalho. O diamante enorme que havia colocado em meu dedo quando havia feito o pedido, a aliança que havia ganhado um lugar no mesmo dedo no dia do nosso casamento. E, por último, havia a primeira joia que ele me dera: a pulseira de prata cheia de pingentes.
Deslizei o dedo sobre cada um daqueles adornos. Cada um era uma lembrança da nossa vida - tanto que uma pulseira haviam se tornado dez, das quais eu usava três por vez. Sempre três, contudo. Todos os dias desde que havia me dado a primeira delas com o pingente de floco de neve no primeiro natal que passamos juntos. Era a maneira de que eu o acompanhasse em cada uma das inúmeras viagens que ele fazia. Havia uma memória por trás de cada um daqueles pequenos enfeites.
- Você viu o que ela estava usando, amor? – perguntei finalmente depois de alguns minutos em silêncio.
- Uma saia curta demais? – resmungou.
- A saia dela estava em um tamanho descente, amor, e você sabe disso, mas não sobre o vestuário de Eve que estou me referindo.
- Então sobre o quê? – virou-se para mim, franzindo o cenho, confuso.
- Eve estava com a pulseira que você deu para ela.
Ainda lembrava perfeitamente bem do dia em que fomos ao consultório de minha colega obstetra para descobrir o sexo do nosso segundo bebê. Assim que saímos, fez questão de parar na mesma joalheria que havia comprado meu presente de natal anos atrás e encomendou uma igual para nossa menininha que nem ao menos havia nascido. A partir daquele dia, depois de cada viagem ele voltava com um pingente para mim e outro diferente para Evelyn. Dessa maneira, construiu aquela pulseira por anos até que decidiu presenteá-la em seu décimo terceiro aniversário. Depois daquele dia, assim como acontecia comigo, a joia nunca mais deixara seu pulso.
- E o que isso tem a ver com o problema em questão?
- Primeiro, querido, não existe um problema – murmurei suavemente. – Eve não veio nos contar que está grávida, não está roubando de casa para comprar drogas, não faz parte de uma gangue e não foi expulsa da escola. Esses – enfatizei – sim seriam problemas. O fato de ela ter um namorado é a coisa mais natural que poderia acontecer nessa idade.
- Nessa idade? Ela é muito nova! Muito nova para ter um namorado.
Ignorei suas palavras rosnadas e continuei:
- Amor, o que estou tentando dizer, é que... – respirei fundo, pensando em uma abordagem melhor – por que você acha que ela veio contar primeiro para você que tinha um namorado?
- Quer dizer que você não sabia?
Sacudi a cabeça.
- Não. Eu não tinha nem ideia. Eve é inteligente o suficiente para deduzir que havia uma grande chance de que você ficasse chateado com ela, mas, mesmo assim, ela veio aqui te contar. Não pediu para que eu fizesse isso. E você sabe o por quê?
Podia ver que a curiosidade estava começando a sobrepor-se sobre a raiva.
- Porque você é a pessoa que ela mais ama nesse mundo, , a pessoa que ela mais respeita. Por que acha que a primeira palavra dela foi “papa” e foi para você que ela andou para nos primeiros passinhos que deu? Quando você está viajando, ela sente sua falta quase tanto quanto eu sinto. Você diz que eu sou o herói de Austin, mas é você quem é adorado aqui nessa casa – acariciei sua mão. – Por isso ela veio te confiar que estava namorando. Ela podia se esgueirar por aí com o tal garoto, mas, ao invés disso, contou para você. Para nós. Não escondeu nada e preferiu ser sincera, como nós a criamos para ser. Você deveria estar orgulhoso e não criticando e gritando com ela.
Meu marido se encolheu um pouco e sabia que agora tinha conseguido fazer com que ele raciocinasse.
- E você acha justo o fato de que aceitamos a namorada de Noah sem pestanejar, mas que agora, quando Eve vem até nós esperando o mesmo tratamento, você a recrimina?
- Mas é diferente. Nós conhecemos Fall. Ela é uma excelente pessoa. É nossa afilhada!
- E como você sabe que o namorado de Eve não é um bom garoto também? Você nem mesmo se preocupou em perguntar o nome dele!
olhou para o teto e eu sabia que ele estava com o coração na mão.
- Eu não gosto disso... Ela... cresceu tão rápido – as palavras saíam com dificuldade e seu tom estava mais agudo do que o normal. – Parece que foi ontem mesmo que ela era a garotinha que me prometera que nunca iria se casar e sempre viver conosco.
Abri um sorriso fraco e saudosista.
- , Eve não está indo embora, você não está perdendo nossa filha. Ela só está descobrindo a vida, descobrindo sentimentos novos. Isso não quer dizer que ela vai abandonar você ou qualquer um de nós. Ninguém nunca vai tomar seu lugar.
Ele abaixou o olhar e me encarou de maneira tão vulnerável que quis abraçá-lo e protegê-lo de todos os males do mundo, inclusive de todas as suas próprias dúvidas bobas que o corroíam.
- Tem certeza?
- Oh, babe! Claro que tenho certeza – usei minha mão direita para fazer um cafuné em seu cabelo que agora estava em um corte bem melhor.
Ele olhou para o lado outra vez e sabia que não estava totalmente convencido.
- , você se lembrando de quando Noah e Autumn começaram a namorar? Lembra como Louis teve aquela crise? Todas aquelas coisas que ele disse sobre o relacionamento dos dois ser quase um incesto por eles serem praticamente primos e todas aquelas outras coisas sem sentido?
Meu marido assentiu.
- Aquilo foi um mecanismo de defesa, assim como o que você está desenvolvendo agora. Ele também estava com medo de Autumn se distanciar dele e que talvez Noah quebrasse o coração dela. Mas eles já estão juntos há quase dois anos e os dois estão mais felizes agora e o relacionamento da nossa afilhada com o pai não mudou nada. Deve até ter melhorado, já que Fall está amadurecendo – continuei deslizando os dedos por seus fios. - Eles fazem bem um para o outro, e tudo porque Louis conseguiu enxergar por cima dos próprios medos. Você tem que fazer isso agora, amor. Tem que dar uma chance ao namorado de Eve. Pode fazer isso por mim? Ou, melhor, por nossa filha?
outra vez voltou seu olhar para o meu, abrindo um pequeno sorriso de lado.
- Você sempre saber o que dizer, não é mesmo, ?
- Eu tento – dei uma piscadinha.
Meu marido segurou delicadamente em minha nuca e me puxou para perto.
- Por isso que me casei com você.
- Sério? – sussurrei. - Achei que fosse por todo o meu charme incrível e minha modéstia incomparável.
- Isso também.
Riu contra meus lábios antes de mordeu meu lábio inferior e o puxar devagar entre seus dentes. Logo depois me afogou naquela mistura de sentimento incríveis que sempre me arrebatavam quando ele me beijava daquele jeito profundo.

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Assim que a campainha ecoou por nossa casa, Noah pulou do sofá, um sorriso maligno no rosto, apressando-se para fora da sala-de-estar.
- Senta ai, garoto – mandei com um arquear de sobrancelha antes que ele pudesse alcançar o corredor de saída. – Sua irmã vai atender.
- Eu só quero ajudar, mãe.
Mandei um olhar significativo para ele, o qual respondeu com resmungos inteligíveis antes de virar-se para o pai em um pedido silencioso.
, que estava sentado ao meu lado no sofá maior com o braço sobre os meus ombros, limitou-se a falar:
- Você ouviu sua mãe.
Seu tom era calmo, mas sabia que estava sendo forçado. Meu marido não gostava nem um pouco da ideia de que seriamos apresentados formalmente na ceia de véspera de Natal. Aliás, ele não gostava nem um pouco da ideia de ser apresentado ao namorado dela – mesmo tendo amolecido quanto à ideia, ainda não era seu pensamento favorito, ainda mais no seu dia favorito do ano. Ao menos ele estava tentando, o que já me deixava muito orgulhosa.
Depois da nossa conversa há cinco dias, ele tinha saído do nosso quarto e ido ao quarto de Eve. Eles tiveram uma longa conversa sobre esse assunto, estabelecendo alguns limites e se desculpou pelo jeito rude com que tinha falado antes. Quando ele retornou para o nosso quarto e perguntei como tinha sido, virou-se para mim, sorriu de leve e, tentando conter as lágrimas, disse que Eve ainda estava usando a pulseira. Meu coração tinha se aquecido naquele momento por saber que o laço entre pai e filha estava intacto e provavelmente mais firme do que antes.
Era por isso que agora ele, apesar de relutante, tinha aceitado a presença do garoto em nossa ceia e estava se comportando o suficiente para tanto. Todos tínhamos passado o dia com os nervos exaltados. Meus garotos resmungando e Eve e eu, preocupadas.
Tudo, então, havia culminado para aquele momento em que a campainha tocava e sabíamos que do outro lado estava a pessoa que esperávamos por conhecer há quase uma semana.
Evelyn desceu as escadas voando para ir abrir a porta para o namorado. Alguns segundos de silêncio depois, ouvimos:
- Mãe, pai? Vocês poderiam vir aqui por um segundo?
Estava claro que ela queria nos apresentar sem ter seu irmão super protetor lançando olhares desagradáveis sobre o pobre rapaz. Levantei do sofá e estiquei a mão para meu marido. soltou um suspiro profundo antes de entrelaçar seus dedos no meu e levantar também. De mãos dadas caminharmos até onde nossa garotinha nos esperava.
Confusa fiquei, contudo, quando, ao chegarmos lá, encontramos um rapaz que conhecíamos muito bem. e eu trocamos um olhar desentendido.
- Henry? – meu marido perguntou, analisando o filho de sua melhor amiga da cabeça aos pés.
- Olá, senhor – falou, formalmente para logo depois se virar para mim. – Doutora .
- “Senhor ”? “Doutora ?” Desde quando isso? – arregalei os olhos.
Sempre fomos “tio ” e “tia ” e, por isso, estava entendendo cada vez menos aquilo até que meu olhar caiu sobre a mão entrelaçada de nossa filha com a de nosso afilhado. Imediatamente percebi que ela segurava a mão dele do mesmo jeito que eu segurava a de , isto é, com a outra mão livre envolta do pulso dele. E assim que o segundo de surpresa passou por mim e entendi o que estava acontecendo, quem era o namorado de Eve, tive que engolir a gargalhada de alívio.
Estava extremamente feliz por todas as preocupações de meu marido terem sido infundadas. , todavia, parecia ainda não ter percebido o que estava – literalmente – bem na sua frente.
- Henry? Como vai, filho? – bateu a mão que não segurava a minha no ombro do garoto. – Como estão seus pais? Você sabe que é sempre bem-vindo em nossa casa, mas hoje estamos no meio de um encontro importante. O namorado – ele ainda engasgava nessa palavra - de Eve vai chegar daqui a pouco, então por que não vai se sentar com Noah na sala enquanto esperamos aqui? – sugeriu, ainda na doce ignorância.
- , querido, não acho que Henry tenha vindo ver Noah - apertei sua mão de leve.
Meu marido se virou para mim, franzindo o cenho.
- Como não? Então por que...
Foi deixando as palavras morrerem e eu quase pude ver as engrenagens girando em sua cabeça. Virou-se, então, para o casal e de novo para mim.
Assenti devagar.
- Oh! – foi tudo que ele conseguiu dizer.
Felizmente fomos salvos de um silêncio constrangedor pelo filho de se pronunciando:
- Senhor , eu gostaria de formalmente pedir sua permissão para namorar Eve.
Admirei a coragem de Henry por manter sua voz firme, mesmo sendo visível seu nervosismo. Tanto quanto seu namorado, Eve também estava com os nervos em frangalhos e prendeu a respiração enquanto aguardava a resposta do seu pai.
Apertei de leve a mão dele outra vez.
- Eu... Claro, filho. Claro – sua voz começou meio incerta, mas se estabilizou o bastante para soar bem decidida no final.
Colocou, então, a mão sobre o ombro dele e o apertou naquele cumprimento masculino. Três tipos de sorriso surgiram em resposta ao seu gesto. O de Eve foi de felicidade, o de Henry de alívio e o meu, de orgulho.
- Queridos, por que não vão para sala e aprontam a mesa? Acho que já podemos jantar Entendo que depois vocês dois vão para a casa dos , correto?
Os dois assentiram.
- Pois bem. Noah vai encontrar Fall na casa dos também, então não queremos que ninguém se atrase.
Eles sorriram e se apressaram para fora do cômodo. Assim que eles estavam fora de nossas vistas, fiquei de frente para meu marido e apoiei as mãos sobre seu peito. ainda estava meio desnorteado, mas automaticamente me abraçou pela cintura.
- Viu, amor, não foi tão ruim assim, não é? – perguntei baixinho, alisando sua blusa.
- Henry? – falou, olhando para a porta por onde nossa filhota tinha passado. – Eve está namorando Henry! O nosso afilhado, ! – falou mais para si mesmo do que para mim.
- Eu sei, amor. E isso não é ótimo?
- Ótimo?
- Ótimo, claro. Nós o conhecemos desde que ele nasceu, conhecemos os pais dele, sabemos que ele é um ótimo garoto e tenho certeza que vai tratar nossa garotinha muito bem.
Respirou fundo e finalmente voltou seu olhar para o meu.
- É. Você tem razão, .
- Eu sempre tenho, babe – fiquei na ponta dos pés para encostar os lábios nos dele.
- Mas ainda não estou feliz por ela estar indo para casa dele depois da ceia.
- Sei que não, amor. Mas ao menos é a casa da sua melhor amiga.
- É... – murmurou.
- E fico feliz por você não estar repetindo aquele discurso idiota sobre incesto.
soltou uma gargalhada rouca, me puxando um pouco mais para perto.
- Você acha que vai dar certo? Os dois, eu digo. Não quero que nossa filha se machuque.
- Talvez, querido. Se esse for o destino deles.
- Destino? – franziu o cenho para mim. – Pensei que não acreditasse nessas coisas.
- Também não acreditava em casamento e olha só onde estamos – dei de ombros, rindo.
Mas aquela era apenas uma parte da verdade. É claro que era, no final a razão maior por eu ter deixado minha teimosia e antigas crenças – ou a falta delas – de lado. Foi, contudo, um processo demorado e que aconteceu ao longo dos anos. Foi em cada dia desses mais de vinte anos que passamos juntos, em cada risada, em cada dia de amor, em cada vez que fizemos amor. Foi também em cada briga, em cada desentendimento, em cada noite que ele me apoiou quando chegava exausta da residência e depois do plantão, em cada dia que chorei de saudades porque ele estava do outro lado do mundo cantando. Tudo contribuiu para o desenvolver e o fortalecer do sentimento que havia trazido para o centro do meu mundo e que fazia com ele fosse o meu sol, irradiando força e amor para mim a cada momento em que passamos juntos. E, no final, eu havia usado minha racionalidade para chegar à irracional conclusão de que meu marido estava certo, que ele sempre esteve certo.
Não havia explicação lógica para como um simples acidente de carro havia me levado diretamente para aquela que havia se tornado a pessoa mais importante da minha vida. Não havia ciência que elucidasse como uma única pessoa poderia mudar tanto a vida de outra - e para melhor. Não havia, enfim, outro jeito de exemplificar como me sentia quando estava com ele, como ele me fazia sentir que não fosse invocar aquele mito sobre almas gêmeas.
Não. Não era um mito, havia descoberto. Era verdade.
E, por isso que agradecia todo dia quando olhava para minha família, meus amigos e para a vida que tenho hoje. Agradecia por tudo de maravilhoso que tinha e inconscientemente também agradecia por aquele dia do acidente.
Sentia-me grata até mesmo por aquele carro que me atropelou e – quando finalmente me rendi àquela crença – também pelas forças ocultas do Universo e por tudo que elas me trouxeram. No final, então, sentia-me abençoada pelo Destino e por ele ter se mexido para interferir na minha vida... ou, melhor, por ele ter me atingido em cheio.
Atingida pelo Destino , pensei, rindo.
Entrelacei, então, o braço no de para segui-lo para nossa sala para mais uma ceia de véspera de Natal na nossa casa. E, quando ele olhou para mim e apertou meu nariz de leve, sorrindo, meu coração falhou uma batida mesmo após todos aqueles anos. Tive, então, a certeza de que aquela daria uma boa história.
Uma jovem, um jovem e o resto da vida deles.
Atingida pelo Destino.
É. Definitivamente uma boa história.


FIM



Nota da autora: (30.12.2014) Hey, amadinhas. Como vocês estão? E esse momento chegou. Depois de mais de um ano, 99.539 palavras e 271 páginas, Hit by Destiny chegou ao fim. Vocês gostaram? Isto é, parafraseando, T.S., it left you breathless or with a nasty scar? ;) hahaha
Agora sério. Queria agradecer a toda e cada pessoa que comentou depois de ler essa minha humilde história ou que foi falar sobre ela no twitter/ask/facebook/sinal de fumaça, que indicou a fic para os amigos/companheiros/camaradas ;)
Obrigada de verdade por me estimularem a continuar escrevendo. Isso é muito importante para mim. Obrigada, obrigada, obrigada. Obrigada por acompanharem Summer (nome original da principal) e Harry (a fic é escrita com ele), obrigada pelas teorias sobre um possível caso de amor entre Louis e Lorelai. Obrigada por gostarem dos meus personagens e das minhas histórias. HBD é meu bebê e tenho muito orgulho dele. Espero que vocês tenham se divertido tanto quanto eu me diverti escrevendo e rindo com vocês no grupo ou em cada comentário - seja na rede social que for ;)
Espero te encontrar na segunda parte dessa trilogia, a qual, não, não é a continuação dessa história, mas que, com certeza, terá a participação desses personagens ;)
Obrigada por tudo, vocês são lindas. E agradeço principalmente a minha gêmea, Babs, muuuito obrigada, sis linda por sempre me apoiar em cada loucura de escrita nova que eu tenho e por sempre, sempre me incentivar e ajudar com cada detalhe das histórias. Love you, sis <3

Lembrando sempre que Hit by Destiny é a primeira parte de uma trilogia – de fanfics que podem ser lidas independentemente – chamada S is for Destiny. A segunda parte, Meio Amargo, é a história do terceiro principal de HBD e também será postada aqui no site. Espero ver vocês lá.


Nota da beta: Qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.
Para saber quando essa fic vai atualizar, acompanhe aqui.





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