Não sei de mais nada. “Home is where the heart is” era o que passava pela minha mente. Eu não conseguia pensar direito nem ouvir mais minhas próprias tentativas de pensar algo com um pingo de sentido. Joguei-me no sofá, enquanto encarava um ponto qualquer da TV desligada.
“E agora?”. Coloquei a mão por cima do ventre e sorri involuntariamente. Meu sorriso sumiu quando lembrei que ele não estava mais ali para ouvir essa notícia. “Vamos ter um menino”, eu diria há um tempo. “Vai ser guerreiro como você!”. Isso não aconteceria, simplesmente porque a vida resolveu ser filha da puta e fazer isso comigo.
Há três meses, meu pesadelo começou. Veja bem, só começou…
Flashback
Há um mês, eu havia descoberto que estava grávida. Levava uma vida relativamente tranquila. Trabalhava numa Starbucks do outro lado da cidade e morava com meu namorado que tanto amava. Minha vida era perfeita.
"Hey! I’m look up for my star girl…” era o toque do meu celular e fiquei sem graça por todos olharem para mim, mas ao mesmo tempo sorri. Era o toque que indicava que quem ligava era ele.
– Oi, amor!
– Senhorita… ? – um homem perguntou do outro lado da linha, meio inseguro. Espere lá! Essa não era a voz do … Respirei fundo, com um pressentimento horrível súbito. Com a sensação de que o dia não seria tão bom assim, afinal.
– A própria. Quem deseja?
– É do hospital Saint Magnum. está internado. Sofreu um acidente – a cada palavra, meus olhos se arregalavam mais e mais. – Por ora, ele está bem, mas precisamos que venha ao hospital, por favor.
– COM CERTEZA! Onde é? – quase gritei de desespero. Sim, eu ouvi o homem dizer que por ora ele estava bem, porém a sensação horrível não saiu de dentro de mim e eu não respirei aliviada. Algo muito ruim aconteceria. Que, por favor, não seja com o meu …
O homem me passou o endereço e eu praticamente voei para chegar até lá. Peguei o primeiro táxi que vi e indiquei o endereço, tremendo, com mais medo do que em toda a minha vida. Eu não choraria!
Cheguei surpreendentemente rápido ao local, saltando do táxi e quase me esquecendo de pagar a corrida, voltando rapidamente e dando uma nota qualquer na mão do taxista. Esse me olhava preocupado, mas, como eu não tinha muito tempo – ou era o que sentia –, não dei muita bola.
Saí correndo para dentro do hospital e quase me joguei em cima da mulher que estava na recepção, perguntando onde se encontrava.
– Na UTI, senhora. A senhora é o que dele?
– Namorada – respondi e somente depois raciocinei. UTI? Oh, meu Deus! Tentei me manter relativamente calma, apesar disso.
– Ok, a senhora pode ir por ali e entrar no segundo corredor à esquerda. Encontrará alguns médicos. Eles a guiarão mais adiante.
Saí correndo, sem nem agradecer. Não havia tempo e eu – estranhamente – sabia disso.
– Moço! Médico! – cheguei afobada a um médico. – Onde está? – repetir o nome dele a todo instante estava me causando sentimentos estranhos.
– Venha comigo – ele me redirecionou até um dos quartos e eu já me dirigia até a porta, quando senti a mão do mesmo médico no meu ombro esquerdo. – Opa, opa! Espere – puxou-me. – O rapaz está em estado grave. Os ferimentos são feios e eu não sei se ele aguenta por muito tempo.
– Como assim?! Diga-me que isso é brincadeira, por favor, doutor! – eu não conseguia nem chorar de tão nervosa que estava.
– Infelizmente, não. Mas a senhora desejaria vê-lo? Só dez minutos. É o máximo – ele sorriu complacente. Eu não conseguia sorrir de volta. Só balancei a cabeça afirmativamente. O senhor, então, me fez colocar aquelas roupas ridículas. “Para proteção, tanto sua como dele”, argumentou. Eu não estava com tempo de discutir.
Entrei quase correndo. Quase, pois o médico me olhou feio. Tentei andar devagar, mas era meio difícil controlar a ansiedade.
Olhei para meu homem desacordado. Pelo menos, era como ele parecia. Vários cortes pela testa e a boca um pouco inchada. Continuava lindo. Coloquei uma mão em sua bochecha roxa, fazendo um carinho, e o homem abriu os olhos.
– Oi, amor – sussurrei. Ele tentou sorrir, mas fez uma careta de dor em seguida. Os monitores apitaram e começou a abrir e fechar a boca, tentando falar algo, porém nada saía. Eu olhava dos monitores para os seus olhos, que iam perdendo o brilho devagar.
Então, ele me chamou fracamente com a mão. Quase corri para abraçá-lo.
– Home is where the heart is – sua voz foi ficando fraca a cada palavra e essa foi a única e última coisa que ouvi sair de sua boca naquele hospital. Então, o monitor ao meu lado fez um barulho irritantemente contínuo e eu pensei que... Não era possível. Isso não estava acontecendo comigo.
Olhei de novo em seus olhos, mas neles não vi nada. Brilho, vida, felicidade. Simplesmente nada. Não havia mais uma alma naquele corpo. E, então, meus soluços irromperam pelo quarto. Não sabia o que fazer. Se chamava os médicos ou o abraçava. Optei pela segunda opção e o abracei, mesmo não sentindo o gesto ser retribuído. Comecei a chorar mais alto, mas me afastei dele, fechando seus olhos e repetindo suas fracas palavras… “Home is where the heart is".
Sentei-me ao pé de sua cama e continuei chorando copiosamente, simplesmente mais que nunca. Vários médicos irromperam o local uns poucos minutos depois e, ao contrário do que pensavam, não fiz objeção nenhuma quando me levantaram para me levar para fora. Eu não aguentaria. Não aguentaria ver o corpo dele no estado em que se encontrava, imóvel, sem vida, sem batimentos. Ele agora era frio e não era mais meu.
Alguém me explica por que doía tanto? Saí do quarto e, não sei como, liguei para – a única a quem eu tinha no momento. Com a voz mais morta do mundo, mas sem chorar mais uma lágrima sequer, passei a ela o endereço de onde estava.
havia morrido? Ficado frio? Eu havia ficado mais. Quando se foi, ele não levou só sua vida e suas lembranças, mas também a minha vontade de viver. Como seria daqui para frente?
Braços subitamente me pegaram. Era . Eu via o rosto desesperado da minha amiga de canto de olho olhando em minha direção, enquanto seu namorado me carregava no colo até seu carro e voltava para ver meu recém-morto namorado.
Eu não aguentaria mais um minuto daquilo. Quando me abraçou, somente apoiei a cabeça em seu ombro e a ouvi soluçar baixinho. Eu não tinha mais vontade de nada. Não chorei, não troquei uma sequer palavra com ela. Simplesmente não vivia mais. Não havia mais nada que me fizesse ir pra frente. Nada.
Quando voltou, também não trocou uma palavra conosco e dirigiu até minha casa. me ajudou a subir as escadas e me colocou na cama, falando que dormiria comigo e que não havia como protestar. Não movi um músculo sequer, enquanto ela foi falar com . Olhei para algum ponto do teto branco e comecei a me lembrar de tudo o que havíamos vivido: bom e ruim. Quando a garota voltou, continuei sem mexer um músculo, exatamente como estava.
Ela quase precisou me dar uns tapas para que tomasse banho, mas me recusei a comer.
Naquela tarde, tive um pesadelo. Sim, com ele. Mas era pesadelo somente por o rapaz não estar mais comigo. Ele beijava meu pescoço para me acordar e, quando eu virava para vê-lo sorrir, acordava. Acho que sonhei umas vinte vezes com a mesma coisa.
Passei uma semana sem fazer nada. Faltei à faculdade, ao trabalho, ao curso, e só atendia aos telefonemas da minha querida – e chata – amiga para confirmar que continuava viva. Pelo menos meu corpo continuava vivo.
Mal comia, não me importando quando minha barriga roncava. Até que um dia lembrei… Eu… Estava grávida. Sim, só fui me lembrar novamente desse fato uma semana depois.
Olhei para minha barriga que roncava e parecia enorme. Sorri pela primeira vez naquela semana. De repente, a vida voltou a mim. Não de uma vez. Aos pouquinhos. Conforme passava o dia e eu acariciava meu ventre, meu estômago reclamou de fome e minha bexiga de vontade de ser esvaziada. Fiz ambos com as mãos onde meu ventre resplandecia alegria, em mim. Se não fosse ele, eu não viveria. Não haveria como. Mais tarde, liguei para . Assim que atendeu, nem a deixei completar o sermão de que eu não havia a atendido mais cedo e já disparei.
– Você pode vir aqui com o , por favor? Tenho um comunicado importante. Beijo – e não a deixei responder também, desligando na sua cara.
Ela chegou à minha casa preocupadíssima, os olhos arregalados, e simplesmente não entendeu nada quando me encontrou vestida descentemente, com umas três mochilas ao meu lado.
– Posso ir passar um tempo com vocês? Só até conseguir um dinheiro com esse apartamento e conseguir uma casa onde criarei meu pequeno sozinha – nessa hora, eu estava em frente a ela, com a mão no ventre, olhando sua feição surpresa. A menina estava com os olhos marejados e as mãos na boca e tinha um sorriso sutil desenhando seus lábios. Estava feliz pelo amigo. Tenho certeza. Levei tudo meu para lá, alegando que minha vida não havia parado, apesar de doer.
Doía no fundo da minha alma, mas eu não demonstrava nunca, a nenhum dos dois.
Um mês e meio depois consegui vender o apartamento, com mobília e tudo. Pedi – lê-se: supliquei – a que retirasse as coisas de .
Mas eu continuei em frente. Forte, porque tinha uma criança dentro de mim. E eu precisava ser forte por nós dois agora.
**
É um menino. Jack. Foi o nome que ele escolheu. O garoto viveria bem, teria amor e conheceria o pai por fotos. Eu já conseguia falar seu nome sem chorar, mas evitava. Ainda doía. Bastante.
Mas era a minha vida. “Se aconteceu, era porque tinha que acontecer. Bola para frente! Aliás, deu-me uma vontade de comer bolinhas de chocolate…”. Salivei e saí correndo para a rua, a fim de comprar meu doce.
Minha vida não era mais adocicada, não tinha mais o mesmo teor, a mesma felicidade. Porém, ainda era a minha vida. E do pequeno Jack também.
“Home is where the heart is”. Ele vai estar sempre comigo, presente em mim. No meu pequeno, mais do que tudo.