I'll always be here when dawn
Autora: Nanda | Beta: xGabs Andriani




O sol sumia no horizonte e eu não conseguia vê-lo. É, foi nesse momento que eu percebi que não estava mais em casa. Não foi quando eu dei um abraço de despedida em Iam, não foi quando Amy acenou para mim com lágrimas nos olhos, não foi quando o avião decolou e eu vi o mar pela última vez. Foi quando eu percebi que o sol estava se pondo e eu não conseguia ver nada além de seu brilho alaranjado no céu cinzento de New York. E por algum motivo isso doeu mais do que fazer as malas.
Olhei para todos os prédios e arranha-céus ao meu redor, olhei para o trânsito caótico, olhei para as luzes nos outdoors. Esse lugar não é em nada parecido com Carmel , pensei triste lembrando da minha antiga e pequena cidade no sul da Califórnia.
Minha mãe apontava com ânimo para vários lugares e conversava animada com nosso taxista desde que me buscou no aeroporto, enquanto eu tentava me fundir ao banco imaginando o que Iam e Amy, meus antigos vizinhos e melhores amigos, estariam fazendo agora. Surfando provavelmente. Imaginei com amargura as ondas o cheiro do mar, as gaivotas voando no horizonte e o céu se estendendo infinito sobre mim. Agora eu vou ter que me acostumar com esses prédios, o cheiro de poluição, os pombos e com essa enorme quantidade de pessoas que parecem conhecer uma única cor: preto. Amy me disse que aqui eles usam tanto preto para evitar ficarem lavando a roupa todos os dias, pois esconde a sujeira, o que me fez rir com desgosto.
O taxista virou em uma ponte, que segundo minha mãe se chamava Manhattan Bridge, e seguiu em direção ao Brooklin, onde ficava minha nova casa, ou pior: apartamento. No fim não era tão ruim quanto eu esperava, tirando o fato de que eu tinha que subir dois enormes lances de escada carregando malas e caixas porque não havia um elevador! O apartamento era razoavelmente grande, para apenas duas pessoas, claro que não tão grande quando nossa antiga casa, eu ainda tentava me acostumar com a ideia de que a cozinha ficava no mesmo andar que os quartos, mas tirando isso, a sala que tinha umas das paredes totalmente de vidro era bem legal.
A maioria dos móveis já estava em seus lugares, tinham vindo com minha mãe há duas semanas, então não me preocupei com nada antes de deitar na minha nova e não tão confortável cama e adormecer.

Uma luz cinzenta e fria me acordou, rolei na cama me agarrando aos cobertores com uma sensação estranha. A cama não me era familiar, a luz, que antes eu havia confundido com a neblina vinda do mar que costumava invadir meu quarto de manhã quando eu esquecia a janela aberta, também. E então eu já não conseguia mais dormir, e me levantei em um quarto estranho, em nada parecido com meu antigo quarto azul e amarelo. Esse era roxo e cinza, decorado com bom gosto, mas mesmo assim estranho. Havia uma porta que dava para o meu próprio banheiro e outra para o armário. Minha mãe havia colocado minha antiga penteadeira perto da janela e uma escrivaninha na parede em frente à cama, no criado mudo havia uma foto tirada no último baile: Amy de mãos dadas com Sam sorria doce para mim, seu cabelo era tão claro quanto o de Sam era escuro, seu vestido azul marinho a fazia parecer uma princesa da lua, ou algo do tipo. Os braços de Iam estavam ao meu redor, ele estava com seu cabelo loiro queimado do sol e seu sorriso tinha um quê de ironia que eu amava, ele olhava para mim para mim com um misto de divertimento e nervosismo, enquanto eu sorria de volta para Amy, eu vestia um vestido lilás e roxo muito bonito, diga-se de passagem, e meus cabelos estavam presos em uma trança folgada. Minha mãe provavelmente havia posto a foto ali para fazer eu me sentir em casa, mas a única coisa que senti ao ver aquela imagem foi tristeza, eu não conseguia acreditar que eu estava tão longe deles, eu nunca havia imaginado minha vida assim, sozinha, porque afinal nunca estive, mas agora, a única coisa que consegui fazer antes de abaixar o porta-retrato foi chorar.
Acho que foi a primeira vez que me permiti chorar de verdade sobre isso. Eu não tinha derramado uma lágrima sequer antes porque não era o certo, eu não me sentia traída nem sentia que minha mãe estava sendo egoísta. Ela havia cuidado de mim durante toda uma vida sozinha, me dado tudo que sempre quis, toda a atenção que podia, portanto eu não poderia agir como a adolescente injustiçada sendo que se eu não a apoiasse seria eu a injusta. Nunca encarei essa mudança como algo ruim, tão pouco como algo bom, mas eu não choraria, porque era meu dever estar ao lado dela, independente do que fosse. Mas também porque eu não queria chorar na frente de Amy, eu sabia que não seria difícil apenas para mim, então aguentei firme, sempre fazendo alguma piada e tal, mas ali, sozinha, eu realmente entendia que estávamos muito, muito, muito longe, eu entendia que por mais que eu quisesse não seria a mesma coisa, porque eu não teria meus amigos aqui, porque agora eu via que estava realmente sozinha. Não apenas sem ninguém no mesmo lugar, porque minha mãe ainda estava ali, mas sozinha com meus pensamentos, não era apenas sozinha no sentido físico, era como se metade da minha alma tivesse ficado do outro lado do país.

Quando finalmente tive coragem de me levantar e tomar um banho, coloquei minha calça jeans mais velha e um suéter, fiquei desfilando pelo apartamento com minhas meias quentes a procura do meu celular, eu não lembrava onde o havia deixado ontem. O encontrei na bancada da cozinha, junto com um bilhete da minha mãe.

Volto às 8:00 pm, desculpe mas não tive coragem de te acordar, tem comida na geladeira.
Com amor, mamãe.


Uau, ela estava sendo legal mesmo, não tive coragem de te acordar?, se eu fosse um pouquinho mais má, me aproveitaria da sua culpa para fazer compras sem levar bronca, mas como eu era uma boa garota me contentei em sorrir ao constatar, quando olhei para o relógio que marcava seis da tarde, que pela primeira vez na vida dormi um dia inteiro, 24 horas exatas.
Me sentei no sofá apreciando a vista da enorme parede de vidro. Dava para ver a ponte do Rio West. Talvez fosse por isso que mamãe tenha escolhido esse apartamento, mas nada se comparava a vista do mar que tem meu quarto, ou melhor, meu antigo quarto, porque a vista do meu novo quarto dá para um beco horroroso e sem graça, a não ser que você considere a visão assustadora do mendigo que mora lá legal.
O toque animado do meu celular me despertou do transe, o visor indicava que era uma chamada da Amy.
- Como é a Costa Leste? – ouvi a sua voz aguda e familiar de Amy perguntar, não pude conter o sorriso, era tão bom ter algo familiar por perto.
- Oi para você também! Vou bem obrigada, a viagem foi péssima, ahh... não, não precisa se preocupar – eu disse irônica e a ouvi bufar.
- O que você está fazendo? Para onde você já foi? Espero que tenha encontrado um modelo da Calvin Klein!
- Amy! Não! Eu passei as últimas 24 horas no meu digníssimo quarto, para ser mais exata na minha cama!
Afastei o telefone do ouvido ao ouvir seu grito.
- Eu simplesmente não posso acreditar que você está morando numa das maiores cidades do mundo e ficou na sua cama! Você ao menos pegou um ônibus? Ou metrô? – ela perguntou, claro que ela perguntaria isso, porque ônibus na Califórnia, principalmente em Carmel é coisa muito rara, quem diria metrô.
- Não, na verdade peguei um táxi, horrível, levou duas horas do aeroporto até aqui em casa e foi um absurdo de caro.
- Você é a pessoa mais sem graça que existe! Trate de sair de casa e ir ao Central Park encontrar algum cara gato.
- Amy, são seis horas da tarde, até eu chegar lá o parque deve estar fechado.
- Eu me esqueci disso... essa coisa do horário é muito esquisita, aqui são dez da manhã ainda.
- É – respondi triste – como os meninos estão? – perguntei, mas no fundo eu só queria saber de um deles, Iam.
- Na verdade, não sei bem – disse ela e eu quase podia vê-la enrolando os cabelos longos e loiros nos dedos – ontem quando voltei do aeroporto Iam estava na calçada com os olhos muito vermelhos, o que, claro, ele vai negar eternamente, e Sam ficou dizendo para ele que enquanto ele estava ali chorando como uma garotinha você devia estar agarrada com algum Nova-iorquino metido a besta. – disse ela rindo – claro que ele levou algumas tapas meus porque você nem havia chegado a New York ainda.
- É muito legal saber que é essa a visão que vocês têm de mim! – disse me fingindo ofendida.
- Falando sério, Iam sente sua falta...eu sinto sua falta – disse ela com voz chorosa – eu sei que eu deveria estar vendo isso pelo lado bom, sabe? Você vai ficar branquela e com o cabelo escuro, e seu senso de moda vai ser muito favorecido, eu posso até ver você batendo em alguém para pegar um Prada em promoção, e claro que você não se esqueceria de mim, porque calçamos o mesmo número, mas... – e agora eu tinha certeza que ela estava chorando – eu só consigo pensar que você está do outro lado do país e que ninguém vai ter paciência de discutir o quanto o Damon Salvatore é gato comigo, e você não vai estar ao meu lado quando formos para a praia cantar desafinados para ver o pôr do sol, e eu nunca mais vou poder te encher o saco por ter visto o Iam entrando no seu quarto pela janela, e também não vou poder fazer cara de nojo quando você cair em algum arbusto de sumagre venenoso... – mas ela não conseguia mais falar nada, nem eu, estávamos as duas em prantos.
Então ouvi um som agudo como um toque e o som do cachorro da Amy latindo, alguém havia tocado a campainha da casa dela.
- Hey, um minuto, ok? – disse ela com a voz falha.
Esperei paciente, secando as lágrimas.
- !!! – disse ela animada – Adivinha quem está aqui! – disse rindo.
- Hum... Matt Damon? Não! Não! Orlando Bloom? Peraí...Chris Evans? – perguntei rindo.
- Melhor!
- Hugh Jackman?
- Não, ahh nunca entendi essa sua tara por atores velhos!
- Hugh Jackman não é velho...
- Ahh, para com isso, muito melhor que Hugh Jackman – disse ela me interrompendo.
- Chris Hemsworth nu? – perguntei como voz de quem faz a última tentativa.
- , querida, é bom que você saiba que essa chamada está no viva-voz!
- Isso mesmo – disse uma voz conhecida que fez meu coração disparar – Pare de agir como se eu não fosse o cara mais gato do mundo! – falou Iam.
- Iam Wayland! Como seu ego cabe nessa casa? – perguntei com um sorriso bobo no rosto, não fazia nem 48 horas que não nos víamos e eu sentia que fazia uma eternidade que não escutava sua voz.
- Na verdade ele sai pelas frestas das portas e janelas.
Nós três rimos.
- Bom, queridos, eu estou com fome, então se não se importam podem tirar do viva voz porque vou para a cozinha e a eletricidade está muito cara para vocês ficarem desperdiçando a energia do meu celular. - e esse era o jeito que Amy encontrava para nos dar privacidade, tão sutil.
- Como você está? – perguntou Iam um tempo depois.
- Não sei ao certo, solitária talvez. – falei olhando para o céu.
- Não fazem nem dois dias que você partiu e eu sinto tanto a sua falta – falou ele.
- Ahh Iam. – falei chorosa.
Ficamos em silêncio, apenas ouvindo nossas respirações, e eu tive medo que aquilo por algum motivo virasse rotina, tive medo de perdê-lo.
- O que vamos fazer, ? – ele perguntou.
Tentei manter minha voz firme ao dizer as palavras que eu ensaiava há dias, mas o problema é que elas não saíram, ficaram presas a minha garganta e a única coisa que consegui dizer foi um sussurrado: Eu não sei.

Duas semanas haviam passado e eu ainda chorava pelos cantos, toda vez que eu abria uma caixa e alguma coisa me lembrava de algum deles, meu coração disparava e eu quase dizia: 'Hey Amy! Lembra quando eu comprei esse relógio e aquela senhora...', mas então eu percebia que ela não estava ali, e isso fazia me sentir mais solitária do que nunca.
A verdade é que eu estava literalmente muito sozinha, com a mamãe trabalhando no jornal o pouco tempo que eu ficava com ela era à noite, e eu não tinha muita coragem de sair para conhecer o Brooklin ou o resto de New York sozinha, então ficava em casa, arrumando as caixas da mudança conforme chegavam e assistindo TV. Às vezes eu falava com Amy ou com Iam pelo telefone ou pela internet, mas como era verão eles estavam trabalhando e não tinham muito tempo e além de tudo, o fuso horário de oito horas não contribua em nada.
E então numa manhã de terça-feira eu estava tentando preparar brownies porque estava cansada de cereal matinal, mamãe estava se arrumando para ir ao trabalho e a campainha tocou. De início não me toquei que era a campainha do nosso apartamento, porque afinal, ninguém nunca a tocou enquanto eu morava ali, assim minha mãe que acabou atendendo. Espiei por cima do balcão quando ouvi uma voz masculina dizer:
- Seria um prazer, Sra. Tuner.
Era um rapaz mais ou menos da minha idade muito gato. Cheguei a achar que tinha encontrado algum modelo da Calvin Klein dos qual Amy tanto falava. Ele era moreno e seu cabelo era arrumado de um jeito bagunçado e sexy, seus olhos eram muito verdes e eu conseguia ver isso de longe, ele tinha um rosto incrivelmente desenhado, parecia que havia sido esculpido em mármore! O queixo perfeito e as maças do rosto altas e angulosas. Sem falar nos cílios, aquele tipo de cílios para o qual os garotos não ligam, mas que fariam qualquer menina matar para conseguir.
Minha mãe falava alguma coisa com o rapaz que sorria educado, mas eu não prestei muita atenção, por favor, não me culpe, eu sei que meu coração pertence a um surfista loiro da costa oeste, mas isso não me impede de babar quando um cara gato assim bate na minha porta.
Então o timer do fogão me tirou dos meus devaneios e eu estava tirando o brownie do forno quando ouvi minha mãe dizer:
- Por que você não toma café conosco? fez Brownie.
Não preciso dizer que quase derrubei a travessa.
Mas me controlei e a coloquei na mesa respirando fundo ao ver minha mãe fechando a porta e o garoto entrando atrás dela.
Droga! Não que eu estivesse no meu pior estado, eu havia tomado banho e vestido uma roupa decente, mas não é exatamente assim que eu gosto de encontrar caras gatos, não que eu pretendesse me encontrar com ele, mas digamos que eu não queria parecer tão sem sal.
- , esse é Ethan Baker, nosso vizinho, Ethan essa é , minha filha – disse minha mãe animada, para variar.
Ele sorriu e estendeu a mão, e eu dei um sorriso sem jeito ao aperta-la, e cara, ele tinha mãos muito legais!
Minha mãe conversava animada, me fazendo algumas perguntas bobas, só para me incluir na conversa, enquanto eu servia a mesa com a ajuda de Ethan.
Sentamos a mesa e eu comi em silêncio, agradecendo aos céus pelo fato dos brownies terem ficado gostosos.
Ethan, além de nosso vizinho era estudante da escola para a qual eu iria, o que me fez imaginar se todos os caras de lá seriam ao menos parecidos com ele, a Poly Prep (um nome ridículo na minha opinião) e ele jogava fultball, o que explicava muito bem seu tamanho e seu tanquinho, visível por debaixo da blusa branca.
- O que você está achando de New York? – ele perguntou.
Ergui as sobrancelhas surpresa, porque eu não estava participando muito da conversa, portanto foi uma surpresa ele fazer uma pergunta direta a minha pessoa, pelo menos uma surpresa para mim.
- Hum.. cinza – respondi incerta. – Eu não saí muito, na verdade não saí para lugar nenhum ainda.
- não gosta de sair sozinha – esclareceu minha mãe. - Ela está em casa desde que chegou.
- Eu não acredito que você está perdendo o verão em casa! – disse ele animado enquanto eu o respondia com um sorriso amarelo.
- Por que vocês não saem juntos? – perguntou minha mãe, e eu juro que quis que um raio a atingisse naquela hora, quase me fundi com a cadeira com o rosto ficando tão vermelho quanto.
- Seria ótimo! – respondeu Ethan para minha surpresa, o que fez, se possível, meu rosto ficar ainda mais vermelho. – O que você acha? – ele me perguntou.
- Legal – balbuciei olhando de cara feia para minha mãe.
Enquanto minha mãe sugeria inúmeros lugares para Ethan me levar, eu notei seu olhar sobre mim, não que ele não tivesse me dando umas olhadas de canto de olho antes, mas agora ele parecia se aproveitar da distração da minha mãe para literalmente me encarar.
Eu me levantei e comecei a tirar as coisas da mesa, Ethan ainda me olhava, e minha mãe falava sem parar até que, novamente, ele me ofereceu ajuda e embora eu educadamente tenha negado ele me ignorou.
Nossa cozinha não era muito grande, mas como era no estilo americano, integrada com a sala e a sala de jantar dava a impressão de ser, e acho que eu só reparei que ela não era grande de verdade quando dei de cara com Ethan, derramando o café que eu carregava nele.
- Meu Deus! Me desculpe – eu disse desesperada tentando secá-lo antes que o café quente ensopasse demais a camiseta branca do rapaz. – Me desculpe, me desculpe... - Tudo bem – disse ele rindo do meu nervosismo.
- Me desculpe! Você não se queimou? Me desculpe...
- Hey , está tudo bem! – disse ele colocando a mão sobre a minha que tentava secá-lo, ergui o rosto como se ele tivesse acabado de me chamar, e ele estava ali, a centímetros de mim, me encarando como se eu fosse muito legal e com a mão na minha.
Retirei a mão apressada e me virei, fingindo procurar guardanapos.
E então minha mãe apareceu tumultuando ainda mais a pequena cozinha.
- Ethan – disse ela olhando para a camiseta dele, agora com uma enorme mancha marrom. – Meu Deus o que aconteceu?
- Eu derramei café nele - respondi rápido, o que fez minha mãe me olhar de cara feia.
- É melhor você trocar essa camiseta, – ela disse. – mas eu não tenho nenhuma para te oferecer - falou ela com um sorriso.
- Tudo bem, eu vou em casa trocar, não é muito longe mesmo – falou e então se virou para mim. – Te vejo em meia hora na portaria, tudo bem?
- Ah... – para o que ele queria que eu fosse à portaria mesmo?
- Você não quer ir? – ele perguntou surpreso.
Antes que eu pudesse formular uma resposta minha mãe disse.
- Claro que quer! – e então abriu a porta para ele. - Ela estará lá.
E com uma última olhada para mim ele sumiu.
- Mãe!
- O que? Você não o achou bonito? – perguntou ela parecendo pasma.
- Não é isso. É que... – eu tentava encontrar uma boa resposta, que não envolvesse o nome de Iam, mas parecia impossível – É que você não pode sair me empurrando para cima das pessoas assim!
- Ora , eu não te empurrei para cima de ninguém! Ethan pareceu gostar da ideia!
Bufei.
- Desde quando você o conhece?
- Foram ele e o pai que me ajudaram com as coisas quando você ainda estava na Califórnia, muito educados – disse ela.
- E é só ele e o pai? – perguntei já sabendo que o interesse original dela não era me juntar com o filho.
- Sim.
- E o Sr. Baker é bonito e legal?
- É – e então surpresa ela notou onde eu queria chegar – !
- O que? – eu perguntei rindo já dentro do meu quarto, começando a procurar uma roupa decente, no fim essa seria outra coisa que eu não faria por mim.

- E essa é Chinatown! – disse ele.
- Não me leve a mal, mas esse lugar é muito feio! – respondi olhando com desconfiança os orientais que me interceptavam a cada metro me oferecendo alguma coisa, desde bolsas até camarão empanado.
Ethan riu e me pegou pela mão, me guiando entre as pessoas.
- Pode até ser, mas não há lugar em New York que venda melhor Dim Sum!
- Dim o que? – perguntei desconfiada, eu não estava nem um pouco afim de morrer com alguma infecção intestinal.
Ethan gargalhou. Ele sempre ria de algum comentário que eu fazia, às vezes eu tinha a impressão que ele achava que eu estava fazendo alguma piada. Mas ele era divertido, e parecia se importar realmente com o que eu achava das coisas, além de ser um tremendo gato e parecer não ligar para o contato físico. Certo, eu tenho um grande problema de andar por aí de mão dadas e passando as mãos pelos ombros das pessoas, mas ele não! E de alguma forma eu gosto disso.
Já estava anoitecendo, tínhamos visitado inúmeros lugares durante todo o dia! Eu não conseguia acreditar que havia tantos pontos turísticos só no Brooklin.
Fomos ao Heights e não me contive de tirar inúmeras fotos de Manhattan para mandar para Amy, a maioria delas tinha Ethan fazendo caretas ao meu lado e embora eu soubesse que ela falaria horrores sobre isso, não liguei. Não pude deixar de notar o quão o mar parecia diferente do que eu conhecia. Depois caminhamos pelo Dumbo, que era um bairro cheio de lugares alternativos que Ethan parecia conhecer de cor e salteado, no Prospect Park e demos comida para os patos no lago e Ethan jurou que me levaria ali no inverno. Ele dizia que o parque parecia assustador e romântico ao mesmo tempo, e agora estávamos ali, em ChinaTown provando os tais dos Dim Sum, que na verdade são uns pasteizinhos fritos com massa transparente recheados com frango ou legumes.
Enquanto comíamos em uma das mesas de um restaurante com um nome que eu não conseguia ler, pude prestar atenção no lugar. Era cheio de prédios de tamanhos e larguras variados, a maioria com uma pintura desgastada, mas com letreiros luminosos, cheio de orientais em barraquinhas estranhas e cheio de casais.
Quando parei de reparar no lugar notei que Ethan me observava, devolvi o olhar erguendo a sobrancelhas e perguntando:
- O que foi? – sim, eu realmente sou muito educada!
- Nada – ele respondeu, mas mesmo assim não parou de me olhar.
Revirei os olhos pensando no que havia de errado com esse garoto.
- Vamos para casa? – perguntei quando terminamos os pasteis.
- Ainda não! – respondeu ele animado e enigmático.
Ele parecia estar sempre animado.
- Ethan, é bom que você saiba que meu dinheiro acabou, só tenho o suficiente para uma passagem de trem!
Sim, eu havia gastado tudo o que tinha trazido com cafés tentando acompanhar Ethan. Ele comprava um café praticamente a cada quarteirão, talvez fosse pelo excesso de cafeína que ele se sentisse impossibilitado de ficar parado.
- Tudo bem! Dessa vez você vai me deixar pagar!
- Para onde vamos? – perguntei com um suspiro.
Ele me olhou cínico de um jeito que me lembrou de Iam, e que fez meu coração dar um salto duplo no meu peito e meu estômago se contrair agradavelmente.
- Surpresa! – e então ele me pegou pela mão novamente, me arrastando apressado pela multidão.

Eu só sabia que havíamos pegado o metrô sentido Coney Island e que descemos na penúltima estação. E então Ethan colocou uma das mãos sobre os meus olhos o que me fez andar muito devagar e aos tropeços até o Luna Park. Isso mesmo, Ethan havia me levado a um parque de diversões.
As luzes coloridas e os brinquedos deixavam tudo parecendo um sonho, um sonho antigo e colorido.
Crianças corriam com balões e casais apaixonados andavam de mãos dadas.
Haviam algumas barracas em que se podia tentar alguma brincadeira, e foi divertido ver Ethan se revoltar com os palhaços, que segundo ele tinham a boca pequena demais. Mas mesmo quando eu o respondia sorrindo eu não me sentia realmente ali, a cada passo que dávamos em direção a roda gigante eu me sentia mais longe de New York e mais perto de Carmel, eu sentia que estava indo para casa enquanto seguia as luzes douradas, sentia que estava indo para Iam como naquele dia há quatro meses, mas é claro que não era verdade.

4 meses atrás
Olhei insegura para o espelho, eu fingia não saber o motivo dessa insegurança, mas é claro que eu sabia, só que ele era assustador demais para eu sequer conseguir pensar.
O vestido floral rosa claro caia bem em mim, junto com as sapatilhas e o rabo de cavalo. Eu estava bonita e sabia disso, mas mesmo assim eu não queria admitir que minhas mãos estavam tremendo, embora isso fosse bem visível.
- , relaxa. – disse Amy me admirando, ou melhor admirando seu trabalho, eu não conseguia fazer minha maquiagem nervosa daquele jeito, então tive que apelar.
- Eu simplesmente não consigo relaxar! – falei exasperada.
- Pois deveria! – disse ela sentando na minha cama. - Não é como se você não o conhecesse!
Bufei, voltando a minha atenção para o relógio, faltavam dez minutos para o horário marcado.
- Quer dizer... – falou Amy como se não tivesse parado seu discurso em momento algum. - Vocês se conhecem a o que? 10 anos?
- 12 – corrigi automaticamente, eu havia conhecido Iam no dia em que ele se mudou para a casa no fim da rua, o dia do meu aniversário de 5 anos e desde então éramos inseparáveis.
- Viu só! – disse ela bobamente – Não é só porque ele te chamou para um encontro que as coisas mudaram!
Pensei no quanto Amy não sabia que estava errada, tudo havia mudado depois do nosso quase beijo, no dia em que ele fez esse convite.
O rosto dele estava tão próximo do meu, e ele me segurava tão perto, eu conseguia ver muito bem o azul de seus olhos e a forma como o verde aparecia timidamente nas extremidades de sua íris. Eu sabia que ele iria me beijar, mas não pareceu certo! Quer dizer somos amigos há doze anos, e não é porque há quase um ano eu sinto meu coração disparado quando ele chega perto de mim que as coisas têm que ser diferentes, mas eram e isso era muito assustado, e foi por isso que eu desviei meu rosto, o fazendo dar um beijo na minha bochecha, e eu tive que sonhar por uma semana com a cara de despontado que ele fez quando arrumei uma desculpa e sai apressada da sua casa. Mas então aqui estava eu, tremendo o esperando chegar!
- Planeta terra para ! – disse Amy passando as mãos na frente dos meus olhos – Iam chegou!
- Droga! – eu disse olhando para o espelho mais uma vez.
Amy me estendeu minha pequena bolsa e respirei fundo e sai do quarto.
Iam estava na calçada, vestindo a jaqueta jeans que eu lhe dei de presente no seu aniversário, encostado em sua moto preta me olhando ironicamente, ele sempre me olhava ironicamente, como se soubesse de algo sobre mim que ele não me contaria. - Você está linda – disse ele me estendendo um capacete.
- Obrigada – murmurei corada, desde quando Iam me diz essas coisas?
Ele me olhava com um misto de irritação e divertimento enquanto eu colocava desajeitadamente o capacete.
- Deixa que eu coloco isso – falou tomando-o de minhas mãos e ajeitando meu cabelo carinhosamente antes de colocar o capacete sobre minha cabeça – bem melhor! – falou ele me olhando nos olhos, não pude evitar sentir meu estomago afundar e voar ao mesmo tempo – Agora vamos!

Era o festival de Primavera, então a escola havia montado como todos os anos um parque de diversões para arrecadar fundos, só não me pergunte para o que.
Havia roda-gigante e todos aqueles outros brinquedos e jogos que se tem tradicionalmente nesses eventos. As luzes douradas e vermelhas pareciam aquecer a noite fresca e eram ouvidas risadas de todas as direções.
Assim que chegamos ao parque, Iam pegou na minha mão. Eu não pude evitar estremecer, eu mal havia me recuperado da viagem na moto.
Ele sabia que morria de medo, e talvez fosse por isso que tivesse me levado daquele jeito, ele havia se aproveitado de mim! Se ele queria que eu o agarrasse teria que encontrar métodos mais lisonjeiros da próxima vez.
Não que não tenha gostado, eu sorri nas costas dele quando passei meus braços com força ao seu redor e o senti estremecer.
E isso não saia da minha cabeça. Eu estava sentindo demais. Sentindo coisas que eu não deveria sentir. Não por Iam!
Mas ao mesmo tempo eu não sentia que era errado enquanto andávamos de mãos dadas entre as pessoas, embora nunca tenhamos feito isso.

- Você é péssima! – disse Iam e eu bufei.
- Não sou não! – neguei, mas eu sabia que ele estava certo, até o senhor na barraquinha de tiro ao alvo ria da minha cara.
E para piorar eu errei novamente.
- Mais uma ficha – pedi para o senhor.
- É a nona vez que você tenta isso, ! – falou Iam sorrindo – Desista.
- Nem pesar. Eu não saio daqui enquanto não acertar pelo menos um tiro!.
Iam suspirou e pegou a arma que o homem me estendia rindo.
- Hey! – falei tentando pega-la novamente.
- Você podia ser mais legal? Estou tentando te ajudar. – disse ele se posicionando atrás de mim.
Eu contive um suspiro quando ele colocava minhas mãos ao redor da arma e as dele por cima.
- Agora você mira – disse ele ao meu ouvido – e prende a respiração antes de atirar. Mas era muito difícil me concentrar na mira com ele me abraçando daquele jeito. Ok, podia não ser bem um abraço, mas eu iria fingir que era.
E quando apertei o gatilho e o maldito barquinho caiu eu gritei satisfeita e surpresa abraçando Iam com força enquanto ele me rodava.

Sentamos no banco da roda gigante rindo, enquanto eu segurava satisfeita o tigre de pelúcia que havia conseguido no tiro ao alvo.
Ficamos em silêncio olhando o parque ficar cada vez menor conforme subíamos. Já havia anoitecido e o céu estava estrelado, quase tão iluminado quanto o parque, a brisa noturna vinda do mar era muito mais fria ali em cima.
- ? – chamou Iam baixinho.
Virei-me para ele e então gritei. A roda gigante havia parado com solavanco ao mesmo tempo em que tudo ficava escuro.
Uma queda de energia.
- Ai meu Deus - falei entrando em pânico sem enxergar nada na súbita escuridão.
Iam passou os braços ao meu redor e me puxou para perto de si. Ele nunca havia feito isso. Meu coração já disparado por conta do susto acelerou ainda mais, eu quase podia ouvi-lo bater, do mesmo jeito que ouvia as outras pessoas falando nos cestos da roda gigante.
- Daqui a pouco vão tirar a gente daqui – disse ele baixinho como se não se importasse de ficar ali para sempre.
- Mas... – disse antes de me conter, eu não iria bancar a menininha agora.
- Mas o que?
- Nada.
- .
- Está frio aqui em cima.
Meus olhos já havia se adaptado a pouca luz então pude vê-lo sorrir ao abrir sua jaqueta e me aninhar ali, com os braços apertados ao meu redor. Apoiei minha cabeça em seu peito, sentido o cheiro do seu perfume e sua respiração.
- Está melhor agora?
- Sim – muito melhor.
- ...
- Sim?
- Tem uma coisa que quero te dizer, já há um tempo, mas sempre parece que algo me impede – disse ele de um jeito doce, e estranhamente genuíno, com a dose certa de timidez, de um jeito que eu nunca pensei que ele fosse falar, pelo menos comigo, o que fez me sentir ligeiramente febril.
- Não há nada te impedindo agora. – meio que sussurrei e soprei ansiosa.
Ele suspirou audivelmente antes de dizer.
- Eu não deveria sentir isso por você.
- Não? – perguntei assustada porque, mesmo negando, eu queria que ele também sentisse.
- Nos conhecemos há tanto tempo, você é como uma irmã... você deveria ser como uma irmã! Eu sempre achei que fosse assim – ele me apertava com mais força conforme falava cada vez mais rápido. – e então eu te vi com o Brian naquela festa e quis me convencer de que o que eu estava sentindo era ciúmes fraternal, mas toda vez que você chegava perto eu ficava confuso, eu queria te ter exclusivamente para mim, queria toda a sua atenção, queria que você sorrisse só para mim, e que falasse doce só comigo, e que me consolasse, a mim, apenas a mim. – ele olhava para o céu estrelado como se finalmente estivesse aceitando algo, algo que ele não pode escolher - Então a Amy disse que eu não disfarçava nada bem, me disse para te convidar para sair, e quando eu fui te explicar que não era apenas para sairmos como sempre fizemos que era um encontro, e ia te beijar...
- Iam...
- , eu preciso que você me diga se sou apenas eu, porque se for, eu juro que paro com tudo isso e será como sempre foi.
O silêncio que perdurou até eu dizer algo foi estridente.
- E se eu não quiser que você pare? – perguntei reunindo toda a coragem que tinha e sentindo meu estômago revirar.
Pude senti-lo, como se possível, me trazer para ainda mais perto.
- Então eu nunca vou parar. E eu vou chegar perto de você sempre – disse ele levantando meu rosto em direção ao seu – e eu vou te olhar nos olhos todos os dias, porque eu não quero só a que conheço, eu não quero só a que tem medo de escuro e de fantasmas, eu não quero só a que tem intolerância à lactose e que acha que Batman é o melhor super-herói de todos os tempos. – e de alguma forma ele me olhava que um jeito que eu queria ser olhada, de um jeito que dizia “você é só minha” - Eu quero a que ainda não conheço, eu quero uma que eu possa tocar do jeito que quero – disse afagando meu rosto e então quase contra meus lábios ele disse: – uma que eu possa bei...
E o carrinho deu um tranco mais forte dessa vez, que quase me fez escorregar do banco, enquanto as luzes se acendiam.

Andamos abraçados pelo parque durante o resto da noite, comemos frutas com chocolate e falamos besteiras. Não era como se o episódio na roda gigante não tivesse acontecido, era como se tivéssemos aceitado as coisas do jeito que vinham para nós sem questionar. E, embora eu quisesse muito, não tínhamos nos beijado, mas não parecia constrangedor nem errado quase termos feito isso.
- IAM! – falei me desvencilhando do seu abraço e correndo até a pequena cabine.
Ele veio resmungando e segurando de mau humor o meu tigre.
- O que foi? – falou ele parecendo cansado – você não disse que tinha que chegar em casa a meia-noite, Cinderela?
Revirei os olhos o ignorando.
- Vamos tirar fotos!
- ...
- Por Favor! – falei puxando o braço dele – Vamos lá, Iam!
Quando consegui coloca-lo dentro da cabine me sentei ao seu lado, animada, colocando as moedas no local indicado.
- Sorria! – falei abraçando Iam para a primeira das quatro fotos.
Em 5.
4.
3.
Iam fez alguma careta e eu mostrei a língua.
2.
1.
O flash impossibilitou minha visão durante alguns poucos segundos, e então já estávamos nos preparando para a segunda foto.
Iam beijava minha bochecha e eu mandava um beijo para a câmera.
Fiquei mais alguns poucos segundos cega pelo flash e quando voltei a enxergar normalmente Iam me olhava.
Meu coração disparou de uma forma surreal e eu tinha certeza que haviam milhões de borboletas na minha barriga.
Flash.
Iam segurou meu rosto e o seu braço que estava ao meu redor me puxou para mais perto, eu achei que iria desmaiar.
E então seus lábios estavam sobre os meus, como em um selinho demorado, e eu fechei meus olhos.
Flash.
Seus lábios começaram a moldar os meus devagar, me permitindo sentir sua mão apertando minha cintura e, sem eu saber como, minhas mãos estava em seu cabelo.
Por algum motivo eu esperava que quando finalmente o beijasse, meu coração desaceleraria, mas eu estava muitíssimo enganada. Conforme Iam aprofundava o beijo, conforme ele me trazia para perto como se pudesse se unir a mim, formando um só, como se eu fosse só dele, como se nada me pudesse tirar dali agora, eu só sentia meu coração quase saltar para fora.
Ele variava o ritmo, mas mesmo assim eu conseguia acompanha-lo, sua língua dançava com a minha devagar e rápido, seu gosto era de chocolate e morango.
Um arrepio percorreu minha espinha quando ele fez o caminho que levava ao meu pescoço com uma lentidão exagerada, beijando tudo o que havia para beijar, até que lá ele suspirou e aspirou devagar, sussurrando coisas que eu não conseguia entender, além de um “valeu a pena esperar”.
Mas aquela pequena distância que sua boca estava da minha era muita.
Eu tomei seu rosto em minhas mãos voltando a beija-lo com urgência.
Ele contornou meus lábios com sua língua antes de sugá-los devagar. E eu não conseguia acreditar como vivi tanto tempo ao seu lado sem provar disso.
Iam bufou irritado quando ouviu uma batida na porta da cabine, terminando nosso beijo com um selinho demorado.
- O que foi? – perguntou ele para a garota que esperava do lado de fora.
Eu a reconheci vagamente da escola, ela devia ser umas das chearliders, loira e magra como todas as outras. Ela olhava surpresa para Iam como se não acreditasse que ele estava falando assim com ela. Mas não era só isso, havia um tom de frustração em seu olhar que rapidamente virou irritação ao me ver.
- Nós não sabíamos que vocês estavam aí, não queríamos incomodar, desculpe. – disse ela como se não se importasse e então eu reparei na outra garota, também loira, ao seu lado.
- Dispenso suas desculpas, Isabelle. – disse Iam enquanto eu pegava nossa foto da impressora.
Ela o olhou com um falso desprezo e então Iam me puxou dando as costas a garota.
- Sabe, Iam? – falou fazendo com que nos virássemos. – Quando você me disse que não ficaria comigo por conta de uma garota, – ela revirou os olhos e olhou com desprezo em minha direção – não imaginei que você me trocaria por um tipinho como essa.
Quando vi que Iam se pronunciaria apertei sua mão e entrei na sua frente, ficando cara a cara com Isabelle.
Ergui as sobrancelhas e olhei no fundo de seus olhos verdes.
- Sabe, Isabelle? – suspirei falsamente – você é de dar pena.
Ela estreitou os olhos com raiva e ergueu o braço e rápida como uma cobra o abaixou com força em direção ao meu rosto.
Instantes depois ela estava ofegando, com o braço contorcido apertado nas suas costas enquanto eu sussurrava em seu ouvido.
- Eu nunca falei com você antes e espero não falar novamente, entendeu? – apertei com mais força seu braço e ela gemeu um sim. – Mas se você falar assim de mim novamente para qualquer pessoa, se você falar assim de mim novamente para o meu namorado – e então abaixei meu tom de voz mais ainda permitindo que apenas ela me escutasse - se você tentar me bater novamente, – ela assentiu – não será só seu braço que ficará machucado.
- !? – disse Iam colocando a mão no meu ombro e me puxando.
Soltei Isabelle e me virei para ele sorrindo.
- Já terminamos aqui. Não é, querida?
Todos me olhavam surpresos, enquanto a outra loira parecia a ponto de gargalhar o que me fez revirar os olhos e bufar.
- Venha. Vamos para casa – disse arrastando Iam dali.

Chegamos ao lugar em que ele havia estacionado a moto, a poucas ruas do parque onde acontecia o festival.
- Namorado, é? – falou cinicamente.
- Babaca, foi isso que eu disse - falei tão cínica quanto. – Babaca. Ou você não ouviu direito?
- Hey! – eu falei rindo enquanto ele me empurrava em direção a parede.
- Eu prefiro namorado – disse me olhando com divertimento.
E um tremor tomou conta de mim quando eu pensei que talvez eu fosse isso. Um divertimento.
- Eu sempre imaginei como seria – e embora eu tenha ouvido a voz dele dizer isso não tive certeza que havia sido ele a falar, seus lábios mal se mexeram, e eu o olhei, não, não, o vi. Vi de verdade.
Não só o rosto que eu conhecia, com os cabelos loiros queimados, com o nariz reto e bonito, com os cílios escuros contrastando com seus olhos claros, não, eu vi um garoto que me queria, que me fazia queimar lentamente por dentro, que dizia eu te quero com o olhar.
- O que?
- Quando eu te beijasse – disse me olhando de um jeito que eu só consegui definir como terno, mas havia algo mais, algo no fundo dos seus olhos que condizia com o que eu negava sentir, dentro de mim, há meses, quem sabe anos?
- E satisfiz suas expectativas?
Ele sorria contra os meus lábios, me puxando para cima com força, mas de uma forma inconsciente.
- Não, ... – falou de uma forma que me fez apenas fechar os olhos e esperar com urgência – não foi como algo que eu tivesse capacidade de imaginar.
E então sua língua percorreu meus lábios como se ele pudesse fazer isso sempre que quisesse, como se eu o pertencesse, como se disse nem pense em fugir, e seu pedido de passagem não podia ser negado.
Ele era quente, mas não um calor que fazia querer me abanar, era um calor que me fazia querer abaixar todas as paredes e abrir todas as portas, que me fazia querer chama-lo para entrar e lhe dizer tudo que eu sempre tive medo de contar.
E então eu soube que eu nunca seria diversão, não para ele.

Já passava da meia noite e minha mãe devia estar em casa, eu queria chegar antes dela, mas eu queria muito mais, um milhão de vezes mais, ficar ali com Iam.
Eu estava sentada em sua moto com os braços ao seu redor, em frente a minha casa, não havia luzes acesas, mas o carro da minha mãe estava ali. Ele por sua vez tinha uma das mãos ousadamente sobre a minha perna, enquanto a outra segurava minha nuca.
Ás vezes eu pensava que um bom beijo me faria querer voar, mas não era assim, eu queria ser presa a terra, presa ao lado dele para sempre, e nunca ter chance de escapar.
Quando conseguimos parar para respirar eu falei.
- Preciso entrar.
- Precisa mesmo?
- Ham ham – murmurei enquanto ele voltava a me beijar.
- E você me deixaria aqui sozinho? – disse fingindo carência.
- Sem pensar duas vezes – sussurrei o puxando para mais um beijo.
Quando nos separamos e eu o convenci a me deixar ir, ele me olhava de uma forma que não me deixava decifrar o que pensava.
- Como será amanhã?
- Iam, eu sempre vou estar aqui quando amanhecer.

Hoje
E então eu não consegui ir em frente, eu não conseguiria, e eu sempre soube.
- Podemos ir para casa, Ethan?
- Mas nem fomos à roda gigante!
O olhei apelativa.
- Ah! – suspirou ele com entendimento - Ok, mas você fica me devendo essa. Sorri agradecida então voltamos para casa.
Lembro de ter olhado o parque uma última vez antes de embarcarmos no metrô e foi como se uma faca afundasse no meu peito, eu queria tanto Iam ali que nem conseguia respirar.

Um mês havia se passado desde que fomos ao Luna Park. Falei com Amy quase todos os dias, mas Iam nunca atendia minhas ligações, quando a perguntei se estava acontecendo alguma coisa ela foi vaga.
Isso me fazia desmoronar por dentro. Será que, mesmo depois de tudo, Iam havia desistido de nós?
Mas eu não queria demonstrar isso agora, agora eu sorria pela minha mãe. Ela colocava a torta, que havia comprado em uma confeitaria, em uma de nossas travessas. Ela estava linda, com um vestido azul escuro da cor dos seus olhos. Iriamos jantar com os Baker. Minha mãe e o pai de Ethan saiam juntos com tanta frequência quanto nós, eu pensava se o pai de Ethan insistia tanto para ele sair quanto minha mãe insistia, talvez para poderem ficar a sós. Não que sair com Ethan não fosse legal, ele era divertido e bonito, e sempre conhecia algum lugar legal para ir, sempre sabia de alguém que eu gostaria de conhecer e na maioria das vezes estava certo. Ele havia me apresentado muita gente legal, como a Emma e o Robert.
Mas essa era a primeira vez que iriamos jantar nós quatro, e embora fossemos apenas ao apartamento de baixo, minha mãe me fez vestir meu melhor vestido, bege e rendado. Eu havia prendido meu cabelo em um coque bagunçado e passado apenas rímel e lápis de olho para minha mãe não gritar comigo novamente.
Quando o relógio marcou oito horas descemos as escadas de madeira polida e tocamos a campainha, minha mãe havia me feito levar a torta que praticamente joguei nos braços de Ethan quando ele abriu a porta.
Eu nunca havia estado no seu apartamento, embora a distribuição de cômodos fosse idêntica a nossa, era decorado de uma forma totalmente diferente, o sofá azul escuro contrastavas com os móveis claros e com a decoração que se alternava e tons de cinza e verde.
Havia uma mesa de vidro quadrada com as travessas cheias de comida, havia peixe para o jantar, e eu sabia disso não só pelo cheiro, mas porque Ethan havia me arrastado para Chinatown para compra-lo e seu pai havia insistido que ele poderia ficar sem mesada no próximo mês.
O Sr. Baker me cumprimentou e embora ele sempre insistisse, eu nunca conseguia chama-lo pelo primeiro nome, Brian.
O jantar foi agradável, e eu estava feliz por saber que minha mãe estava feliz, e de certa forma eu usava isso para esconder minha frustração com Iam.
Depois da sobremesa, a torta que minha mãe havia “feito”, tentei me esgueirar sorrateiramente até a sacada, mas soube que eu não tinha sido eficiente quando Ethan me seguiu.
Eu via Manhathan ao longe e imaginava o que Amy me diria se estivesse aqui.
“Iam está magoado” ou “Iam está sendo um babaca”, talvez “Você sabe que o Ethan está afim de você. Por não fica com ele? Iam não está perdendo tempo aqui!”.
Nem nos meus pensamentos eu consigo prever minha amiga, ela sempre foi uma confusão confortável para mim.
- Ele deve ser legal. – falou Ethan seguindo a direção do meu olhar.
- Quem?
- O garoto que você deixou na Califórnia.
- Eu nunca te disse isso – falei surpresa por ele saber.
- Nem precisa – disse ele rindo ao se virar para mim. - Está na sua cara que você sente falta dele.
- Eu sinto...
- Mas vocês estão a um país de distância, .
- Eu sei disso.
- Não pode dar certo.
O olhei espantada, o que ele sabia sobre nós dois? Nada! Ele não podia dizer isso.
- Pode sim! Vai dar! – e então mais baixo acrescentei – Se ele, ao menos, me atendesse, eu sei que poderíamos tentar...
- Ele não te atende? – perguntou parecendo assombrado.
- Não...
- ...
- Eu não sei por quê! Eu não fiz nada! E ninguém parece saber o que ele está pensando. Eu só queria uma explicação.
- Às vezes a distância muda as pessoas – falou parecendo longe.
- Mas eu não mudei! – choraminguei mesmo contra minha vontade – eu estou como sempre fui!
Ele deu um passo ficando mais perto de mim, e segurou meus braços com força.
- Ethan, o que é is..?
- Então talvez seja a hora de mudar.
E me beijou!
Seus lábios eram macios e quentes, convidativos, e por alguns segundos eu o correspondi, mas não era isso que eu queria, eu estava solitária, eu queria alguém ali, comigo, me ouvindo, me tocando, mas não ele e seria errado usa-lo para isso, por mais que eu quisesse.
Então o afastei.
- Qual é o seu problema, garota? – falou Ethan erguendo as mãos, irritado.
- O que? – perguntei surpresa.
- Ele não te quer mais, ele não dá bola pra você! E eu estou aqui, eu estou esperando que você veja isso! Por que só você não consegue ver?
- Porque eu o amo. – falei tão baixo que eu não pude saber se ele me escutava.
- Então você é uma idiota!
- É, talvez eu seja – gritei sentindo meus olhos marejarem, o empurrando e entrei no apartamento, minha mãe e Brian me olharam surpresos.
- Me desculpem, tenho que ir. – falei me dirigindo especificamente a minha mãe.
Quase corri até a porta e quando minha mão girava a maçaneta Ethan me puxou pelo ombro.
- , me descul...
- ME DEIXA EM PAZ! – e então corri escada à cima, tentando não tropeçar nos degraus por conta da visão embaçada pelas lágrimas, eu ouvia Ethan me chamar, mas então bati a porta do meu apartamento e antes que minha mãe pudesse aparecer ali e me impedir me tranquei no meu quarto.
Escorreguei pela porta chorando e quando cheguei ao chão abracei meus joelhos, jogando os sapatos de salto longe.
Então você é uma idiota!
Mas eu não podia evitar, fui até a cômoda e abria a gaveta, revirei entre as fotos até a encontrar.
Não é possível que Iam tenha esquecido disso, pensei olhando para a foto que tiramos no Festival da Primavera.
Meus dedos foram até os meus lábios. Nunca será como é com ele.
E então deitada na minha cama eu passei a noite chorando.

Acordei me sentindo esgotada e acima de tudo humilhada.
Levantei, me amaldiçoando por ter dormido com o meu melhor vestido. Olhei-me no espelho sem me surpreender com a maquiagem borrada mostrando o caminho das lágrimas.
Tomei um banho longo. Rezando para a raiva, a vergonha e a frustração irem embora com a água.
Vesti uma calça jeans e um moletom, eu não queria preparar nada hoje, então iria ao Starbucks da esquina e tomaria o café da manhã lá, mas quando cheguei à sala, me surpreendi ao ver o sol nascendo, iluminando tudo com sua coloração alaranjada através da enorme parede de vidro.
Talvez caminhar um pouco antes?
Isso poderia ajudar e entender tudo o que eu sentia. Eu sentia raiva de Ethan, não pelo beijo, porque eu não poderia dizer que havia sido forçado, eu tinha correspondido, mesmo sem ter certeza de querer, eu sentia raiva por saber que ele poderia estar certo, certo sobre o que disse sobre Iam, certo por me chamar de idiota. E eu também sentia raiva de Iam, sentia-me traída, ele havia me deixado de lado sem ao menos me dar uma explicação, como se tudo, desde ao fato dele tornar meus devaneios realidade, desde o fato de assumir uma relação comigo não importasse nada, não significasse nada. Eu queria conseguir odiá-lo por me fazer sentir assim, por me fazer chorar, por partir meu coração, mas eu não conseguia.
Abri a porta tentando ser silenciosa, não queria acordar minha mãe, mas por muito pouco não gritei ao ver o corpo de um garoto ao lado da porta, minha surpresa não diminuiu nenhum pouco até eu notar que era Ethan.
Eu sabia que ele tinha tentado falar comigo ontem, minha mãe havia insistido para eu falar com ele, mas eu apenas gritei para me deixarem em paz, no entanto nunca que eu iria sonhar que alguém como Ethan iria dormir na minha porta para se desculpar, isso quase me fez sentir culpa, quase.
Bati a porta devagar e o cutuquei.
- Hey – falei o balançando pelos ombros – acorda.
Seus olhos abriram muito devagar e eles eram tão verdes, ele era tão bonito. Mas eu estava com raiva, e não sentiria pena, certo ou errado ele havia me chamado de idiota e eu não iria perdoa-lo assim tão fácil, quer dizer ele havia dormido na minha porta, grande coisa, já que ele mora no outro andar.
- eu queria te dizer que...
Revirei os olhos. E me levantei estendendo a mão para ele.
- Vá para casa!
- Mas eu queria te dizer que...
- Ethan! Chega! Eu não quero conversa com você agora.
Ele suspirou derrotado e me seguiu enquanto eu descia as escadas. Quando chegamos em frente ao seu apartamento ele me chamou, eu não me viraria se não fosse seu tom, havia algo de clemente e arrependimento.
- Eu só queria dizer que quando você me perdoar – mesmo magoado ele não deixava de ser confiante, pensei ao notar o “quando” e não o “se” que ele havia dito. – e quando esquecer aquele garoto, eu vou estar aqui.
O olhei, havia algo nele que não me permitia ignora-lo, porque além de tudo ele havia sido muito bom comigo nesse último mês.
- Eu vou lembrar disso. – afirmei.
Desci o restante das escadas de madeira polida em uma espécie de transe, eu duvidava que pudesse pensar em qualquer coisa com decência, por mais que tentasse.
Parei ao chegar à portaria do prédio. Havia um táxi parado próximo a calçada e um cara alto e loiro segurava uma mochila de viagem enquanto estendia dinheiro para o taxista, talvez esse seja o novo morador no primeiro andar, refleti, era o único dos três apartamentos que permanecia desculpado.
Mas não foi por isso que eu havia ficado paralisada, foi pela forma que aquele garoto me pareceu familiar, talvez pela jaqueta jeans.
Então o taxi partiu e o garoto se virou em direção ao apartamento, e eu simplesmente não pude acreditar.
Ele sorriu e eu corri para ele acertando todos os socos que podia.
- Ai! Ai! – falou Iam tentando segurar minhas mãos enquanto eu me debatia para poder acertar mais alguns golpes – Tuner! O que é isso?
Arquejei indignada.
- O que é isso? Me responda você, seu imbecil! – esbravejei não podendo deixar de reparar no quão bonito ele ficava com aquela luz, ele permanecia do jeito que sempre foi, seu nariz reto, os olhos muito claros, as maçãs do rosto altas e as sobrancelhas curvadas de forma desafiadora. – Faz um mês que você não atende minhas ligações, não responde minhas mensagens. O que você pensa que está fazendo aparecendo aqui e sorrindo para mim? Hein?
Ele gargalhou o que fez minha raiva aumentar drasticamente.
- , eu estava planejando essa viagem, eu não queria te contar tudo e estragar a surpresa. Sem falar que eu tive que ralar para conseguir uma bolsa integral na Poly Prep e convencer meus pais que seria muito bom para minha carreira como jogador vir para cá.
- E você não podia, ao menos, me atender e dizer que também sentia minha falta? Que não me deixaria? – perguntei com os olhos marejando.
Ele soltou meus pulsos e me abraçou com força, e então eu soube que tudo ficaria bem. Ele estava ali, do outro lado do país, por mim, para mim.
- Eu pensei que você já soubesse disso – falou erguendo com delicadeza meu rosto, que estava enterrado em seu peito e sorrindo. - Tuner, eu sempre vou estar aqui quando amanhecer.



FIM.





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