Quatro anos de namoro. Dois de casados. Seis de amor. Talvez amor não seja um conceito universal. O que é amor pra mim, pode não ser pra você. Ou pra ele. Eu, , amei e ainda amo de todo meu coração. Eu o dediquei minha vida, meus sonhos, meus pensamentos, meus sentimentos e minha lealdade. Eu me entreguei a ele desde a primeira vez que nossos lábios se tocaram, que nossos olhares se chocaram, que suas mãos subiram pelo meu corpo e que as minhas arranharam suas costas. Eu era dele, eu fui dele quando proferimos diante de Deus os votos núpcias e eu ainda sou dele.
You and me we made a vow
For better or for worse
I can't believe you let me down
But the proof is in the way it hurts
E eu pensei que ele fosse meu. Eu pensei que ele fosse meu quando ele me acordava com beijos no rosto e no pescoço de manhã. Eu pensei que ele fosse meu quando ele me pegava no colo e me rodava, gargalhando de uma forma que me fazia apaixonar ainda mais, se isso era possível. Eu pensei que ele fosse meu quando seus dedos passavam pelos meus cabelos, fazendo um carinho único. Eu pensei que ele fosse meu quando ele colou sua testa na minha e dançou comigo no nosso casamento. Eu pensei que ele fosse meu desde a primeira vez que ele sussurrou que me amava. Eu pensei que ele fosse meu quando ele me chamava de meu amor. Mas ele havia me decepcionado.
For months on end I've had my doubts
Denying every tear
I wish this would be over now
But I know that I still need you here
E a decepção me dominava um pouco mais a cada vez que ele me dava o abraço típico quando chegava em casa e eu sentia outro cheiro misturado ao dele. Cada vez que suas roupas pareciam amassadas demais pra quem havia passado o dia todo num escritório monótono e chato, de acordo com ele. Cada vez que eu esperava ouvir um eu te amo e ao invés disso recebia um beijo frio e dolorosamente falso. Cada vez que ele teve que chegar em casa no meio da madrugada por ter relatórios demais. Cada vez que o seu cansaço depois do trabalho era maior que sua vontade de ficar comigo.
You say I'm crazy
Cause you don't think I know what you've done
But when you call me baby
I know I'm not the only on
E aí eu passei noites e noites sozinha, sentada na janela da sala pra olhar o céu estrelado enquanto descansava tranquilamente na nossa cama. Eu evitei dormir lá pelo maior espaço de tempo que pude. Aquela cama parecia vazia demais pra mim quando ele não vinha. Mas parecia lotada demais quando ele vinha. E parecia porque eu sabia que ele não vinha sozinho. Ela estava nele, em cada roupa, em cada detalhe, em cada ato e principalmente, ela estava na mente dele. E eu não podia, nem queria, dividir espaço com a traição. Meus pensamentos foram interrompidos pelo som já conhecido do celular dele. Eram três horas da manhã e alguém o ligava. Eu estava sentada no mesmo lugar de sempre. A janela era próxima ao corredor que dava pro nosso quarto e ele decidiu atender a chamada lá. Mesmo num tom baixo, meus ouvidos conseguiam captar a conversa.
- Oi, meu amor. Não está conseguindo dormir? Eu queria estar ai com você para mexer no seu cabelo até você dormir no meu colo. Hm. Amor, eu prometo que antes do trabalho eu passo aí amanhã, ta bom? Não faz nem cinco horas que a gente se viu e eu já estou com saudades. Ela? Ela deve estar no quintal, aqui dentro do quarto ela não está. - abriu a porta do quarto, provavelmente olhando o corredor e a sala à minha procura. Eu havia saído da janela e estava encolhida no canto da parede, tentando segurar as lágrimas ao ouvir aquela conversa toda. Ao ouvir que tudo que eu sentia por ele, ele sentia por outra pessoa. - Ela não está aqui na sala também. Fica tranquila que ela não vai ouvir. Você me ama, é? Muito? Eu também amo muito você. Eu vou desligar, acho melhor não abusar da minha sorte. Espero que consiga dormir. Boa noite. - engoli em seco e prendi o ar.
You've been so unavailable
Now sadly I know why
Your heart is unobtainable
Even though Lord knows you have mine
Por que a vida às vezes nos dá essas rasteiras? Eu sempre fui a melhor amiga. A melhor namorada. A melhor esposa do mundo pra ele. Eu sempre dei carinho, atenção, sempre satisfiz seus desejos e nunca o desrespeitei. A única coisa que fiz foi amá-lo. Talvez até mais do que o permitido. E quando eu o ouvi dizer "eu te amo" pra ela, eu amargurei por dentro na mesma velocidade que as lágrimas despencaram de meus olhos. Tudo que eu nutria por ele, toda a memória de nossos tempos bons que eu ainda tentava manter pra salvar aquele casamento, encerram junto com a ligação.
- Eu vou indo pra não me atrasar, okay? - se aproximou me dando um beijo na bochecha e eu segurei seu rosto. Olhei no fundo dos seus olhos, guardando a chama de vida que eles continham.
- Eu amo você. Lembre-se disso em todos os momentos, tudo bem? Eu te amo até que a morte nos separe. - O beijo que dei nele depois dessas palavras, provavelmente, foi o beijo mais sincero que já dei na vida. Eu realmente o amava. Eu precisava dele comigo. Mas só comigo. O coração dele me parecia inalcançável. E, pela última vez, eu queria que ele soubesse que o meu coração, estava ao total alcance dele.
- Hm, eu também te amo - alisou minha cintura num carinho sem graça e saiu com seu carro. Eu deixei ele se distanciar um pouco, e comecei a segui-lo com o meu. Meu coração batia descontrolado em meu peito e o ar não entrava de forma correta nos meus pulmões. Ele estava me fazendo sentir meu medo mais profundo. Eu ia ver com meus próprios olhos a minha felicidade sendo projetada em outra. Meus sonhos sendo vividos com outra. Meu amor sendo de outra. Será que ele não via o que estava fazendo? Será que ele não percebia que estava nos destruindo? Destruindo a mim? Destruindo a minha paz, a minha força e a minha sanidade? Eu poderia esperar isso de todos, menos dele. Eu confiava tanto em . Eu colocaria minha mão no fogo por ele. E iria me queimar, como estou queimando de decepção agora. O que tenho agora são só as cinzas de amor que já me aqueceu. E se o amor foi cremado, é porque ele morreu. E nesse caso, as mentiras o assassinaram.
You say I'm crazy
Cause you don't think I know what you've done
But when you call me baby
I know I'm not the only one
Um pouco à minha frente, estacionou seu carro em frente a uma casa azul marinho e isso me fez estacionar numa pequena rua ali perto, onde ele não conseguia me ver, mas eu conseguia vê-lo. Desceu e caminhou ate a porta, tocando a campainha e esperando. Ele estava lindo no seu terno. E eu me lembrei das vezes em que eu passei aquele terno para que ele usasse. Lembrei também das vezes em que tirei aquele terno, revelando seu corpo malhado e delineado. Agora, ela era quem fazia isso. A sensação de ser trocada é uma das piores sensações do mundo. Você se sente vazia. E lugares vazios são onde os monstros se criam. E o meu nasceu no momento em que vi a morena abrir a porta e se jogar nos braços do meu marido. Engoli em seco quando ele a beijou, do mesmo jeito que eu o beijei de manhã. Ele a amava. E eu odiava isso. Minhas unhas desceram pelo meu pescoço e depois subiram de novo, arrancando alguns fios do meu cabelo, preso em um coque desajeitado.
Eu não sabia como lidar com a dor da confirmação, mas sabia que não iria ficar ali. pegou ela no colo e entrou na casa. Eu entrei no meu carro e acelerei como se fugisse de alguém. E eu realmente estava fugindo, mas das lembranças. Minha mente fazia um filme dentro da minha cabeça, de desde quando nos conhecemos até hoje. E entre lembrar tantas coisas felizes e depois de tantas coisas frias e amargas, eu acelerei mais do que o seguro. Eu chorei compulsivamente, borrando minha maquiagem, fazendo com que metade do meu rosto ficasse suja de rímel. Eu gritei e soquei a direção, sem qualquer tipo de controle. As coisas do lado de fora do carro passavam pelos meus olhos como um vulto, mas, ainda assim, reconheci uma loja de conveniência. Estacionei bruscamente e adentrei o local, arrastando meus saltos pelo piso até chegar às bebidas. Peguei três garrafas de algo que eu nem me preocupei em ver o que era. Tinha álcool? Então pra mim servia.
I have loved you for many years
Maybe I am just not enough
You've made me realise my deepest fear
By lying and tearing us up
Peguei a mesma quantidade de caixas de cigarro e paguei tudo. O caixa me olhava com pena enquanto colocava as coisas em uma sacola. Eu puxei tudo de sua mão e lá mesmo abri a primeira garrafa, tomando uma boa quantidade do líquido que desceu queimando a minha garganta e andando em direção a saída. Voltei pro meu carro e, bebendo e fumando, continuei a dirigir irresponsavelmente. As lágrimas atrapalhavam minha visão e minhas mãos trêmulas não me ajudavam a conduzir bem o carro de volta pra casa, mas felizmente consegui chegar em casa sem provocar nenhum acidente. Cambaleei até a porta, me esforçando pra encaixar a chave na fechadura e finalmente abri-la. Caminhei pela casa, que cheirava a tensão. Peguei todas as roupas dele e joguei no quintal, tocando fogo em todas elas em seguida. Acendi mais um cigarro e fiquei sentada vendo as chamas destruírem aquele monte de tecido que não tinha culpa de nada. Eram só roupas. Mas por serem deles, elas que sofreram. Era daquele jeito que eu me sentia. Eu não tinha culpa dos atos dele, mas quem sofria era eu. Quem estava enlouquecendo era eu. Louca. Quantas vezes ele já não havia me chamado assim?
Flashback
- Amor, às vezes tenho a impressão de que você está me traindo.. - me fingi de inocente para ver a sua reação.
- Por que eu te trairia? Você é a melhor mulher que eu poderia ter ao meu lado - se encaixou entre as minhas pernas, já que eu estava sentada na bancada de nossa cozinha. Eu sabia que ele estava mentindo pra mim. Seu comportamento já tinha entregado seu jogo. E eu já tinha o visto com uma mulher suspeita saindo do trabalho. Ela era morena e alta. Realmente linda.
- Nada te impede de achar alguém melhor... Você vem se comportando de um jeito muito estranho, - espalmei minhas mãos no seu peito e ele riu.
- Você é louca. Eu amo você. E só você. - me beijou e eu segurei as lágrimas por saber que ele mentia tão facilmente pra mim. Ele me levou no seu colo para nosso quarto e nós fizemos amor enquanto ele sentia prazer e eu só me sentia usada.
Fim de flashback
Levantei do chão, me encaminhando novamente ao nosso quarto. Num impulso, eu arranquei os lençóis da cama e joguei os travesseiros no chão. Peguei o porta retrato que tinha uma foto nossa e arremessei contra a parede, destruindo o resto das coisas quebráveis presentes naquele quarto enquanto gritava sem conseguir parar. Quando terminei, fui até a cozinha beber um pouco mais e fiquei vigiando o relógio. Ele chegava em casa em duas horas. Peguei as três garrafas de bebida vazias e as caixas de cigarro e joguei fora, cambaleando. Tirei as cinzas de suas roupas do quintal e fui tomar banho e me arrumar pra esperá-lo chegar. Prendi meu cabelo num coque perfeito. Fiz uma maquiagem invejável. Coloquei minha saia e minha blusa mais cara, meu perfume mais cheiroso e meus saltos mais elegantes. Quando sentei no sofá, faltava meia hora pra ele chegar.
You say I'm crazy
Cause you don't think I know what you've done
But when you call me baby
I know I'm not the only one
Minha cabeça rodava e eu me esforçava o máximo pra me manter com uma aparência lúcida e pra esconder o máximo o que eu levava comigo. Depois de 30 minutos que pareceram uma eternidade, eu escutei a porta sendo aberta. Levantei e caminhei calmamente e com muito esforço até a porta, esperando o típico abraço que ele me dava quando chegava. Seus braços me envolveram com força e seu nariz roçou meu pescoço. Fechei meus olhos o sentindo o máximo que pude.
You say I'm crazy
Cause you don't think I know what you've done
But when you call me baby
I know I'm not the only one
I know I'm not the only one
I know I'm not the only one
- Você sabia que eu amo esse seu perfume? - sussurrou e eu me arrepiei. Suas mãos descansaram na minha cintura e ele começou a beijar meu pescoço.
- Você me ama? - disparei, enquanto pegava o objeto escondido em meu quadril e subia o braço por suas costas.
- Eu te amo - mentiu com os lábios colados no meu ouvido.
- Eu sei que eu não sou a única - e eu fiz. A faca entrou bem no centro de suas costas e eu pude ouvir seu último suspiro bem próximo ao meu ouvido, antes de soltá-lo e deixá-lo cair desfalecido aos meus pés. Ele morreu de olhos abertos e eu passei a mão por eles, os fechando. Peguei seu celular em seu bolso e mandei uma mensagem pro contato "Morena".
"Venha na minha casa. Ela não está aqui. Mal nos vimos e já estou com saudades, meu amor. Te amo até a morte"
Quando o celular avisou que a mensagem havia sido enviada, eu sorri. Peguei meu casaco, deixei a porta da casa fechada, mas não trancada, entrei em meu carro e saí dirigindo sem rumo.
