In The Middle Of September
História por Min | Revisão por That


Um parque deserto da cidade. Brisa gélida, comprovando o início de um outono frio e rigoroso. Com uma paisagem assim, é difícil imaginar o que uma mulher estava fazendo deitada na grama caduca de uma clareira. Na verdade, é difícil imaginar quem sairia de casa com o tempo fechado como estava naquele meio de setembro. O único som era de pássaros migrando para lugares mais quentes e, como eles, também deveria estar partindo .
Esse era o terceiro ano após o acidente que ela vinha todos os dias do outono para esse parque abandonado. Não que a fizesse bem, uma vez que a garota detestava qualquer coisa ligada à natureza. Nada ali a fazia bem. Nem a cidade, nem o parque, muito menos o motivo de estar ali, se martirizando aos poucos, sofrendo mais ainda. Parecia eras atrás que vinha nesse parque para esquecer todos os problemas, a faculdade, o emprego, os pais problemáticos e, de certa forma, ela estava esquecendo tais problemas. Porém, os fantasmas que a visitavam naquele parque a faziam lembrar problemas ainda maiores.
Iria completar, em dezembro, três anos que ela deixou de ser a ruiva vibrante e alegre, dos olhos verdes ternos e brilhantes, para se tornar alguém triste e solitária como alguém que perdeu a parte do corpo. Era assim que ela se sentia. Três anos antes, ela e seu melhor amigo, Phill, estavam viajando de férias, quando um carro veio na contramão e obrigou Phill a jogar o carro para o acostamento. sofreu leves arranhões na testa, Phill sofreu um traumatismo craniano pesado. Quando recobrou a consciência, ligou para a ambulância esperando que pudessem salvar seu amigo.
Ele estava sorrindo para ela, chorando. Phill não chorava. Ele acariciou seu rosto com a mão ensanguentada e, ainda sorrindo e chorando, murmurou um “eu te amo†quase inaudível. Foram as últimas palavras de Phill. As únicas que queria ouvir ou falar a muito tempo. As mais importantes na vida dela. Desde então, se divide entre emprego, casa dos pais e casa da mãe de Phill. O pai não tinha aguentado a perda e fugiu, sem deixar rastros.
Lembranças como essa assolavam a garota quando ela viu. Passos. Flashes. se assustou com o som, levantou-se e seus cabelos ruivos se jogam com um vento ligeiramente forte vindo à direção contrária. Mais um flash.

- Quem está aí? – perguntou, temerosa. Alguém dá mais passos em sua direção e, enquanto ela se levantou, mais fotografias são tiradas dela. – Ora, quem diabos me importuna agora? Já não basta?
- Desculpe, senhora. Estava passeando no parque e a vi. Não quis interromper, mas estava tão a vontade que não resisti a tirar fotos. Prazer, .
- Sem problemas, mas não quero essas fotos expostas em algum lugar. – ela disse, ainda procurando a quem fala.
- Iria nesse momento pedir para que faça fotos profissionalmente. É muito bonita, senhora.
- Não sou senhora alguma, . Chame-me de .
- Prazer, . – ele saiu da árvore que se escondia, mas não levantou o rosto. Suas vestes estavam muito limpas para o local onde estava e ele se encontrava com uma câmera profissional pendurada no pescoço, na qual concentrava em visualizar as fotos que tinha acabado de tirar.
- Devidamente conhecido, faça o favor de apagar essas fotos. Repetindo, não quero meu rosto estampado em lugar algum. Já tenho problemas demais para isso.
- Certamente não será. Desculpe ter te fotografado sem pedir permissão.
- Claro. Sabe, você pede muitas desculpas. – um sorriso brotou de seus lábios, pela primeira vez no dia. E, por mais que pareça estranho, foi o único verdadeiro desde muito tempo. Ele riu, olhando pela primeira vez nos olhos dela. Um arrepio percorreu as costas de que, por instinto, afastou-se ainda sorrindo.
- Que tal eu te pagar um café? Está frio aqui...
- Não, obrigada. Preciso me retirar.
- Quer companhia?
- Não. Não seria apropriado. – levantou a poeira de sua calça jeans, calçou os saltos, pegou a bolsa e foi andando em direção à saída do parque. Antes que pudesse, porém, alcançar seu destino, uma mão áspera a parou. Ela observou aquela mão grande segurando em seus braços agora finos e pálidos e levantou os olhos. Os seus verdes sem vida encontraram os castanhos inquisidores e misteriosos do homem.
- Não vá. Há muito tempo procuro companhia nesse parque deserto. Sei que é repentino e duvidoso, mas gostaria que me acompanhasse a uma lanchonete aqui perto. Gostaria de te conhecer, senhorita .
não conseguia decidir se olhava para a mão grande de ou para seus olhos indecifráveis e vazios. Uma parte dela teve medo de se aproximar, com razão, de um homem que acabara de conhecer. Porém sua parte curiosa ansiava para saber mais sobre o ser enigmático em sua frente, que a olhava com certa urgência. Decidiu arriscar, então.
- Sendo assim, aceito um chá. Isso confiando, claro, que você não é um sequestrador de donzelas indefesas. – , por sua vez, esboçou um sorriso sincero e, sem largar o braço de , saiu do parque em direção a uma cafeteria ali perto. Assim que chegaram, uma garçonete anotou os pedidos e eles se acomodaram numa mesa afastada.
- Poderia eu perguntar o que uma moça tão bonita estava fazendo deitada no meio do parque deserto?
- Poderia.
- Então, o que estava fazendo, ?
- Talvez um dia você tenha tempo de ouvir essa história. Não disse que iria responder, e sim que você poderia perguntar. – ela acrescentou quando percebeu que ele ia retrucar.
- Compreensível. Existe algo sobre você que eu posso saber?
- Tenho 22 anos. Meu cabelo é naturalmente ruivo. Não gosto do outono. Tenho uma cicatriz enorme no pé esquerdo, na qual eu tatuei pontos cirúrgicos em cima, e não gosto de ar livre.
- Se você não gosta de outono e nem de ar livre, por que estava num parque deserto à noite no meio de setembro?
- Eu já disse o que você pode saber. – sorriu cordialmente.
- Posso ver ou perguntar como conseguiu uma cicatriz no pé?
- Estava subindo em uma árvore com um amigo, quando me desequilibrei e quebrei o pé. – ela afastou um pouco a perna, tirou o salto e mostrou uma cicatriz rosada com desenhos parecidos com remendo por cima.
- Qual o motivo da tatuagem? – perguntou curioso, pegando a bandeja da mão da garçonete.
- Achei original. – deu de ombros.
- Você é meio sucinta demais, não acha?
- Apenas o necessário. – ela riu e agradeceu pelo chá.
Eles ficaram em silêncio, cada um aproveitando seu pedido, quando olhou seu relógio de pulso e levantou. Agradeceu a , deixou uma nota que suficientemente pagaria ambos pedidos e saiu, sem deixá-lo falar. Ele, por sua vez, apenas encarou a porta do estabelecimento sendo fechada e voltou a beber seu café. Em sua mente, presságios e desejos de reencontro rondavam sem ser convidados. Talvez aquela seja a mulher escolhida para sanar suas dores.
, no entanto, não sabia o que pensar sobre o recém-conhecido. Há muito tempo não sabia o que era sorrir verdadeiramente e, de repente, um estranho a faz rir sem motivo aparente. Desde o acontecido, anos atrás, nada a fazia sorrir. Muito menos aceitar um convite de um passante para tomar chá. Assim que chegou a casa, beijou o porta-retratos de Phill na bancada, subiu para tomar um banho frio e entregar-se nos lençóis quentes de sua cama.
Meses se passaram desde o incidente no parque. Nenhum dos dois trocou outras palavras depois daquele encontro. Isso não quer dizer, porém, que não tenham se visto. ia todos os dias ao parque, deitava na mesma clareira e encarava o mesmo céu pálido enquanto seu admirador tirava as mesmas fotos dela, hipnotizado ainda por algo que ele não sabia descrever. sabia que era fotografada e sabia que ela tinha consciência disso. Ambos, no entanto, ignoravam esse fato.
Dezembro estava no final quando percebeu que não tinha ido ao parque naquele dia. Não existia a possibilidade de ela ter trocado de clareira, uma vez que ele visitou todas e não havia sinal dela. Depois de dois dias, veio a constatação de que não mais viria ao parque. Ele deixou de ir tirar fotos todos os dias no mesmo horário para vê-la, crendo no fato de que ela não queria mais vê-lo, e fez um cômodo em sua casa reservado às fotos de .
A ruiva voltou para sua cidade. Voltou a trabalhar com a mãe de um finado amigo e tentou de todos os modos retomar sua vida. Certo rapaz de olhos castanhos, porém, não saia de sua mente. Todas as noites, sonhava com flashes sendo disparados, árvores com as folhas caídas e avermelhadas, olhos castanhos. Não aguentou mais um ano e voltou para a pequena cidade onde crescera. Voltou à casa abandonada dos pais. Voltou ao cemitério que guardava a cova de um ente saudoso. Voltou à lanchonete onde conhecera certo rapaz que, em seu íntimo, desejava reencontrar. Voltou ao parque deserto que outrora fora um lar. Porém para onde mais queria voltar, não conseguia.
Foi com lágrimas nos olhos e visão turva que, caminhando pelo parque, esbarrou em alguém alto e corpulento. Tentou enxergar sem sucesso: tudo era embaçado. Secou suas lágrimas e olhou para cima, encontrando o dono dos olhos castanhos que a atormentava à noite. , por sua vez, sorriu e a abraçou. Por instinto, diga-se de passagem. se assustou com o contato, mas nada fez quanto a isso. Limitou-se a soluçar e aproveitar os espasmos que o fim do choro produzia.
- , querida, o que houve?
- Eu preciso de água, . Tentarei explicar-lhe o que me amedronta. Se for o que quer.
Seguiram em silêncio para a já conhecida lanchonete e sentaram-se em silêncio. Nenhuma palavra precisava ser mencionada, enquanto tivesse sua amada nos braços. , em muito tempo, não se sentia bem em algum lugar como nos braços de . Só se ouvia as respirações sofridas de e suas lamúrias, enquanto seus cabelos eram afagados pelo fotógrafo que se limitava a sorrir pelo reencontro. Quando a água chegou, porém, a ruiva se recuperou e sentou-se corretamente, enquanto sentia olhares inquisitivos sobre ela.
- Responderei o que você quiser, . Só pergunte.
- Por que foi embora, meu anjo?
- Tenho uma vida, . Eu vim aqui para aproveitar meu luto, se é o que você quer saber. Vim também nesse propósito hoje.
- Luto?
- Sim. Quando fiz 20 anos, sofri um acidente de carro. Bom, eu e meu melhor amigo, Phill. Nós éramos muito ligados, desde nossa infância. Vivíamos um na casa do outro, sempre, até aquele dia. Nós íamos visitar uma tia minha que morava próximo a uma floresta e, como eu sabia que ele adorava florestas, fomos juntos. – nesse momento, lágrimas voltavam a assolar o rosto de , mas ela não parou a narrativa. – Um carro vinha em nossa direção e não deu tempo de parar. Phill desviou o carro e caímos em um barranco. Ele não resistiu ao trauma.
- , não fazia ideia.
- Não tinha como você saber, . Eu estou bem agora. A lembrança machuca às vezes.
abraçou , como se sua vida dependesse disso. A moça ainda chorava copiosamente e partia-lhe o coração saber que nada poderia ser feito por ela. O fotógrafo ofereceria o ombro, o braço e ele por completo por mais um sorriso de e, nesse momento, foi nisso que ele acreditou. Que poderia sanar suas dores e o ônus seria reconstruir seu então despedaçado coração. parou de chorar e encarou os olhos castanhos por alguns momentos.
Lembrou-se dos sonhos, de como se sentia estranhamente segura nos braços de , de todas as noites que passara sem dormir imaginando sentir o que Phill dizia que ela merecia sentir, de todas as vezes que, por pouco, não desistiu de sua própria vida por tanta tristeza. Encarando aqueles olhos, ela agradeceu por não ter desistido. Agradeceu por ter ido todo o outono passado naquele parque abandonado apenas porque era lá que Phill dizia se sentir alguém importante. Agradeceu por ter encontrado alguém que a fizesse sentir bem. Viva.
, saindo de seu transe de contemplação à , levantou-se e puxou-a para perto, quase correndo por aquelas ruas estreitas com a moça a tiracolo. Quando chegou a seu destino, abriu a porta de sua casa, subiu as escadas e parou diante a um corredor, como se pedisse forças para continuar andando. Em passos lentos, adentrou no corredor e escancarou a porta do cômodo onde passava mais da metade de seus dias. Puxou delicadamente para dentro e, ao entrar, ela abriu a boca em um “o†de surpresa.
- É aqui – começou o homem – que eu me sinto em casa. É aqui que eu esqueço todas as frustrações da minha vida e me entrego a um sentimento inigualável em magnitude. Não sei se irá interpretar isso bem, , mas por todo ano que você não estava aqui, foi nessas fotografias que eu me refugiava. Que eu me encontrava. Todas essas são você, desde seu momento mais triste até um dos poucos sorrisos que eu vi sair de sua boca. Todas essas fotografias mostram o quanto eu estou apaixonado por cada fio ruivo de seu cabelo, cada brilho do verde dos seus olhos, cada batida ritmada do seu coração. Não sei o que há comigo quando eu estou com você. Eu esqueço todas as minhas dores, todos os meus problemas, e me empenho a lembrar de você rindo. Não sei se você entendeu, mas eu estou aqui se você quiser. Sempre que você quiser.
Ele se aproximou da ruiva, segurando, firme e delicadamente ao mesmo tempo, o seu rosto com ambas as mãos, afastando seus cachos ruivos e limpando suas lágrimas. Olhando em seus olhos, ela abriu a boca e consentiu, em um gesto mudo, com os olhos. Foi nesse momento que fechou os olhos e uniu sua boca na dela. Um beijo terno, doce, apaixonado. Revelador de sentimentos, intensificador de romances, apaziguador de corações. se entregou a da forma mais pura naquele beijo e ele correspondeu todas as suas expectativas. O ano de espera havia valido a pena. Ambos, na mais absoluta certeza, pertenciam um ao outro.


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