Escrita por: Letícia Black
Betada por: Caroline Cahill




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Capítulo Dez

Paraíso

— Não!
null tinha ficado vermelha na hora que eu havia feito a proposta. De pé, em frente a mim, ela estava prestes a explodir enquanto eu a encarava, com a mão na maçaneta, já a caminho de buscar a TV e o videogame.
— Ah, baby, vamos. — eu disse, quase implorando. Eu estava tão obcecado por aquela garota que chegava a doer. Alguns minutos de privacidade com ela talvez pudessem me ajudar a continuar firme e forte.
Soltei um suspiro pesado e levei minha mão ao nariz, o indicador e o polegar, apertando ambos os lados entre meus olhos, como se isso fosse me auxiliar a resolver o problema.
— Vou te levar no seu pai, vou fingir que sou seu namorado, estou respeitando todo o seu espaço e todas as suas vontades nesse lugar. — apontei para o quarto e para a muralha de edredons que ela havia feito na minha cama. — Quero uma coisa bem legal em troca, e não exatamente algo que nós não tenhamos feito antes, e ainda estou te dando uma chance de se safar dessa me vencendo!
Ela revirou os olhos e passou a mão pelos cabelos, nervosa.
— Uma chance ínfima. — ela disse. — Quase inválida. Você realmente não pode acreditar que eu posso te vencer em um videogame que eu nunca joguei e você já deve ter jogado umas cem mil vezes.
Eu não sabia o que era ínfima, mas ignorei totalmente, porque o contexto era que eu não estava conseguindo convencê-la, nem um pouco, a apostar aquilo.
Porra, eu não ia desistir não. Agora que eu já visualizando a oportunidade, eu nunca deixaria escapar das minhas mãos.
— Ainda é uma chance, baby. — eu disse.
Ela bateu o pé no chão e praticamente deu uma volta em si mesma, esfregando a testa como se estivesse maquinando alguma solução.
— Eu não vou vencer, só vai ser uma estupidez só e te fazer trazer as coisas aqui pro quarto sem motivo. — ela disse. — W.O.
Ela tinha aceitado as consequências sem nem brigar para sair dessa? Eu estava mesmo tirando a sorte grande?
— Vamos logo com isso. — ela continuou.
Eu abri o maior dos sorrisos, incapaz de acreditar que isso estava acontecendo na minha vida. Caraca, ela tinha aceitado minha aposta maluca e fora mais fácil do que eu pensava, o que só podia me fazer crer que ela queria aquilo também.
Balancei a cabeça para ela, em direção ao banheiro, e null me seguiu quase como se estivesse indo para morte. Eu sabia que ela queria, é claro, mas ela continuava mantendo a pose de durona e impossível de lidar.
— No banheiro, gata. — eu disse.
O banheiro era mais apertadinho e com menos chances de ela conseguir fugir de mim, se é que essa fosse uma opção. null apenas concordou com a cabeça, mas, assim que eu abri a porta, ela parou e deu meia volta.
— Só um segundo. — ela disse, ao ver que eu já estava abandonando minha posição para ir atrás dela.
Pegaá-la na marra, é claro.
Ela foi até onde havia abandonado o celular e ficou mexendo nele irritantemente rápido, caminhando em minha direção. Ela passou por mim sem levantar a cabeça e entrou no banheiro enquanto eu tentava ver o que ela estava planejando com aquele aparelhinho infame.
— O que você está fazendo? — perguntei.
Eu entrei e fechei a porta do banheiro enquanto ela abandonava o celular em cima da pia do banheiro, encostando-se na mesma com a bunda, pronta para ser encurralada.
— Colocando-o para despertar em sete minutos. — ela disse. — Contando.
Cerrei os olhos em direção a ela e não esperei mais nenhum segundo sequer antes de grudar os lábios nos seus, sentindo um gemido dela, provavelmente de surpresa, sendo abafado pela minha língua adentrando seu espaço. Senti suas mãos em meus cabelos, totalmente entregue, puxando os fios com força.
Minha mão foi rapidamente para sua cintura, puxando-a mais para perto, enquanto eu encostava o seu corpo e o imprensava contra a pia deliberadamente. Deixei uma de minhas mãos escorregar até sua coxa desnuda e, em um puxão, ela estava sentada sobre a pia.
Puxei-a novamente, grato de ter seu corpo disponível para o que eu quisesse, mesmo que fosse só por sete minutos, e o meu plano era deixá-la maluca o suficiente para que esse tempo se estendesse noite adentro, sem nenhuma interrupção.
Encaixei-me entre suas pernas, o tecido fino de seu pijama me deixando sentir tudo o que eu precisava para perder a cabeça. Soltei o beijo e senti-a respirar fundo, buscando ar, enquanto eu mordicava seu lábio inferior e ela jogava a cabeça para trás, entorpecida.
— Que isso, baby? — eu disse, incapaz de compreender tudo que passava pelo meu corpo, uma espécie de eletricidade acumulada, despejando raios por toda a parte em que minha pele encostava na dela.
Apertei a minha crescente ereção de encontro a ela, o que a fez segurar meu rosto com as mãos e beijar-me intensamente.
Era isso.
Era aquele momento.
Adeus, sanidade.
Minha mão, que ainda estava em sua cintura, guiou-se sozinha até seus seios, por cima da blusinha fina que ela usava e, como eu havia deduzido anteriormente, pude sentir o bico dele enrijecido de tensão sexual acumulada. Mas, também, meio a contragosto, senti-a travar-se, encerrando o beijo com uma lufada de ar e, logo em seguida, sua mão se encontrava em meu pulso, puxando-o insistentemente para baixo, ao que eu cedi e ela guiou minha mão de volta à sua cintura, respirando fundo, quase aliviada.
— Ei. — eu murmurei, encerrando nosso beijo, incapaz de desistir daquilo. — São só sete minutos, baby. — murmurei. Dei-lhe um beijinho no canto dos lábios, levantando um pouco sua blusa e encaixando minha mão em sua cintura, por debaixo dela. Por entre meus cílios, os olhos quase fechados, a vi revirar os olhos, antes de fechá-los de vez, jogando a cabeça para trás. Era a minha voz que fazia isso com ela? — Apenas relaxe, baby.
Relaxe e goze, eu completei, na minha mente, mas não disse. Ela já estava grilada o suficiente sem eu demonstrar todas as minhas intenções perversas do que eu queria fazer com ela.
— Sete minutos...? — ela repetiu, incerta, mas aceitando.
Mordisquei seu lábio mais uma vez, esperando que ele estivesse inchado ao dia seguinte, para que ela se lembrasse dos meus beijos e das sensações que eu estava lhe provocando e que eu ainda iria provocar.
— Isso, baby. — murmurei, a boca na dela, deslizando lentamente pelo queixo e a linha da mandíbula, minha mão subindo disfarçadamente por dentro da sua blusa. — Para de pensar e se entrega.
Naquele mesmo segundo, minha mão alcançou seu seio, envolvendo-o brutalmente, apertando sem dó alguma. Abri bem meus olhos, deixando meus lábios desceram para o seu pescoço, vendo sua boca se abrir em choque pelo contato eletrizante da minha pele com a dela, o seu corpo com o meu, quase como se fossemos um só.
Quase. Ainda não.
Deslizei minha mão por toda extensão de seus seios, dedilhando-o quase em caracol para chegar ao meu intento, sua auréola e o bico retraído de tensão, ao qual eu prendi entre o dedão e o polegar e girei, apertando sem dó.
— Ahhhh — ela gemeu, descontroladamente.
Senti o arrepio subindo pela minha espinha, desejando-a tão completamente que chegava a doer no ventre, na minha ereção, que parecia querer explodir dentro da minha bermuda, a qual eu apertei ainda mais contra ela.
Minha boca voltou aos seus lábios, segurando seu gemido entre minha língua, quando apertei o bico do seu seio mais uma vez e ela apertou as unhas em meu braço, encerrando o beijo e jogando a cabeça para trás, em mais um gemido ensandecido.
Ela gostava!
Minha mente ficou extremamente embaralhada com a informação. Eu não podia acreditar que ela gostava de um pouco mais de brutalidade. Cada dia mais, eu me encantava um pouco e me admirava com a forma que aquela garota parecia ter sido feita para ser minha.
— Shhhh... — murmurei, levando minha boca até sua orelha, soprando em seu ouvido lentamente, mordiscando seu lóbulo. — Sem fazer barulho, baby.
Percebi que ela trincou os dentes e apertou um lábio contra o outro, tão ávida a obedecer meu pedido que eu quase lhe rasguei toda a roupa e a possuí exatamente naquele momento, sem me importar com mais nada.
Vendo que ela não estava, exatamente, oferecendo muita resistência, soltei seus seios e levei ambas as minhas mãos à barra de sua blusa e a puxei para cima, ao que ela correspondeu levantando os braços e permitindo que eu a tirasse.
Eu não esperava que fosse tão fácil.
E ali estava. Por dois longos anos, eu sonhara com a visão daqueles seios, com a cor de suas auréolas — que eram rosadas —, com o formato, a consistência, a sensação de tê-los em minha boca...
Não pude aguentar um segundo sequer.
Mordi o mesmo bico do seio que eu estivera apertando antes, bem de leve, aumentando a força aos poucos, ao que ela correspondeu, cravando as unhas em minhas costas, desesperada por aliviar a tensão de seu corpo.
— Ahhhh. — ela gemeu.
— Shh! — reclamei, enquanto soltava o bico de seu seio para ir ao outro, que parecia estar implorando por mim, visto dali.
Ela grunhiu, reclamando, mas, como eu esperava, apertou os lábios mais uma vez e, não podendo explanar sua tensão pela boca, ela remexeu-se, suas costas curvando-se perigosamente, fazendo com que ela rebolasse.
Puxei seu seio em minha direção ao mesmo tempo em que a peguei se afastando de mim, incapaz de controlar seus próprios sentimentos. Ouvi-a grunhir quando envolvi sua cintura com os meus braços, prendendo-a em um abraço, minha boca envolvendo tudo o que eu conseguia colocar de peito em minha boca.
Ela soltou um montante de ar e senti uma de suas mãos descendo pelo meu peito, apertando a palma contra ele, sentindo meus músculos, como se ela precisasse disso. Achando que era a hora perfeita, eu afastei-me, tirei minha camisa em um movimento só e voltei a grudar nossos lábios, segurando-a pela cintura, apertando minha ereção no vão entre suas pernas onde eu estava encaixado, sentindo suas mãos em meu peito nu, suas unhas cravando-se perigosamente em minha pele, entranhadas no pouco cabelo do peito que eu deixara crescer desde a minha última corrida...
Aquilo, definitivamente, levava o nome proposto: era o paraíso.
Abri meus olhos, encerrando o beijo, sentindo sua mão descendo indisfarçada e perigosamente pelo meu peito. Olhei para baixo, pescando o exato momento em que ela atravessou o elástico da minha bermuda e voltei a olhar para ela, pegando-a encarando avidamente, avaliando minha reação.
E no momento em que sua mão se fechou contra minha ereção e apertou-a com gosto, eu não pude me conter.
— Ah! — exclamei, gemendo, apertando meus olhos e jogando a cabeça para trás.
Ela apertou ainda com mais força, deixando a mão escorregar para cima e para baixo, deslizando por todo o meu pau com vontade, mesmo que ainda por cima da bermuda. Senti sua mão em minha nuca, puxando uns fios com força e guiando sua boca até a minha, em que ela depositou um beijo em meus lábios, quase que superficialmente.
— Shh... — ela sussurrou.
Puta merda.
Puta merda duas vezes.
Aquela garota era simplesmente a provocação em pessoa. Não querendo, ela já era, ali, naquele momento então, eu poderia explodir de tesão e eu tenho certeza de que quase fiz isso, encarando-a meio abobalhado por entre meus cílios.
Pois bem, foi mais ou menos por aí que eu decidi que para mim já tinha dado. Já era o suficiente, depois de tanto tempo, tanta tensão, tanta provocação. Então, minhas duas mãos foram sozinhas para o elástico do seu pijaminha e eu arrastei-o levemente para baixo, podendo ver as beiradas de sua calcinha verde, antes de afundar minha boca em seu pescoço, ligeiramente incomodado com uma musiquinha irritante que eu não fazia ideia de quando havia começado a tocar.
Subitamente, ambas as mãos de null voltaram ao meu peito, em uma imposição estranha. Senti uma certa pressão onde elas se posicionaram e eu franzi a testa, não entendendo o que diabos podia estar acontecendo.
Levei meus lábios aos dela, mas ela escorregou que nem quiabo, deslizando para o lado e fugindo para longe de mim, a mesma pressão em meu peito se mantendo presente, insistente e perigosa.
Eu dei um passo para trás, sem nem entender nada.
Ela pulou da pia, os pés descalços batendo no chão e, então, virou o corpo para retirar o celular de dentro da pia, onde apertou um botão que fez a musiquinha irritante parar instantaneamente.
Não.
Não podia ser.
— Não. — eu disse, soando meio desesperado — Você não pode estar falando sério.
Ela levantou o olhar para mim, colocando a blusa recolhida do chão em cima dos seios de qualquer jeito, os olhos ainda meio nublados e mostrando uma espécie de brilho incandescente neles que só podia ser uma reação a mim, porém havia também determinação, o que me fez balançar a cabeça de um lado para o outro, me recusando a aceitar que ela tivesse essa fibra toda.
— Só sete minutos. — ela disse. — Lembra?
Eu fechei os olhos, suspirando pesadamente e virei-me de costas para ela, incapaz de encará-la um segundo mais sequer que fosse. Se eu o fizesse, talvez eu não conseguisse responder por mim e eu realmente não queria fazer nada que não fosse contra sua vontade, muito menos agora que eu sabia, tinha certeza, que convencê-la era ainda mais delicioso e dava um gosto melhor a toda a situação.
Ouvi-a sair, pisando tão levemente que se não fosse o tic da porta se fechando, talvez eu nem reparasse e deixei minha mente vagar novamente pelo corpo dela, com um suspiro.
Eu simplesmente nunca havia me sentido nem perto disso com qualquer outra garota, e null e eu... Nem havíamos chegado perto de finalizar a situação.
Com um suspiro derrotado, abaixei a bermuda e a cueca e resolvi que eu deveria voltar a ter treze anos e me aliviar eu mesmo.

Quando saí do banheiro, null estava deitada na cama de costas para mim, coberta até o pescoço, na extremidade mais distante da cama. Mesmo mais tranquilo depois de me masturbar e tomar um banho relaxante, não pude conter o arrepio deliberado em meu corpo quando pus meus olhos nela.
Aproximei-me vagarosamente e sentei-me do meu lado da mureta de edredons. Ao me deitar, meus dedos capturaram delicadamente uma mecha de seu cabelo macio, levando-o ao meu nariz, onde pude inspirar o cheiro de rosas que estava sempre entranhado nele — e eu mal podia me recordar desde quando eu havia me viciado nisso.
— Você ainda vai me deixar maluco, garota. — eu murmurei, para uma adormecida null — Completamente maluco.

Capítulo Onze

Vergonha

Eu estava com vergonha e sem jeito.
Eu, null null, estava com vergonha de uma garota.
Eu soquei minha testa várias vezes, naqueles três dias, por conta disso. Eu acordava, pulava cedo para fora da cama, tomava um café da manhã rápido e sumia para fora de casa, procurando algo o que fazer na fazenda.
Fiz coisas que eu não fazia desde moleque, cavalguei atrás do gado, chequei as plantações, pensei em até fazer uma visita à Kamille, na esperança de poder descontar um pouco das minhas frustrações com null nela, mas desisti. Conversei com os funcionários — e me surpreendi ao ver que vários me perguntavam sobre como estava a senhorinha null.
Parecia que ela era simpática com todos — menos comigo.
Eu estava pensando com meus botões sobre a viagem e como faríamos — mal havíamos conversado sobre isso porque eu não conseguia chegar perto dela e manter a concentração ao mesmo tempo; eu só pensava em me afundar em seu corpo, tê-la inteira, sem interrupções. E quando ela terminava de falar, eu mal tinha escutado uma palavra sequer.
Ao menos eu tinha entendido que ela estava planejando sair no dia seguinte, o que me permitiu tirar a mala de dentro do armário e jogá-la no chão naquela manhã. Em cima da hora, eu colocaria uma massa de roupa ali e ficaria tudo bem.
Saí, então, para uma volta com Luvas. O cavalo não estava me aguentando mais, bufou quando me viu, o que me fez rir. Então eu apenas cavalguei até o pomar e o soltei ali, me deixando ficar sentado à sombra de umas macieiras, comendo uma maçã atrás da outra, vendo Luvas perseguir a própria sombra, comer grama e ainda me roubar algumas maçãs.
Cerca de uma hora mais tarde, eu estava recostado contra a árvore, admirando o céu claro e observando cada uma das poucas nuvens nele, procurando por nomear suas formas; eu estava muito entediado e só não queria admitir. Mesmo assim, ao sentir a movimentação do meu lado, eu apenas suspirei, cansado.
— É aqui que você tem se escondido? — a voz dela chegou aos meus ouvidos.
Apenas virei o rosto para olhá-la, já sentada ao meu lado na sombra, as pernas em sua calça apertada de ginástica esticadas na frente do corpo.
— Às vezes. — respondi secamente, voltando a olhar para o nada, evitando que minha mente me traísse novamente.
Ela soltou um longo suspiro — o que era apenas ela tentando voltar a respirar normalmente depois da sua provável corrida até ali.
— É bonito aqui. — ela disse. Eu não respondi nada, então ela resolveu continuar. — Você está chateado por ir viajar comigo? Porque eu posso ir sozinha...
Bufei porque ela era teimosa feito uma porta. Eu já havia dito que eu iria levá-la e ela era incapaz de reconhecer que eu estava chateado por outro motivo que não aquele.
— Eu já disse que vou levar você. — eu disse, simplesmente, sem tirar os olhos da nuvem acima de mim.
Mesmo sem olhar para ela, eu sabia que ela estava inconformada com a minha resposta vaga.
— Mas você não precisa, se você não quiser! — ela disse, soando uma oitava mais alto que o normal, informando que ela estava nervosa. — É sério, eu posso pegar um ônibus ou sei lá...
null. — cortei-a, mordendo minha língua por chamá-la pelo apelido que eu vinha me referindo a ela dentro da minha mente. — Eu vou levar você, ok?
Ouvi-a estalando a língua nos lábios, insatisfeita, novamente, por eu não ceder meus pensamentos a ela. Por que a garota simplesmente não conseguia entender que eu só conseguia pensar em comê-la e me deixar em paz um pouquinho para eu conseguir colocar os meus hormônios no lugar antes de irmos ficar cara a cara com o pai dela?
— Mas você vai almoçar em casa hoje? — questionou.
A maneira com que ela disse em casa elevou os pelos da minha nuca e me deixou nervoso. Nossa casa, nossa cama, nossos lençóis; e lá estava minha mente afundada no meio dos seus seios deliciosos mais uma vez.
— Não. — respondi, simplesmente.
Pelo canto dos olhos, vi-a virar o rosto em minha direção e a confusão em toda a sua expressão. Luvas relinchou, finalmente percebendo null e dizendo olá, mas ela não percebeu.
— Por quê? — questionou, parecendo devidamente ofendida.
Respirei fundo e fechei meus olhos, buscando alguma resposta mentirosa na minha mente. Os segundos se passaram depressa e, acho que até mesmo por causa da sua presença inebriante, eu não pude formular nada além da verdade.
— Porque eu não sei mais quanto tempo eu consigo passar olhando pra você sem simplesmente te agarrar.
Foi a vez dela respirar fundo e olhar para frente. Ouvi-a soltar uma risada nervosa, que me dizia que ela devia estar ligando todo o meu comportamento esquisito àquela frase, e devia mesmo.
Ainda pelo canto dos olhos, vi-a dobrar os joelhos e abraçar as pernas, franzindo a testa, como se tentasse desmembrar a situação toda dentro da sua própria mente — eu estava gritando por dentro não dá, eu já tentei, mas nenhuma palavra deixou a minha boca.
Até mesmo porque eu já havia compreendido — e eu achava que, se ela não havia compreendido ainda, também estava prestes a fazê-lo. Era ela que dava todas as concessões e regras daquele jogo. Eu só estava seguindo.
E isso me incomodava. Eu nunca havia sido um peão antes. Eu era sempre o que jogava a melhor mão.
— Eu estava pensando... — sussurrou.
Fiquei esperando-a dizer várias coisas. Esperei que ela dissesse que ia aproveitar as malas e ir para casa — porque se eu não conseguia me controlar, ela iria fugir para longe dali —, que ela simplesmente ia pegar o almoço e levar até ali se eu não me juntasse a ela e, a melhor das hipóteses, que ela estava pensando que seria melhor nós tirarmos nossas roupas e fodermos ali mesmo, no pomar.
Eu estremecia só com a ideia.
-... que talvez você pudesse me levar para dar uma volta no Luvas outra vez. — terminou, por fim.
Segurei meu queixo antes que ele caísse, outra vez. Eu tinha a impressão de que ela sabia exatamente o que estava pedindo e, ao virar o meu rosto para olhá-la, eu tive certeza; null ostentava um sorriso de canto de lábios que era uma perdição.
— Você está falando sério? — questionei.
Ela meneou a cabeça e soltou um suspiro, jogando um pouco o corpo para trás em uma displicência quase irritante.
— Se você se comportar... — sussurrou.
Eu olhei para vários cantos ao redor dela, enquanto eu processava o que ela estava me dizendo. null estava me perguntando se eu conseguiria me controlar, se ela me desse um pouco mais de espaço. E eu conseguiria? Eu não sabia se eu ia ficar mais maluco ou se toda aquela tensão ia melhorar, mas só de pensar em roçar meu pau na bunda dela outra vez... Nossa. Eu já estava ficando duro.
Sem nem lhe dar qualquer resposta, eu assoviei para Luvas, que levantou a cabeça da grama que estava comendo no segundo em que ouviu e trotou alegremente até nós dois. Ele parou na frente de null, abaixou a cabeça e empurrou a cara contra o rosto dela, que riu, tentando contê-lo e se jogando para trás, ao mesmo tempo.
— Ao menos algum cavalo tinha que gostar de você, não é? — eu disse, rindo.
null ainda estava deitada na grama, rindo; Luvas já tinha desistido dela e estava roubando uma maçã que eu havia deixado para mais tarde, abandonada ao meu lado. Mordi o lábio, nervoso, sentindo meu corpo dar reviravoltas com a promessa do que estava a seguir — dessa vez, era além surpresa, era consensual.
Talvez, se eu soubesse jogar o jogo nas regras dela, tudo aquilo se resolvesse mais rápido do que do meu jeito desajeitado e desesperado. Eu estava cedendo às rédeas da situação, esperando tomá-las de volta em algum momento, em um ponto avançado e muito melhor, ao qual eu não conseguia alcançar sozinho.
— Pronto para dar uma volta, amigão? — perguntei a Luvas, que mastigava sua maçã muito contente.
Ele bufou, mas não reclamou quando eu peguei suas rédeas e me levantei. Ofereci uma mão para ajudar null a se levantar, fato que foi recebido com um levantar de sobrancelha seu. Porém, ela aceitou a ajuda, limpando a roupa do resto de grama e terra e me fazendo recordar que ela estava usando aquela calça colante deliciosa. Fechei os olhos por um momento, respirando fundo.
— Você primeiro. — eu disse a ela.
Ela sorriu, piscou os olhos daquela forma irritante que garotas faziam e forçou o corpo para cima, montando na cela como se já tivesse feito aquilo dezenas de vezes.
— Eu aprendo rápido! — anunciou, sob o meu olhar curioso.
Eu riria se eu não estivesse tomando o meu lugar atrás dela, exatamente naquele momento.
Sem nenhum pudor, levei meu nariz à curva do pescoço dela, descoberto de seus cabelos, presos em um coque no alto da cabeça, inspirando profundamente e sentindo todos os pelos da região se arrepiarem com o fato, antes de colocar meus lábios em contato com sua pele, e escorregar até a beira do seu top, fazendo a alça da blusa larga, que ela usava por cima, cair pelo seu braço.
Luvas começou a trotar vagarosamente, mesmo sem o meu comando; eu estava distraído demais, vendo null morder o lábio inferior, parecendo nervosa com o nosso contato. Deixei minha mão tomar lugar em sua cintura, puxando sua bunda contra a minha ereção crescente, e levei meus lábios até sua orelha.
— Você vai me deixar doido. — confessei em seu ouvido. — Não consigo pensar em outra coisa a não ser em ter você.
Ouvi um longo suspiro sair dela e, então, ela empurrou todo o corpo para trás: suas costas contra meu peito, sua cabeça apoiada em meu ombro e sua bunda apertou-se com mais força contra minha ereção.
Fiz a força contrária e ela soltou um gemido quase inaudível, mas eu estava tão concentrado nela que não deixei de notar.
— Por que você faz isso? — sussurrei, ainda em sua orelha. — Se você me quer, é só deixar rolar.
Levei minha mão, a que estava em sua cintura, de volta aos seus seios, que estavam me tirando o sono há três dias. Ela soltou o ar com força e pegou minha mão, guiando-a se volta para a cintura. Deixou sua mão sobre a minha e apertou-a, como se dissesse, deixe aí, aí está bom.
Bom, se era para deixar ali...
Saí de seu aperto, escorregando a mão para baixo e entranhei meus dedos por dentro da calça de lycra que ela usava. Cravei minhas unhas ralas em sua pele e puxei-a ainda mais para mim. Não houve reclamações ou impedimentos, então deixei meus dedos escorregarem um pouco mais para dentro da sua calça, já entrando no perímetro da virilha...
E ela me alcançou antes que eu pudesse fazê-lo.
— É pra você se comportar. — ela sussurrou.
Mas a forma com que sua voz variou, eu sabia que ela estava tão alterada quanto eu — e não foi fácil lidar com os pensamentos em sua calcinha encharcada de excitação. Mesmo assim, soltei um suspiro conformado e deixei minha mão voltar à sua cintura, decidido a tirar proveito máximo do que me era oferecido, em vez de procurar alguma coisa a mais e acabar fazendo aquilo simplesmente se encerrar antes do que eu gostaria.
Eu já estava suando de nervoso, calor, tesão e tensão e nós não havíamos percorrido nem metade do caminho até o celeiro, quando eu ouvi um trotar e me congelei no lugar, empurrando null um pouco para frente.
— Oi, Carlinhos, como vai? — perguntei à distância.
Ele acenou em resposta. Uma olhada e, mesmo que eu estivesse disfarçando, ele sabia que estava rolando alguma coisa ali, então tomou outro caminho.
— Você acha que ele reparou? — null perguntou, nervosa.
— O quê? — eu inquiri, rindo.
Diga, baby, diga em voz alta. Eu estava fazendo figa. Diga que eu estava relando em você e que você estava gemendo por causa disso.
— Deixa de ser idiota, null! — ela resmungou.
Gargalhei, puxando-a de volta ao encontro com meu corpo, beijando seu pescoço com destreza.
— Se ele reparou, ele não vai falar nada. — eu disse. — Tenho certeza de que ele gosta do emprego que ele tem.
Ela não pareceu muito confortável com a minha resposta, mas não reclamou e ainda remexeu os quadris um pouco, me fazendo apertar os olhos e lamber os lábios.
Luvas resolveu trotar mais rápido por ele mesmo, apesar de eu puxar suas rédeas algumas vezes para impedi-lo. Acabei por envolver null com um braço para sustentá-la na corrida, nós dois nos desconcentrando do que estávamos fazendo apenas alguns segundos antes.
— Você pode me deixar em casa? — ela questionou, ao ver que eu estava guiando Luvas para o estábulo; e para ter uma conversa séria com aquele cavalo sobre não me atrapalhar em momentos crucias.
— Claro. — respondi.
O que mais eu poderia dizer?
Chegamos em casa em menos de dois minutos e ela desmontou. Não deixei de reparar em suas pernas meio bambas ao encostar seus pés no chão. E, então, eu tive uma ideia que me pareceu ótima.
— Ei. — chamei-a, antes que ela pudesse entrar. Ela virou o olhar em minha direção, apertando os olhos por causa da claridade do Sol. — Queria passar em um lugar maneiro amanhã, antes de irmos para o seu pai, tudo bem?
Ela franziu a testa — o que quase não deu para perceber, devido aos seus olhos apertados — e um sorriso discreto e divertido surgiu em seu rosto.
— Você não está achando que pode me levar no motel só porque eu fiquei com pena e te deixei se aliviar um pouquinho, está? — ela questionou.
Ouch.
Senti meu orgulho esmagado, pisoteado e compactado de todas as formas possíveis, mas tentei não demonstrar isso, mesmo engolindo a seco.
— Não era eu que estava gemendo que nem uma potranca, era? — perguntei.
Ela deixou transparecer a ofensa e colocou a mão na maçaneta, se preparando para entrar.
— Você é um babaca. — anunciou.
— É sério, baby. — eu chamei-a, antes que ela entrasse. Ela suspirou e voltou o olhar em minha direção. — Queria mesmo passar nesse lugar.
null franziu a testa mais uma vez e, então, suspirou, rendida. Era quase como se ela não conseguisse mais ficar zangada comigo por muito tempo.
— Se não for para um motel, está tudo bem. — ela disse.
Abri o maior dos sorrisos e ela sorriu meio sem vontade, de lado. Puxei as rédeas de Luvas, girando-o com maestria, virando-o para seguir o caminho até o estábulo e ter a tal da conversa de homem para cavalo que eu deveria ter com ele.
— E, null. — eu disse, antes de ir. — Você vai precisar de um biquíni.
Dei-lhe uma piscadinha de olho, enquanto ela absorvia a informação. Ela soltou uma gargalhada pelo meu gesto e eu sacudi as rédeas de Luvas, obrigando-o a começar a trotar.

Capítulo Doze

Tirolesa

Adrenalina.
Eu era apaixonado por adrenalina.
Cada sensação que se reverberara em meu corpo era uma lufada de ar quente na minha cara. Tão logo, eu estava berrando de alegria. Eu adorava.
Então, quando estacionei o carro na entrada da Fazenda Radical, onde eu passara boa parte dos meus feriados na adolescência, eu já estava tremendo por dentro. null estava com um vestidinho leve por cima do biquíni vermelho e desceu do carro, tirando os óculos de Sol para olhar ao redor. Olhou para mim com um sorriso de lado e balançou a cabeça em aprovação. Fiz a mesma coisa com ela, mas eu estava aprovando as pecinhas de roupa que ela usava por debaixo do vestido.
— Lugar legal. — ela disse.
Não tinha visto nada ainda, por isso eu ri. Aquele lugar era demais, eu adorava ir ali, mas não ia desde que havia entrado na faculdade; eu perdera contato com todos os meus amigos do Ensino Médio e era um pouco chato fazer trilha sozinho.
Com null, porém...
— Vem. — eu disse. — É por aqui.
Ela me seguiu, sem nem pestanejar, para dentro da mata, uma trilha que serpenteava até a cachoeira, onde havia uma subida íngreme, que levava até a tirolesa, que era onde eu queria ir.
— Onde nós estamos indo? — ela perguntou, depois de cinco minutos de caminhada, quando alcançamos um barranco um pouco mais alto, o que ela estranhou.
— Tirolesa, baby. — respondi.
Ela entortou o lábio, mas não pestanejou em subir o vestido e apoiar um dos pés para subir. Cheio de más intenções, eu coloquei minha mão em sua bunda e a empurrei para cima. Ela subiu e olhou para mim com um sorriso divertido, balançando a cabeça negativamente.
— Que foi? — questionei, inocente.
Nada. — ela me respondeu, irônica, rindo.
Por toda a trilha, deixei mãos bobas em várias partes do corpo dela, o que apenas a fazia rir e me olhar de forma quase aprovadora, o que me deixava com ainda mais liberdade em arriscar outras passadas de mão.
Durante a subida, à beira da cachoeira, eu fui apoiá-la pela bunda e arrisquei uma apertadinha que demorou um pouco mais do que o inha, mas ela novamente, só riu.
Alguém estava de bom humor.
Alcançamos o topo da fazenda e eu não demorei para encontrar a base da tirolesa, já que eu havia passado boa parte da adolescência ali. Não estava muito diferente desde então, talvez um pouco reformado e com as coisas em locais diferentes.
Porém, estranhei não haver nenhum funcionário por perto. Sempre havia algum instrutor por ali para auxiliar nas amarras e na segurança. Talvez eles estivessem com pouco movimento e o cara estivesse tirando um cochilo; eu o deixaria continuar, sabia muito bem como preparar para tirolesa.
— Você já fez isso? — questionei.
Ela não precisava responder; pela maneira com que ela olhava o cabo e o tamanho da descida, até mesmo com uma admiração meio nervosa e contida, eu tinha a sua resposta.
— Não. — disse. Um sorriso envergonhado e infantil surgiu em seu rosto.
Pensei em fazer uma piadinha sobre ela ser virgem de tirolesa, mas meus pensamentos se perderam quando eu bati meu olhar nas amarras e a imaginei dentro delas. Amarrada. De diversas formas. Com outras amarrar, com cordas, amordaçada...
Puxa.
Precisei respirar fundo, antes de voltar ao foco.
— Bom — peguei o equipamento da caixa que havia sido abandonada ali por algum funcionário displicente. —, vou te amarrar, já que é a sua primeira vez.
Ela levantou uma sobrancelha, parecendo ligeiramente interessada, e não pestanejou quando eu lhe ofereci as tiras. Ela passou as pernas por elas, levantando a barra do vestido, meus dedos roçando em suas coxas.
— Você não vai se amarrar, não? — questionou.
Havia uma linha em sua testa, parecida com preocupação. Sorri, leve, e concordei com a cabeça, mas não pude concluir a frase. Prendi a tira em sua cintura com tanta força que ela acabou sendo projetada em minha direção, mas não reclamou nem um pouco.
— Hm. — murmurei.
— O que foi? — perguntou, ainda parecendo preocupada.
Levantei o olhar da tira em sua cintura, meio perdido, e percebi que estava mordendo o lábio inferior. Ela franziu ainda mais a testa, estranhando.
— Nada. — eu disse, por fim, soltando as mãos da tira que eu havia acabado de cinturar. — É só que te amarrar assim... Me dá umas ideias.
A expressão preocupada dela se desfez em uma gargalhada envolvente, que eu acabei acompanhando. Antes de guiá-la até a tirolesa, eu me curvei em direção a ela, tentando roubar-lhe um beijo, ao que ela afastou, com um sorriso divertido no rosto.
— E agora eu faço o quê? — questionou, disfarçando, indo para baixo do cabo que cortava parte da fazenda, encontrando seu fim na maior bolsa de água que a cachoeira fazia.
Soltei um suspiro resignado de incompreensão. Eu simplesmente não conseguia acompanhar o que ela fazia, como fazia; todos os seus sinais eram confusos, ela demonstrava que queria e, então, fugia quando eu fazia o mesmo.
— Agora a gente prende aqui — murmurei.
Prendi-a na tirolesa e verifiquei se estava firme. Levantei o olhar para ela e seu rosto parecia estar emanando brilho, perdida em adrenalina. Sorri, reconhecendo; era a mesma sensação que eu tinha sempre.
— Agora eu pulo? — perguntou.
E quem disse que ela esperou eu responder?
Garota doida, garota maluca — e ainda seria minha garota, muito em breve.
Esperei que ela terminasse a descida, me preparando para segui-la e, tão longo ela alcançou a bolsa de água, eu já estava descendo, berrando, contente, sentindo todas aquelas sensações gostosas da adrenalina estourando por todo o meu corpo.
Quando meus pés encostaram na água e eu desenganchei a tirolesa, encontrei null deitada à margem do lago, com a mão na barriga, respirando fundo, com um sorriso idiota no rosto. Eu ri, saindo de dentro da água e sacudindo o cabelo para molhá-la e tirá-la do transe em que ela havia se enfiado.
— Para! — reclamou, rindo.
Eu não parei e ela continuou a rir, então a puxei pelo pé para voltar ao lago, nós dois gargalhando. Acabei tropeçando numa pedra e escorreguei, fazendo-a rir ainda mais alto.
Estávamos parecendo dois idiotas e eu estava até gostando disso.
Acabei por me deitar meio que do lado dela, meio que em cima dela, fazendo cócegas para que o seu riso durasse ainda mais. Ela estapeou minhas mãos diversas vezes, sem muito sucesso.
O riso cessou quando nosso ar esgotou-se e nós dois nos encaramos como se aquela fosse a primeira vez que nos víamos. Piegas. Gay. Mas foi mais ou menos assim.
null sorriu e desviou o olhar por meio segundo para os meus lábios, antes de voltar a me encarar — e eu tinha certeza de que aquele era o sinal certo.
Grudei nossos lábios, sentindo suas mãos alcançarem meus ombros logo em seguida, as unhas se acomodando em minha pele no mesmo momento em que eu deslizava para pôr meu corpo exatamente sobre o dela, minha mão subindo seu vestido para se posicionar, pele contra pele, em sua cintura, tentando me comportar, porque eu havia percebido que era assim que funcionava, com ela.
Ficamos sem ar no meio do beijo e eu encerrei-o, mordiscando seu lábio inferior. Nossos narizes permaneceram grudados durante um longo segundo, antes que ela voltasse a me beijar de forma voraz, me surpreendendo totalmente.
E ficamos assim durante longos minutos, incansáveis beijos deliciosos, embora comportados.
Lá vai o canhão! — o grito, seguido por um splash, fez com que eu encerrasse o beijo meio no susto e encarei o grupo de adolescentes que pulava dentro do lago com um olhar raivoso.
null espalmou a mão em meu peito, empurrando-me para o lado e se levantou. Deixei meu queixo cair ao vê-la arrancar o vestido pela cabeça, ficando só com aquele minúsculo biquíni vermelho.
Alguns dos adolescentes também arriscaram olhá-la, mas eu preferi não me importar a perder o movimento da sua bunda enquanto ela caminhava até o lago.
Ela já estava com água na metade da coxa quando se voltou em minha direção e levantou a sobrancelha, jogando o corpo para baixo, deixando a água cobri-la até os seios.
— Você não vem? — perguntou.
Ela não precisou dizer duas vezes e eu já estava de pé, com seu sorriso de lado direcionado a mim, além de um olhar no mínimo arrepiante. Ela nadou para trás, para uma área mais funda e mais distante dos garotos, enquanto eu tentava alcançá-la.
Puxei-a pela cintura, encostando seu corpo no meu, mordendo seu lábio inferior com força, antes mesmo de beijá-la. Ele estaria inchado quando nós chegássemos à casa do pai dela; a perspectiva fazia minha barriga revirar. Por que eu me importava? Eu não sabia.
Nossos lábios se grudaram sem mais delongas, já pareciam estar acostumados uns aos outros, porém ela acabou encerrando o beijo cedo demais, com uma risadinha irritante.
— Eu acho que estamos sendo assistidos — disse.
Olhei para trás e mal encarei três moleques que não tiravam os olhos de nós dois, mesmo. Como ela sabia que eles estavam era um mistério. Talvez estivesse de olhos abertos, sei lá. Algumas garotas tinham essa mania; talvez eu ficasse de olhos abertos para checar.
— Vem, vamos pro cantinho — eu disse.
Ela deu outra risada irritante, me seguindo ao redor de uma pedra gigante, e não reclamou quando eu a girei, encostando-a contra a superfície gelada da mesma, deixando meu nariz tracejar um caminho imaginário em seu pescoço, arrepiando-a inteira.
— Eu ainda estou com aquelas ideias de te amarrar na cabeça — eu sussurrei, sem conseguir conter as palavras, antes de proferi-las, como se não tivesse um filtro entre meus pensamentos e minha boca — Você vai ter que me deixar fazer isso qualquer dia.
Ela riu, mas soou diferente, dessa vez. Pareceu algo mais sensual, meio desesperado. Senti seus lábios em minha orelha.
— Eu já deixei... — ela sussurrou.
Ah, merda.
A forma como foi dito, me deixou terrivelmente na dúvida se ela estava falando da tirolesa; havia soado como uma promessa, na verdade. Tomei um montante de ar e resolvi aceitar a promessa, antes de grudar nossos lábios de novo.
Pressionei seu corpo entre o meu e a pedra, deixando-a sentir o quão excitado eu estava com tudo aquilo. Senti suas unhas apertarem meu ombro com mais força e ela desgrudou seus lábios dos meus, soltando um suspiro, antes de grudá-los novamente.
Uma de minhas mãos desceu pelo seu corpo, passando pela sua cintura e bunda, antes de alcançar sua coxa e levantá-la, encaixando sua perna acima do meu quadril e deixando com que eu me colocasse entre suas pernas, o que a fez jogar a cabeça para trás e morder o lábio com um gemidinho baixinho delicioso, deixando seu pescoço livre para meus beijos.
Lambi, mordi, beijei e chupei diversos pontos do seu pescoço, sentindo-a apertar os dedos e as unhas com ainda mais força, antes de subir ambas as mãos até meu cabelo e entranhá-las ali, puxando-o com uma força patética, mas, ainda assim, arrepiante.
Achei que era a hora certa de tentar uma investida em seus seios, então deixei uma mão subir disfarçadamente até lá. Voltei a beijá-la na boca, segurando a barrinha de dentro da cortina de um dos lados do biquíni e ao vê-la não demonstrar nenhuma resistência, escorreguei-a para o lado e encaixei seu bico entre os meus dedos.
Ela soltou um grunhidinho com os lábios grudados aos meus e eu afastei-os, na esperança de ouvir um pouquinho mais alto e mais abafado. null encostou a testa na minha e eu abri meus olhos, pegando-a me encarando com o olhar ardendo em chamas. Sem me conter e para provocá-la, apertei o bico de seu seio com um pouco mais de força e ela apertou os olhos e os lábios, se remexendo em meu sustento, jogando a cabeça para trás, apoiando-a na pedra.
Céus, como ela era gostosa.
— Eu podia te comer aqui mesmo, sua safada — murmurei, com os lábios grudados em seu pescoço. — E, talvez, eu faça isso.
Ela riu e me deu um leve tapa no ombro, antes de voltar a me encarar com os olhos brilhando de forma divertida; eu estava falando sério, mas ela tinha levado totalmente na brincadeira.
Achei que, talvez, eu devesse demonstrar. Por isso, soltei sua coxa e levei minha mão até a cordinha da parte de baixo do seu biquíni, puxando-a vagarosamente, sem que ela percebesse. Quando desfiz o laço, sorrindo por dentro pelo meu feito, ela pareceu desaparecer da minha frente, reaparecendo na margem mais próxima, amarrando o laço novamente, sob o olhar dos moleques da bola de canhão.
Soltei um grunhido de infelicidade e deixei-me escorregar em direção a ela, na esperança de conseguir consertar a cagada que eu havia feito e poder aproveitar mais um pouquinho dela, dentro ou fora do lago, de qualquer maneira que fosse.
— Ei, desculpa — eu disse, tentando alcançá-la, já que ela estava caminhando ao redor da margem e por cima das pedras do canal, para alcançar onde havíamos desembarcado da tirolesa e onde ela havia abandonado seu vestido.
Saí da água logo após ela atravessar o canal, correndo em sua direção, mas não antes de impedi-la de se vestir novamente. Soltei um muxoxo de desaprovação.
— Baby, desculpa, eu me empolguei — tentei mais uma vez.
Ela virou-se para mim naquele segundo e eu percebi o quão ferrado eu estava pela ferocidade do seu olhar.
— Você não tem limites mesmo, né? — ela questionou, a voz um pouco mais alterada que o normal. — Eu achei que a gente podia usar um pouco de intimidade, já que estamos indo fingir ser namorados pro meu pai, mas claro que você não ia se contentar só com isso, ia? — ela riu de deboche. — Eu sou mesmo estúpida por achar que ia.
Caralho.
Eu senti um soco na boca do meu estômago com suas palavras. Repeti-as mentalmente várias vezes, tentando encontrar qual era o ponto que ela mais me ofendia, até encontrar o que era, embora eu não entendesse exatamente o porquê.
Eu já tinha usado várias garotas por toda a minha vida, por motivos diversos, e eu fizera algumas delas chorar. Porém, ter sido usado não era de todo ruim — eu tinha acabado de dar um amasso muito gostoso nela —, mas, mesmo assim, me incomodava.
Acho que era saber que ela não queria, exatamente, ficar comigo. Toda a simpatia exagerada que ela estava proclamando desde a conversa com seu pai e, inclusive, nossos sete minutos no paraíso, era apenas aquilo: ela querendo que nós tivéssemos alguma intimidade para não fazer feio no teatrinho na frente do papaizinho dela.
E eu tinha caído feito um patinho, achando que ela estava querendo ceder, que eu sabia qual eram as regras do jogo que ela estava jogando e acreditava que eu podia vencer.
Eu não sabia era de porra nenhuma.
— Será que a gente pode ir logo, agora? — questionou. — Acho que você já teve o suficiente.
Eu não tinha conseguido nem perto de ter o suficiente, mas concordei com a cabeça mesmo assim.

Capítulo Treze

Baratas

Nós pegamos a estrada ao entardecer. null não estava falando comigo, embora eu estivesse me esforçando em continuar uma conversa sozinho. Ela havia tirado uma lixa de dentro da sua bolsa e estava irritantemente lixando todas as suas unhas, com aquele barulhinho infernal ecoando dentro do carro.
Demorou cerca de meia hora até que voltássemos ao caminho original para Brasília. A estrada estava cheia, as pessoas indo e vindo por causa das festas de fim de ano, embora ainda fosse quinta-feira. Ao arriscar uma olhada para ela, vi que seu cabelo estava diferente, cachos surgiram do nada.
O carro deu uma guinada esquisita e o carro de trás buzinou, provavelmente no susto pela aproximação inesperada, e nos ultrapassou, já que eu diminuí a velocidade.
— Tem algo errado com o carro — anunciei.
Ela parou de lixar a unha naquele mesmo instante, levantando a cabeça em minha direção como se tivesse lasers em seus olhos; graças da Deus, não tinha, ou eu estaria morto.
— Você está falando sério? — questionou, o nervoso sendo transmitido sem nenhum pudor em sua voz.
Deixei o carro deslizar até o acostamento, da maneira mais lerda que eu pude. Tinha algo muito errado com o carro e eu não fazia ideia do que era.
— Tô, porra — disse, com raiva dela.
Ela levantou a sobrancelha em minha direção, pela maneira rude que eu proferi as palavras e o xingamento. Eu não estava nem aí. Ela tinha acabado de dizer que estava me usando para chegar até o pai dela e, então, me ignorou por quase duas horas, para, então, resolver me julgar porque o carro quebrou.
— Você não fez revisão? — perguntou.
Revirei os olhos e abri minha porta, saindo pela mesma para dar uma olhada no motor, antes mesmo de respondê-la, mas ela parecia estar com uma súbita vontade de conversar agora, já que me seguiu rapidamente, encarando-me, nervosa, enquanto eu abria o capô do carro.
Uma fumaça subiu e envolveu nós dois, respondendo sua pergunta com um sonoro não.
— Você só pode estar de brincadeira comigo — ela riu, nervosa.
Cocei a cabeça, nervoso. Minha mecânica era quase zerada; eu nunca conseguiria resolver aquele problema. Olhei ao redor, procurando algum — qualquer um — sinal de um borracheiro próximo, mas eu só consegui captar um posto de gasolina, alguns metros à frente.
— Baby, liga o farol e as lanternas pra mim — eu disse. — Eu vou ali naquele posto ver se eu consigo ajuda.
Ela soltou uma gargalhada nervosa e balançou a cabeça negativamente. Eu já tinha começado a caminhar em direção ao posto, mas voltei-me para ela.
— Você vai me deixar sozinha aqui — ela soltou, irritadinha — De noite. No meio da estrada. Realmente, null, você é um cara especial.
Eu não tinha resposta para aquilo, então eu apenas ignorei-a e segui meu caminho.
O pessoal do posto era muito prestativo, para não dizer ao contrário. Tive que falar com três pessoas diferentes, até que alguém me mandou ir perguntar para a menina do caixa da loja de conveniência, que, convenientemente, namorava um mecânico. Ela ligou para ele na hora, uns  aqui, uns gatinho ali, ela conseguiu avisá-lo para ir dar uma olhada no carro. Fiz um OK para ela e resolvi retornar para o carro, deixando meu celular com a moça, caso o namorado não me encontrasse.
Cheguei para me deparar com null deitada no banco de trás do carro, os fones no ouvido e nenhuma vontade de ouvir o que eu tinha para dizer. Abri a porta de trás do carro e tentei arrancar seu fone, mas ela apenas cravou suas unhas em meu braço, me deixando saber que toda aquela ceninha de lixar as unhas tinha deixado-as bem afiadas.
Resolvi deixá-la em paz.
O mecânico chegou uns vinte minutos depois, meio afobado. Talvez eu não fosse o único com problemas, naquele feriado. Eram muitos carros na estrada.
Uma olhada no motor e ele já tinha a resposta.
— Cê esquentou o motor demais. Esqueceu de pôr água, foi? — perguntou. Não respondi, mas devia ter sido isso mesmo. — Vou ter que trocar algumas borrachas que entraram em parafuso... Amanhã de tarde tá pronto.
— Amanhã? — null parecia não ter perdido nada da conversa.
Ela estava com a cabeça para fora da janela do carro e uma expressão que berrava o ódio. Respirei fundo, tentando manter a calma e a praticidade.
— Nem uma chance de acontecer ainda hoje? Eu dobro... — murmurei, não muito certo em gastar minha grana com isso.
— Pô, não — ele coçou a cabeça. — Consigo de manhã cedinho, isso é o mais rápido que dá.
Concordei com a cabeça, vendo null soltar um bufo de frustração e raiva e voltar a esconder a cabeça dentro do carro. Cinco segundos depois, ela chutou a porta do carro e saiu do mesmo, apenas para caminhar até a calçada, os pés batendo com força no chão e entranhando as mãos nos cabelos.
Eu estava muito fodido.
— Você sabe algum lugar aqui perto que a gente possa passar a noite? — perguntei.
E foi assim que, meia hora mais tarde, eu me peguei subindo as escadas de uma espelunca, carregando todas as minhas malas e as de null em um malabarismo louco. Devia ser o pior hotel de Goiás; talvez fosse até o pior hotel do Brasil inteiro. Os degraus da escada rangiam e, quando eu girei a maçaneta da porta, ela quase saiu da minha mão. Foi por pouco.
O quarto, então, estava em petição de miséria. O colchão era meio esburacado, a janela não abria e parecia tudo meio empoeirado e sujo.
null espirrou umas três vezes, assim que pisamos no ambiente, com uma expressão de nojo estampada em sua face, que ela também havia feito para a recepcionista, não querendo esconder sua repugna pelo lugar.
— Você só me mete em furada, puta merda — ela murmurou, passando a mão pela alça da sua mala, pendurada em meu braço — Eu vou tentar tomar um banho, se é que esse lugar tem como fazer isso.
Balancei a cabeça e deixei a alça escorregar para a sua posse, e ela carregou a mala até a portinha que levava ao banheiro, soltando um muxoxo de desanimação.
— Que nojo, que merda — murmurou, antes de empurrar a porta atrás de si.
Percebi que ela não trancou, porém, deixando-a apenas encostada. Fiquei encarando a pequena fresta aberta por um longo minuto, se aquilo era mesmo real, antes de ouvir o chuveiro sendo ligado.
Para mim, parecia a oportunidade perfeita para que eu devolvesse toda a hostilização que eu aturara o dia inteiro. Tirei meus tênis, ficando só de meia, e entrei sorrateiramente no banheiro, deixando minha cabeça entrar primeiro, olhando para a porta esfumaçada do box, por onde eu apenas conseguia ver suas formas.
Resolvi fazer xixi, para fazer barulho e deixá-la saber que eu estava por ali e que ela tomasse um belo susto.
— O quê... Ai meu Deus! — ela berrou.
Tinha aberto a porta do box e colocado a cabeça para fora. Agora tampava os olhos, as bochechas ganhando uma cor adorável de vergonha porque ela tinha visto meu pau. Ué, apenas meia semana atrás, ela estava com ele nas mãos, nem precisava corar daquela forma.
— Que merda você tá fazendo, null? — perguntou.
— Tô mijando — respondi, porque era o óbvio. — Você deixou a porta aberta, eu tava com vontade, então eu vim mijar. — menti.
Preferi inventar alguma história qualquer que me ausentasse de parte da culpa — eu não queria morrer tão cedo.
— Deixei a porta aberta pro caso do chuveiro me matar, não pra você entrar porque queria mijar! — ela berrou. — Sai logo daqui, seu maluco.
Soltei uma gargalhada e arrisquei uma piscadinha para ela, lavei minhas mãos e saí do banheiro, ouvindo-a resmungar sobre o mito que os caras não lavam as mãos.
null saiu do banheiro cerca de meia hora mais tarde, vestindo o mesmo pijaminha da noite do paraíso, o que levou uma mensagem certeira aos meus testículos. Respirei fundo, tentando me manter calmo, mesmo com todas as minhas entranhas se revirando de desejo.
Só de pensar que hoje, mais cedo, eu estivera prestes a remover seu biquíni... Tão perto, mais alguns minutinhos e eu tinha abaixando a sunga e metido nela com toda a força do meu corpo, sem me importar se estávamos sendo vistos, e eu a faria gemer e gemer, até que sua garganta estivesse dolorida, mas não tanto quanto a sua boceta.
Cocei a cabeça e tentei mudar o canal da televisão para ver se encontrava um canal onde eu pudesse identificar seja lá o que estivesse passando e isso pudesse me distrair o suficiente para levar meus pensamentos para longe da boceta de null.
— Não tem nem televisão direito nessa bosta, é isso mesmo? — ela perguntou. — Espero que você não tenha pedido serviço de quarto, porque eu não vou comer nada daqui.
Balancei a cabeça, tentando não me concentrar nela, nem em suas palavras, mas vi-a levantar uma sobrancelha ao reparar minha falta de interesse; percebi, então, que ela tinha colocado aquele pijama para me transtornar, mesmo. Talvez fosse sua noção de vingança. Se fosse, eu apenas estava achando que aquela vingança era deliciosíssima.
— Eu estou com fome, null — resmungou, tentando chamar minha atenção de qualquer forma.
— Se vira, ué — eu disse, com raiva.
Quem ela pensava que era para querer coordenar os meus hormônios da forma que ela bem entendesse? Que porra, ela queria que eu quisesse comê-la, mas na hora que eu ia comê-la, mesmo, ela ficava com raiva e se afastava subitamente. Não dava para ser educado com isso; eu queria muito, muito, me enfiar no meio das pernas dela — e ela ainda me provocava para querer mais —, mas já que eu não podia, então foda-se.
Eu estava começando a pensar que aquela aposta tinha sido a porra de uma péssima ideia. Eu tinha que aturar seus rompantes de raiva, todo o mimimi que vinha acompanhado de cada vez que eu a fazia ceder e ainda iria fingir para o pai dela que era namorado dela. Namorado! Eu, que nunca tinha namorado oficialmente com ninguém, muito menos conhecido o pai da garota... E eu estava fazendo tudo isso para ela, e a troco de quê? Uns beijinhos quentes e alguns chutes durante a noite.
Ah. E uma pegada no meu pau. Aquilo era algo memorável.
— Santa educação, puta merda. — murmurou.
— Você tá falando muito palavrão hoje — observei.
Ela tinha se levantado da cama e estava tentando abrir a gaveta da cômoda, que parecia ter emperrado. Virou o rosto em minha direção, franzindo a testa.
— Bom, acho que é isso que acontece quando eu fico puta da vida — ela murmurou. — Você está me fazendo ter um péssimo dia, hoje.
— Novidade: também estou tendo um péssimo dia — eu disse. Soltei um suspiro, ao vê-la rir. — Acho que isso deve pedir pizza e cerveja?
— Pizza e cerveja, com certeza — confirmou.

— Ei — sacudi-a, levemente.
Ela abriu os olhos, assustada, e soltou um longo suspiro, percebendo que havia acordado.
— Você estava se sacudindo e murmurando meu nome... — murmurei, com um sorriso leve no rosto.
Meio sonolenta, ela levou alguns segundos, antes de revirar os olhos. Voltei a me deitar normalmente, sabendo que estava tudo bem com ela, agora. Eu tinha levado um susto, acordara com ela gritando alguns não e meu nome a seguir, chutando a cama e os lençóis.
Senti sua mão em meu peito e arregalei os olhos ao vê-la se arrastar até estar deitada com a cabeça em cima de mim, sua respiração refletindo em minha pele, lançando longos arrepios pela minha espinha.
— Sonhei... — ela bocejou, fechando os olhos. — Que tinha saído uma barata voadora gigante do banheiro e ela estava querendo comer a sua cabeça.
— Arrepiante — eu murmurei, com um sorriso divertindo.
Ela concordou com a cabeça, e voltou a dormir. Eu fiquei acordado por mais alguns minutos, passando os meus dedos pelos seus cabelos embolados, até que a sensação me entorpeceu também e eu acabei por dormir.
Acordei apenas umas duas horas mais tarde, com o celular tocando nervosamente. Ainda sonolento, deixei minha mão bater em cima dele e atendi a ligação sem querer, então o coloquei rapidamente na orelha.
— Alô?
Meu movimento acordou null, que esfregou os olhos e levantou o rosto do meu peito para me encarar.
Ei, bom dia! A voz do mecânico soou pelo celular, me fazendo respirar quase aliviado. O carro tá pronto, pode vir pegar! Trabalhei a noite toda nele, então espero que aquele dobro ainda esteja valendo!
Soltei uma risada sonolenta e isso fez com que null me classificasse como um travesseiro inútil, rolando para o lado, de costas para mim, tentando voltar a dormir.
— Está valendo sim — eu disse. — Você pode trazer o carro aqui no hotel que a gente tá?
Claro! Ele pareceu muito feliz em ganhar o dobro, eu duvidava que fosse sequer recusar qualquer coisa que eu lhe pedisse.
— Estaremos prontos em meia hora, pode ser? — perguntei.
Beleza!
Nos despedimos e desligamos. Espreguicei-me e comecei a cutucar null.
— Ei, o carro está pronto — chamei-a. — Vamos, baby, hora de ir.
Ela resmungou alguma coisa que eu não pude entender e girou em minha direção, os olhos quase fechados, tentando me ver através das curtas frestas entre seus cílios. Sorri, me sentindo um idiota por achá-la adorável pela manhã.
Eu acho que eu já tinha pontuado isso mentalmente algumas vezes.
— Bom dia — ela murmurou.
Antes que eu pudesse responder com alguma gracinha, que demorou para ser produzida por causa da leseira da manhã, seus lábios se encontraram com os meus, apenas por um segundo. Um selinho quase de primário, que me fez franzir as sobrancelhas, ao vê-la se afastar e se levantar, indo ao banheiro.
Continuei franzindo a sobrancelha para o nada, incapaz de encontrar qualquer razão por ela ter feito aquilo.
E nem tinha dado para tirar uma casquinha!
Menos de vinte minutos depois, estava eu carregando todas as malas de volta, escada abaixo, para recepção, enquanto uma null silenciosa me seguia bem de perto. Ela preferiu esperar fora do hotel, provavelmente preferindo cheirar a fumaça dos carros que o mofo do lugar.
O mecânico chegou no momento em que eu pisei fora da pousada, apertando os olhos para a claridade do Sol da manhã. null só faltou abraçar o carro, entrou rapidamente dentro dele e adormeceu enquanto nós dois terminávamos de acertar o pagamento.
Dirigi tranquilamente até Brasília, onde pegamos um pequeno engarrafamento pelo horário do rush da manhã, que foi quando null acordou e resolveu me guiar pelo caminho mais fácil até a casa do pai dela.
Chegamos em um imponente prédio em uma das áreas mais nobres da cidade. Assoviei quando, depois de anunciarmos quem éramos e a quem estávamos indo visitar, a garagem se abriu e eu dei uma olhada nos carros que estavam estacionados ali.
Dois caras vieram nos recepcionar assim que estacionamos. Um abriu a porta para null e o outro foi direto me ajudar com as malas.
— Não se preocupe, senhor — ele me garantiu — Nós cuidamos de tudo.
null me alcançou, passando a mão pelo meu pulso e tirando as chaves do carro de mim para entregar ao rapaz.
— Obrigada, Tônio — ela disse.
Ele balançou a cabeça, soltou mais meia dúzia de cumprimentos aos quais eu não prestei atenção, porque null enlaçou sua mão na minha e eu percebi o que nós estávamos fazendo, realmente.
Daquele portão para dentro, nós éramos namorados.
E eu estava prestes a conhecer o pai dela.

Capítulo Quatorze

Cantado

— Eu não tenho funcionários para carregar as malas pra mim — retruquei.
— Nem eu — ela resmungou. — Meu pai tem, eu ando de ônibus.
— Porque quer, se quisesse aceitar as caronas que eu já te ofereci... — suspirei.
Ela bufou, levantando uma mecha de cabelo, ainda levemente cacheado. Olhou nervosamente para o letreiro do elevador e me lançou uma olhada nem um pouco amigável. Levantei a sobrancelha, antes de notar que ela estava nervosa pela conversa sincera.
Levei uma mão até suas costas, friccionando para tentar acalmá-la. Ela soltou o ar com força e abriu um sorriso doce, encostando a cabeça em meu ombro, parecendo relaxar o suficiente para nem ao menos reclamar quando minha mão escorregou até sua cintura e puxou-a mais para perto.
Concluí que eu poderia me acostumar com isso quando o elevador se abriu, deixando-nos ver um vasto hall de entrada. null deu alguns passos incertos e eu a segui pelo corredor, até que alguém percebeu nossa presença na casa.
— Senhorita null, seja bem-vinda! — uma senhora de cabelos grisalhos nos cumprimentou, saindo de uma das portas do corredor, e null abriu um sorriso maior ainda, desvencilhando dos meus braços para correr até ela e abraçá-la gostosamente. — Como você está linda, tão grande, tão crescida.
null soltou o abraço e a vi passar a mão de leve pelos olhos, o que deveria significar que ela estivera chorando. Levantei-me, apenas esticando a sola do pé, elevando o calcanhar, e abaixei novamente, desconfortável. Isso pareceu chamar a atenção de null.
— Obrigada, Mamá — ela disse, virando-se para mim e deixando a atenção da senhora desviar dela — Esse é o null — ela desviou o olhar de mim para a senhora, que me avaliava com o olhar — Meu namorado — meu coração deu uma fisgada nervosa quando ela disse e eu quase, veja bem, quase, acreditei que fosse verdade. — null, essa é a Maria, ela cuida de mim desde que eu nasci ou algo assim.
Arrisquei meu melhor sorriso simpático e estendi a mão para ela, que apenas me puxou para um abraço e me deu um beijo na bochecha, o que me fez soltar uma gargalhada nervosa. Quando Maria me soltou, null me encarava como se dissesse É, ela faz isso com as pessoas, mesmo, o que apenas me fez rir mais ainda.
— É muito bom conhecer você, null — Maria disse. — O patrão só fala nisso. Ele ficou muito feliz que você tenha conhecido um rapaz direito, null — completou.
null estava vermelha como um pimentão ainda e eu só conseguia rir, não sei se da situação ou da cara que ela fazia. Para tentar disfarçar o desconforto e a vergonha dela, puxei-a pela cintura e lhe dei um beijo no topo da cabeça.
— Eu é que estou muito feliz de ter encontrado a null — disse.
Isso pareceu deixar Maria ainda mais feliz. Porém, fomos interrompidos por uma movimentação atrás de nós e eu virei o rosto para ver Carlos Lourazza, nosso ministro da agricultura, e também conhecido como pai de null.
— Oi, filha — ele cumprimentou-a, parecendo meio sem jeito.
— Oi, pai — ela retribuiu da mesma forma.
Revirei os olhos e soltei-a do meu abraço, empurrando-a em direção a ele. Ela não gostou muito e, bastante desconfortável, passou os braços ao redor do tronco do pai, que a abraçou com bastante força. Meneei a cabeça, tentando compreender porque ele fingia que não se importava, então, se estivera com saudades dela.
— Bom ver você — ele murmurou, soltando-a do abraço. — Cresceu mais uns dez centímetros.
— Isso se chama salto, pai — ela murmurou, quase debochada, o que me fez rir.
A atenção dele voltou-se para mim ao ouvir minha risada, o que me deixou desconfortável e me fez engolir a seco. Ele estendeu a mão em minha direção e eu apertei-a.
— Você deve ser o namorado — disse.
Concordei com a cabeça, sentindo meu estômago inteiro revirar de nervoso, sobre o olhar dele, de Maria, de null e de uma nova mulher que se aproximava de nós, vinda do mesmo cômodo que Carlos saíra.
null, senhor. É um prazer finalmente conhecê-lo.
Ele levantou uma sobrancelha pelo meu finalmente, já que ele só soubera da minha existência na semana anterior, mas ignorou o fato, dando um tapinha em minha mão com a mão livre.
— Essa é Gabriela, minha esposa — ele apresentou.
Nos cumprimentamos também e null se aproximou de mim novamente, passando um dos braços pela minha cintura. Ela estava tremendo, então a abracei e passei minha mão pelo seu braço de forma incansável, tentando acalmá-la.
— Estávamos esperando vocês ontem, pela manhã... — Gabriela disse.
A forma com que ela conectara as palavras
fazia um simples pedido por explicações, preocupado, talvez, parecer uma ofensiva contra nosso comportamento mal educado.
— Ah, isso — eu ri, displicente. — Quis levar a null num lugar, no caminho, pra fazer trilha. É uma fazenda de um amigo do meu pai e foi bem divertido, aliás. — eu olhei para ela e ela respirou fundo.
— Foi — confirmou. — Até que eu descobri que ele esqueceu de colocar água no carro e nós ficamos quebrados no meio da estrada.
Ela ainda estava genuinamente zangada. Olhou para mim com os olhos apertados e seu pé começou a bater sonoramente no chão, o que fez seu pai rir e me aliviou. Achei que ele pudesse ficar bastante zangado, mas ele parecia divertido com a nossa aventura. null sabia melhor o que nós estávamos fazendo.
— Então passamos a noite em um hotel — continuei.
— Um hotel horrívelnull completou — Eu tive pesadelos com baratas, acho que nunca mais vou dormir direito outra vez, depois daquele lugar.
Eu gargalhei e null me surpreendeu rindo também. E ainda mais, quando minha risada diminuiu, ela fez questão de me dar um selinho na frente do pai e da madrasta. Parecia ainda nervosa, mas mais relaxada.
— Vocês são um casal adorável — Gabriela riu.
null estremeceu no meu abraço e eu percebi que havia algo extremamente errado ali, entre as duas, e que aquela frase provavelmente não significava o que queria dizer.
— Estão juntos há quanto tempo? — Carlos perguntou.
Nossa, e agora? Mordi o lábio e olhei para null, que apenas me encarava com um olhar arrepiante.
Você não sabe? — ela perguntou, parecendo realmente ofendida. — Eu não acredito que você não lembra! Ai, meu Deus, o que eu faço com você? Você não se lembra de colocar água no carro, não se lembra do nosso aniversário...
Ela estava enumerando vários fatos e a maioria deles era imaginária. Eu queria rir, mas tudo o que eu fiz foi coçar a cabeça, desconfortável com a situação.
— Dez meses, baby — ela terminou.
Eu tive que tomar uma lufada de ar para manter a calma ouvindo-a me chamar de baby. Então, tentei abrir o maior dos sorrisos.
— Isso aí. Eu sabia — eu disse.
— Sabia nada, seu bobo — ela riu, me dando outro selinho.
Eu ri, sentindo meu estômago se revirar. Era possível que eu realmente me acostumasse com aquilo e aí... Já era.
null estava sorrindo de forma adorável quando desgrudou os lábios dos meus e eu estava impressionado com a atuação impecável dela. Olhei para seu pai, um pouco desconfortável que eu estivesse começando a querer ficar excitado e na frente dele, mas ele apenas parecia contente demais por null para sequer notar alguma coisa.
— Acho que vocês podem usar um pouco de descanso depois desse hotel horrível. — ele disse, por fim — As malas já devem estar no seu quarto, null. Vemos vocês no almoço? — perguntou.
— Claro — ela respondeu, me puxando para longe deles, tão rápido quanto pôde.
Eu acenei uma despedida para eles, mais para seu pai e Maria, já que Gabriela me fazia sentir um bocado de estranheza, antes de me deixar ir até onde null me puxava.
— Você é boa nessa coisa de enganar o seu pai — eu falei, assim que pisamos dentro do quarto dela.
Mas aí eu percebi que eu estava no quarto dela, um quarto de adolescente meio cor de rosa, mas ainda havia alguma personalidade nele; as paredes rosa-claro tinham uma faixa branca, de papel colante, cortando no meio dela, em que chamas haviam sido desenhadas cuidadosamente em duas delas, parando logo no começo da terceira, por desistência ou cansaço. Havia uma pichação atrás de sua cama, um A anarquista que quase me fez rir. Seu pai deveria tê-la quase matado por aquilo.
Havia alguns pôsteres na parede, bandas de menininha como McFLY, Jonas Brothers e alguns atores, como Brad Pitt e Zac Efron. Fiquei parado na frente daquela área, inspecionando detalhadamente, mas isso nem sequer chegou a fazer null corar.
— Anos de prática — ela murmurou, ajoelhada na frente da sua mala, já a abrindo. — Vou tomar um banho rápido e tirar um cochilo até a hora do almoço. Aí estou pensando em fazer compras de Natal.
— Compras de Natal? — aquela dupla de palavras era tão diferente para mim que me fez revirar o estômago de ansiedade.
null levantou o olhar em minha direção e me observou por um longo momento, até que ela riu, balançando a cabeça.
— Devo acreditar que você acabou de se convidar — disse. Apoiou-se nos joelhos e se levantou — Tudo bem. Mas acho que é melhor você descansar também.
Concordei com a cabeça; ela foi tomar banho e eu me deitei, o cansaço vindo rapidamente a mim, e eu adormeci.

null e eu nos encontramos duas horas depois de chegarmos ao shopping, na praça de alimentação, para podermos lanchar antes de voltar para a casa do pai dela. Ela mal conseguia carregar todas as sacolas que tinha e, assim que eu a vi, corri para socorrê-la. Eu tinha apenas um embrulho — o presente dela; embora eu achasse que tivesse que comprar um presente para o pai dela também, ela me convencera que cabia a ela comprar, porque ela o conhecia. Casais costumam dar presentes juntos, me disse. Isso fez meu estômago dar tantas cambalhotas que eu achei que fosse vomitar na frente dela.
O shopping estava lotado, mas null o conhecia o suficiente para logo encontrar uma mesa para nós dois, com uma cadeira só para colocar as bolsas das nossas compras. Deixei a minha sacola separada, no chão ao lado da minha cadeira, para evitar que ela espionasse antes do previsto.
— E então? — perguntei.
Ela apoiou o cotovelo na mesa e o rosto em seu pulso fechado, me encarando com um sorriso leve e despreocupado.
— O que você quer comer? — me perguntou.
Você, eu respondi mentalmente. Nessa mesa, com toda essa gente olhando, nesse mesmo segundo.
— Ãhn... Não sei — foi o que saiu da minha boca. Olhei ao redor, procurando algo que me desse apetite de comida, mas não obtive muito sucesso. — Algum fast-food?
Ela deu de ombros e jogou o corpo para trás, passando o olhar pelas opções com certo desinteresse.
— Acho que eu vou querer uma batata rostie — disse.
Concordei com a cabeça e fui até a lanchonete, ouvindo sua risada atrás de mim. Não entendi o motivo e nem quis perguntar, mas me incomodou um pouco.
Uns dez minutos mais tarde, eu voltei com o nosso lanche e nós começamos a comer em um silêncio incômodo. Enquanto mastigava, encarei-a, tentando colocar meus pensamentos em foco. null reparou e levantou a cabeça de sua batata, franzindo as sobrancelhas.
— Tô pensando — eu disse, engolindo a comida rapidamente. — Cê tem problemas com a Gabriela, não tem?
— Descobriu o mundo, foi? — ela riu. Então, suspirou, incomodada e começou a mexer na comida, parecendo pensar. — Ela só fica tentando me afastar de qualquer maneira, colocando meu pai contra mim... — deu de ombros, meio entristecida. — Sei que eu não sou a garota mais correta da face da Terra e que eu mereci algumas das coisas que aconteceram, mas meu pai sempre esteve presente mesmo assim. Até eles casarem, na verdade.
Entortei a boca, entendendo o dilema. Gabriela era uma mulher bonita e certamente uns vinte anos mais nova que o pai dela, era de se pensar que ela pudesse fazer algumas manobras com ele que prejudicassem null. O que eu não conseguia entender era porque ela, sempre com tantas respostas na ponta da língua, não tinha se imposto em toda aquela situação, deixando-se ficar acuada em uma cidade onde ninguém sabia quem ela era verdadeiramente, por causa de medo.
Não parecia nem um pouco com essa null aventureira que vinha se mostrando para mim, nos últimos dias.
— E você nunca resolveu dizer pro seu pai que isso te chateia? — perguntei.
Ela levantou o olhar da comida e sorriu de forma meio entristecida, dando de ombros. Ela estava fazendo pouco caso, mas era possível ver claramente que aquilo acabava com ela por dentro.
— Eu só fiquei feliz por ele encontrar alguém depois da minha mãe, sabe? — sussurrou, a voz um pouco falhada. — Eu já sei me virar sozinha, não quero atrapalhá-los. Quero que eles sejam felizes.
— E que você fique infeliz, trancada dentro de casa, sozinha basicamente sempre? — perguntei.
Ela suspirou e tomou um gole de sua Pepsi antes de olhar para mim com um sorriso de lado.
— Não acho que eu esteja infeliz agora — disse.
Eu ri e balancei a cabeça, porque eu não conseguia entender nada nela. Ela simplesmente não fazia sentido. Apenas um dia antes, ela estava dizendo que só tinha aceitado me beijar porque era melhor que tivéssemos intimidade antes de encontrarmos com o pai dela, agora, porém, ela me soltava uma cantada barata daquelas.
— Então você já se curou do pesadelo dessa noite, é? — perguntei, brincando.
null sorriu, mas havia algo estranho e diferente nela que foi impossível ler. Ela deu de ombros e voltou a comer sua batata sem dizer mais nada.
Suspirei, porque o silêncio dela me incomodava. Eu gostava de quando ela brigava comigo, gostava de quando ela ria, quando ela gemia, então... Gostava do som do meu nome em sua voz e, principalmente, gostava de quando ela me chamava de baby. Mas ela preferia ficar calada, agora.
— Então, o que vocês fazem pra se divertir, aqui em Brasília? — perguntei, tentando manter a conversa.
Ela levantou o olhar da comida e deu mais um dos seus sorrisinhos tristes de lado, balançando os ombros.
— Eu não quero me divertir, baby, eu só quero ir para casa e colocar meus pés para o alto — disse.
Todo o conteúdo dentro de mim deu uma cambalhota e eu tomei um gole da minha Coca-Cola, mas eu consegui me focar o suficiente para rir.
— Ficou muito nervosa ontem, foi? — perguntei, já preparando a melhor das piadinhas e, quem sabe, tentar uma cantada qualquer.
Foi quando eu vi que null não estava mais me dando atenção. Ela estava toda esticada na cadeira, acenando para alguém atrás de mim e, quando eu me virei, me dei de cara com o babaca do melhor amigo dela.

Capítulo Quinze

Irmão

— O que esse merda está fazendo aqui, null? — perguntei, em voz baixa, enquanto ele se aproximava.
Ela me olhou por um instante, seu olhar beirava o desafio. Era como se ela soubesse que aquilo me irritaria, mas tinha feito assim mesmo, simplesmente porque queria... e estava gostando do resultado.
— Já vai começar? — ela perguntou. — Eu o convidei. E você que se convidou para vir junto.
Ela se levantou para receber o amigo, o abraçou e beijou na bochecha. Eu cruzei meus braços e nem levantei a cara para dizer olá, mas, mesmo assim, pude ver que ele refletia o mesmo desagrado que eu.
Era claro. Ele queria comê-la. Eu estava quase a comendo. Éramos dois leões atrás do mesmo pedaço de carne.
Um pedaço de carne bem independente e petulante, era verdade.
— Então, vocês estão juntos? — foi a primeira coisa que ele perguntou.
E eu sabia que ele ia se debandar no momento em que a resposta fosse sim só de olhar para ele. Essa era sua única intenção com a minha null. Talvez, se ele soubesse sobre o pai dela, estivesse, também, atrás de uma indicação, mas eu não via isso acontecendo. Ele apenas queria comê-la e ela o queria por perto porque ela simplesmente não confiava em mais ninguém.
— Sim — respondi.
— Não — ela respondeu, ao mesmo tempo, me dando uma olhada zangada. Talvez ela quisesse que ele a comesse também. Talvez ela estivesse jogando o mesmo jogo com nós dois e eu apenas estivesse me saindo melhor — Meu pai acha que sim, mas não.
Ele arriscou uma olhada de desagrado para mim e girou ao redor da mesa, se sentando do outro lado de null, em frente a mim, não muito contente com isso. Ri, de lado, fazendo questão que ele visse meu deboche.
— Mas você está com ele na fazenda do pai dele? — perguntou.
Ele tinha dificuldades de aprendizado? Como era mesmo que ele estava na faculdade, se não conseguia entender algo tão simples?
— Estou — ela respondeu, parecendo com raiva agora. — Por quê? Problema? Você preferiria que eu estivesse mofando em Jataí, sem nada para fazer?
Isso, baby. Eu pensei, rindo por dentro e deixando um pouco dessa incontrolável alegria externar em sorrisos debochados. Ponha-o em seu lugar, coloque-o para correr!
— Não foi isso que eu quis dizer — ele murmurou, já sem jeito pela imposição dela. — Desculpe. Olha, eu trouxe seu presente.
null ainda aparentava o mau-humor quando aceitou o presente da mão de null e pesou-o, levantando uma sobrancelha.
— Um livro — ela sussurrou, e era quase uma aprovação muda.
Quando ela abriu, porém, sua expressão mudou para algo diferente, meio chocado, meio perdido. Arrisquei-me deixar o corpo cair um pouco para o lado e vi o título. Cinquenta maneiras de se dizer que uma garota é especial.
Eu tinha certeza de que na primeira página estava escrito: 1 — Não dê esse livro a ela.
— Nossa... Hm... — ela ficou totalmente desconcertada. Eu já tinha dito várias coisas sacanas a ela e eu nunca a vi desconcertada daquela forma — Obrigada. É.
— Espero que você goste — ele sussurrou de uma forma ridícula.
Eu cheguei a descruzar os braços e pensar em dar uma volta para não ter que socá-lo no meio da cara, mas, se eu saísse dali, deixaria null sozinha com ele, e depois me contorceria sem saber o que havia acontecido.
Não. Eu ia ficar.
— Ah, é claro que ela vai adorar — eu ridicularizei.
null olhou-me com raiva e eu apenas continuei rindo da situação. Fala sério, se aquele garoto burro achava que ia conseguir comê-la assim... Coitado.
— Aqui está o seu — ela pegou uma sacola e entregou para ele. Ele fingiu surpresa e abriu a sacola, exibindo um daqueles relógios super caros, que me fez revirar os olhos.
null às vezes era tão inocente que chegava doer.
— Nossa, uau — ele pareceu impressionado — Muito obrigado!
— Você comentou que queria esse relógio, eu o vi na loja, então eu pensei em te dar de Natal.
Céus.
Ele estava usando-a de formas piores do que eu imaginava. E ela nem percebia.
— Nossa, muito obrigado mesmo! — ele continuou a agradecer por mais uns dois minutos, antes de seu celular começar a vibrar desesperadamente e ele encontrar uma desculpa para se mandar dali.
— Parece que seus presentes custaram exatamente a mesma coisa — eu disse, antes dele ir, alto o suficiente para provocar mal-estar, mas fui totalmente ignorado.
Permaneci de braços cruzados, encarando null, por mais alguns momentos, enquanto ele se afastava. Ela evitou me encarar e parecia ainda mais desconfortável do que quando abrira o embrulho do livro.
— Você sabe que ele só quer te comer, não é? — questionei.
Ela levantou o olhar para mim e ele ardia em chamas de raiva. Cheguei a puxar um montante de ar de susto com a sua alteração de humor.
— E você, null, o que é diferente disso? — perguntou.
— Bom, eu não fico te sugerindo presentes caríssimos, fico? — perguntei. — Nem finjo amizade com você. Tentei, sim, mas deu errado porque eu tô sendo claro com as minhas intenções. Eu sempre tô dizendo e mostrando que eu quero comer você.
— Ele não me sugeriu presente nenhum! — ela levantou a voz, nervosa.
Ela sabia que era verdade, só não queria ver. Ela sabia. Ela era inteligente, só que isso a magoava, então ela preferia não acreditar. Eu podia respeitar isso, embora me incomodasse bastante.
— Certo, null — murmurei — E unicórnios existem.
Ela enfiou o garfo com tanta raiva em sua batata que dois dentes se quebraram, o que a deixou ainda mais irada. Passou os dedos pelos cabelos e eu vi seus olhos marejarem, antes dela se levantar abruptamente.
— Eu vou ao banheiro — anunciou.
Levantei-me rapidamente e segurei-a pelo braço, puxando-a para um abraço. Envolvi-a e beijei o topo de sua cabeça, internamente incomodado com o fato de que eu sabia que ela estava indo ao banheiro para chorar.
— Ei, null, calma — eu disse.
Ela me empurrou, os olhos magoados brilhando com raiva em minha direção. Engoli a seco.
— Por que você finge que se importa se você só quer me comer? — ela questionou, antes de virar de costas para mim e sumir no mar de pessoas até o banheiro feminino.
Afundei-me na cadeira ao lado das bolsas, tomando uma lufada de ar e sentindo um terrível incômodo por saber que ela estava indo chorar por minha causa. Olhei para a sacola com o meu presente no chão e balancei negativamente a cabeça, tirando o celular de dentro do bolso.
Tô com problemas com a null. Encontramos o broxa do amigo dela no shopping e ele deixou claro que quer ficar com ela. Eu disse pra ela que ele se faz de legal porque quer comer ela, nós discutimos, ela chegou a conclusão que eu só quero comê-la e agora ela está chorando no banheiro.
Não demorou um minuto e a resposta de null chegou:
Mulheres são complicadas, cara. Mas como é que ela chegou nessa conclusão mesmo, huh?.
Respondi: Eu disse pra ela.
E, novamente, a resposta dele foi super rápida: Ah, você disse. Eu diria que cê tá caído pela garota e que cê vai topar qualquer coisa com ela, na verdade. Cê queria comê-la, uns dois anos atrás, agora, acho que não é suficiente.
Meu estômago deu outra revirada e eu cocei a cabeça, antes de responder: Tem que ser, cara, tem que ser.
null apenas me respondeu com uma risada.
null voltou meia hora mais tarde, e tinha muito mais maquiagem no rosto do que quando tinha ido. Não levantou o olhar para mim, embora eu estivesse encarando-a avidamente, pensando no que null estivera me dizendo.
— Vamos? — ela perguntou, ainda sem me encarar.
— Não vai terminar de comer? — perguntei.
Ela respirou fundo e, sem me responder, começou a recolher as bolsas. Levantei e corri para tentar arrancá-las de suas mãos e carregar eu mesmo, mas ela apenas as puxou para si, quase arrebentando as cordinhas.
— Eu levo, null — anunciou. Eu ainda estava olhando-a, meio chocado com sua mudança de comportamento. — Você não precisa fingir ser gentil se você só quer conseguir uma foda.
Engoli a seco, sua resposta me acertando e me ofendendo de uma forma que eu não compreendia. As palavras de null estavam dançando na cabeça, em letras garrafais: Não é suficiente.
null, para com isso — eu tentei pegar as bolsas, mais uma vez.
Ela puxou as bolsas para si, novamente. A expressão zangada quase se desmanchando em lágrimas de novo. Eu parei, sobre seu olhar chateado.
— Eu não sou a porra de uma coisa que você vai usar e jogar fora, okay? — murmurou. Parecia calma, mas seus olhos faiscaram em minha direção.
Ah, foda-se.
— Não é minha intenção, baby — murmurei. — Eu disse que quero te comer. Quero, e pra caralho — cocei minha cabeça, meio nervoso. — Mas eu não disse que é só isso.
A expressão dela desmontou na hora e suas mãos se afrouxaram o suficiente para que eu puxasse as bolsas dela. Abaixei ainda para pegar a minha.
— Vamos, já está ficando tarde — anunciei.
Não estava.
Na verdade, eu é que estava desconcertado com a expressão lívida que ela exibia.

null me arrumou um terno quando descobriu que eu não havia levado um. Ela escolheu minha blusa e me trouxe uma gravata combinando, deixando tudo sobre a cama dela, com muito cuidado.
Ela estava mais gentil na maior parte do tempo, mais aberta e mais piadista também; eu só não sabia o quanto disso era teatro para o seu pai e o quanto era resultado da nossa discussão no shopping.
E eu acho que eu tinha medo de saber.
Eu estava vestido, esperando-a para o jantar de Natal, sentado na cama dela, a qual ela fizera uma piada sobre ser legal e dividir comigo, ansioso. E ela trancada no banheiro já há quase uma hora.
O chuveiro já tinha sido desligado há algum tempo; eu simplesmente não entendia como mulheres conseguiam demorar tanto para se enfiar em um vestido e sair do banheiro para jantar.
Não é que eu estivesse com fome — isso era um dos motivos menores —, mas eu estava mais nervoso por ser Natal e por estarmos comemorando do que qualquer outra coisa.
A porta finalmente se abriu e eu deixei meu queixo cair sem nenhum impedimento. null estava linda, em um vestido vermelho com detalhes pretos e um maldito sapato de salto vermelho que me fez sentir uma fisgada na virilha.
Eu me levantei, meio nervoso, meio ansioso, e ela riu, se aproximando.
— A gravata está torta — ela anunciou.
Ela quase grudou o corpo no meu, segurando e ajeitando a gravata até centralizá-la, enquanto eu segurava a respiração.
Puxa vida.
— Você... — eu tentei dizer, mas minha voz saiu baixinha demais. Tomei um montante de ar e tentei outra vez — Você tá linda.
Vi suas bochechas corarem graciosamente de perto. Ela se afastou, passando a mão pelo vestido como se estivesse procurando imperfeições para ajeitar.
— Obrigada — disse, por fim. — Você também não está nada mal.
Ofereci o braço a ela, que aceitou, envolvendo sua mão em meu antebraço e fomos assim até a sala de jantar, onde Carlos e Gabriela já nos aguardavam.
— Vocês dois ficam muito lindinhos juntos — Gabriela pontuou.
Eu abri o meu melhor sorriso simpático para ela, sentindo null estremecer ao meu lado. Agora, eu tinha consciência que, embora ela gostasse de ver o pai com alguém e feliz, ela se ressentia da mulher por afastá-lo dela e conseguia compreender seus rompantes — e até duvidar da simpatia e dos comentários doces de Gabriela.
— Obrigado — eu disse, mesmo assim.
Nos sentamos exatamente na frente deles e eu deixei-me ficar de frente para Gabriela, permitindo afastá-la de null, que me lançou uma olhada zangada mesmo assim. Deu de ombros para ela, sem entender, e ela suspirou.
Estava nervosa. Isso eu entendi.
A comida era farta e deliciosa. Tomei o cuidado de não pegar muito de uma coisa só para poder provar tudo; também tomei o cuidado de imitar exatamente o que null fazia, já que eu não tinha muito costume com aquelas etiquetas e, bom, o pai dela era um ministro, então era bom que eu demonstrasse ter alguma.
— Onde que vocês se conheceram? — seu pai perguntou, ao ver que o assunto na mesa morrera.
Arrisquei uma olhada para null, apenas notando que ela não iria responder aquela pergunta por que estavam mastigando irritantemente devagar.
— Na faculdade — eu disse, por fim.
— Ah — Carlos pareceu realmente admirado. — Interessante. Você faz biologia também, null?
null riu como se aquela pergunta fosse realmente engraçada. E, então, me lembrei. Meu pai fizera também.
— Agronomia — respondi.
Ele parou com o garfo a meio caminho da boca e desceu o braço novamente, sorrindo para mim, agora realmente muito mais interessado.
— Agronomia? — questionou, admirado — E você já estagiou, já está se formando, já tem onde trabalhar?
Levantei uma sobrancelha pela enxurrada de perguntas e quase mordi minha bochecha ao perceber que ele estava praticamente me oferecendo um trabalho no ministério. Olhei para null e ela apenas estava balançando a cabeça, como se dissesse É, ele faz isso.
— Ah, eu tô estudando pra cuidar da fazenda do meu pai — eu disse. — Ele parece bem ansioso pra que eu me forme, mas eu sei que é só porque ele quer sair de férias eternamente.
Todos na mesa riram e eu comi mais algumas garfadas antes que Carlos me fizesse mais uma pergunta.
— E a fazenda do seu pai, o que vocês fazem? — questionou.
— Um pouco de tudo — eu confessei, coçando a cabeça, porque aquilo me incomodava. — Meu pai acha que se a gente fizer um pouco de tudo, quando houver algum problema, nós não vamos sentir tanto. — dei de ombros.
Meu desconforto com aquela ideia era tão visível que até null pareceu interessada e deixou o garfo no prato para me olhar de forma inquisidora.
— E o que você acha disso? — ele perguntou, com um sorriso.
— Acho que é um bom plano, mas também acho que se nós centrássemos em uma ou duas coisas, conseguiríamos cobrir mais mercados naqueles produtos específicos e o lucro ia ser tão maior que, em uma quebra de mercado, não iria nos afetar tanto.
Ele concordou com a cabeça, aprovando e levou a taça à boca, tomando um gole de vinho. null, ao meu lado, bufou.
— Será que vocês podem parar de falar de trabalho? — perguntou. — Poxa, é Natal.
Carlos riu e Gabriela o acompanhou, mas null e eu não achamos muita graça. Eu havia ficado nervoso com a conversa, com medo de falar alguma besteira, e, pelo sorriso que null me lançou, ela havia percebido.
— Ela tem razão, Cacá — Gabriela disse, sua voz ecoando doce demais. — Acho que podemos contar a surpresa agora...
Carlos lançou um sorriso meio bobo para a esposa e, depois, fixou o olhar em null, que estava congelada em seu lugar, parecendo meio amedrontada.
null, querida, você vai ter um irmãozinho!

Capítulo Dezesseis

Promessa

— Uau! — null exclamou, mas eu podia ver que ela não estava nem um pouco feliz. Parecia preocupada.
Deixei uma de minhas mãos escorregar, por debaixo da mesa, para a sua coxa. Desta vez sem nenhuma intenção além de mostrar apoio, o que null compreendeu e não a afastou, suspirando.
— Nossa, que demais! — comemorei porque achei que alguém deveria demonstrar alguma coisa.
— É! — null concordou rapidamente. — Nossa!
Tadinha, ela estava tão perdida que parecia ainda mais fofa. Eu ri e deixei um beijo no canto de seus lábios, o que deixou-a novamente em foco, olhando para mim com um sorriso doce.
— Não é o máximo, baby? — instiguei-a. — Você vai ter um irmão!
Ela concordou avidamente com a cabeça, mas não proferiu uma palavra sequer. Com sorte, seu pai gargalhou, levando sua mudez como um sinal bom — o que certamente não era, nem um pouco.
— Na verdade, ainda não sabemos. — ele disse. — Mas Gabi insiste que é um menino desde que descobriu.
null ainda estava com a mesma expressão perdida e a boca um pouco escancarada, então deu uma apertadinha em sua coxa, o que pareceu tirá-la do transe.
— E tem quanto tempo? — ela perguntou. — A gravidez, quero dizer?
Ela olhou para mim, como se perguntasse se estava tudo bem, e eu aprovei sua interação com um aceno de cabeça. Segurei minha taça de vinho de uma forma meio exagerada e ela balançou a cabeça, entendendo.
— Três meses — Gabriela respondeu, com um sorriso dócil.
null sorriu, parecendo recuperada do choque e seguiu minha sugestão; ela pegou sua taça de vinho e a levantou.
— Bom, vamos brindar! — disse.

Carlos e Gabriela se retiraram para varanda da cobertura, sob o olhar zangado e chateado de null. Nós havíamos terminado de jantar e estávamos sentados na sala, com a TV ligada em um especial tradicional.
null estava ainda mais linda com as bochechas coradas pelo álcool. Em nosso teatrinho, ela encaixara seu corpo no meu, no sofá, e eu passara meu braço por sobre seus ombros. Para completar o espetáculo, no meio da conversa, mais regida por mim e Carlos, ele querendo saber todos os detalhes da fazenda do meu pai, ela cruzara as pernas, pegando minha atenção por um longo momento, o que me fizera perder algumas palavras da conversa, mas nada que eu não conseguiria recuperar com um sorriso e um pouco de jogo de cintura.
Agora, a expressão compenetrada que ela exibia, se concentrando em parecer assistir TV, havia desmontado.
— Ei, você está bem? — perguntei, baixinho.
Eu não precisava da sua resposta para saber que ela estava à beira do choro. Embora eu estivesse dentro do seu drama pessoal há pouco tempo, eu sabia que ela estava com ainda mais medo de ser deixada de lado agora.
— Não — ela disse, baixinho.
Meu braço que estava ao redor do ombro dela se fechou e puxou-a ainda mais para perto de mim. Beijei sua testa com carinho e ela escorregou, até apoiar a cabeça em meu peito. Estava com medo de ela começar a olhar e seu pai ou Gabriela entrar e a pegar tão aberta assim. Eu tinha certeza de que ela não gostaria.
— Sabe, eu ia adorar ter um irmão — murmurei.
Ela riu de forma nasalada e a vi tentando disfarçar ao secar uma lágrima. Acabou por se afastar um pouco, tentando olhar em meu rosto.
— Bom, eu ia adorar também — ela disse — Se fosse para eu vê-lo, mas eu aposto que isso é basicamente minha carta de adeus.
Friccionei seu braço. Queria dizer que não era verdade, mas eu achava que era, mesmo. Talvez eles ainda a convidassem algumas vezes, mas, pelo andar da carruagem, ela ia ficar cada vez mais para escanteio.
— Acho que eu vou te dar seu presente agora — eu disse, tentando desviar a atenção dela para qualquer outra coisa. — Se você não se importar.
Ela me deu uma tapinha no peito, gargalhando. Do nada, parecia que toda a tensão dela havia se ido, lembrando-a de que era Natal. Ou isso, ou ela estava usando seu dom teatral comigo também.
— Claro! — exclamou, parecendo empolgada. — Onde está?
Tirei o embrulho de dentro da bolsa e ofereci a ela. null estendeu a mão para pegar e eu puxei de volta.
— É simples — eu a alertei, meio nervoso pelo presente que ela havia dado ao broxa do amigo dela ontem.
Ela sorriu docemente, sua mão encaixando sobre a minha.
— Tenho certeza de que é perfeito, null — disse.
Sorri-lhe e cedi o embrulho. Ela o abriu com cuidado e eu prendi meu olhar em seu rosto, vendo-a arquear uma sobrancelha e, então, abrir um sorriso maravilhado.
— É o Luvas? — perguntou.
Concordei com a cabeça, vendo-a suspirar e voltar o olhar para o cordão, com um pingente de um cavalo dourado. Eu não sabia o que comprar, pensei em comprar o brinco mais caro que eu conseguisse encontrar e, então, eu havia batido o olho naquele cordão e eu sabia que tinha que ser aquilo.
— Eu adorei — ela disse, soltando outro suspiro encantado. — Você pode?
Ela apontou para o pescoço e eu concordei com a cabeça, então ela virou-se um pouco mais de lado e levantou o cabelo, deixando a nuca toda exposta. Senti a visão refletir em minha virilha de forma nervosa e minhas mãos estavam ligeiramente trêmulas quando eu me arrisquei a fechar o cordão ao redor de seu pescoço.
Ela voltou a se sentar de frente para a TV, segurando o pingente entre os dedos e olhando-o, com um sorriso bobo. Ela levantou o olhar e eu já estava vendo-a ensaiar mais um agradecimento, quando ela suspirou em uma risada.
— Vou pegar o seu — disse, por fim.
E aí ela me deu mais um de seus selinhos inesperados. Suspirei ao vê-la se afastar, e esfreguei o rosto com as mãos, as palavras de null ainda brilhantes em minha cabeça. Será que era aquilo mesmo? Será que eu não iria me contentar em comê-la algumas vezes?
Olhei para o nada, tentando colocar minha cabeça em ordem. Eu estava adorando passar as férias com null. Ela era divertida, inteligente, provocativa, gostosa e totalmente inesperada. Todo dia era completamente diferente do que o anterior, e eu sabia que tudo isso era mérito dela. E eu podia conviver com isso, podia mesmo.
Nenhuma garota havia conseguido me fazer sentir como um idiota, esperando pela sua presença ou por uma conversa, como null fazia. E eu também nunca me incomodara com a concorrência como eu havia me incomodado com null, no dia anterior — e olha que ele era uma concorrência bem fraquinha.
null retornou, me oferecendo uma caixinha vermelha, me tirando dos meus pensamentos. Sorri para ela, refletindo a mesma expressão de seu rosto. Ela sentou-se ao meu lado, me observando atentamente.
Peguei a caixinha com curiosidade e sacudi-a, me assustando em ouvir um barulho saindo de dentro dela. Abri, ainda mais curioso, e me deparei com um globinho de vidro, com neve caindo. Meu queixo caiu e, ao sacudir de novo, ouvi as notas de Jingle Bels tocarem.
— Que maneiro! — eu exclamei.
Ela riu, colocando as duas mãos em meu ombro e deixando um beijo estalado em minha bochecha. Olhei para ela, ainda meio abobalhado, sacudindo meu presente, apenas para dar de cara com seu sorriso estonteante.
— Achei que você podia ter um pouquinho de Natal com você — ela sussurrou, com um sorriso doce. — Pra quando, você sabe, esse lance do seu pai te chatear.
Segurei o ar um momento, entendendo, e abri um sorriso ainda maior. Passei os braços ao redor dela e a abracei com força.
— Obrigado, null — eu murmurei — Eu adorei, muito mesmo.
Por ela ter problemas com o pai dela, era totalmente capaz de entender meus problemas com o meu, e com uma facilidade impressionante. Acho que, em nossa maneira, nós dois íamos contra muitas de nossas vontades para agradar nossos pais, na esperança de que fôssemos considerados filhos melhores.
E em meio à tempestade que a envolvia, ela tivera a sensibilidade de encontrar um pequeno escape para um de meus incômodos com o meu pai. E eu havia dado a ela um colar com um cavalo.
Tive uma vontade louca de melhorar meu presente.
Levei minha mão ao seu pingente, ao soltá-la do meu abraço. Ela franziu a testa para mim, o sorriso ainda no rosto, o que me indicava que ela estava pensando no que poderia estar passando pela minha cabeça.
— Quando nós acharmos um cavalo que goste de você, sem ser o Luvas — eu disse. — Ele é seu. Se você quiser.
Ela abriu ainda mais o sorriso e concordou com a cabeça. Apoiou a testa em meu ombro, meus braços ainda ao redor de si e ficamos assim por um longo minuto.
— Vou pegar um pouco mais de sobremesa, você quer? — eu perguntei.
Ela concordou de leve com a cabeça e eu fui até a cozinha, caçar os restos do pudim delicioso que devia estar por ali. Achei-o, peguei dois pratinhos e coloquei pedaços respeitosos para mim e null — a garota gostava de comer bem e eu admirava muito isso. Depois ela se matava de correr pela fazenda, mas tudo bem. Isso também era legal.
Quando eu estava carregando os dois pratos de volta para sala, interrompi-me no batente, ouvindo algo que eu acho que não era para os meus ouvidos.
— Só estou deixando bem claro que não quero você e todas essas suas gracinhas imperiais atrapalhando seu pai e eu — a voz de Gabriela estava completamente diferente do doce que ela mostrava à mim e Carlos. Era ácida, cortante, decidida — Nem influenciando nosso filho. Deixei Carlos te chamar aqui porque ele estava completamente irritante sobre te contar sobre a minha gravidez, mas isso é tudo. Vou continuar interceptando suas ligações e vou continuar cortando toda e qualquer chance dele entrar em contato com você. Já basta ele estar te bancando até agora, ingrata que é. Se depender de mim, nós vamos cortar isso também e que você apodre...
Achei que era o suficiente. Entrei na sala de supetão e as duas me encararam, assustadas pela interrupção.
— Cortei um pedaço bem grande pra você e se você não aguentar, eu co... — eu me interrompi, como se a presença de Gabriela fosse uma novidade — Ah, desculpe. Eu não queria interromper.
null se levantou no mesmo instante, como se ela estivesse esperado desesperadamente para ser salva e eu tivesse chegado no momento certo. Seus olhos estavam ligeiramente marejados, diferentes dos de Gabriela, que exibiam uma luminosidade quase devastadora de tamanha raiva.
— Não, baby — null disse, caminhando em minha direção. — Eu, na verdade, estava pensando em ir para o quarto, agora.
Analisei sua expressão em uma pergunta muda sobre qual era a situação dela. Ela manteve-se lívida e eu sabia que estava atuando impecavelmente.
— Vocês não têm nenhuma regra de comida no quarto, tem? — eu perguntei para Gabriela. — Porque eu tenho, mas alguém... — olhei para null, que fechou os olhos e sorriu de forma doce. — Não obedece nem um pouquinho.
Quando ela abriu os olhos, eles ainda estavam um pouco marejados, mas seus lábios se moveram em um obrigada.
Pelo quê? Eu não sabia.
— Não, querido, pode ir — Gabriela disse, a voz doce de volta. — Boa noite e feliz Natal!
Eu não respondi. Apenas arqueei a sobrancelha para ela, a deixando saber que eu estivera escutando. Passei o braço ao redor de null, equilibrando um prato em cada mão, e a guiei para fora da sala e de volta para o quarto dela.
— Tudo bem? — perguntei, assim que ela fechou a porta atrás de nós dois.
Ela balançou a cabeça negativamente.
— Não — ela disse tão baixinho que eu quase não ouvi.
Soltei um longo suspiro, colocando nossos pratos sobre a cômoda, antes de puxá-la para um abraço. Senti suas lágrimas molharem minha blusa e apertei ainda mais contra mim, desejando que isso a acalentasse o suficiente.
— Eu sempre achei que fosse ela — ela murmurou. — Eu acho que eu queria acreditar que não, que eu estava sendo castigada ou algo assim, mas eu sempre achei que fosse ela.
Passei a mão pelo seu cabelo, meus dedos seguindo os cachos que montavam nas pontas dos seus fios. Eu não sabia qual era a mágica com aqueles cachos que surgiram do nada, mas eu os adorava. Combinava com ela, combinava com a inconstância dela e com as suas curvas.
— Eu ouvi — murmurei. — Não sei se seu pai sabe o que tá acontecendo, null.
Ela riu e saiu do meu abraço, passando as costas da mão pelo nariz e sorrindo triste. Balançou a cabeça negativamente, soltando um suspiro.
— Dois dias — ela disse. — E meu pai já te convenceu que ele é puritano e perfeito — riu. — Ele é um político, você sabe. E muito bom, nem sempre correto... Ele sabe.
Respirei fundo, porque eu sabia que não havia como eu competir, com dois dias, com todo o conhecimento que ela tinha do pai dela. Restou a mim mostrar meu compadecimento pela sua causa.
Apesar de aceitar meus abraços e minhas palavras gentis, null não se acalmou. Ela fingiu que sim, mas não me convenceu. Mesmo assim, fingi que sim porque achei que talvez ela precisasse de alguns momentos para si mesma, para organizar as ideias e se posicionar no meio de toda aquela bagunça.
Eu estava deitado na cama, zapeando os canais da televisão, procurando por algum canal que não estivesse passando um filme sobre o nascimento de Jesus, e ela estava terminando de comer o seu pudim, quando suspirou e soltou:
— É por isso que eu dou corda pro null.
Demorei meio segundo, encarando-a boquiaberto, tentando compreender o que ela estava falando, sem sucesso.
— Eu sei o que ele quer — ela murmurou, abaixando a cabeça e encarando o seu prato. — E ele é a única constante na minha vida nesses últimos anos. Eu só... eu só preciso... Eu não sei. Eu tenho medo do que vai acontecer agora e eu espero poder contar com ele.
Continuei encarando-a por um longo momento, absorvendo a informação. Ela estivera deixando o garoto em banho-maria por medo de ficar sozinha, aquele tempo todo.
null... — eu murmurei, antes que eu pudesse me conter. — O que você precisar...
Ela riu e balançou a cabeça negativamente, seus olhos marejando, e eu estava nervoso por vê-la quase chorando outra vez. Eu não sabia mais o que fazer para convencê-la a parar. Eu queria vê-la rir, soltar suas piadinhas inteligente e implicantes...
— Não sou idiota, null — ela disse. — Quando o verão acabar, você vai voltar para a sua vidinha de uma garota por corrida, não vai?
A forma com que ela disse aquilo mexeu com o meu interior, reverberando tudo. Eu ia, não ia? Não era o meu plano inicial? Comê-la o verão inteiro e, então, voltar para a mulherada do campus?
— Não importa, null — eu disse. — O que você precisar, quando você precisar.
Ela colocou o indicador entre o lábio superior e o nariz, apertando os olhos e deixando uma lágrima escorrer, concordando com a cabeça. Eu ri e puxei-a para mim, fazendo-a deitar com a cabeça em meu ombro.
Sem dizer uma palavra sequer, ela terminou de comer seu pudim e me acompanhou até a metade do filme que eu estava assistindo, antes de adormecer em extremo cansaço emocional.

Capítulo Dezessete

Recomendação

— Tem certeza de que você não quer dar uma volta? — perguntei pela décima oitava vez, só naquela tarde.
null estava meio depressiva desde o Natal, o que tinha três dias. Ela estava, inclusive, evitando sair de dentro do quarto para não encontrar Gabriela, embora o fizesse em minha companhia.
Ela tinha encontrado alguns livros velhos em sua estante e estava relendo no quarto. Mal trocava palavras comigo e não importava o quão implicante eu estivesse sendo, não funcionava. Ela não retrucava, quase nunca ria de minhas piadas e nem ao menos estava se vestindo da maneira provocante que ela fazia na minha casa.
Ela era toda moletons e blusas maiores que ela. E, mesmo assim, parecia adorável.
— Estou bem aqui — disse, virando mais uma página do livro.
Suspirei, sentando-me na cama ao lado dela, entre seu joelho e a beirada. Minha mão foi sozinha para sua perna, subindo despretensiosamente pela parte de dentro da sua coxa. Ela não levantou o olhar, mas suas íris pararam de se mover pela extensão da página, informando que toda sua atenção estava voltada a mim.
— Então vamos voltar — eu disse. — Se você não quer ficar aqui, a gente só vai pra fazenda e pronto. Não precisa ficar trancada só porque...
Achei injusto completar a frase. Não era exatamente porque ela estava com medo da madrasta. Era mais porque ela estava assustada em acabar piorando a situação, mesmo que eu não pudesse encontrar uma perspectiva pior.
— Só porque eu estou me sentindo uma estranha no meu próprio ninho? — ela perguntou.
A forma com que seus lábios formaram um sorriso me pareceu que ela estava em alguma piada interna, talvez citando algo do livro que dizia. Minha cabeça inteira se sacudiu em represália por eu estar conhecendo toda e qualquer de seus nuances, só de olhar para ela. Como isso era possível?
— Também, null — murmurei. — Você trancada só mostra pra ela que você é fraca e desistiu.
Ela soltou um longo suspiro e levantou o olhar, fechando o livro. Mexi meu polegar por sobre sua coxa, sentindo o olhar dela desviar para a região, o que me fez arriscar subir minha mão só mais um pouquinho.
Quase comemorei quando ela nem reclamou.
— Eu não sou fraca — ela disse. — Eu não desisti. Só estou de saco cheio de ser jogada para o canto sempre.
Balancei a cabeça em negativa e empurrei meu corpo para o lado, subindo um pouco, ficando mais próximo de seu tronco. A mão que estivera em sua coxa agora se posicionava em sua cintura. Ela não disse nada, outra vez.
— E, então, você mesma se joga no canto? — questionei.
Ela meneou a cabeça com um sorriso, e então deu de ombros. Revirei os olhos antes mesmo de ouvir sua resposta:
— É um plano ruim, mas ainda assim é um plano.
Eu tive que rir e tentei cutucá-la nas costelas, fazendo cócegas para que ela me acompanhasse, mas tudo o que eu consegui foi um bico e uma ameaça de choro, então eu logo parei.
— Não é um plano, null. Planos são quando nós fazemos alguma coisa tipo... — espremi meu cérebro em busca de algo que pudesse me auxiliar em melhorar seu humor. Talvez provocando-a. — Tipo eu estar tentando te convencer a te levar ao cinema... Sabe o que casais fazem quando as luzes do cinema se apagam?
Eu estava esperando um tapa, uma risada histérica de nervoso ou qualquer reação exagerada, positiva ou negativa, que ela pudesse ter, mas tudo o que eu consegui foi um sorrisinho de lado. E ainda triste.
— Eu não vou a lugar algum hoje, null — ela murmurou. — Está quente feito o inferno, lá fora.
Arrisquei uma olhada pela sua janela, mesmo que fechada, dava para ver o sol brilhando tão forte que provavelmente estava fazendo um dos dias mais quentes do ano.
— Bom, isso eu concordo. Mas nós ainda podemos fazer alguma coisa fora do quarto, sim?
Ela levou as duas mãos ao rosto, passando por ele todo, como se o esfregasse para tirar alguma coisa e, então, apoiou-as uma em cada lado, formando um v com o queixo encaixado nelas e balançou a cabeça negativamente.
— Não quero — disse, com voz de criança.
Eu ri e tentei fazer-lhe cosquinhas outra vez. Desta, porém, ela arriscou um sorrisinho. Eu queria beijá-la, queria morder seu lábio até ele estar inchado e avermelhado o suficiente para que seu pai lhe perguntasse o que havia acontecido.
Ela era adorável. Em todos os aspectos.
— Vamos... Um filme na sala? Com sorvete? — perguntei. — Posso fazer um milk-shake, é minha especialidade.
Ela finalmente riu e eu deixei um sorriso em meu rosto acompanhar-lhe. Eu estava conseguindo melhorar seu humor.
— Sua especialidade é um milk-shake? — ela inquiriu. — Mesmo?
Eu ri, também e arrisquei uma piscadinha para ela.
— Estou tentando te conquistar pela barriga — eu disse.
Ela riu e eu tinha certeza de que eu ainda tinha uma penca de piadinhas para fazer sobre leite batido para fazer, mas achei que todas eram um bocado inapropriadas para o tipo de humor afundado em que ela estava no momento.
— Tudo bem — ela disse, por fim. — Faça sua melhor tentativa.
Uma hora mais tarde e uma jarra de milk-shake depois, eu estava assistindo a um filme qualquer de ação e luta que me pareceu muito legal, até que null se enganchou em mim, apoiando sua cabeça em meu peito, e adormeceu.
Eu simplesmente adorava assisti-la dormir porque era o único momento em que ela parecia realmente tranquila, como se desligasse todos os motores e realmente relaxasse. Ela também tinha uma facilidade inesperada para adormecer, o que acabava por me fazer admirá-la apenas para descobrir como funcionava — e colocar em prática também.
— Ei — a voz inesperada fez com que eu saísse do meu transe e levantei a cabeça para encontrar Carlos, no batente da porta, encarando a nós dois. — null — ele chamou. — Pode vir comigo um minuto?
Concordei com a cabeça, deixando meu olhar recair sobre null, adormecida, só mais uma vez. Deixei-a escorregar do meu abraço, colocando-a cuidadosamente no sofá. Ela se remexeu, desconfortável, e passou os braços ao redor de si, no mesmo lugar onde os meus estiveram apenas segundos antes. Sorri, idiotamente, chegando à conclusão de que ela estava sentindo falta do meu calor.
Levantei o olhar apenas para encontrar Carlos ainda esperando por mim, admirando a cena. Deixei minhas bochechas corarem inesperadamente, envergonhado de ter sido pego embasbacado, olhando para sua filha dormir, mas tudo o que Carlos fez foi sorrir, contente, e balançar a cabeça, quase em aprovação.
Deixei-me escorregar para fora do sofá e me levantei, seguindo Carlos pelo corredor, até que ele abriu uma sala e fez sinal para que eu entrasse. Antes que ele pudesse fechá-la atrás de si, me peguei admirando o lugar.
Era amplo, bem iluminado, todo em mogno, móveis de madeira grossa e provavelmente antigos. Uma estante ocupava quase toda a parede sul, cheia de livros dos mais variados tamanhos e assuntos, embora a maioria tivesse seus títulos envolvidos em agronomia e economia. A parede logo ao lado era uma grande janela de vidro, que exibia todo o esplendor de Brasília, a luz, os carros, os prédios... Uma mesa estava bem à frente da janela e foi para lá que Carlos seguiu, interrompendo abruptamente a minha análise do ambiente.
Ele se sentou à mesa e ofereceu o lugar em sua frente para mim. Sentei, ainda sem entender nada do que estava acontecendo, mas Carlos apenas sorriu à minha expressão de incompreensão.
Então, ele apoiou dois dedos em cima de um envelope e o empurrou em minha direção, sem dizer uma palavra.
Peguei-o e abri, sobre seu olhar cuidadoso. Li as primeiras duas linhas, franzindo a testa para a carta.
— São cartas de recomendação. — ele explicou. — Para a compra de mantimentos para diversas utilidades, escolas, presídios...
Aquilo embrulhou meu estômago e eu abandonei o envelope e os papéis em cima da mesa dele, balançando a cabeça negativamente. Ele estava me dando aquilo porque ele achava que null e eu estávamos juntos.
— Eu não... eu não posso. — murmurei, nervoso.
Ele riu, deixando seu sorriso se desfazer até que estivesse concentrado apenas no lado esquerdo de seus lábios, enquanto balançava a cabeça negativamente.
— Isso não é para você, null. É para null — disse.
Continuei negando com a cabeça, mas isso não o parou. Ele levantou a mão no ar, pedindo que eu me acalmasse e o deixasse continuar.
— Não sei se você notou, null, mas minha esposa tem um problema com a presença da null — ele sussurrou, quase como se fosse um segredo, o que não era. — Isso é uma coisa um pouco antiga, null teve uns comportamentos ruins na época em que Gabi e eu começamos a sair; fosse por isso ou por outros assuntos, o fato de que eu sempre deixava um encontro para resolver alguma peripécia de null... Bom, isso pode ser a causa ou apenas ter piorado a coisa.
Veja bem, meu rapaz. Foi escolha da null, se afastar. Ela passou em algumas faculdades mais próximas, e outras bem distantes, mas ela escolheu Jataí. Era como se ela quisesse estar longe, mas não longe o suficiente para não poder voltar, se quisesse. Ela é adulta, sempre foi independente e resoluta. Queria uma vida nova, longe de mim, longe da sombra da minha vida e eu deixei porque, pra mim, era a melhor coisa pra ela.
Quanto mais null se mantém distante, mais minha esposa parece se preocupar com o fato de que ela tem que ficar distante. Eu amo minha filha, mas também amo minha esposa e tudo o que eu quero é que ambas fiquem bem. null está bem, onde está e eu quero que ela continue assim.
De uns tempos para cá, Gabi andou interferindo em algumas transferências de dinheiro para null. Eu peço para o meu assistente programá-las e reparei que algumas delas não foram. null não reclamou, é claro. Mas eu acabei por perceber, em meu extrato. Em uma ligada para o meu gerente, eu soube que foi Gabi. Apesar de eu ter conversado com ela e ela ter dito que foi um acidente e que ela não sabia que eram transferências para null, eu sei que ela sabia. E, null, eu não quero irritar a Gabi, principalmente grávida; mas também não quero que minha filha passe necessidade.
Tudo o que eu peço é: leve essa carta de recomendação a qualquer prefeitura. A várias, se você quiser. Tem o telefone do meu escritório. Uma ligada e eles vão comprar toda a safra que vocês tiverem para oferecer. E, então, deixe que alguma parte desse dinheiro chegue para ela, de qualquer forma. Eu não me importo. Só cuide dela para mim, sim?
Engoli a seco toda a fala dele e demorei para colocar meus pensamentos em ordem. Embora eu achasse errado aceitar, eu entendia que era a forma, provavelmente a única, que null teria para continuar recebendo o dinheiro que o pai lhe dava para se sustentar. Se não, como ela faria? Não estagiava, nosso horário de faculdade era um pouco ruim e ela ainda estava indo para o quinto período, com provavelmente nenhuma chance de conseguir um horário mais maleável para estagiar — e, mesmo que conseguisse, quanto um estágio de ciências biológicas iria lhe pagar? Quinhentos reais? Eu duvidava que isso sequer pagasse todas as xerox que ela tirava.
— O senhor sabe... — engoli boa parte das coisas que eu queria dizer e peguei o envelope de volta. — O senhor sabe que null nem ao menos tem coragem de conhecer pessoas novas com medo de que descubram que ela é sua filha?
Ele tomou uma lufada de ar e apertou os olhos, absorvendo a informação. Eu deixei-o voltar a expressão calma de antes para continuar.
— Ela vive pelos cantos da faculdade, só tem um amigo que, apenas como informação extra, é um completo idiota. Ela não sai, não se diverte... — eu mordi a língua porque eu estava falando demais e logo iria deixá-lo perceber que nós não estávamos juntos, de verdade. — Ela só me contou sobre o senhor e quem o senhor era uns dias antes de virmos pra cá. E disse que era porque ela tinha medo disso chegar para as pessoas e alguém resolver tirar a limpo com ela, suas decisões políticas.
Carlos estava me encarando com a expressão lívida. Eu sabia que ele tinha seguranças que olhavam null, ela dissera na ligação em que o pai a convidara para o Natal, mas ele parecia realmente impressionado com todas aquelas informações.
— Me dói muito ouvir isso, null — ele me garantiu.
Eu quase ri, mas achei que isso demonstraria desrespeito, e não era o que eu queria, embora ele merecesse. Eu queria convencê-lo de que null era importante, mais importante que qualquer outra coisa. Sua esposa, inclusive.
— Ela merecia mais — eu disse.
Ele concordou com a cabeça. Passou a mão pelo rosto e respirou fundo. Continuei encarando-o avidamente, esperando ver qualquer resquício de remorso por sua decisão, mas tudo o que eu via era ele resolvendo um problema desagradável com alguém que não sabia aceitar que a boa decisão era uma boa decisão.
— Eu sei — ele disse.
Eu não estava convencido de que ele sequer se importava. Acreditei que ele era gente boa, acreditei que ele estava querendo uma reaproximação com null, a díspar das dissoluções de sua esposa, mas tudo o que ele queria era arrumar uma maneira dela se virar sozinha, sem que passasse fome. Provavelmente evitando a matéria filha universitária de ministro passa fome por descaso do pai.
— Eu duvido que ela queira o seu dinheiro, você sabe — continuei. — null se contentaria se você ligasse para ela, às vezes. Perguntando como ela está e o que tem feito. É isso o que ela quer.
Eu sabia que sim, embora talvez soubesse que ela também precisava do dinheiro. Mas problemas de dinheiro, eu já havia lhe dito, eu resolvia. Nem que eu a convencesse a começar a apostar nas corridas ou que lhe arrumasse algum emprego de garçonete pelos bares do circuito, não importava. Era do pai que ela precisava e de quem ela sentia falta, e era por isso que ela estivera tão entristecida e apagada nos últimos dias; era o medo de perdê-lo para sempre. O que estava acontecendo bem ali na minha frente.
— Entendo — ele murmurou, simplesmente.
Encaramo-nos por um longo minuto, avaliando, cada um, o lado do outro. Encarei a carta, também, por um longo momento, analisando minhas opções sobre ela. Eu sabia que, no momento em que eu colocasse aquele envelope em frente ao meu pai, eu estaria livre para fazer o que eu quisesse da minha vida, sem fusão de fazendas, sem Kamille, sem nada trilhado. Seria meu mérito.
E, se eu quisesse, null não precisaria ser só uma diversão.
A perspectiva embrulhou meu estômago.
— Estou contente por null ter encontrado um rapaz decente como você, null — ele disse, por fim, ao ver meu silêncio, segurando o envelope, como uma aceitação. — Qualquer rapaz que a defenda tão apaixonadamente assim... Tenho certeza de que vai cuidar bem dela.
Deixei-me rir debochadamente, me levantando da cadeira sem esperar por qualquer dispensa, o que o fez levantar uma sobrancelha, provavelmente admirado com a minha falta de educação, mas agora eu estava mais para o foda-se com ele do que qualquer outra coisa.
— É só apenas uma pena que o pai dela não faça o mesmo, não é? — eu soltei, com um sorriso debochado, antes de me retirar da sala.

Capítulo Dezoito

Champagne

null continuou toda sentida com a discussão com Gabriela por todo o feriado. Ela aceitou dar algumas voltas, aceitou voltar a sair do quarto para comer e tentar ficar algumas horas perambulando pela casa, para não dar na cara que ela estava fugindo, embora nem ela mesma admitisse que fugia.
Mas ela ainda estava assustada. Por algumas vezes, peguei-a encarando o pai por longos momentos.
— Parece que você está planejando um assassinato — eu lhe disse, ao reparar o olhar dela, compenetrado, quase nem mesmo sem piscar, em direção ao pai, mais uma vez.
Ela estremeceu e desviou o olhar, virando o rosto para mim com um sorriso triste. Passei o braço pela sua cintura e ela apoiou seu queixo em meu ombro.
— Se fosse um assassinato, eu estaria olhando para ela — disse.
Ela riu e eu acabei acompanhando-a. De alguma forma, null estava diferente. Ela não implicava mais comigo por qualquer coisa e ela também não se afastava quando eu a abraçava e parecia sempre lisonjeada quando eu lhe perguntava se estava tudo bem. Eu não sabia se ela estava assim porque estava fragilizada por causa da notícia da gravidez, seguida da briga com Gabriela, ou se era parte do seu teatrinho.
O que importava era que eu adorava.
— Já que não é assassinato, você poderia disfarçar um pouquinho? — perguntei — Se eu reparei, ele pode ter reparado também.
Ela riu e apoiou a cabeça em meu ombro, sua orelha encostada em meu pescoço, virando-se de costas para mim. Passei meus braços ao redor do seu corpo, logo abaixo dos seus seios e ela suspirou, grudando o corpo ainda mais, com o meu.
— Não acho que ele se importa o suficiente para reparar, null — ela sussurrou.
Nós estávamos no sofá, assistindo um filme qualquer que eu, nessa altura, já não me recordava o nome. Carlos e Gabriela estavam poucos metros dali, sentados a uma pequena mesinha, tomando café e rindo. Mesmo assim, eu me preocupei um pouco que eles acabassem ouvindo a conversa.
Arrastei meus lábios até sua orelha, sentindo e vendo os pelinhos da região se eriçarem ao sentir minha respiração quente soprar em sua pele.
— Ele não vai evaporar se você olhar para outro lugar, sabe? — sussurrei.
Ela suspirou outra vez e remexeu-se até que conseguiu levantar o rosto e levar os lábios até minha orelha também. Todo o meu corpo respondeu ao estímulo não intencionado e eu trinquei os dentes, tentando me controlar.
— Talvez não agora — ela disse.
Respirei fundo, sem saber o que dizer. A carta de recomendação que seu pai me dera estava no fundo da minha mochila, escondida das mãos curiosas de null, sempre atrás de uma camisa melhor que eu pudesse vestir.
Eu não tinha dito uma palavra sequer sobre aquilo. Seu pai não me dissera nada sobre contar ou não para ela, mas null estava tão amolecida com a perspectiva futura do relacionamento dos dois, que eu não queria simplesmente jogar aquela bomba em cima dela e vê-la desabar de vez.
Além do mais, eu tinha medo de que, se eu o fizesse, ela não me deixasse ajudá-la de forma alguma, quando precisasse. Por orgulho, ou seja lá o que fosse.
Beijei o topo de sua cabeça e ela suspirou, tentando voltar à atenção para o filme, mas seu olhar, virava e mexia, retornava para o pai.
E esteve assim por longos três dias. Quanto mais nos aproximávamos do final de nossa estadia em Brasília, mais nervosa ela parecia ficar com a situação. Eu queria poder dizer ou fazer alguma coisa que a acalmasse, mas eu conseguia entender o sentimento, e isso era o que mais me deixava maluco.
Pela maneira com que ela olhava para ele, ficava claro que ela estava sentindo como se estivesse perdendo-o, como perdera a mãe. Como se ele fosse morrer a qualquer minuto e ela ficasse sozinha. Eu havia sentido a perda da minha mãe, um pouco mais novo do que ela, e o meu maior medo era perder meu pai também, então eu apenas deixava que ela soubesse que eu estava ali para a apoiá-la. Achei que era a melhor coisa que eu poderia fazer.
— Minha mãe adorava as festas de fim de ano — null murmurou, me surpreendendo, na tarde do dia trinta e um, quando estavam arrumando toda a casa para a festança que iria ocorrer na virada.
Eu tinha tido bastante curiosidade sobre sua mãe, principalmente nos últimos dias, mas tal como eu não gostava muito que me perguntassem da minha, eu não havia proferido uma questão sequer. Ali, porém, ela estava me oferecendo sua história, parada à frente da janela do quarto, a luz do pôr do Sol brilhando em seu rosto. Seu cabelo já estava penteado para a festa, uma trança esquisita que parecia deixar suas bochechas maiores; eu havia gostado, especialmente.
— Depois que ela teve o primeiro enfarte, ela deixou de gostar — ela disse, com um sorriso saudoso. — A comida. Ela gostava era da comida.
null olhou em minha direção e arriscou um sorriso meio entristecido e deu de ombros. Ao ver minha expressão confusa, porém, ela continuou:
— Minha mãe era... obesa — ela falou a palavra com cuidado, como estivesse com medo de soar como uma ofensa. — Tinha todos os problemas, colesterol, pressão... Foi o terceiro enfarte dela.
Balancei a cabeça positivamente e não proferi uma palavra sequer. null voltou a encarar a janela e ali ficou até que o sol se pôs e as luzes da rua se acenderam. Depois disso, ela soltou um longo suspiro e começou a se arrumar.
Meu coração parou de bater por longos segundos quando eu a vi pronta. Eu estivera deitado na cama, amassando minha roupa nova, por uma longa hora enquanto ela se arrumava, trancada no banheiro. E quando ela saiu, nossa, valeu a pena.
Tal como eu, estava vestida toda de branco, com alguns detalhes de seu vestido em prata — como minha gravata. O vestido ia até a metade da coxa, mas, por ser rodado, conforme ela andava, dava para ver mais do que se deveria.
Levantei-me no segundo em que ela apareceu no quarto, reparando em seus sapatos, uma sandália com um salto tão alto que ela estava exatamente da minha altura, nem um centímetro sequer mais baixa ou mais alta.
Linda. Perfeita como só ela.
Descemos as escadas e a casa já estava cheia. Pelas horas que se seguiram, mantivemo-nos afastados da maioria dos convidados, visto que null não queria encontrar ou provocar Gabriela com sua presença, ainda concentrada no fato de que poderia reverter a situação com bom comportamento.
Já passava de onze e meia quando seu pai finalmente notou nossa presença e veio falar conosco. null, porém, ficou muito nervosa porque Gabriela lançou-nos um olhar e, apertando meu braço, anunciou.
— Eu vou... pegar uma bebida.
E saiu, antes que seu pai pudesse nos alcançar. Ele a olhou se afastar, mas não alterou seu caminho.
Carlos estava fingindo que nada havia acontecido, então eu achei que fosse melhor fazer a mesma coisa.
null falou que vocês vão embora amanhã — tentou puxar assunto comigo, mas com certeza foi uma péssima ideia citar o nome de null.
Sorri, meio de mau gosto, desejando que ela voltasse logo com a tal da bebida que fora buscar. A casa estava cheia de gente que eu não conhecia e muitos poucos pareciam amigáveis — eu não tinha uma desculpa para fugir da conversa com seu pai.
— Depois de amanhã, eu espero — eu disse, rodeando o olhar pela sala, à procura de null para que ela pudesse me salvar. — Evitar os engarrafamentos e coisa e tal.
Carlos concordou com a cabeça, também parecendo seriamente desconfortável com a minha falta de interesse na conversa e sabendo o porquê.
— É realmente uma boa ideia — ele disse. — Escute, null... Essa pressa é por causa da minha proposta? Você contou para ela?
Ele parecia ofendido com o fato e eu inflei minhas narinas, tomando uma lufada de ar para manter a calma no momento.
— Não, eu não contei a ela — eu disse. — null quer ir embora porque sua esposa faz com que ela se sinta mal.
Ele mudou a expressão, franzindo a testa, meio que estranhando o que eu estava lhe dizendo. Ele, tão inteligente, não havia percebido que null estava acuada? Até eu já tinha visto isso.
— Gabi não falou nada com a null...
Eu estava prestes a responder-lhe quando eu reconheci as curvas de null, próximas ao balcão que estava sendo utilizado de bar. Apertei meus olhos ao ver um rapaz moreno tentando falar alguma coisa em seu ouvido e ela se afastando dele, enquanto esperava o bartender terminar seu drink. Continuei olhando os dois, ignorando totalmente Carlos e sua análise da minha última coisa dita.
Foi aí que eu cheguei a segurar o ar, ao ver o rapaz encaixar sua mão, os dedos todos abertos, bem na bunda de null.
— Me dê licença um minuto... — foi tudo o que minha educação me permitiu dizer, antes de eu marchar em direção aos dois.
null estava tentando empurrar a mão do garoto para longe, mas ele continuava com a mão em sua bunda e um sorriso muito estúpido no rosto. Cheguei, encaixando minha mão em seu pulso, puxando-a para longe sem nem fazer muito esforço.
— Você pode me explicar por que está colocando a mão no que é meu? — perguntei, entre os dentes.
O rapaz levantou uma de suas sobrancelhas grossas para mim e arriscou uma olhada para null, que apenas levou ambas suas mãos até meu ombro.
— Não arruma briga aqui, por favor — murmurou.
Soltei a mão dele, empurrando-a para longe, e ele continuou a me encarar como se me avaliasse. Envolvi o braço ao redor de null, declarando posse, e ela não me impediu, o que significava que ela estava mesmo incomodada com o sujeito.
— Sua caipifruta, senhorita — o bartender entregou um copo para null, que o aceitou de bom grado.
Virei-me de costas para o garoto, que ainda nos encarava, e null sugou um pouco do líquido pelo canudo, me encarando com um sorriso de lado.
— Acho melhor irmos lá fora um pouquinho, não? — ela questionou.
Concordei com a cabeça, inspirando fundo. null que nos guiou para fora da sala até a varanda do apartamento. Ela finalmente se desvencilhou do meu abraço e se sentou no banquinho que tinha ali, olhando a cidade meio nublada. Sentei-me ao seu lado, percebendo que minhas mãos estavam meio trêmulas, resultado da vontade de bater em algo, sem realmente poder bater.
— Obrigada — ela disse, com um sorriso, olhando para mim. Franzi a testa e seu sorriso se abriu ainda mais. — Por não bater nele e tal.
Dei de ombros, esfregando minhas mãos na minha calça, tentando disfarçar o nervoso. null continuou a tomar sua bebida, olhando para o céu, como se estivesse esperando por alguma coisa.
— Quem era ele? — perguntei. — Parecia que conhecia você.
Ela soltou o canudo dos lábios, seu rosto se tornando uma expressão de desagrado completo. Deu de ombros, voltando o olhar para mim, com um sorriso triste.
— Ele é meu primo — ela disse, por fim. Ao ver que isso não havia ajudado em nada, completou. — Nós ficamos, algumas vezes.
Fechei a cara para ela instantaneamente. A ideia dela com qualquer outro cara foi tão repulsiva que eu quase me levantei para ignorar seu pedido e bater nele mesmo assim. Porque ele obviamente merecia.
Só por ter enfiado a língua na boca dela.
— Quer dizer que o idiota que estava com a mão na sua bunda pode ficar algumas vezes com você, mas eu não? — questionei, ofendido.
null caiu na gargalhada com o que eu disse. Sua mão, delicada, apoiou em meu ombro, enquanto ela ainda ria e, depois, foi até sua barriga.
— Nós já ficamos algumas vezes também — ela disse, ainda com o sorriso no rosto.
Encarei-a, sério, pensando nas vezes que ficamos: três, que foram além de beijos. Na boate, sete minutos no paraíso e na fazenda radical. Não era como se nenhuma daquelas contasse.
null deixou as bochechas ganharem certa cor sobre o meu olhar de seriedade e baixou os olhos, mordendo os lábios. Por um segundo, um mísero segundo, eu peguei seu olhar em minha boca, antes que ela voltasse a me encarar nos olhos.
— Nós podíamos ficar de novo... — eu sugeri.
Ela sorriu, ligeiramente envergonhada, baixando o olhar. Levantou-o, novamente, encarando-me tão séria quanto eu estava. Sua expressão mudou lentamente, enquanto eu acompanhava cada milímetro tomar seu novo lugar; uma de suas sobrancelhas se levantou, os lábios se entreabriram e o olhar, ah, olhar, ele me fazia estremecer só de ter que encará-lo.
null deveria ser fotografada naquele momento, e não haveria outra mulher mais bonita que ela no mundo.
Uma de suas mãos veio até a metade do meu peito e eu desviei meu olhar de seu rosto, acompanhando-a, apenas para voltar a encará-la e vê-la se aproximar lentamente de mim. Respirei fundo, sentindo meu coração disparar, sua mão quase que sobre ele, no peito, e fechei os olhos, aguardando seus lábios.
Ouvi sua gargalhada tão perto de mim e, então, se afastando rapidamente. Abri meus olhos e ela continuava a rir, me encarando. Tampou a boca com as mãos, tentando se controlar, e eu franzi a testa, um pouco ofendido.
— Desculpe — ela murmurou, ainda rindo. — Eu... não sei... não sei o que deu em mim.
Ela ainda ria quando eu peguei uma mecha de seu cabelo que havia caído de seu penteado e a coloquei atrás da orelha. Ela engoliu a risada e seu rosto tornou-se sério outra vez, aguardando enquanto eu me aproximava.
Senti suas mãos em meus ombros, sua respiração se aproximando, e seu nariz encostou no meu. Ela fechou os olhos primeiro, dessa vez, e eu deixei os meus ligeiramente entreabertos, porque eu não conseguia perder um segundo sequer de sua expressão de entrega, prestes a nos beijarmos.
Soltei o ar com força, incapaz de conter meu corpo inteiro gritando por ela, passei meu braço ao redor de sua cintura e senti seus dentes em meu lábio inferior, me fazendo soltar um gemidinho estúpido.
— Um minuto! — alguém gritou ao fundo.
Grunhi, completamente decepcionado, e null abaixou a cabeça, respirando fundo, mordendo seu próprio lábio.
— Acho melhor a gente entrar — sussurrei, com toda a força de vontade que eu tinha para não agarrá-la de qualquer maneira.
Ela concordou com a cabeça, ainda de cabeça baixa. Sorri, entendendo que o sentimento dela era muito semelhante ao meu. Levantei-me e ofereci a mão para ela, que a aceitou, levantando-se também. Passei o braço pela sua cintura, percebendo que ela abandonara o copo com o resto da caipifruta no banco.
Quando finalmente alcançamos a sala, já estavam fazendo a contagem regressiva. Olhei ao redor os casais abraçados, alguns de lábios grudados, rindo, felizes. E eu não pensei em qualquer outra coisa.
Peguei null de surpresa quando a contagem regressiva chegou ao dois. Ela ainda demorou meio segundo antes de perceber o que estava acontecendo e passar os braços ao redor do meu pescoço. Abriu sua boca no momento em que a champanhe estourou e nós nos beijamos despudoradamente por um longo momento, minhas mãos bem acima do seu quadril, puxando-a cada vez mais para perto.
Senti dois tapas fortes em meu ombro.
— Que primeiro beijo é esse, hein! — alguém disse.
null encerrou o beijo, o sorriso no rosto e as bochechas levemente coradas. Ela me encarou e soltou uma risadinha nervosa, antes de olhar para pessoa que nos cumprimentava e voltar a me encarar.
Eu podia dizer que ela estava pensando na mesma coisa que eu. Aquele era o nosso primeiro beijo.

Capítulo Dezenove

Não

Difícil era abraçar toda aquela gente com quem eu mal trocara duas palavras, desejar feliz Ano Novo para vários políticos de renome e parecer educado, quando tudo que se passava na minha cabeça era se null e eu podíamos encontrar algum lugar sozinhos e continuar aquele beijo que fora interrompido.
null também estava ansiosa, eu podia ver. Ela sorria nervosamente a cada segundo, parecendo ligeiramente aérea. Eu estava concentrado em todas as aéreas que nossos corpos se encontravam. As mãos, em certos momentos, se entrelaçavam, eu a abraçava, minha mão em sua barriga, nossos lábios procuravam um ao outro em determinado momento.
— Quando podemos sair? — perguntei, em seu ouvido.
null estremeceu em meu abraço, de costas para mim. Ela girou o rosto, levando os lábios até minha orelha.
— Ainda está cheio de gente demais para irmos — sussurrou de volta. — É falta de educação, null.
E ela ainda tinha fibra para brigar comigo, mesmo com toda aquela eletricidade nos envolvendo em nossa pequena bolha.
— Perguntei quando, e não agora — eu disse.
Ela riu e balançou a cabeça negativamente. Suspirou, olhando ao redor. Vi-a encarando o exato local onde eu sabia que seu pai estivera conversando com alguns deputados, aos quais eu já havia sido devidamente apresentado alguns momentos antes.
— Quando as pessoas forem embora — ela murmurou.
Resmunguei baixinho, fazendo-a rir. Seus braços escorregaram por sobre os meus e suas mãos entrelaçaram com as minhas, em sua barriga.
— Esse povo não vai embora nunca! — reclamei.
Ela riu novamente e virou o rosto, deixando os lábios nos meus, só um segundo, só para confirmar que era real, que estávamos bem.
— Metade — ela murmurou. — Metade das pessoas.
Suspirei, mais contente com aquela nova imposição.
Porém, demorou mais cerca de duas horas até a casa esvaziar. null estava sentada ao sofá, balançando os pés em sua impaciência, e eu estava descontando meu nervosismo na comida. Seu pai já passara por nós muitas vezes, nos cumprimentando, falando conosco, o que deixava null ainda mais nervosa; além do fato de que Gabriela também aparecera e fingira ser simpática algumas vezes — null, verdadeira como era, deixara transparecer sua contrariedade em falar com ela.
Isso deixara Gabriela contente e null, arrasada.
— Vamos, baby? — eu perguntei, pela milésima vez.
null riu, seus pés parando de balançar, enquanto ela olhava ao redor. Com um suspiro, ela concordou com a cabeça e se levantou. Um segundo após, eu estava com o braço ao redor dela. Anunciamos para seu pai que iríamos nos deitar e nos despedimos de algumas pessoas e eu sentia meu corpo vibrar a cada passo mais próximo do quarto.
Com a casa cheia, mantivemos a postura até entrarmos no quarto. Eu fechei a porta atrás de mim e, ainda com a mão em sua cintura, puxei-a em direção ao meu corpo, sem rodeio algum até grudar seus lábios nos meus de forma voraz e desesperada, o que foi prontamente correspondido.
Apertei ambas as minhas mãos em sua cintura, tencionando fundir nossos corpos de algum jeito — qualquer jeito —, para acabar com aquela necessidade latente que pulsava dentro de mim desde o maldito momento em que eu batera os olhos nela.
Eu mal podia acreditar.
Haviam sido dois terríveis anos de trocas de farpas, intrigas, brigas e muitas, muitas frustrações até aquele momento, mas finalmente... finalmente eu estava com ela na minha, totalmente entregue, totalmente decidida a ser minha.
Senti as mãos de null subindo do meu ombro para o meu pescoço, suas unhas bem lixadas deixando um rastro pelo caminho, antes de ela entranhar os dedos pelos meus cabelos, dando leves e intensas puxadas em meus fios.
Ela suspirou, a boca grudada na minha, e seus dentes procuraram meu lábio inferior, apertando-o entre eles, enquanto eu puxava minha cabeça ao caminho inverso, até que eles se soltaram e ela apertou os olhos, jogando a cabeça para trás, expondo seu pescoço maravilhoso, ao qual foi impossível resistir a vontade de beijá-lo.
Em um passo para frente, girei o corpo e encostei-a na porta fechada, o que a fez puxar meus fios com ainda mais força e soltar um gemidinho quase tímido em minha orelha, ao que eu correspondi, afundando meus dentes em sua pele, cravando-os em seu pescoço e a obrigando a soltar mais um gemidinho.
Era um ciclo delicioso e sem fim.
Eu queria vê-la desmanchar nos meus braços, ficar tão embasbacada com meus beijos que suas pernas não a segurassem mais em pé, e decidi que a melhor maneira de fazer isso era sussurrando alguma sacanagem em seu ouvido, então deixei meus lábios escorregarem até ele, deixando beijinhos por toda a extensão e ao redor.
Seu corpo se arrepiava um pouco a mais, cada centímetro a menos até sua orelha, como se ela soubesse o que lhe esperava. E quando eu beijei o entorno, ela já se desmanchou inteira, apoiando seus cotovelos em meus ombros, e soltando mais um de seus gemidinhos deliciosamente quentes.
— Ah, você é tão gostosa — murmurei, incapaz de conter o pensamento em mim.
Ela soltou uma risadinha despretensiosa e desconcentrada. Escorreguei minha mão até encaixá-la em sua bunda, por debaixo da saia do vestido, e puxei suas bandas, afastando uma da outra, fazendo com que sua calcinha — que eu podia sentir que não era muito grande — retrair-se, desvestindo-a sua bunda e sendo apenas um fiapo de pano enfiado na linha que dividia as bandas.
Isso me fez soltar um muxoxo de aprovação.
null estava com a cabeça encostada na porta, os olhos apertados, totalmente distraída com as sensações de seu corpo e totalmente distrativa. Parei, com o rosto a um palmo dela, os olhos ligeiramente apertados, admirando-a em sua graça. Puxei-a pela bunda, encaixando sua virilha na minha, e ela soltou um montante de ar, abrindo a boca como se quisesse gemer, mas nada saiu dela.
Esfreguei, só um pouquinho, minha ereção crescente em sua boceta, olhando suas reações estarrecedoras, antes de grudar minha boca na dela mais uma vez.
Em um puxão, levantei-a do chão, minhas mãos entre sua bunda e sua coxa, sustentando-a no ar, com as pernas ao redor de mim. Ela riu em meio àquela bagunça, as mãos fazendo uma massagem deliciosa em meu couro cabeludo.
— Eu quero chupar você inteira, baby — murmurei.
Para ilustrar, suguei seu lábio inferior, sentindo-a estremecer em meu abraço, soltando gemidinhos gostosos de total entrega.
Não houve sequer uma menção dela de tentar me impedir, o que arrepiou todos os pelos do meu corpo e me fez apertá-la ainda mais entre o meu corpo e a porta do quarto, sentindo suas mãos escorregarem para o meu ombro, suas unhas apertando contra a minha blusa e ainda conseguindo marcar minha pele por dentro dela.
null... — foi a única coisa que saiu de sua boca.
E foi o que me tirou totalmente do sério.
Uma garota não sussurra o nome de um cara em meio a um amasso promissor assim se não for, exatamente, o cara que ela queira que a leve até as nuvens e além. Era um sinal de que estava tudo bem e que eu podia ir até onde eu quisesse e ela iria comigo sem nem pestanejar. E ir a qualquer lugar com null... era um passeio e tanto.
Puxei-a contra mim, o vão entre suas pernas devidamente encaixado em minha ereção, e ela jogou as costas para trás, mordendo o lábio, contendo um gemido que, mesmo abafado, ainda saiu em uma boa altura, de seus lábios. Curvei meu corpo sobre o dela, admirando-a de olhos apertados, e a obriguei a liberar a boca para a minha língua, beijando-a enquanto eu movimentava minha ereção de um lado para o outro, sentindo suas unhas se afundarem ainda mais em minha camisa e sua respiração pesada estourar em meu rosto, seus gemidos abafados pela minha boca.
Desencostei-a da porta, sem desgrudar os lábios dela, sentindo-a se desequilibrar um pouco, o que acabou por me fazer rir em meio aos beijos, sentindo o sorriso dela refletir o meu, mesmo sem pararmos por um instante sequer.
Em passos incertos e quase às cegas, eu caminhei até sua cama, depositando-a nela quase que sem cuidado nenhum. Nossos lábios soltaram-se com um barulho acima do normal quando ela caiu sobre o colchão, soltando uma risada. Apoiei meus joelhos na cama para me deitar sobre ela, mas ela escorregou, arrastando-se de costas, sem tirar o olhar luxurioso de mim, até que sua cabeça estivesse sobre os travesseiros, o lábio inferior entre seus dentes, como se ela estivesse tentando se conter.
— Deixa que eu faço isso pra você, baby — murmurei, engatinhando até estar sobre ela.
Capturei seu lábio inferior entre meus dentes, ouvindo seu gemidinho escapar logo em seguida. Por todos os céus, ela era deliciosa demais. Todo o seu corpo, em contato com o meu, provocava arrepios inesperados, calafrios, queimação, desejo irrefreável...
Minha mão, agora não mais presa em somente um lugar, sem mais a tarefa de sustentá-la no ar, foi sozinha para a parte de seu corpo que eu mais gostava: os seios. Ela riu quando eu apertei seu seio, como se ela soubesse da minha fixação sem eu nem mesmo proferir. Seus lábios soltaram-se dos meus e senti ambas suas mãos em meu peito, me empurrando.
Ah, não. Foi o único pensamento que se passou pela minha cabeça. Não, ela não podia me parar agora. Eu precisava continuar.
Mesmo assim, cedi ao seu pedido mudo e escorreguei de cima dela, deitando-me de barriga para cima ao seu lado, respirando profundamente para tentar me acalmar. Eis que a surpresa aconteceu e null apareceu sobre mim, uma perna de cada lado do meu corpo, sua virilha encaixada exatamente sobre a ereção, o que fez meu queixo cair.
Senti suas mãos no cós da minha calça e, em um puxão, ela livrou minha camisa de dentro da mesma, abrindo o primeiro botão, mordendo os lábios. Seu olhar levantou-se até o meu e eu continuava a encarando com uma expressão tão babaca que a fez sorrir. Ela curvou sobre mim e seus lábios encostaram-se nos meus, só por um segundo. Eu entreabri os olhos para vê-la a poucos centímetros acima de mim, encarando-me sedutoramente, enquanto abria os botões da minha blusa.
Tentei beijá-la, mas isso só a fez se afastar com um sorriso esperto. Bufei, decepcionado, e ela afastou as extremidades da minha blusa, agora inteiramente aberta, sentando-se ereta mais uma vez.
Seus dedos dedilharam meu peito como nunca havia sido feito antes. Ela arranhou certas localidades, me fazendo gemer de forma estúpida e babaca. Senti um ligeiro puxão em meu pescoço, apenas para notar que eu ainda estava com a gravata e ela a puxava delicadamente. Sentei-me ao seu pedido mudo, grudando seus lábios nos meus.
— Parece que estou em desvantagem agora — murmurei, os lábios nos dela.
Ela riu e, prontamente, levantou os braços. Levei minhas mãos à barra do seu vestido e o puxei para cima, minha respiração falhando um pouco mais a cada milímetro de pele descoberta.
Ela estava com um conjunto sensacional de calcinha e sutiã rendado. Vermelho.
Vermelho.
— Nossa... — foi tudo o que eu consegui dizer, antes de encaixar seus seios entre meus polegares e meus indicadores, quase pesando-os.
Ela riu, escorregando as mãos por meus braços, os olhos acompanhando o rastro, até estarem em meu pulso, os polegares movendo-se lentamente como uma carícia e, ao desviar o olhar se seus seios, reparei que ela mantinha um sorriso leve no rosto.
Voltei a grudar nossos lábios e senti seus dedos descendo pelo meu peitoral, os calafrios estourando em minha espinha e minha barriga revirando pateticamente por conta disso. Senti suas mãos no cós da minha calça, abrindo o cinto que eu usava.
— Acho que sou eu que estou em desvantagem agora — ela disse, soltando meus lábios e rindo.
Ela abriu e puxou todo o cinto por um lado, embolando-o e jogando-o de qualquer jeito no chão do quarto. Voltamos a nos beijar e eu, com a mão em sua cintura, fui subindo, tateando suas costas até encontrar o fecho do sutiã.
null encerrou o beijo com uma gargalhada e puxou minhas mãos, entrelaçando nas suas. Franzi a testa, mas ela grudou os lábios nos meus mais uma vez e me empurrou, deitando sobre mim.
Girei, voltando a ficar sobre ela, e aproveitei para empurrar minha ereção nela, agora que ela estava só de calcinha e sutiã. Seu gemido veio um pouco mais alto e ela se interrompeu, mordendo o lábio. Suas mãos entranharam-se em meu cabelo, enquanto ela me encarava avidamente, e puxaram os fios com mais força que antes, me obrigando a jogar a cabeça para trás e soltar um gemido.
Levei minha mão a uma das alças do seu sutiã e a escorreguei para o lado, beijando seu pescoço e ombros, ouvindo-a suspirar e remexer-se, mordendo o lábio para conter seus constantes gemidinhos.
Os arrepios continuaram enquanto eu descia meus lábios até seu seio, empurrando o sutiã cada vez mais para baixo. Quando meus lábios alcançaram sua auréola, null estremeceu e puxou-me pelo queixo para beijá-la, segurando-me firmemente pelo pescoço, como se tentasse me manter ali.
Porém, meu corpo estava em chamas, berrando pelo dela. E ela estava ali, toda entregue, toda maravilhosa naquele lingerie vermelho, e eu quase tendo um colapso nervoso. Puxei a barrinha de sua calcinha levemente para baixo e null só faltou pular para longe.
— Ei — eu a segurei pela cintura, impedindo-a de se afastar um centímetro sequer. — Qual é o problema?
Ela mordeu o lábio com força e soltou um montante de ar. Seus braços voltaram ao redor do meu pescoço e uma de suas pernas se dobrou, o joelho no ar, deixando com que eu voltasse a me encaixar melhor entre suas pernas. Tentei a barra de sua calcinha de novo, mas ela balançou a cabeça negativamente.
— Eu não posso... Não aqui — ela sussurrou. — Não consigo. Meu pai dorme no quarto do lado.
Eu ainda ensaiei uma risada, antes de perceber que ela estava falando sério. Engoli o riso e continuei encarando-a, tentando descobrir qualquer caminho, qualquer possibilidade, acima do que ela estava me sussurrando.
— Eu também quero... — ela me garantiu e aquilo soou como uma promessa no escuro, meu corpo inteiro reagindo. — Mas não aqui. Por favor.
Eu grunhi, apertando os olhos com força, buscando, bem no fundo de mim, alguma força para me ajudar na empreitada de abandonar a situação bem ali. Era quase impossível, não quando seu corpo perfeito estava delineado ao meu e tão poucas peças de roupas me separavam da satisfação.
Suspirei, entendendo o pedido. Eu compreendia o porquê do medo dela; ela estava fazendo de tudo para que sua situação com o pai não piorasse, e a ideia dele nos pegar em momentos mais íntimos ou sequer ouvir qualquer um dos nossos gemidos abafados devia aterrorizá-la.
Senti suas mãos, ansiosas, acariciando meu couro cabeludo deliciosamente. Suspirei mais uma vez e deixei nossos lábios grudarem.
null... — ela murmurou. Era um aviso.
— Eu entendi, baby — disse. — Não vou avançar... Só quero continuar te beijando.
Ela suspirou, gemendo em contentamento contra os meus lábios.

Capítulo Vinte

Ex

A manhã era descomedidamente mais agradável quando você percebia que o seu sonho não tinha sido um sonho, tinha era acontecido de verdade e contra todas as complicações que sua mente classificava como impossível de acontecer.
Não era tão impossível assim. Eu sentia null encaixada em mim, a respiração batendo nos meus pelos do peito, suas pernas entrelaçadas nas minhas e seus dedos macios transitando pelo meu troco, como se passeá-los por aquela extensão fosse apenas mais um ato comum, e não extraordinário como eram.
— Bom dia — ela sussurrou.
E, então, seus lábios vieram aos meus, fazendo com que todas as sensações da noite anterior voltassem a mim.
Apesar de ter deixado bem claro que nós não transaríamos e eu estivesse respeitando seu pedido, sua única exigência foi essa. Então nós ficamos nos beijando e nos esfregando, seus suspiros e gemidos ecoando nos meus ouvidos, bem discretos e baixinhos, e eu acabei gozando na minha cueca, roçando no meio de suas pernas, com a mão em seus seios e a língua enfiada em sua boca.
Após isso, levantei-me para me trocar e me limpar enquanto ela tomava fôlego. Era claro, em todo o seu corpo, que ela queria mais, muito mais, mas recusou qualquer intenção minha em ajudá-la. Tanto que quando voltei do banheiro, ela estava vestida com uma camisolinha por cima das peças intimas.
Então me deitei e ela deitou embolada comigo e eu dormi antes que eu me desse conta, cansado e satisfeito, com minha mão enfiado por dentro da camisola dela, bem em sua cintura, mantendo-a firmemente perto.
E foi nessa posição que eu acordei, abrindo os olhos ao seu selinho. Levantei a cabeça para olhá-la, com um sorriso idiota no rosto, tal como ela, linda e perfeita, com mechas de seus cabelos escapando pela trança da noite anterior, quase desmanchada. Afundei com a cabeça no travesseiro mais uma vez, soltando um longo suspiro e acariciando as costas de null por debaixo da camisola, ainda meio impressionado com todas as minhas novas permissões.
— Bom dia — respondi — Podemos ir pra casa hoje?
null gargalhou e se remexeu, sentando-se, com a mão espalmada em meu peito para apoiar-se, fazendo meu corpo inteiro se revirar de desejo.
— Você que disse que ia ter um monte de engarrafamento hoje... — ela sussurrou.
Entortei a expressão, lembrando que havia dito aquilo mesmo e estava certo. No dia anterior, todo mundo ia ter que trabalhar, então as estradas estariam cheias. E já que estávamos de férias, podíamos esperar mais um pouquinho.
— Droga — sussurrei.
null soltou outra gargalhada e voltou a se deitar, desta vez um pouco mais afastada, com a cabeça no travesseiro ao meu lado. Girei-me em sua direção e ela sorriu, ficando frente a frente comigo.
— Tá com pressa agora? — ela riu. — Não se divertiu essa noite?
Mordi o lábio e deixei minha mão escorregar por sua coxa desnuda. Ela se retraiu um pouquinho, mas não em fuga ou rejeição; o suspiro e os olhos fechados me informavam que era apenas seu autocontrole fugindo levemente dela. Minha barriga se revirou inteira, pedindo por conectar nossos corpos e fazê-la se sentir tão relaxada quanto eu.
Eu nunca tinha sentido essa necessidade antes.
— Só eu, né? — perguntei.
Ao soltar os dentes dos meus lábios, percebi que eles estavam devidamente doloridos; null os tinha mordido a noite inteira. Eu não sabia se para se conter ou se porque ela gostava mesmo, mas eu tinha adorado.
— Eu me diverti também... — ela sussurrou, com a voz fraquinha.
Eu estava completamente impressionado: tudo nela pedia por mim. Tudo. À díspar de todas as nossas discussões e todos os nãos que ela já havia me dito, aquele era diferente, daquela vez, ela queria totalmente. Seu peito subia e descia enquanto ela tentava controlar sua respiração, seus olhos se demoravam mais nas piscadas quando eu a tocava e seus lábios... Ou eles estavam sendo molhados pela pontinha da língua, ou estavam presos entre os dentes.
Estive cogitando diversas motivos por ela ter resistido tão bravamente à noite. Por mais que ela tenha dito que era por causa de seu pai e eu havia compreendido que era desconfortável para ela, mas, de qualquer forma, pela maneira com que ela havia se controlado, não podia ser só isso.
Foi quando eu concluí que ela só podia ser virgem.
Eu nunca tinha visto null com garoto nenhum. Nem um beijinho nem nada — e eu estivera prestando atenção! Era a única explicação lógica e aquilo me fazia coçar um pouco os cabelos da minha cabeça.
A verdade é que eu não lidava com garotas virgens desde o meu ginásio. Eu já tinha tirado um ou dois cabaços por aí, mas eu não tinha muita paciência para todos os contornos que elas faziam até chegarmos aos finalmentes; era sempre ah, eu preciso de tempo e só a cabecinha, amor ou vai devagar que tá doendo, um porre.
Porém, aquela ideia, com null, me deixava totalmente arrepiado. Ser o primeiro cara dela, deixá-la descobrir as coisas com o meu corpo, ouvir seus gemidos de surpresa com uma nova sensação... Nossa. Eu tremia só de imaginar.
— Arrã — eu concordei de forma irônica. — Vem cá, vem.
— Eu nem escovei os d...
Não deixei que ela terminasse, grudando os lábios nos dela. null permaneceu meio contrariada e deu várias tapinhas em meu ombro até que eu a soltasse, revirando os olhos para o seu comportamento.
— Seu nojento! — ela reclamou.
— Sua fresca! — resmunguei.
Ela cerrou os olhos em minha direção e tudo o que eu fiz foi rir e encostar nossos lábios por um segundinho, mais uma vez.
— Eu não me importo — murmurei para ela, enquanto ela ainda me encarava com um olhar zangado.
Ela soltou um suspiro, mas, mesmo assim, se levantou da cama e sumiu pela porta que levava ao banheiro de seu quarto. Balancei a cabeça em negativa, soltando uma risada baixinha e relaxei na cama, soltando um longo suspiro. Com os olhos fechados, me peguei sorrindo feito um babaca, lembrando de todas as curvas que eu tivera em minhas mãos àquela noite e que, aparentemente, eu tinha à minha disposição agora.
E eu tinha a ligeira impressão de que nunca seria eu a descartar tudo aquilo. Enquanto ela me quisesse, eu a queria.
Ouvi a porta se abrindo e levantei a cabeça, abrindo os olhos, esperando ser null saindo do banheiro, mas apenas encontrei Gabriela entrando no quarto em passadas decididas e franzi a testa. Ela nem ao menos tinha batido?
— Cadê aquela puta? — ela me questionou.
Eu abri a boca, meio lerdo, meio sem entender a pergunta e ela não me esperou — pareceu perceber que null estava no banheiro e adentrou-o com a mesma ausência de educação; não demorou dois segundos e ela saía de lá, puxando null pelos cabelos.
— Que merda é essa? — null se esgoelou, tentando se soltar do aperto dela.
Eu cheguei a me soltar para tentar me meter entre as duas, mas Gabriela simplesmente a soltou, jogando-a sobre a cama.
— Quer me explicar que merda que aquele traficantezinho está fazendo na nossa sala? — ela questionou.
Franzi a testa para null, que mudou da total indignação para o completo choque. Ela ficou como eu, segundos antes, abrindo e fechando a boca, sem saber o que responder.
— Eu não... eu não sei! — ela exclamou, uma oitava mais alta que o normal. — Eu não o chamei, eu juro. Eu não...
— E como é que ele veio parar aqui, então? — Gabriela estava irada. — Você faz isso de propósito, não faz? Querendo ferrar com o seu pai, agora que ele não dá a mínima pra você. Com raiva dele porque ele vai te abandonar depois que nosso filho nascer, não é isso?
— Eu não... — null ainda gaguejava. — Eu juro, eu não o chamei. Ninguém sabe que eu tô em Brasília.
— Só o null — eu disse a ela.
null não sabe nada disso — null rosnou para mim, já irada por eu querer colocar a culpa no melhor amiguinho broxa dela.
— Ele pode ter postado algo online — eu disse. Ela inspirou profundamente, irada comigo. — Sem querer... — acrescentei.
— Resolva — Gabriela disse, por fim.
E saiu do quarto com a mesma educação que havia entrado. Eu estava completamente horrorizado, não era à toa que null tinha medo de deixar alguma coisa acontecer ali. E eu achava que havia, inclusive, trancado a porta na noite anterior.
null... — chamei-a, querendo entender o que estava acontecendo.
Ela passou a mão pelos olhos, provavelmente secando lágrimas de raiva ou nervoso, e não me respondeu; levantou-se e jogou um roupão sobre a camisola, já saindo do quarto. Levantei correndo também, vesti a calça da noite anterior e segui-a.
— Sai daqui! Anda! — ela gritava para um homem mulato, sentado no sofá da sala, de pernas cruzadas e parecendo se sentir o Deus do pedaço. — Eu nem sei como te deixaram entrar no prédio, pelo amor de Deus, vá embora.
Eu não sabia se null me queria por perto ou não e, para evitar entrarmos em conflito — logo agora que a gente estava começando a se acertar —, me mantive na porta da sala, meio indeciso se eu entrava ou não.
— Ah, null, eu senti saudades — ele disse. Arrisquei uma olhada para dentro da sala e tive que fechar meus pulsos para conter a vontade de jogar aquele sorrisinho dele para trás da cabeça — Vim aqui te convidar pra dar umas voltas... Tô com um material de primeira, aposto que você vai adorar me pagar uns favorezinhos pra tê-lo.
O quê?
Eu não estava entendendo porra nenhuma, mas foi impossível me impedir de entrar na sala como um furacão depois da insinuação dele para cima de null e a forma com que ela corou. À díspar do que eu havia achado anteriormente, ao me ver se aproximando dela, null suspirou quase aliviada.
— Quem é seu amigo, baby? — perguntei, puxando-a pela cintura.
O idiota não gostou nem um pouco da forma com que ela encaixou em mim e eu sorri, pomposo. Sim, ela é minha. Toda minha.
— Não interessa — ela respondeu e eu fiquei ainda mais aliviado. — Renan já está de saída, não está?
Ele não pareceu gostar nem um pouco da perspectiva de estar de saída, mas apareceram dois seguranças magicamente comandados pelo tom desesperado de voz de null e eles ouviram quando ela pediu para que ele se retirasse, adentrando a sala.
— E não volta — ela disse. — Eu não quero saber de você ou da sua sujeira nunca mais — completou.
— Você costumava adorar minha sujeira — ele disse, com um sorriso estúpido, se levantando do sofá. — Toma cuidado com essa putinha aí, amigo — disse para mim, antes que os seguranças o pegassem pelo braço pela ofensa à null.
Assim que eles cruzaram a porta, null soltou um suspiro derrotista e tampou o rosto com as mãos, saindo de perto de mim e do meu olhar inquisidor.
null... — chamei-a.
Ela só negou com a cabeça e saiu correndo da sala. Quando alcancei seu quarto, ela não estava em lugar nenhum e a porta do banheiro estava trancada. Com um suspiro, caminhei até lá e dei uma leve batidinha na porta.
null, vamos só conversar, baby — sussurrei. — Você está bem?
Não houve resposta nenhuma. Cruzei os braços e me encostei na parede ao lado da porta, estalando os lábios.
— Você sabe que eu não vou sair daqui até você vir aqui fora e me explicar o que acabou de acontecer, não é?
Ouvi uma espécie de ganido de dentro do banheiro e sorri, percebendo que eu a havia feito rir em meio ao choro. Ouvi a tranca do banheiro sendo aberta e ela saiu de lá, com as bochechas molhadas e o rosto avermelhado. Puxei-a pela cintura automaticamente e ela suspirou, colocando as mãos em meus ombros e o rosto em meu peito, suas lágrimas quentes me molhando.
— Então? — perguntei.
Ela afastou o rosto do meu peito e esfregou o pulso em sua bochecha, secando apenas o lado esquerdo do rosto.
— Foi a pior merda que podia ter acontecido — ela disse. — Quando meu pai souber, ele nunca mais vai olhar pra minha cara.
Acariciei sua cintura, querendo entender melhor para poder ajudá-la. Vendo que ela não estava se movimentando para dizer mais nada, eu perguntei:
— Quem era o cara?
Ela entortou a cara e soltou um longo suspiro. Passou a mão pela outra bochecha, secando o restante do rosto, e estava fazendo uma força fenomenal para não voltar a chorar.
— Meu ex — disse, por fim.
Gostei muito pouco da resposta e, ao repetir toda a conversa mentalmente, avaliando-a com a nova informação, gostei menos ainda.
— E o que ele quis dizer com...
— Maconha — ela respondeu e eu não pude deixar meu queixo cair um pouquinho. — A gente ficava e ele me dava maconha ou uns comprimidos maneiros de graça. Isso que ele quis dizer.
Por todos os céus, quando que eu ia imaginar uma coisa dessas?
— Tente não parecer muito chocado, por favor — ela disse.
Eu já estava ficando nervoso, mas, ao olhar para ela, vi que ela me encarava com um tom divertido, apesar de toda a confusão.
— Foi por isso quê...? — a pergunta não saiu toda, mas ela concordou com a cabeça mesmo assim.
— Eu exagerava — disse. — Da última vez, eu misturei uns comprimidos com um monte de bebida e acabei no hospital. Fiquei uns dias em observação e, quando eu melhorei, meu pai me mandou pra fora do país, pra uma reabilitação e, quando eu voltei, fui direto pra faculdade.
— E você ainda passou no vestibular? — perguntei. Ela deu de ombros, concordando. — Uau.
Ela riu e balançou a cabeça, em negativa. Puxei-a de volta para perto e ela afundou a cabeça na curva do meu pescoço, apenas me dando a opção de beijá-la na fonte, o que eu fiz sem nem pestanejar.
— Então, drogas, hein? — perguntei, minha cabeça ainda ecoando a mesma cantiga assombrada. — Eu nunca ia imaginar.
Ela riu e balançou a cabeça novamente. Com os lábios roçando em meu ombro, ela respondeu:
— Eu me diverti um bocado — disse — Mas aí...
— Aí você se divertiu demais — eu completei. — Queria ter te conhecido nessa época.
Ela afastou o rosto do meu ombro e me encarou com os olhos inchados cerrados, o que me fez rir e a deixou com as bochechas vermelhas de raiva.
— Você me conhece agora — ela disse.
Fiz uma careta para ela, que não gostou muito e me deu um tapa espalmado no peito — e ardeu, mas me fez gargalhar.
— Ah, mas agora você é tão chata... — murmurei.
— Ai, cala a boca, null — ela disse.
E simplesmente me beijou.


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