- Que chocolate é esse?
- Toddy.
- E o que é isso?
- Chama “abridor de latas”, conhece?
- Ah, é que é meio diferente do normal.
- Aham.
- E para que serve isso?
- Pra tacar na tua cabeça se você não calar a boca.
- Isso não serve pra tacar na minha cabeça.
- Você é burro assim mesmo ou só finge?
- Não sou burro.
- Parece.
- Já está acabando?
- Não.
- Posso te ajudar?
- Não precisa.
- Você está tão chata.
- Hm.
- Para de ser chata!
- Então fica quieto e me deixe trabalhar e DEPOIS a gente conversa sobre tudo que quiser!
- Mas o que voc...
- VACA AMARELA CAGOU NA PANELA, QUEM FALAR PRIMEIRO COME TODA A BOSTA DELA! 1,2,3 COMEÇOU!
...
...
...
- Ei, posso lamber o pote?
Eu queria apenas pensar em coisas boas. Pensar na maravilhosa tarde de ontem. Não queria me lembrar de onde estava. Não queria pensar no que fazer. Só queria pensar nele, no que ele disse e no que ele fez.
Queria pensar em como as mãos de deliberadamente se juntaram com as minhas no carro e que apesar de eu ter resistido mentalmente, acabei consentindo o afeto. Era tão estranho eu, que estava disposta a afastá-lo há apenas algumas horas, querer tanto sua companhia como quis naquele momento.
Eu não descobri para onde ele ia me levar, só tinha uma pista. explicou que por causa da chuva, o lugar não seria a mesma coisa e, por isso, cheguei à conclusão de que era um lugar aberto. Sem ter outros planos para o dia, eu o convidei para ir assistir um filme comigo. Ele fez uma cara fofa; sorriu e concordou.
Para minha alegria, tinha leite condensado em casa, então fiz brigadeiro para nós. Fiquei definitivamente espantada quando descobri que ele ficou dezessete anos sem colocar uma colherzinha de brigadeiro na boca. Embora já tivesse feito o doce anteriormente, ele exclamou que nunca havia comido nada tão bom e que meu brigadeiro tinha entrado para a lista de melhores doces dele. Bom, é claro que ele realmente me encheu o saco enquanto eu fazia o doce, mas até que eu gostava desse lado meio criancinha dele. E então, depois de finalmente pronto, passamos a tarde no meu quarto, assistindo filme com cobertores e brigadeiro. O que eu considero um programa perfeito para uma sexta-feira chuvosa.
- Jura? – Perguntou, quando peguei o DVD de “Um Amor Para Recordar”, me sentando na frente do aparelho.
- Hm... Why not? – Respondi, fazendo pouco caso, colocando o CD dentro do compartimento. – Não aguenta ver filmes de menininha? – Olhei pra ele rindo, porém fiquei confusa quando vi que ele não me acompanhou.
- Não é isso... É que... Deixa pra lá. – Disse, abaixando a cabeça. Apenas depois desse gesto que eu me toquei que o filme falava, basicamente, sobre uma garota que encontrava o amor verdadeiro, mas morria de câncer no final. Tapei a boca com as mãos, surpresa com minha falta de sensibilidade.
- OMG, quer saber, eu tenho outro filme aqui, bem mais legal. – Eu me levantei da frente do DVD, mas ele puxou meu braço para baixo, fazendo com que eu me sentasse novamente.
- , não precisa, deixa pra lá. – Repetiu. Eu levantei mesmo assim e baguncei seus cabelos, coisa que o fez me olhar de cara feia.
- De repente fiquei com vontade de assistir filme de terror. – Falei na soleira da porta, antes de descer para pegar um filme horripilante na sala. Não demorei mais que dois minutos para voltar e peguei mais uma vez babando na minha foto. Eu realmente não sei onde errei. Pigarreei ao entrar no cômodo, fazendo o garoto me lançar o mais culpado dos olhares. Mostrei a capa pra ele.
- “Espíritos”? – Perguntou, arregalando os olhos. Eu ri.
- Vai ficar com medinho? – Questionei, tirando o DVD da capa e colocando no aparelho. Ele já havia se apossado da minha cama e fez uma cara fofa quando ouviu meu comentário.
- Depende. – Finalmente respondeu, assim que sentei do lado dele na cama. Ele cutucou minha barriga. – Vou poder ficar agarradinho?
- Acho que não. – Retruquei, rindo, tirando suas mãos de cima de mim.
- Droga.
- Valeu a tentativa, . – Falei, sem olhar pra ele. Pela visão periférica eu podia ver que ele estava sorrindo para mim. Apesar de o filme não ser exatamente assustador, passamos quase o filme todo agarradinhos. E, pior de tudo, me senti péssima depois, mas na hora foi a melhor coisa que eu poderia ter feito.
Quando acabou o filme, Thay surgiu no meu quarto junto com Jade, sua melhor amiga, e ficamos os quatro conversando, até tarde da noite. Nós três estávamos totalmente babando na barriga de Thay, que não estava aparecendo muito, mas já dava para ver. Até minha mãe e And a estavam paparicando, e minha mãe, inclusive, não via a hora de programar o Chá de Bebê. A maior parte da conversa foi voltada para o nome que a criança receberia. sugeriu Mellanie, e tanto Thay como Jade disseram que era britânico demais, e eu concordei com as duas. Eu gostava de Margaret, e disse isso à minha irmã, porém Thay retrucou que no Brasil as pessoas aportuguesariam esse nome e ela não queria que chamassem sua filha de “Margaréti”.
Ao longo do restante do dia eu pude ver que nascia uma nova camaradagem entre Thay e e gostava disso. E pude ver também a amizade entre Thay e eu se reconstituindo. Acho que nós duas finalmente amadurecemos, e foi maravilhoso pensar que eu tinha minha irmã de volta. Aquela barreira que existia entre nós desde quando Thay decidiu se revoltar contra mim ruiu e era realmente ótimo saber que agora eu tinha uma amiga no quarto ao lado. Resumindo, foi uma tarde/noite bem agradável.
Minha mãe não pareceu se importar por ter ficado até tão tarde em casa. Na verdade eu tinha certeza absoluta de que ela gostava dele.
Lembro de ter dormido pensando em como o dia havia sido bom, e em como me senti bem com ele. Comecei a imaginar milhares de futuros, no qual ele sempre estava, e adorei cada cena que meu subconsciente foi capaz de desenvolver. No fim, acabei sonhando com ele sem culpas ou preocupações e não me lembro de um sono que tenha sido tão bom quanto aquele.
Porém a voz grave de me fez tirar os pensamentos agradáveis da cabeça e enfrentar a realidade.
- É verdade? Responde, ! É verdade? ficou repetindo nos últimos cinco minutos.
Ele não conseguia se conter e, para ser franca, eu não o culpava. A situação estava ruim, tive que expulsar vários olhares curiosos da cozinha e nem assim consegui fazer com que as pessoas não soubessem o que se desenrolava ali. Algumas pessoas se afastavam por educação, mas outras nem faziam questão de esconder o interesse na vida alheia. Lancei um olhar raivoso para os engraçadinhos curiosos que espionavam pela janela e eles riram da minha cara. Desistindo completamente de evacuar a cozinha, apenas me concentrei em cuidar daqueles dois. Era realmente muita coisa para se pensar em cinco minutos, mas eu consegui.
Não sabia se tentava conter os soluços de ou a ira de . Eu estava estática, no meio da cozinha, sem a menor ideia do que fazer.
- RESPONDE! – Explodiu , fazendo as poucas pessoas que ainda estavam ali se dispersarem. Então eu cheguei à conclusão de que eles não estavam prontos para ter aquela conversa. Resolvi intervir.
- , ei, se acalma, ok? – Falei, colocando minhas mãos em seu rosto, obrigando seus olhos a olharem os meus. Ele se livrou das minhas mãos com rispidez e eu acabei cambaleando um pouco para trás. Seus olhos raivosos e contrariados agora tinham a mim como alvo.
- E você? Hein? Quando ia me contar? – Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo.
- Eu não ia contar. – Respondi, com sinceridade, encarando seu olhar desaprovador. A expressão dele era assombrosa, nunca tinha visto bravo antes. Ele ia me dizer mais alguma coisa, porém o interrompeu.
- A culpa não é dela! Eu que pedi para ela não contar! , deixa a gente conversar...? – Assenti, confusa por não ter pensado naquilo antes, mas antes mesmo de eu dar um passo para me mover, os ombros de relaxaram.
- Não. Eu não quero ficar sozinho com você, . – Olhando diretamente para mim, completou: - E também não quero mais ver você. – E saiu da minha frente. Só pude ficar encarando o caminho que ele havia feito como uma idiota. tocou meus ombros.
- Vai atrás dele. Anda, , vai atrás dele! – Eu não sabia se iria me arrepender ou não, mas deixei minha amiga para trás e corri atrás de .
- Argh, negócio horrível. –Resmunguei para mim mesma depois de virar um copo de alguma bebida qualquer de uma vez.
- Talvez seja o universo dizendo para você não beber isso. – Murmurou , sentando na cadeira de plástico branca vazia ao meu lado.
- Tanto faz. – Retruquei, jogando o copinho na grama. , o Senhor Eu Não Bebo , suspirou, me desaprovando.
Devo ter procurado por horas. Olhei no sótão, no porão, nos banheiros, nos quartos, até na despensa fui caçar aquele ser humano, mas ele não estava em nenhum canto daquela casa. Quando percebi que ele não estava lá, sentei na primeira coisa que vi na frente (um banquinho de plástico, no caso) e bebi todas as coisas que me serviam, inclusive o copinho da bebida alcóolica mega ruim que um Gus morto de bêbado fez o favor de me oferecer. E eu, a idiota de primeira, aceitei. E agora queria colocar as tripas para fora.
Fiquei pensando no quanto isso parece aqueles filmes romantiquinhos. O casal briga, o cara vai embora e a garota fica sentada na grama, chateada e bêbada. Então, quando ninguém está esperando, o mocinho volta para festa, dizendo que sente muito e que não devia ter saído daquele jeito. E ai, eles se beijam loucamente, fazem juras de amor e vivem felizes para todo o sempre.
Acontece que eu não estava em um filme.
Por mais que eu não parasse de olhar para trás em busca de comprovar minhas esperanças, não voltou. Não pude deixar de me sentir chateada. Claro que, em parte, eu era uma filha da mãe desgraçada, tinha parte da culpa. Fui eu quem dei o fora nele, então não era para eu estar me sentindo assim, tão para baixo.
Mas eu estava.
Me senti muito mal por afastá-lo e tudo que eu mais queria, era ser feliz de novo, com ele. Porém senti que não podia. Ora, , que coisa mais infantil, deixar de ficar com um cara absolutamente perfeito por causa de um “pacto” que você fez três anos atrás? Isso mesmo. Parecia uma coisa infantil para todo mundo, mas para mim, não era. Ele não era só um cara perfeito, ele era o ex da minha melhor amiga e, pior, ex que terminou com ela só para ficar comigo. Por outro lado, eu estava assustada.
tinha descoberto. Ele poderia ir embora. Eu iria embora se fosse ele. Um milhão de perguntas sem respostas atravessaram minha mente. Mas eu não era ele, certo? E ele tinha criado raízes aqui, querendo ou não. Não tinha? Eu queria de todas as maneiras acreditar que sim. Mas e se ele não tivesse? Não seja boba, ele gosta mesmo de você. Mas... E se ele não gostasse? E se ele realmente fosse embora? Ainda assim, se resolvesse ficar no Brasil, para onde ele iria? Ele não tinha mais lugar para ficar. E era menor de idade ainda, não poderia morar sozinho, por mais dinheiro que tivesse. E na casa de que ele não ficaria, disso eu sabia.
Estar apaixonada por era, sem dúvida, a coisa mais conflitante que já me aconteceu. A pior parte era ficar pensando que talvez ele não gostasse de mim tanto assim. Talvez ele só gostasse de mim. Eu temia que sentisse por ele algo maior do que ele por mim. E a outra parte ainda persistia que era um relacionamento errado. Por mais que eu soubesse que Ninha não ficaria chateada de maneira nenhuma, ainda havia Kate. E eu ainda não sabia o que fazer. Ficaria com ele se me tivesse essa chance? Eu não sabia. Mas que eu gostava dele, gostava. E que eu queria dar uns beijos naquela boca dele, ah, com toda certeza eu queria.
Eu não lembro de ter me sentido tão aflita em toda minha vida.
- Você devia aproveitar mais sua festa, sabe... – Recomendou . Ele tinha razão, eu sabia disso. Aquela era a minha festa e não estava em meus planos ficar sentada e cabisbaixa sentada em um banquinho de plástico aceitando toda e qualquer bebida que me oferecessem. Deve ser legal ter o dom de ator. Ninguém nunca descobre seus verdadeiros sentimentos. Ninguém nem pergunta, já que você aparenta estar tão bem. Quer saber, levando em consideração que eu preferia estar em um filme, era exatamente aquilo que eu faria: atuaria. Faria meu próprio filme. Eu não tinha nada a perder. Levantei-me da cadeira, puxando o garoto pelo braço num átimo.
- Vamos dançar, . – Justifiquei, quando ele me olhou confuso. Coloquei um pseudo sorriso na cara e na minha cabeça coloquei a frase “Você está bem e nada de ruim está acontecendo”. Eu sabia fingir muito bem. Já havia feito aquilo várias e várias vezes. Decidi ser a parte mais legal de mim, aquela que eu raramente mostrava. Afinal, se é para fingir, que se finja direito.
Dancei com diversas pessoas diferentes, e pude perceber que muitas pessoas acabaram conhecendo a minha parte divertida. A que eu era antes de perder alguém.
Antes de Kate morrer eu costumava ser uma pessoa bastante animada, sempre topava tudo, era a que mais fazia esforço para as coisas darem certo, ia para todos os jogos, festivais e debates da escola, e para todas as festas que me convidavam. Era o tipo de pessoa que reunia os amigos em casa para assistir a jogos de futebol na televisão e tinha a irritante mania de torcer pelo time que estava perdendo, mesmo que este estivesse jogando contra o time para o qual eu realmente torcia.
Mas eu não era perfeita, não era nem de longe uma garota popular, não era reconhecida por ser uma aluna brilhante, não era seguida e admirada por ser irmã de uma das garotas mais populares da escola e também não era a garota mais bonita que já havia pisado na AHS. Porém tinha uma coisa que eu era: um imã. Eu era totalmente sociável, qualquer pessoa que estivesse num raio de 5 metros gradativamente se aproximava de mim, era inevitável. Claro, a tal pessoa geralmente abandonava nosso grupo depois que conhecia um pouco a escola, mas eu não me arrependia de nenhuma amizade que havia feito, por mais breve que tenha sido.
O acidente não mudou apenas minha vida, mudou meu jeito de ser, meu jeito de ver as coisas. Me tornou uma pessoa mais fechada, mais fria, mais insegura, menos sociável, que odiava falar em público e que odiava ser o centro das atenções. Na verdade, eu sempre odiei ser o centro das atenções, porém comecei a odiar mais ainda. Fez eu me afastar de todo mundo que conhecia e, no começo, não falava nem mesmo com .
Mesmo depois de quase dois anos do acidente, quando a dor se tornou quase suportável, eu nunca mais voltei a ser aquela . Nunca mais seria a mesma, nem que se passassem um milhão de anos. Coloquei na minha cabeça que eu nem mesmo nunca tentaria ser a antiga . E eu nunca tentei.
Até aquele momento.
As pessoas da festa, principalmente meus amigos e aqueles que me conheceram antes daquela tragédia, amaram ver a feliz de volta. E eu percebi que gostei de fazer aquele papel. Era uma personagem dócil, meiga, bem fácil de interpretar.
- Vaaaaaaaaaaaaaamux , remexe esse quadriuuul! – Rafa gritou na minha orelha, quando dançávamos um axé maneirinho que eu nem fazia ideia que existia. Eu estava encarando o nada enquanto dançava.
- Rafa, tu tá bêbada? – Perguntei retoricamente, mas ela não respondeu e, ao olhar para ela, vi minha amiga agarrada em um garoto, quase engolindo o coitado. Fiquei com a maior cara de tacho e fui procurar outra companhia. – Ei, Nat! Tudo bem? – Cumprimentei a garota morena que passava pela minha frente. Ela se virou, com um sorriso lerdo no rosto, e acenou. Por “sorriso lerdo” quis dizer que: ela também tinha bebido todas. Caramba, sou eu a única boa moça dessa festa?
- Oi, ! Eu tava querendo saber ond... – E então, suas palavras foram interrompidas quando a língua de outro ser humano (vindo do nada), começou a entrosar com a dela. Sim, eu era a única boa moça da festa. Olhei para Nat agarrada com o carinha e percebi que eu sobrei. Again. Queria arrumar um peguete também, mas para ser sincera, o cara que eu queria não estava em nenhum canto daquela casa. Acredite, eu já tinha procurado. E foi assim, de amiga em amiga, de vela em vela, que minha noite foi acontecendo. Eu não estava reclamando, na verdade foi até que divertido. Mas depois de duas velas seguidas, comecei a procurar companhias solteiras e eu pesquisava bem para saber se a pessoa estava sóbria o suficiente para não me largar no meio de uma frase e se ocupar com alguma língua. Foi assim que conheci o João. É claro que quando um garoto baixinho, de cabelos pretos e olhos castanhos parou na minha frente, eu não sabia que seu nome era João.
- Festa legal, . – Disse o até então desconhecido, como se fôssemos velhos amigos. Eu não queria ser grossa e dizer que eu não fazia ideia de quem ele era, pois eu estava fazendo meu papel de legal, e a legal jamais falaria uma coisa dessas, porém foi exatamente isso que eu disse.
- Eu não faço ideia de quem é você. – O garoto riu, e eu ri também, meio aliviada por ele ter me levado na brincadeira, ao invés de se mostrar chateado.
- Meu nome é João, prazer. Eu... sou do grupo de teatro. – Ele falou, coçando a cabeça. Ah, sim, agora estava tudo explicado. Ex-namorada de , notícias se espalhando rapidamente etc etc.
- Ah, sim. Bom, prazer, João. – Eu sorri para ele, e depois de jogar um pouco de conversa fora, fomos dançar. Conheci também vários de seus amigos que eu não fiz muita questão de lembrar os nomes, esquecendo o nome de todos assim que eles foram pronunciados. Bom, na verdade eu gravei o nome de uma tal de Flávia, mas só por que ela ficava me lançando olhares homicidas por causa da atenção que João estava me dando, embora que, na realidade, ele não estivesse demonstrando nenhum interesse em mim. Pelo contrário, eu tinha quase certeza que ele era gay. Entretanto, uns dez ou vinte minutos depois que sai da rodinha de amigos dele (aceitando confiar meu número a ele, já que parecia mesmo ser um cara legal e estava SÓBRIO!), o vi agarrado com uma morena no canto, perto da piscina. É. Ele não era gay. Como disse, eu tinha quase certeza.
Não restando outras opções, me juntei com as líderes de torcida, que eram as mais animadinhas, e fiquei dançando com elas, conversando e rindo, como se nada mais no mundo importasse.
Tinha meio que esquecido o drama emocional que estava vivendo e só me lembrei da realidade horas mais tarde, quando olhei para os lados e vi que não tinha mais ninguém no quintal que antes estava abarrotado de gente. Tinha só algumas pessoas, dançando, conversando ou ajudando a catar os copinhos que pessoas sem educação, como eu, fizeram a gentileza de jogar no chão. Gus estava entre os que ainda dançavam e quando me viu, veio em minha direção, trôpego.
- Heeeyyyyy , goxxxtou? – Perguntou, colocando o braço no meu ombro com uma força um pouco acima da necessária. Mas não fiz resistência e nem tentei tirar o braço dele; lidar com Gus bêbado e zangado não é exatamente uma das minhas atividades preferidas.
- Eu amei, Gus! Foi a melhor festa da minha vida! – Olhei para ele, completamente agradecida, querendo que ele soubesse como era legal ter um amigo tão bom quanto ele. Porém não disse nada, apenas sorri, só porque sabia que ele odiava sentimentalismos quando estava bêbado. Amanhã, a primeira coisa que faria seria agradecê-lo. Ele sorriu de volta, se abaixou e me deu o maior beijo. Na boca.
- Que bom que goxxtou! – E saiu saltitando, me deixando rindo no meio do quintal. Gus já havia me beijado outras vezes, sempre bêbado, mas embora eu tivesse ficado constrangida da primeira vez, aprendi que ele nunca se lembrava da ocasião no dia seguinte, a menos que alguém contasse pra ele. Quando se convive com Gus, frases do tipo “Você beijou sua melhor amiga na festa de ontem”, eram completamente comuns. Da primeira vez que ele fez isso, eu não sabia como reagir e receava travar toda na hora de falar. Então, escrevi o maior texto e deixei em cima da cama dele. O texto dizia que éramos apenas amigos e que não havia possibilidade nenhuma de rolar algo entre a gente, principalmente por que eu era total e completamente apaixonada por naquela época. Depois de algumas horas, quando fazia pelo menos uns 30 minutos desde que eu havia chegado em casa, ele me ligou, rindo, e perguntou o que era aquilo. E foi ai que eu me toquei que ele não fazia ideia dos seus atos e tudo ficou bem. Aquilo já era uma coisa normal, que não interferia em nada.
Decidi ir embora. A caminho da porta, estava digitando uma mensagem para quando escutei a voz de .
- Ei, deixa ele pensar, ok? – Sugeriu, adivinhando meus pensamentos. Mais uma vez, ele tinha razão. Descartei a mensagem.
- Tudo bem. – Suspirei. – Obrigada por ter ficado comigo hoje. – Agradeci. Ele balançou a cabeça.
- Foi um prazer, . – Sussurrou, pegando uma mecha do meu cabelo e colocando atrás de minha orelha. Naquele momento, entendi que ele ainda gostava de mim e não sei porque, mas me senti mal por isso.
Me despedi de todos que ainda estavam lá e saí da casa de , deixando a divertida para trás, no meio do quintal. Eu nunca havia sido tão eu mesma na minha vida, o que era um tanto contraditório já que eu estava fingindo meus sentimentos. Mas ao mesmo tempo que eu sabia que estava sendo em parte sincera, eu sabia que nunca seria aquela de novo. Ela estaria para sempre enterrada bem ali, no quintal de .
Sentindo que iria sentir falta da minha versão animada e com 1000 quilos de tijolo nos ombros, me pus a caminho de casa. Estava desconfortável andar descalça, me senti tentada a voltar e aceitar a carona de , mas eram apenas dois quarteirões. Então aguentei, caminhando na meia ponta. Eu só queria chegar logo para ir para o meu abençoado chuveiro.
Minha mãe e And estavam assistindo um filme na sala quando cheguei (Oi? Já são três horas da manhã, pessoal) e eles nem me deram atenção quando eu disse olá. Ignorei-os e fui para meu lindo santuário. Naquele momento eu só pensava em três coisas: meu quarto, meu chuveiro, minha cama. E por último, fechar os olhos e acordar só no natal. Literalmente.
A luz do meu quarto estava acesa, mas nem dei atenção a isso. Digo, para que ficar pensando nas hipóteses de quem acendeu a luz do seu quarto quando você pode ir tomar banho e desmaiar em sua boa e confortável cama? Não faz sentido. Não faz sentido mesmo. Era muito mais legal e atraente ir em direção ao banheiro me lavar e era isso mesmo que eu iria fazer, enquanto ia abrindo o zíper do vestido a caminho do banheiro.
- Eu estava mentindo quando disse que não queria mais ver você. Porque a verdade é que eu não consigo mais ficar longe de você, por mais mal-humorada que você esteja. – Disse . Ele sabe que parei de ouvir o que ele estava dizendo depois do “Eu”? Dei de ombros, tonta de sono, e parei de tirar a roupa apenas por que eu havia me esquecido de deixar as sandálias no chão e, convenhamos, é muito difícil tirar a roupa com sandálias na mão. Ele pigarreou para chamar minha atenção, mas assim que ouvi, rolei os olhos, pensando se a chatice tinha limites. Abri o closet para jogar as sandálias lá dentro e quando voltei minha atenção para as roupas, atividade em que depositei toda atenção pois o zíper tinha emperrado e estava muito complicado pensar com clareza para desemperrar aquela porcaria, pigarreou novamente, gesto que, mais uma vez, me fez rolar os olhos. “, a legal ficou na casa de ”, eu queria dizer a ele. Porém minha boca não se moveu para dizer essas palavras, então continuei falando mentalmente, enquanto travava minha batalha versus Zíper. “Agora a garota que vos fala é a mais pura essência da rancorosa de sempre, você está atrasado. Quem mandou ir embora e me largar lá, sozinha? Ainda tem a ousadia de aparecer dentro do meu quarto, as três da madrugada e querer minha atenção quando tudo que mais quero é capotar na cama? Ah, estou com sono. Volte mais tarde, bem mais tarde na verdade, provavelmente vou acordar só meio-dia... Aliás, quem é você para estar no meu quarto a essa hora? Acha que pode fazer isso só por que é o....”
- ? Mas o que...? – Fiquei desperta de repente, e confusa, tentando pensar e subir o zíper do vestido ao mesmo tempo. Ele me deu aquele sorriso fofo e me convidou para me sentar em minha própria cama, com um tapinha no espaço vazio ao lado dele. Então é isso. Meu filme não é um clichê. O cara não volta para festa, mas ele aparece no meu quarto, às três da manhã, e ainda me assiste tirando a roupa. Estranhamente comovida com o desfecho do meu filme, sorri de volta e fui até ele, me sentando. Estava com tanto sono, que até me estranhei quando não fiquei irritada nem por ele ter atrapalhado meu ritual sagrado e nem por ele ter me visto quase sem roupa, de novo. Mas para ser sincera, sua presença me revigorou e eu me senti como se tivesse acabado de dormir horas.
- Eu... – Comecei.
- Não. Não diga nada. – Ele pediu, fechando os olhos.
- Eu quero dizer.
- Mas eu não quero ouvir, não quero ouvir nada que tenha o nome dela no meio. – Gentilmente, coloquei minha mão em seu joelho.
- Eu vou te contar uma história, . A minha história. – Ele me encarou, incrédulo e tenho certeza que eu devia estar olhando incrédula para mim mesma. Por que iria revelar meu maior segredo a ele? Por que ia contar a ele que provavelmente não seria uma velhinha feliz cheia de netinhos felizes pois tinha 2 chances em 5 de... morrer? Por que ia contar a ele que minha expectativa de vida estimava os 40 anos, apenas? Por que eu ia contar isso? Eu não sabia. Só sabia que ele precisava saber.
Era justo.
POV’
Acordei, assustado e confuso. Estranhei assim que abri os olhos e examinei o ambiente. Meu quarto não é rosa. Não tenho todos esses livros. Minha cama não é tão grande. E...
- Oh shit! – Xinguei baixinho ao olhar para o lado. “Com certeza não estou no meu quarto”, pensei, ao examinar adormecida do outro lado da cama. Não sei se foi automático ou instintivo, mas por algum motivo, levantei um pouco a coberta do corpo de para ver se ela estava adequadamente vestida. Devo ter levantado um pouco demais, pois ela acordou rapidamente e abaixou a coberta.
- Tá procurando o que aqui? – Quis saber, com uma voz grossa de sono. Eu sorri, nunca havia visto ela acordar. Pode parecer meio idiota da minha parte, mas achei aquele momento muito nosso. Ela ainda me encarava com um olhar questionador e eu resolvi contar a verdade.
- Só queria saber se... bem, se nós tínhamos... ah, você sabe! – Gaguejei, completamente nervoso. Jesus, mas que tipo de homem eu sou? ficou entre a indignação e diversão.
- Você acha mesmo que eu faria sex... que eu faria com meus pais aqui do lado? – Ela arqueou as sobrancelhas. – Por Deus, ! – Apenas dei de ombros e ela riu, jogando a cabeça para trás, gesto que fez com que ela a batesse na cabeceira da cama.
- Cacete, , você tá bem? – Perguntei preocupado, indo para mais perto dela e passando a mão na parte da cabeça que ela havia batido, me certificando de que ela estava normal.
- . – Corrigiu, carrancuda, se desvencilhando das minhas mãos e me fazendo girar os olhos. É, ela estava absolutamente normal. – E eu tô ótima, , não precisa ficar preocupadinho toda vez que eu bater a droga da minha cabeça – Percebi que ela ficou zangada, e me encolhi em um canto da cama. tirou o que restava da grossa coberta e se espreguiçou ao levantar da cama. Alguém avisa essa menina que ela fica extremamente sexy fazendo isso? Ela pegou algumas roupas na gaveta e entrou no banheiro. Se a água de São Paulo começar a acabar um dia, a culpa é de , que tomava uns 3456789 milhões de banhos por dia.
Por mais zangada que ela tenha ficado, acho impossível que eu, algum dia, deixe de ficar preocupado com ela. Depois do que ela me contou durante a madrugada, eu iria ficar preocupado com qualquer dor de cabeça que ela viesse a ter.
Eu sempre soube do acidente de , mas nunca soube que havia tomado proporções tão drásticas. Eu não tinha entendido muito bem o impacto em sim, mas pelo que pude compreender, e estavam no carro indo buscar Kate no aeroporto e o carro do irmão de , que estava dirigindo, foi atingido por um caminhão, na porta traseira, onde estava. Ela estava deitada com a cabeça virada para a porta quando o caminhão a atingiu. O impacto devia tê-la matado, mas em vez disso fraturou o crânio, rachando a vértebra C1, e seu cérebro ficou cheio de sangue. Ela me disse que os médicos fizeram o melhor que puderam, mas com a fratura no crânio, tiveram que reconstruir uma diminuta parte de seu cérebro com um outro tipo de material. Ela me contou que ninguém, além de seus pais, sabia que no lugar de um pedaço de cérebro tinha agora uma pequena placa de titânio. Essa placa estava perto demais do tronco cerebral para protegê-la, e sendo assim, qualquer outro impacto a mataria.
Ela chorou demais enquanto me contava sua história e confesso que uma parte de mim queria chorar também.
Tudo que eu ainda não havia descoberto sobre ela, fez sentido naquele momento. Será que ela não era mais extrovertida por causa que a placa estava do seu lado emocional e sendo assim, distorcia as emoções que ela realmente estava sentindo? Ela disse que sim. E que era por isso que ia ao psicólogo constantemente, tudo para não desenvolver uma outra personalidade ou ficar bipolar, embora eu sempre tivesse a achado meio bipolar. Não que eu tenha dito isso a ela, claro.
A partir daquele momento, cheguei à conclusão de que não tinha como eu gostar mais ainda dela. Passei a admirá-la e perguntei pra eu mesmo o quão forte uma pessoa precisa ser para passar por todas essas coisas e não desabar. Porém, por mais corajosa que ela se mostrasse, eu sabia que o medo que ela sentia, ainda que não visível, estava lá.
E no meio dessa história toda, acho que estávamos tão exaustos que dormimos ali mesmo, na cama dela.
- Esqueci de te perguntar, mas como veio parar aqui? – Perguntou , um pouco tempo depois de ter saído do banho. Ela estava um pouco tensa, como se tivesse refletido sua vida inteira no banho. Acho que foi isso mesmo que ela fez.
- Hm... eu não tinha mais nenhum lugar pra ir e, sei lá, estava meio que com raiva de todo mundo, então eu vim procurar... Thay. Ela disse que podia ficar quanto tempo eu precisasse.
- Ah, sim... E você está pensando em ir pra um hotel ou algo do tipo? – Indagou de um jeito quase indiferente, enquanto dobrava as cobertas.
- Na verdade não. – Respondi no automático, me virando de costas para guardar as cobertas no armário.
- Que? Não, você não pode! Quer dizer, EU não posso! Você.... – Quando me virei de novo de frente pra ela, havia parado de esticar os lençóis e estava com o olhar fixado na minha cara. Largou os lençóis e passou as mãos pelos cabelos molhados, mostrando toda sua “paciência”. – Você está me deixando louca! Louca, ! Argh, eu não aguento mais isso, sabia? – Eu fiquei estático, não ousando a mover um músculo nem dizer nada. Preferi esperar ela terminar de falar. Era melhor assim. Mas tudo ficou ainda mais interessante quando vi que ela estava chorando. Arrisquei um passo pra frente, mas ela ergueu as mãos, como se aquele gesto fosse me impedir. – Não! Não fala nada! Veio atrás de Thay, certo? Ok, então vá pro quarto dela! Anda, vai! – Ela se jogou na cama, e seus ombros de balançavam de forma incontroláveis. Eu não sabia bem o que deveria fazer, mas mesmo assim dei a volta, me sentando perto de sua cabeça.
- , fica calma, olha só, eu nã...
- Não dá pra ficar calma, ! – Me interrompeu, se sentando rapidamente. – Você precisa parar de pensar em mim, precisa me esquecer!
- Eu nunca vou me esquecer de você, . Você sabe que não! – Não havia percebido, mas eu mesmo já tinha perdido o controle. E quando eu começava, não havia ninguém que pudesse fazer eu parar.
- Então, quando essa história terminar, alguém vai sair muito ferido. – Decretou ela, enxugando uma lágrima solitária em sua bochecha e ficando de pé.
- Não, , não precisa ser assim! Se você gosta de mim tanto quanto eu de você, onde está o erro? É porque você acha que vou voltar pra Inglaterra e te deixar aqui? Não! Se você me aceitar, eu não vou. Eu fico aqui, com você. – Eu senti que devia ter ficado quieto quando vi novas lágrimas surgindo.
- Eu... Não é isso, é que eu... é que você é ex da e Kate...
- Ah, , ainda presa naquele pacto idiota feito pela sua amiga morta?
- Cala a boca! – Imediatamente me toquei do que tinha falado, mas estava muito zangado para me arrepender.
- Você tem noção do quanto isso é ridículo? Isso é ridículo! – Falei, querendo gritar.
- Não é ridículo! Você não sabe do que está falando!
- Eu sei muito bem do que estou falando. Estou falando que Kate não está mais aqui e você não precisa machucar terceiros com esse pacto idiota.
- Machucar terceiros? Olha só, eu não mandei ninguém se apaixonar por mim! Eu deixei meu desinteresse por você bem claro desde o início! – O que ela estava falando era bem verdade. Além disso, ninguém tinha culpa, porém eu estava com os nervos à flor da pele para pensar com clareza.
- Está me culpando por estar apaixonado?
- Está mesmo apaixonado?
- É! Eu estou!
- Droga, eu também estou! – Ela nunca havia dito aquilo em voz alta.
- Você está? – Perguntei, mais baixo e com mais calma. Ela não cooperou porém, abaixando minhas mãos antes que elas pudessem chegar ao seu rosto.
- Mas isso não vai dar certo, é uma promessa que não tem volta.
- Você está se ouvindo? Isso não é mais normal, você precisa se desprender disso!
- Me desprender? Acho que você não faz ideia do que é perder alguém!
- Cala a boca! Acha que eu não sei como é perder alguém?
- Não, você não sabe! Se soubesse mesmo, também iria saber que é impossível se desprender de uma promessa assim.
- Minha mãe morreu, tá lembrada? De câncer. Ela estava morrendo a cada segundo que passava comigo. E pode não parecer, mas isso dói em mim todos os dias. Todos os dias. Dói!
- EM MIM DÓI TAMBÉM, SEU IDIOTA! É UMA DOR INSUPORTÁVEL! ACORDAR COM A VOZ DE ALGUÉM QUE VOCÊ SABE QUE NÃO ESTÁ MAIS COM VOCÊ, DÓI! – Fiquei assustado quando começou a gritar. Isso foi um indício de que a coisa já tinha ido longe demais. Eu ia dizer algo para acalmá-la, mas ela continuou. – Eu pareço ser durona, mas ainda não superei. Você não faz ideia da falta que eu sinto dela. Você não faz. Só acordar e saber que não vou ler seus sms chatos nunca mais, dói. Sempre doeu. – Ela se afastou de mim, com os olhos inchados e vermelhos e foi ai que o arrependimento chegou e me senti estranhamente culpado por ter deixado ela naquele estado. Luto. Ela ainda estava de luto, e eu não deveria estar exigindo que esquecesse Kate e ficasse comigo. Isso era puro egoísmo da minha parte. Meu papel nessa história toda era apoiá-la, e não pressionar a garota do jeito que eu estava fazendo. Descobri que ela realmente gostava de mim, ela mesma disse isso, só não achava certo nossa relação. Isso me deu esperanças e por esse motivo, resolvi que a esperaria. Eu esperaria o tempo que ela precisasse. Respirei fundo, e me aproximei de .
- Desculpe, . Não devíamos ter brigado, foi culpa minha, desculpe.– Murmurei, acariciando o rosto dela. me olhou com aqueles olhos redondos e verdes-azulados.
- É meio difícil resistir quando você fica fofo desse jeito. – Ela murmurou de volta. estava séria, mas seu comentário me fez sorrir. Cheguei mais perto de seu rosto.
- Então eu devo... me aproveitar dessa fraqueza?
- Hm, você pode... você pode tentar... – Suspirou, depois que beijei seu pescoço. Me afastei, olhando em seus olhos.
- E será que se eu segurar aqui... funciona melhor? – Sugeri, segurando sua nuca.
- Pode dar certo... – Ela sussurrou, colocando as mãos nos meus ombros.
- E, talvez eu deva fazer isso? – Perguntei, puxando sua cintura.
- É, talvez. – Ela respondeu. E sorriu.
Nossos lábios estavam perto demais para nos separarmos naquele momento. Nossos corpos estavam juntos demais para se controlarem. Estávamos apaixonados demais para sermos parados pela culpa. E estávamos solteiros demais para sermos impedidos pela fidelidade.
E foi ali, no meio do quarto rosa dela, com suas bochechas ainda molhadas e frias de lágrimas, que meus lábios tocaram os dela pela primeira vez.
Não foi um beijo de cinema, não foi o melhor beijo que já dei na vida, mas foi especial, e único, a sua maneira, e acho que foi isso que o fez ser o beijo mais perfeito de todos.
quebrou o beijo com uma expressão confusa, e tudo que ouvi antes de ela se virar e se trancar no banheiro foi:
- Saia do meu quarto.
Não restou outra alternativa a não ser obedecer.
- Eu chamo isso de TPM. Não se preocupe, vai passar. – Despejou Thay do meu lado, enquanto descíamos as escadas juntos, rumo a cozinha.
- Uau, você ouviu tudo?
- Meio difícil não ouvir, paredes finas. – Justifiquei ela, piscando e rindo. Acho que minha cara ficou roxa. – Mas vamos esquecer esse drama. Tá com fome? – Perguntou, indo pegar o pão de forma no armário.
- Não... Você não acha que ela foi um pouco grossa demais pra ser só uma TPM? – Thay arqueou as sobrancelhas, colocando o presunto e o queijo no pão.
- É normal, ... E tem certeza que não está com fome? Ah, ótimo, sobra mais pra mim... E esses desejos de grávida? Oh my God, eu juro que não é mentira! Acordei de madrugada com a maior vontade de comer couve, não é estranho? – Questionou, como se eu realmente fosse responder.
- É, é, bem estranho... Mas eu não diria que é normal, quer dizer, ela me deixou beijá-la e depois me expulsou? Como isso? – Perguntei retoricamente, apoiando os cotovelos na bancada da cozinha.
- É normal, mano. Parece que tá na terceira série. E eu preciso mesmo parar de comer. Estou imensa, não? Argh.
- É, sim, tá mesmo. Mas, Thay, e se eu nunca mais conseguir beijar ela de novo? Tem certeza que é normal?
- Chega! Caralho, , confie em mim, ela vai te procurar quando estiver pronta.
- Você acha? – Perguntei, inseguro. Thay sorriu.
- Eu tenho certeza. – E foi pegar seu lanche na frigideira.
- Thay? Eu tô com fome. – Ela rolou os olhos pra mim, indo fazer outro lanche. – E como uma futura mãe, você não devia falar palavrão. – Eu só pude rir quando ela me mostrou o dedo do meio.
POV’
Assim que bateu o último sinal, fui em direção a saída, sem me incomodar em ficar para a reunião de formatura.
Achei estranho que não tivesse vindo pedir uma satisfação pelo fato de eu ter expulsado ele do meu quarto depois do melhor beijo da minha vida, mas acho que ele estava me dando espaço, como ele sempre fazia.
Eu não estava arrependida de ter beijado . De verdade, eu não estava. “Mas, menina, você expulsou o coitado do seu quarto! Como não se arrependeu?” Resposta: Eu estava arrependida pelo pensamento de querer continuar beijando, todos os dias, todas as horas e de todos os modos. Isso me trazia culpa, mas pensei que se eu talvez fosse falar com ele, a culpa diminuísse um pouco. Pensando bem, eu passei as últimas 27 horas ensaiando maneiras de ir falar com ele. Nenhuma era muito legal, para ser sincera. Acho que eu iria ter que improvisar.
Em outros tempos eu teria planos de passar reto quando o vi na fila de cookies, mas não foi isso que fiz. Fui diretamente até onde ele estava, quase sorrindo, pois sabia que ele estava lá por minha causa. Cheguei ao seu lado e parei, de um modo estranhamente casual, como quem não quer nada. Uau, quando foi que virei essa garota cheia de atitudes? Impressionante.
- Acho que você me beijou. – Comentei, cutucando sua cintura. Direta assim, ? Jesus, eu era péssima nisso. Ele sorriu e cruzou os braços, fazendo a pose de cafajeste que eu estava aprendendo a gostar.
- Acho que foi você quem me beijou, eu só correspondi. –Retrucou. Ótimo, ele tinha entrado no jogo. Eu podia ser ruim, mas também sabia jogar.
- Não, eu tenho certeza que fui eu quem correspondi. – Ele arqueou as sobrancelhas.
- Odeio mesmo te dar essa notícia, mas foi você quem me beijou.
- Não, não, você está equivocado, foi você quem me... – E minha boca foi calada pelos seus lábios. Com um beijo de língua. Ali, no meio da fila de cookies. Não durou mais que dois segundos e eu fiquei estática quando abri os olhos novamente, completamente muda. Dois beijos que não deveriam ter acontecido, mas que mesmo assim, eu ansiava repetir.
- Agora fui eu. – Falou, piscando, e apertou minha cintura ao se afastar. Ótimo, ao invés de resolver o problema, eu havia criado outro. Demais, , realmente...brilhante. Olhei pra trás a tempo de ver andando com . Fiquei um pouco em choque quando passou pela minha cabeça que poderia ter visto, mas eu não sei dizer se isso realmente aconteceu. Era difícil interpretar sua expressão. Observei os dois até saírem do prédio e quando virei para frente de novo, tinha uma garota me encarando com a maior cara meio choque, meio nojo.
- Perdeu alguma coisa aqui? – Questionei apontando pra minha cara, dando a volta e indo para a saída, desistindo completamente dos meus cookies.
Àquela altura do campeonato, achava que mais nada nesse mundo era capaz de me surpreender.
Mas me surpreendi.
Ele estava lá, encostado em seu carro, como se vier me buscar na escola quando eu já estava no 3º ano do Ensino Médio fosse adiantar alguma coisa no seu caso de paternidade negligente. Esse, era alguém que eu ia passar reto de qualquer jeito.
- Oi, . – Eu escutei ele falando, e não sei por que, mas acabei percebendo que era a primeira vez em oito anos que ele ia me procurar. Achei que seria prudente eu ficar e pelo menos ouvir o que ele tinha a dizer. Me virei, voltando para onde ele estava.
Porém não foi isso que aconteceu. Ao invés de eu ser uma boa garota, comecei a vomitar tudo que eu ainda não havia dito. Tudo que estava preso em mim.
- “Oi, ”? É só isso que você tem pra me dizer depois de OITO DROGAS DE ANOS? Você quer saber quantas horas eu chorei achando que você tinha MORRIDO? Saber que você não iria nunca mais tomar sorvete comigo depois da nossa caminhada matinal, que nunca iria me ensinar a dirigir, que eu nunca mais ia ter alguém pra presentear no Dia Dos Pais, que você nunca mais iria apagar meu abajur no meio da noite para me assustar, saber que eu não teria quem chamar caso eu visse um bicho estranho, e que por mais que eu ficasse rouca de tanto gritar seu nome você nunca mais ouviria, por que você estava m-morto... – Suspirei, enfurecida. Ele deu um passo.
- ...
- Eu NÃO acabei!!! Agora você quer saber quantos anos eu odiei você por ter me abandonado? Minha mãe tá lá, feliz e casada, não se preocupe com ela. MAS E EU? E a MINHA felicidade? Você não podia sair comigo nos finais de semana? Talvez nos feriados? Ou me buscar no colégio? Ou se tudo isso é demais pra você, não poderia fazer pelo menos UMA ligação? Isso dói. Eu era uma criança, mas teria entendido. Você é um covarde. – E ele ficou lá, me olhando com aqueles olhos verdes azulados marejados tão iguais aos meus.
- Olha, me desculpe. Eu nunca vou poder remediar o que eu fiz, eu sei. Mas, se você soubesse o quão difícil foi pra mim quando eu descobri...
- Descobriu o que? – Perguntei, levemente curiosa, quando ele deixou uma reticencias no fim da frase. Ele desviou o olhar do chão e olhou pra minha cara. Parecia indignado.
- Ela... não te contou? – Me questionou. Fiquei completamente confusa.
- Ela quem me contou o que?
- Sua mãe... ela não te contou nada? – Eu balancei a cabeça, negando. – , você não sabe de nada? Ela não te deu nem uma mínima explicação? – Ele foi chegando mais perto de mim, e segurou meus ombros, seus olhos mostravam todo choque que ele sentia. – Quer dizer então que você guarda esse rancor todo de mim sem saber da verdade?
- Não sei do que está falando. – Sussurrei, mais confusa. Que verdade é essa e porque eu não sabia dela? Que outra bomba iriam disparar em mim agora? Ele soltou meus ombros e suspirou. Sua expressão era de um louco, os olhos estavam dilatados e eu nunca havia visto ele tão bravo. Ele olhou pro céu.
- Fácil, não, Clara? Fazer eu ser o vilão da história.... Engenhoso na verdade... Meus parabéns. – Ele começou a falar com minha mãe, embora ela não estivesse lá. Voltou seu olhar para mim e sorriu. Um sorriso falso. – Ela sempre foi muito boa em mentir... uma ótima mentirosa. Ela conseguiu mentir pra mim por nove anos, sabia? Acho que ela mentiu pra você também. Ótima mentirosa...
- Não fale assim da minha mãe! – Falei, zangada. Quem ele achava que era?
- Eu realmente não queria te dar essa notícia, , mas se ela não falou, quem vai falar sou eu. – Ele me encarou e se interrompeu de repente, provavelmente se perguntando se era correto fazer isso.
- Anda, fala logo. – Pela primeira vez desde o fatídico reencontro, ele me olhou com compaixão. Ainda demorou alguns segundos para dizer as palavras que eu sabia, mesmo que fizesse tratamento de choque, mesmo que sofresse uma amnésia, eu nunca iria esquecer.
- Eu não sou seu pai.
Naquele momento, tudo que eu sabia sobre a vida ruiu.
Encarei aquele homem, me perguntando que tipo de pessoa doentia usava uma desculpa dessas para se safar, mas eu sabia que ele estava falando a verdade. Por que fazia todo o sentido. Isso não explicava o abandono dele, eu não tinha culpa de nada, mas fazia sentido.
Tudo o que me diziam sobre vida que eu tinha vivido, sumiu.
Durante toda minha pouca vida, eu só vi tragédias. Minha vida era formada por tragédias. Uma tragédia atrás da outra. Quando eu me recuperava de uma tragédia, chegava outra. Ás vezes uma tragédia vinha com brindes. Mas eram sempre tragédias. Nada menos que tragédias.
Me recuperei a tempo de aparar uma lágrima que quase saiu do meu olho.
- Mas se você não é meu pai, quem é? – Perguntei. Em seu olhar havia um desafio. Um tipo de olhar que perguntava “Não consegue pensar em ninguém?”.
Claro que eu conseguia. No meu íntimo eu sabia a resposta. Eu sabia quem era. Na verdade, eu já suspeitei algumas vezes. Ser parecida com a filha dele? Ter os olhos iguais ao de sua mãe? Ser tratada de um jeito que padrastos normais jamais tratariam as enteadas?
Ora, é claro que eu devia ter percebido isso antes.
- And. – Respondi, antes dele. Ele apenas assentiu com a cabeça, sério.
E eu apenas queria sair dali e viver uma vida onde as injustiças e tragédias jamais me alcançassem.
POV’
Gritos.
Era apenas isso que eu estava ouvindo por cima da batida alta das músicas do Aerosmith nos últimos quinze minutos. E não eram gritos normais. Eram gritos ensurdecedores, de estourar os tímpanos, impossíveis de ignorar.
Eu não queria me intrometer no que parecia ser uma discussão de família, mas eu precisava ir ouvir do que se tratava. Não seria necessário sair do quarto para escutar pelo menos, pois como Thay enfatizara ainda ontem, as paredes eram finas.
Teoricamente falando, eu estava escutando músicas e conversas alheias por teimosia, por que neste momento deveria estar resolvendo a dor de cabeça que se encontrava na página aberta do meu notebook. Uma dor de cabeça também conhecida como AIL intercâmbios.
De acordo com o programa, eu não tinha o direito de mudar de casa quando quisesse, então ou eu voltava para casa de , ou eu me mudava para outro residencial.
Mas eu queria ficar com . Acho que ela precisava de mim. Falei isso para Clara e ela me aceitou, dizendo que eu podia ficar pra sempre, se eu quisesse. Eu ri e agradeci e então mandei um email super educado para a AIL falando que não ia sair de onde estava e quais os procedimentos necessários para colocar a família de no programa. Recebi uma resposta afirmativa dizendo que era possível permanecer sim, e era meio complicado, mas And e Clara estavam me ajudando.
Até que uma enfurecida entrou na sala gritando a plenos pulmões e minha educação mandou eu subir para o quarto que me tinham reservado e ficar calado.
- Como vocês puderam esconder isso de mim por tanto tempo? Como vocês puderam sequer pensar em me deixar crescer com raiva de um homem e ainda deixarem eu achar que ele é meu pai e que ele me abandonou, sendo que meu pai biológico está bem na minha frente e nunca me disse nada disso? E, por Deus, eu tenho uma irmã? Você é mãe de Thay também? Jesus, não é de se admirar que ele tenha ido embora. – Escutei ela suspirando. – Eu também teria ido. – Completou, baixinho e subindo as escadas logo em seguida.
Mas o que foi aquilo que acabei de ouvir? Isso não era apenas uma briga familiar, parecia ser algo muito mais sério. Escutar assim e não poder fazer nada era, sem dúvida, frustrante.
Parte de mim queria bater na porta do quarto dela agora mesmo e te dar um apoio moral, um ombro para chorar. Mas a outra parte falava “Não, fica na sua, dá um espaço pra garota.” Obedeci a segunda parte, mas uma terceira parte ficou absolutamente chocada quando a porta do meu quarto abriu e passou por ela.
- Posso entrar? – Havia tantos momentos para eu me sentir envergonhado e culpado por tê-la beijado na escola, tinha que ser agora? Senti meu rosto esquentando e assenti com a cabeça.
- Claro que pode.
Olhei para baixo e esperei que ela escolhesse a parte da cama mais longe possível de mim ou que se sentasse no chão. Para minha surpresa, porém, veio exatamente até onde eu estava, passando seus braços pelos meus ombros, literalmente desmoronando em cima de mim. Ela estava chorando. Surpreso, mas feliz (por pior que fosse a circunstância), aconcheguei seu corpo perto do meu e passei as mãos pelos seus cabelos. Queria transmitir calma.
- Ele não é meu pai, . O homem que eu passei metade da vida odiando não é meu pai. E o meu pai é And. E Thay é minha irmã. Minha irmã de sangue. Quer dizer, isso estava assim tão óbvio?
Eu sinceramente não sabia o que lhe dizer, e senti que ela não queria que eu arrumasse uma solução. Ela só queria ser consolada. E o melhor consolo que eu poderia oferecer, era ficar em silêncio. murmurou mais algumas coisas e depois de um tempo, parou. Até que vi que ela tinha adormecido ali mesmo, no meu ombro. Pus ela deitada em minha cama da melhor maneira que pude, tomando cuidado para não acordá-la, e sorri, fechando a porta do quarto ao sair. Meu plano era pegar um copo de água e subir para o quarto novamente. Não queria deixar sozinha, especialmente por que ela estava em minha cama.
- . – Escutei a voz de Thay antes de descer a escada. Virei-me e a vi parada na porta de seu quarto com uma expressão de choque no rosto. Percebi que ela também tinha escutado a briga. Ótimo, mais uma para consolar. Não que eu me importasse, eu gostava de Thay.
Mas ao chegar perto dela, constatei que ela não precisava ser consolada. Ao contrário da irmã, ainda tentava achar uma forma de justificar por que sempre havia perguntado por sua mãe a And e ele sempre desconversava. E a mãe dela sempre estivera bem ali.
Entrei em seu quarto e me sentei ao lado dela na cama.
- Sabe quem eu acho que sabe de tudo? – Perguntou-me. Uma ideia repentina veio na minha cabeça.
- Vó Mags! – Ela sorriu.
- Exato. Aposto que ela esteve acobertando os dois o tempo todo. Meu pai me conta que minha mãe viajou para a Alemanha, onde ele morava na época, e ficou grávida de mim. E então, esperou eu nascer e dois meses depois voltou para o Brasil. Eu nunca havia suspeitado de Clara. E nem sei se um dia vou conseguir chamar ela de mãe. – Ela suspirou, triste. – E agora eu mesma serei mãe e estou tão confusa. Eu já tive três peixes na minha vida e nenhum deles viveu mais que uma semana. Como vou manter uma criança viva? Pior, uma criança viva que não fique com raiva de mim? – Ela estava desesperada e eu pude ver que a briga a tinha afetado sim, mas de maneira diferente. Não havia descoberto qual seu medo, mas sabia que tinha um.
Ela achava que não seria boa o suficiente. Achava que seria uma mãe horrível.
- Thay, você vai ser uma mãe maravilhosa. Eu tenho certeza que essa criança ai dentro – cutuquei a barriga dela – já te ama mais que você imagina.
Thay sorriu. Olhou para própria barriga e a acariciou.
- Seu pai é um babaca. Um tremendo idiota. Mas eu amo você também, bebê. Vamos arrumar um pai melhor pra você e eu nunca vou esconder nada, eu prometo. – Ela riu, mas por trás do humor em suas palavras, eu sabia que a promessa era real. Finalmente entendi o motivo da preocupação dela. Seu filho provavelmente seria criado por outro homem. Joe não quis aceitar a criança. De que maneira Thay poderia dizer que Joe era seu pai biológico sem que Joe negasse?
Ela precisou amadurecer muito depressa por conta da gravidez. Essa Thay não era a mesma Thay do começo do ano, quando a conheci. Ela tinha se transformado em outra pessoa. E foi uma mudança para melhor.
Passei mais uns quarenta minutos no quarto de Thay conversando com ela e fiquei surpreso quando percebi que tinha me apegado a garota. Eu sentia que devia protegê-la, como se ela fosse minha irmã mais nova. Bastou uma hora dentro daquele quarto lilás para eu perceber que Thay havia se tornado parte da minha família, do meu mundo, e que me importava demais com ela. O suficiente para querer conhecer seu filho, o suficiente para que ela fale sobre mim para ele e o suficiente para eu desejar ser o tio .
Depois que convenci Thay de que estava realmente com sede, sai de seu quarto e rumei para cozinha, o que era meu plano inicial. Dei de cara com Clara chorando na mesa e imediatamente me senti um invasor. Acho que era suposto eu dizer algo a ela. Bebi meu copo de água em silêncio, e preparei um outro copo com bastante gelo antes de colocar na mesa em frente à Clara e sentar-me ao lado dela. Ela sorriu constrangida, e eu pude ver a semelhança dela com a filha mais velha.
- Olha... – Comecei, sem saber ao certo o que devia dizer. – Se você quiser, eu posso sair, eu... Eu tenho outras opções e...
- Não, ! – Ela me interrompeu, praticamente gritando. – Não pode sair daqui. Quer dizer, se não quiser, não saia. Por favor. – Acrescentou, com os olhos suplicantes.
- Bom, eu não quero ser indelicado com sua família nesse momento e....
- É justamente por causa desse momento que acho que precisa ficar. – Ela olhou para o chão e depois para meus olhos. E sorriu. – Você faz bem a ela. A . Ela estava terrível antes de conhecer você, sabe. Ela não falava comigo, e ela vivia rabugenta. Qualquer coisa irritava ela. Pedia para me contar qual o problema, mas ela não falava comigo. E não saia... tinha que praticamente arrastá-la de casa. Mas minha menina voltou a sorrir, . Ela está de volta, não tão feliz quanto eu gostaria, mas bem melhor que antes. E tudo por sua causa.
Eu a encarei, estupefato. Não sabia que fazia tão bem assim a ela. Fiquei feliz de ouvir isso, e de saber que a mãe dela me considerava necessário. Isso era importante pra mim.
- Como... Como ela está? – Perguntou-me depois de alguns minutos. Suspirei.
- Bom, ela está dormindo... Mas eu sei que ela vai ficar bem. Eu prometo que farei ela ficar bem. – Disse a ela. Clara me deu um sorriso orgulhoso e eu vi uma lágrima escorrer de sua face.
- Eu sei que fará isso. Sabe, no primeiro dia que você veio aqui eu percebi que havia algo de diferente em você. Tudo se comprovou quando você voltou aqui no dia do aniversário de Kate, por livre e espontânea vontade só pra ver como ela estava. Você é uma boa pessoa, . Aposto que sua mãe estaria orgulhosa de você. – Ela sorriu carinhosa e eu me levantei da mesa, esperando que ela tivesse razão. Queria mesmo que minha mãe estivesse orgulhosa de mim agora.
- Oh... Obrigado, acho. – Falei, coçando a nuca, obviamente envergonhado. Ela riu do meu embaraçamento.
- Eu acho que preciso terminar sua carta. Quer fazer isso agora? – Eu queria, mas sinceramente achava que ela precisava descansar. Faria isso mais tarde.
- Hm... Gostaria de terminar mais tarde, se estiver tudo bem pra você.
- Tudo bem, . – Ela sorriu e eu começava a ver cada vez mais no quanto as duas eram iguais. Sorri de volta e peguei uma garrafa de água na geladeira para , pensando que talvez ela estivesse com sede quando acordasse.
Mas quando cheguei perto do meu quarto, ouvi vozes. Demorei dez segundos para identificar as vozes de And e sussurrando.
- Isso não explica o porquê de vocês terem escondido isso.
- Eu sei, , mas é muito mais complexo do que você imagina e o s....
- Hm, quer dizer então que se meu pa... Digo, que se o cara que eu achei que fosse meu pai não tivesse descoberto, minha mãe ainda seria casada com ele e eu nunca ia saber de nada disso?
And pareceu hesitar.
- Não, . O casamento já estava acabando de qualquer maneira. E tá...
- Ah, e claro, carrego o sobrenome de um cara que nem meu pai é, já falei sobre isso? – Gritou.
- Nós podemos mudar isso, você sabe que si...
- Oh, esqueci de mencionar que minha mãe, não satisfeita de trair uma vez, traiu uma segunda vez, e ainda teve duas filhas escondidas?
grunhiu e pude ouvir And suspirar.
- Ok, . Você venceu. Mas olha, a ideia de não contar foi minha e não da sua mãe. Se quer ter raiva de alguém, tenha raiva de mim. Ela te ama e não quer que você fique contra ela. Por favor, . Espero sinceramente que um dia você possa entender o que nos levou a isso. Que possa entender e, principalmente, que possa me perdoar.
Ouvi And se levantando e fui rápido até a escada, para dar a impressão de que eu estava subindo e não ouvindo a conversa deles pela porta.
- Opa. – Disse And quando trombei com ele, sem querer, indo em direção ao meu quarto. Dei um sorriso à guisa de um cumprimento. Ele se afastou apertando meu ombro em um gesto de consolação e eu vi acordada na ponta da minha cama, mexendo distraidamente em uma mecha de cabelo vermelho.
- ? – Chamei. Ela deu um pulinho e se virou para me olhar. Dei um sorriso. – Trouxe água.
Ela me encarou, sem sorrir, mas ergueu o braço para pegar a garrafa em minha mão. Joguei a garrafa, ela deu um gole e a colocou em cima da cômoda.
- Obrigada. E desculpa. Não acredito que eu dormi.
- Tudo bem, . – Ela se levantou. Achei que ia em direção ao seu quarto, mas se esticou para me dar um beijo na bochecha. Eu a encarei, surpreso, e esperei que ela se afastasse. Mas ela me surpreendeu de novo. Ela se aproximou mais. Muito mais. Ela estava desesperadoramente perto. Nossos lábios estavam a milímetros de distância e não sabia o que ela queria que eu fizesse.
- Só... não se mexa. – Sussurrou, lendo meus pensamentos. Não me mexi.
Levemente, tão levemente que eu quase nem percebi, ela beijou meus lábios. Mas que diabos...? Ela separou um pouco seus lábios, e me beijou mais forte. Seus braços, que jaziam parados dos dois lados de seu corpo, pareciam saber exatamente o que fazer. Um deles foi parar na minha nuca e o outro, em meu ombro. Sua mão esquerda repousava em cima da bochecha que ela tinha beijado.
Minha vontade era de segurar sua cintura, trazê-la para mais perto de mim e explorar cada centímetro de seu corpo. Mas não fiz isso. Permaneci parado.
Lentamente, ela se afastou, me encarando. Normalmente ela não faria contato visual, mas me surpreendeu novamente quando não desviou seus olhos dos meus.
- Obrigada. – Sussurrou. Pelo que ela estava agradecendo, exatamente?
- O que... foi isso? – Perguntei lentamente. Ela olhou pra baixo, e segurou minha mão. Eu gostei de segurá-la, mas estava completamente confuso e irritado por não saber o que significava aquilo. Ela fitou nossas mãos unidas por um momento e sorriu.
- Eu estive pensando muito, sabe, em nós.
- Hmm, o que tem nós? – Perguntei ainda confuso, com medo do que ela ia dizer.
- Eu acho que nó...
- , eu disse que esperaria, e eu falei sério. Eu juro que espero, não quero que você faça nada que não queira. – Interrompi. revirou os olhos, soltando minha mão.
- Mas você é muito burro. Deus, deixa eu terminar de falar. – Oi? Ok, esse era o momento mais esquisito da minha vida.
- Desculpe. Termine de falar. – Ela sorriu de novo. Uau, dois sorrisos em menos de cinco minutos, isso sim era um progresso.
- Como estava dizendo antes de ser rudemente interrompida, eu acho que nós somos... completamente diferentes. – Ela concluiu, sem concluir nada.
- O que eu supostamente devo fazer com essa informação? – riu. Eu nunca tinha ouvido ela rir desse jeito, tão natural, e me peguei desejando ouvir esse som mais vezes.
- Por sermos diferentes, , acho que... droga, eu não consigo dizer isso, mas... Urgh, não me faça repetir. – Pediu, fazendo uma carranca e fechando os olhos. –Acho que nós nos... completamos. –Terminou baixinho, fazendo uma cara emburrada. Eu ri.
- Nós o que? Desculpa, não ouvi direito. – Mentira, eu ouvi da primeira vez, mas queria ouvir novamente. Era tão fofo quando ela ficava envergonhada. enrubesceu.
- Eu não vou repetir.
- Por favor? – revirou os olhos, fitando qualquer coisa no quarto, menos meus olhos.
- Eu disse que a gente se... completa, de alguma forma. – Eu ia fazer outra piadinha, mas pelo olhar mortal dela deduzi que não era a ideia mais sensata do mundo.
- Então está dizendo que... Quer ficar comigo? – Perguntei hesitante. Ela sorriu.
- Sim.
- Não quer mais esperar?
- Não.
- E você vai ficar comigo?
- Foi o que eu disse.
- O que te fez chegar a essa mudança de opinião tão rápida? –Aliás, há apenas algumas horas atrás, aquele “pacto” encabeçava a lista dos “Motivos Para Não Namorar ”.
- Meus pais. – Respondeu. Olhei para ela com o que devia ser minha melhor cara de interrogação e ela suspirou, olhando para baixo e indo se sentar em minha cama novamente. – Quer dizer, olha só como eles acabaram.
- Desculpa, não entendi. – Ela voltou aqueles olhos incomuns em minha direção.
- Meus pais eram namorados na adolescência. Chegaram a ficar noivos, na verdade. Um dia, eles roubaram o gabarito da prova de português na sala dos professores e uma garota, que odiava minha mãe e queria a todo custo ficar com And, pegou os dois no flagra. Minha mãe não a viu, por isso achou que estava tudo bem. Mas não estava. No dia seguinte, quando minha mãe não estava com And, a garota ameaçou minha mãe, dizendo para ela se separar de And ou então ela denunciava. Minha mãe não levou a ameaça a sério e no outro dia, a garota os denunciou. Meus avós proibiram minha mãe de ver And achando que era tudo culpa dele. Parece idiota agora, mas invadir a sala de um professor naquela época era realmente horrível.
“Vó Mags fez ele se mudar para a Alemanha, onde ela morava na época, logo depois porque meu avô estava doente. Eles ficaram separados por anos, mas conseguiram fazer contato por e-mail e isso se repetiu por um tempo. Por isso minha mãe se casou com meu falso pai, para fingir pros meus avós que já estava super superado. Foi uma atitude burra, sim, concordo. Depois ela viajou para a Alemanha dizendo que era uma viajem de negócios e acabou engravidando de mim. Depois de um ano e meio resolveu voltar para a Alemanha, mas acabou engravidando de Thay e precisou ficar lá por mais um ano. Não era de todo uma mentira, ela realmente estava trabalhando lá. Meu pai nunca suspeitou de nada, até o dia que achou um e-mail de And pedindo fotos minhas e enviando fotos de Thay. Meu pa... quer dizer, o cara que achei que fosse meu pai enlouqueceu e foi embora. Meus pais, os verdadeiros, perceberam o quão idiota era o que fizeram e resolveram que precisavam ficar juntos. And deixou Thay com Vó Mags enquanto, sei lá, reaprendiam a serem namorados, enquanto And me conhecia e eu o achava o cara mais incrível da face da Terra. Até que finalmente se casaram. Prometeram que iria ser tudo como parecia que fosse e que só iriam contar toda a verdade em seu devido tempo. O ódio que eu sentia obviamente estragou parte do plano. Ainda estou chateada com os dois por terem feito isso, mas agora vejo que eles realmente se amam, e que embora eu saiba que não teria feito a mesma coisa, não posso julgá-los. – Terminou. Uau. Que história mais triste.
Eu não questiono ela por querer algo comigo, não me importo. Na verdade, estou muito feliz. Mas ainda não havia entendido o que aquela história tinha a ver com a decisão dela.
- É uma história bonita. Triste, mas bonita. Por que deu tudo certo no final. – Comento, fazendo ela sorrir. – Mas o que isso tem a ver com a gente? Ou com sua mudança de decisão? – Perguntei confuso. Ela suspirou.
- Eles fizeram a maior confusão para ficarem juntos, quando o que deveria ser feito era apenas ficarem juntos, sem confusão. Eu não... eu não quero isso para mim. Sei que quero ficar com você, então pra que esperar se eu sei que vou ficar com você de qualquer forma? Há meia hora atrás eu não sabia o que fazer, mas assim que And deu um ponto final nessa história que acabei de te contar, eu percebi que.... Que eu te quero, . Eu te quero pra mim. – Ela se assustou com suas palavras mais que eu. Primeiro por ter dito as palavras que eu tanto queria ouvir, segundo por ter me chamado pelo meu primeiro nome. Franziu as sobrancelhas em sinal de confusão, mas não pareceu arrependida. Parecia confusa, mas não arrependida. – Eu nunca disse isso em voz alta. Nem pra mim mesma. Mas eu disse a coisa certa. Eu não quero mais esperar. – Eu não sabia como minha cara ainda não tinha rasgado, tamanho o meu sorriso. deu um sorrisinho fofo também, mas logo esse sorriso se tornou sarcástico, como todos os outros. Epa.
- Oh, droga. Perdi alguma coisa? – Ela riu.
- Não. Mas tenho regras.
- Tipo...? – Ela se levantou da minha cama e começou a andar pelo quarto, em círculos.
- Tipo... Você vai ter que me conquistar. – Finalmente falou, mordendo os lábios. Arregalei os olhos e comecei a rir.
- O fato de você ter se apaixonado por mim não é prova o bastante de que eu já te conquistei? – Perguntei debochado. Ela perdeu a cor, e eu sorri torto, me levantando da cama. Adorava quando o impertinente tomava conta de mim.
- Sim, mas eu queria algo mais sólido. Como... como... um encontro. – Concluiu ela, baixinho. Eu gargalhei, fazendo ela rolar os olhos.
- Um encontro? É disso que você precisa? Ok, vem, vamos. – Ela franziu a testa, confusa.
- Pra onde?
- Pro cinema. Temos um... encontro relâmpago. Que é agora. – Peguei em seus pulsos, literalmente arrastando ela pra fora do quarto enquanto ela ria do meu desespero. Pensei que ela realmente ia, mas quando chegamos no corredor, ela soltou minhas mãos de seu pulso, gentilmente.
- Não, . Quero um encontro de verdade. – Droga. Nunca tinha levado ninguém a um encontro antes.
- Hm... Tudo bem. Aonde quer ir?
Ela riu.
- Não vai ser fácil assim. Essa é a graça dos encontros. – Falou, apertando minhas bochechas. Aquela menina ruiva e baixinha estava zoando com a minha cara, fala sério.
- Oh, shit.
- Ok, vou dar uma dica. Bata na minha porta as sete. Diga a Thay o que devo vestir. – Informou, se afastando de mim. Uau, , que dica sensacional. Me ajudou, realmente ajudou. Obrigada. Devo muito a você.
Resmunguei baixinho e desesperado, vendo ela se afastando pelos corredores. Cheguei na soleira da porta tempo suficiente para vê-la quase sumindo pelo corredor que levava ao quarto dela.
- ! Pra onde eu devo te levar? – Gritei, como uma última tentativa. Escutei sua risada.
- Me surpreenda, . – Obtive em resposta.
Resmunguei mais um pouco. Pra que raio de lugar eu iria levar essa garota? E já eram três e meia da tarde. Droga.
Normalmente eu nunca faria isso, mas não tinha outra alternativa. Dei uma espiada no corredor para ver se a barra estava limpa e dei três batidinhas ritmadas na porta de Thay. Ela obviamente estava ocupada.
- Espero realmente que seja urgente porque eu tenho trezentas milhões de coisas pra fazer. –Murmurou, sem nem olhar quem era. Viu que era eu, mas sua opinião não alterou. Esperei que o que eu tinha a dizer fosse urgente.
- Sua exigente irmã quer ser surpreendida com um encontro, mas eu não faço ideia do lugar para onde a levo e eu tenho três horas e meia para decidir isso. – Falei, rapidamente. Ela me olhou desconfiada, suspirou e me deixou entrar.
- Droga, isso é urgente. – Comentou ela, quando sentei em uma cadeira a sua frente. – Urgente e quase impossível. – Completou com um ar triste.
- O que quer dizer?
- Olha... Sem querer ser indelicada, mas e namoraram por quase dois anos e... Ela foi a todo tipo de restaurante possível. Posso dizer com toda certeza que ela detesta ir a restaurantes. – Informou, inclinando um pouco a cabeça. Restaurante era a primeira coisa na qual pensei. Brilhante. Ela precisava dar um desafio assim tão difícil?
- Ok, restaurante corta. Mas o que mais? Cinema? Boliche? Hmmm... Ópera? – Thay teve que rir com essa.
- Você tem certeza que consegue imaginar nesses lugares? Céus, imagina em uma ópera! Ela provavelmente ia bater na cabeça de todos os músicos com seus respectivos instrumentos nos primeiros cinco minutos de concerto! – Ela tinha razão, e apesar de ter sido uma observação engraçada, não consegui rir com ela. queria ficar comigo, mas ela queria um encontro decente antes. Como todos os outros caras faziam. Eu estava tão ferrado.
- Droga, Thay. O que eu faço? – Eu soei assim tão desesperado quanto penso? O que essa garota estava fazendo comigo? Thay colocou suas mãos em cima do meu joelho, carinhosamente.
- Mesmo tendo perdido contato, eu ainda conheço ela, isso por que vivemos na mesma casa. Se te ajuda, ela gosta de ser surpreendida – “Isso eu já sei, Thay”, quis dizer a ela. – Ela gosta de ser única, gosta de coisas simples, mas com significados, gosta de coisas íntimas. Ela parece ser toda rude e malvadona, mas é a garota mais sensível que eu conheço. Não tenho mais como te ajudar. Espero que pense em alguma coisa.
- Uma coisa simples tipo... Um jantar a luz de velas? – Perguntei. Thay pensou seriamente a respeito.
- Tenho certeza que se for do jeito certo, vai funcionar. – Falou ela, piscando em seguida.
Sai de seu quarto, agradecendo (por nada) e virando o corredor para ir para o meu próprio quarto. O que poderia ser simples, único e íntimo, mas ao mesmo tempo cheio de significado? Ruminei em minha cabeça um pouco, até a mais absurda das ideias passar pela minha mente. Poderia dar certo, poderia dar errado, mas o que importava era que seria feito do fundo do meu coração.
Não acredito que pensei isso. Que coisa mais brega.
É, eu estava ficando brega por causa dela, mas não ligava. Iria ser por um bom motivo. Tinha três horas para organizar tudo, mas em minha mente era mais que necessário. Saquei meu celular a caminho do quarto, ligando para um número que jamais pensei que ligaria.
- Rafa? É ... sim, sou eu. Escuta, será que você não pode vir aqui? Ficar com a . Sim, eu te explico depois. Obrigado.
Desliguei o aparelho. Parte um estava completa. Precisava de uma ajuda, claro, por isso a parte dois consistia em ligar para o provável único amigo que eu tinha nesse lugar.
- ? Você tá ocupado? Será que pode vir aqui me dar uma mão? Obrigado. Ah, e traga um terno.
Falei, antes de desligar o aparelho na cara dele, concluindo a parte dois.
Pouco de meia hora depois, ouvi a campainha tocando. Sorri.
A parte três do plano estava prestes a entrar em ação.
POV’
Eu não aguentava mais sentir as ondas das desaprovações.
- Social, querida . disse social, isso não é social. – Reclamou Rafa pela terceira vez, na minha terceira tentativa de achar algo para vestir. Está certo que esse encontro tinha sido ideia minha, mas ele precisava ser tão exigente? Bufei.
- Desisto. Vou fingir uma dor de cabeça e fo...
- Ah, não vai mesmo! Levanta essa sua bunda gorda da cama, agora. – Ordenou, saindo do meu quarto. Não sei por que, mas a obedeci.
- Onde estamos indo? – Perguntei. Consegui vê-la rolando os olhos, mesmo que ela estivesse de costas pra mim.
- Minha casa. Tenho uns vestidos lá. – Eu ri.
- Alguns dos meus vestidos, você quer dizer. – Ela virou um pouco para trás, a fim de me encarar e deu um sorrisinho.
- É, talvez. – Continuou andando em minha frente a caminho da saída, mas ao invés de ir reto, contornou o hall em direção a cozinha. Por que diabos a gente ia sair pela porta dos fundos?
- Coca ou água, ? – Perguntou uma voz conhecida, quando passei pela cozinha. Escutei Rafa murmurar um frustado “Ah, não!”
- ? O que faz aqui? – Perguntei, sorridente, entrando na cozinha. Ele olhou para minha amiga, pedindo por uma explicação com o olhar. Estranho.
- Hm, trabalho de história com o . – Disse, simplesmente, sem nem me falar oi.
Eu tinha certeza absoluta que eles não estavam na mesma turma de história, por que quem estava nessa turma com era eu e eu sabia que o professor não tinha passado trabalho algum. Por outro lado, podia estar ajudando a fazer o trabalho. De qualquer forma, eu não tinha nada a ver com isso.
- , droga, esse sol tá me matando. Eu pedi água, já pegou? Acho que o v....
- , vai lá pegar as pesquisas pra gente terminar o trabalho. – Interrompeu e um confuso, e cheio de terra na camiseta, apareceu na porta.
- Que trabalho? – Rafa bateu a mão na própria testa.
- O de história, idiota. – Retrucou .
- Mas n... – finalmente me notou na cozinha, e conseguiu ficar mais branco do que já era. Que situação engraçada. –Ah, o trabalho. Claro, vou pegar as pesquisas. Vou só beber água antes. Esse sol está realmente quente, , da próxima vez esse trabalho vai ser feito em meu quarto! – Arqueei as sobrancelhas e cruzei os braços.
- E você está sujo de terra porque...? – Perguntei, ao mesmo tempo que gritou “Hmmmm safadinho!” obviamente não tinha uma resposta.
- , a gente devia ir. São quase quatro e meia e eu tenho praticamente duas horas pra te arrumar pra sair com um certo idiota. – Minhas bochechas coraram, assim como as dele. Queria que ela não tivesse falado isso em voz alta, porque gostaria que o não soubesse disso. Mas tentei disfarçar e concordei com ela, rumando porta afora, não sem antes escutar um “Essa foi por pouco” vindo de .
Cheguei ao tão querido apartamento de Rafa (depois de ficar apenas cinco minutos esperando um táxi, para a nossa felicidade) e ela já me empurrou direto para seu quarto, trombando com o irmão que estava no corredor.
- Rafa, você pod...
- Não, Victor, estou ocupada. – Falou sorrindo fofamente e batendo a porta na cara do irmão mais velho.
- Oi, . –Gritou do lado de fora. Respondi ao seu cumprimento com entusiasmo, e vi que Rafa já tinha separado os vestidos.
- Tenho esse, esse, esse e esse. – Falou apontando para um vestido curto azul, um prateado que era na altura dos meus joelhos, um preto que era curto na frente e longo na parte superior e um vermelho escuro com uma gola em V. Gostei de todos, para minha surpresa. Mas foi o azul que mais me chamou atenção. Ele tinha um enfeite de strass na gola circular, que não era muito decotada, e na linha da cintura, dando um toque de noite nele. A saia era em pregas e a manga era a imitação fofa de uma regata, enfeitada com strass também. Não era assim tão curto, devia bater mais ou menos na metade da minha coxa, por isso resolvi experimentá-lo em primeiro lugar.
Retirei as roupas que usava e o vesti. Amei meu corpo nele e Rafa aprovou a escolha batendo palminhas alegremente. Depois disso me mandou direto para o banheiro. Queria ser eu mesma a me arrumar para esse primeiro encontro com , mas Rafa insistiu tanto e ficou tão chateada quando neguei, que acabei concordando. Afinal, ela era mesmo boa quando o assunto era arrumar alguém.
Tomei banho e me enxuguei, usando uma toalha emprestada, e ela acabou por me emprestar seu robe rosa claro enquanto me arrumava. Minhas unhas (todas as vinte) foram cortadas, lixadas e pintadas. Meu cabelo foi hidratado e fizemos Victor ir no supermercado comprar um tonalizante. Meu cabelo era de um tom castanho-ruivo natural, mas eu gostava de passar tonalizante nele de vez em quando, para ele ficar um pouco mais alaranjado. Não ajudava muito, na verdade, mas era a minha versão de “dar brilho” ao cabelo. Rafa fez uma bruxaria, deixando ele levemente ondulado. Não sei o que ela fez, mas amei o resultado.
Depois mandou eu fechar meus olhos enquanto eu sentia líquidos, pós e milhares de pincéis diferentes tocando meu rosto. Rafa mandou eu abrir os olhos, e tendo a decência de me deixar virada de costas pro espelho, pediu para eu pôr o vestido e o fiz, alegremente. Estava encantada com aquela linda peça. Ela me emprestou uma sandália de salto meia pata preta de veludo que combinou perfeitamente, me deixando com a sensação de que eu talvez estivesse chique até demais. Tentou me emprestar seu colar de strass, que recusei gentilmente, mas aceitei os brincos e a pulseira. Quando Rafa me declarou pronta, pediu para eu me virar de frente ao espelho.
Eu mal reconheci a garota que me encarava de volta. A maquiagem ela fez foi bem do jeito que eu gosto, não estava muito carregada, mas estava bastante marcante. Meus olhos de destacaram por causa do vestido e do cabelo um pouco mais claro. Não tinha sombra, só uma linha fina de delineador marcando meus grandes olhos. Eu estava linda. Nunca fui prepotente, então só dessa vez eu queria poder reconhecer que sim, eu estava linda sim.
- Uau, , até eu queria te levar para um encontro hoje. – Murmurou Victor quando passei por ele no corredor. Victor era cerca de sete anos mais velho que nós duas e estava estudando medicina veterinária. Ele até que era bonitinho, mas nunca tivemos uma relação que não fosse “você é a amiguinha da minha irmã mais nova”. Eu ri e agradeci, saindo do apartamento e correndo para o ponto de táxi o máximo que meus sapatos com saltos permitiam. Rafa me acompanhou até o ponto, falando que não era para eu me esqueceu de contar nenhum detalhe da noite. Prometi que lhe contaria tudo e ela me agradeceu um grande e convencido sorriso. O pensamento de que Rafa esteja ocupando o lugar de melhor amiga que costumava ocupar, já passou pela minha cabeça várias vezes, mas foi naquele momento que percebi que Rafa sempre esteve pra mim mais vezes que , pelo menos esse ano. Isso me deixa um pouco triste, na verdade. Mas pelo menos eu tenho uma amiga. O fato de eu ter me afastado de que aproximou Rafa de mim, e apesar de sentir muita falta de , eu não sentia que tinha perdido nada, só ganhado.
Viajei a curta distância do prédio até o condomínio em silêncio, e quando cheguei na porta da minha casa, não pude evitar ficar ansiosa. Meu estômago estava repleto de borboletas e eu estava suando frio. Estômago com borboletas.
Há quanto tempo eu não sentia isso? Cheguei em casa exatamente as 18:49, e corri para o meu quarto antes que me visse. Ele não podia me ver antes da hora, queria dar todo impacto.
Queria saber onde ele ia me levar. Que lugar iria requerer tanto treco me enfeitando? Será que eu estava arrumada até demais? Será que ele ia querer ficar comigo depois de todo esse tempo? Será que eu estava mesmo pronta para ficar com ele? E se eu não est...
TOC TOC TOC
Três batidinhas na porta do meu quarto. Cacete, eu estava tão nervosa. Mais nervosa do que achei ser possível, abri a porta cuidadosamente.
- Uau, , você está linda! – Disse em seu terno, abrindo um grande sorriso. Eu retribui. Teríamos uma noite agradável. Aquele sensação de ansiedade foi se esvaindo e...
?
Ele riu, a confusão era aparentemente visível em minha face.
- ... , o que é...? – Tentei perguntar. Ele me deu aquele sorriso caloroso e me estendeu o braço.
- Eu sou apenas o cara que busca a princesa da noite. Venha, me acompanhe. – Falou de um modo cavalheiresco, entrelaçando nossos braços.
Oi? Como assim agora o ajuda o a sair comigo? Que situação mais esquisita. E o nem parecia aflito ou algo do tipo... Será que ele já me superou?
- , você já me superou? – Perguntei, antes que pudesse refrear minha língua. Senti seus músculos dos braços enrijecerem e suas feições faciais endureceram. – Não, quer dizer... Desculpe, não sei por que perguntei isso. – Tentei consertar. Ele sorriu para mim.
- Tudo bem. – Não parecia que estava tudo bem, mas continuei andando com ele, dessa vez em silêncio. – , você está muito maquiada? – Perguntou quando chegamos a cozinha. Achei a pergunta esquisita, mas respondi que não.
Então ele colocou suas mãos em meus olhos e me disse para continuar andando. Chegamos ao que claramente era o jardim, e senti um deja vú por causa da minha festa, só que dessa vez estávamos no quintal da minha própria casa.
- Vou tirar minhas mãos, mas continua com os olhos fechados. – Instruiu. Senti suas mãos abandonarem meus olhos, e o obedeci, mantendo-os fechados. –Conte até vinte lentamente e então poderá abrir. – Terminou. Senti ele se afastando pelo barulho que a grama fazia, mas quando estava no dez, ele se aproximou de novo. – E eu não te superei, . –Murmurou antes de se afastar de novo. Minha vontade era de abrir meus olhos com espanto, mas não fiz isso. Tinha certeza que minha face tinha se distorcido em uma careta de surpresa. Fiquei tão confusa que precisei começar a contar desde o começo.
Vinte.
Abri meus olhos e meu coração se acelerou. Eu achava que estava na parte leste do jardim, mas estava na parte sul, onde estava a piscina. Milhares de velas contornavam a piscina, onde a água reluzia em um tom de laranja, brilhando. Olhei para o chão aos meus pés e vi que tinha uma trilha de velas que terminava em uma mesa branca, que estava montada ao lado da piscina. A mesa estava vazia, com duas cadeiras postas frente a frente, então deduzi que era para eu andar até ela. Quando me aproximei da piscina percebi que tinha milhares de pétalas azuis jogadas na água, e as velas ao seu redor faziam parecer que as pétalas estavam em chamas. Cheguei a mesa incapaz de imaginar que pudesse ter tido uma ideia dessas. Ele leu em algum lugar, foi isso. Na mesa, espaçosa o suficiente para quatro pessoas jantarem confortavelmente, haviam vários pratos cobertos com uma redoma de metal. Também havia nossos nomes dobrados em uma cartolina.
Mrs. Rubin.
Incapaz de me conter, eu sorri, antes mesmo de perceber que estava fazendo isso. Parei de sorrir assim que percebi. Abaixo do meu nome, estava escrito “Abra isso”. Curiosa, mas sem entender nada, abri o cartão. Uma única palavra estava escrita no meio da folha. Surpreendida?
Sorri. Mas não parei dessa vez. Eu quase podia ouvir ele rindo enquanto escrevia isso.
Sim, , estou surpresa. Isso é com certeza bem mais do que eu esperava.
- Consegui? – Perguntou uma voz atrás de mim. Mordi o canto do meu lábio inferior antes de me levantar e virar de frente para ele. Antes que eu desse uma resposta, porém, arregalou os olhos. –Cacete, , você está muito gata. –Exclamou. Era a segunda vez que ele me dizia isso. Eu nunca me maquio, deve ser por isso. Ele ainda estava boquiaberto e eu dei uma risadinha. É, acho que causo esse efeito nele.
- Obrigada, acho. – Respondi. Ele sorriu e se sentou a cadeira a minha frente, enquanto eu tornava a me sentar.
- Não respondeu minha pergunta. – Falou, olhando com intensidade para os meus olhos. – Te surpreendi?
- Quase. – Menti. Ele riu.
- Sério isso? – Perguntou, obviamente percebendo a mentira em minha voz.
- Sim, só falta a comida ser boa. Daí eu fico surpresa totalmente. – Falei, seriamente. Ele arqueou as sobrancelhas.
- Bem, se você gostar da comida, eu digo que fui eu quem fiz. Mas se você odiar, eu ponho a culpa em outra pessoa e te digo que a comida foi encomendada em cima da hora. – Ele piscou, me fazendo rir. Era óbvio que ele tinha encomendado.
Apontei para uma garrafa de vidro.
- Isso é... vinho? – Ele corou.
- Não. É... suco de uva, coloquei aí só pra enfeitar. Sua mãe não permitiu o uso de vinho. Desculpe. – Eu não consegui me aguentar e caí na gargalhada. Tinha como esse garoto ser um pouco mais fofo? – Maaas, And me deu isso aqui. – Continuou, apontando para uma garrafa de champanhe. – Sorri, deslumbrada.
- Sério?
- Sim, só hoje. E com a condição de que seria um segredo capital.
- Fechado. – Ele sorriu e depois fez uma careta.
- Estou com fome.
- Você não seria você se não estivesse com fome, . – Comentei, rindo e tirando meu cabelo da cara. – Vamos comer então.
No começo comemos em silêncio, e a comida estava muito boa. Mas então, para o meu alivio, a conversa fluiu rapidamente e de forma natural, como todas as nossas conversas. Conversamos sobre coisas superficiais como a escola, Thay e sua gravidez, o programa de intercâmbios, a falta de notícias que tinha de seu pai e coisas assim. Comentamos de fazer uma futura visita a Austin, Hannah e Carrie, o que foi bom, por que eu estava mesmo querendo vê-los novamente.
Quanto mais tempo eu passava com , mais eu sentia que tinha perdido tempo. Ele sempre me ajudou, mesmo quando estava com . Talvez isso tudo seja errado, talvez não seja para ficarmos juntos, mas eu realmente gosto dele. Gosto dele o suficiente para não deixa-lo ir, não dessa vez. Sei que não irá se importar, nem ninguém irá julgar. Conheço , o verdadeiro, a pouco mais de um mês, mas sou apaixonada por ele há mais tempo do que quero admitir. Eu me sinto bem com ele, eu sinto que sou capaz de sorrir e mais que isso, eu quase vejo Kate me mandando um sinal de positivo do lugar onde ela está. A Kate dentro de mim me libertou, eu sei disso. Ela não iria me querer triste. Certo?
No meio dos meus pensamentos a respeito de , porém, voltou aos meus pensamentos. “E eu não te superei, ”. Isso não é a porcaria de um triângulo amoroso. Não é. Eu sou a ex do , apenas isso. Eu terminei com ele, por que eu quis, e agora eu queria ficar com que, por uma obra cruel do destino, era melhor amigo de .
Mas isso não significa que eu goste de , por que eu não gosto. Ele é um ótimo amigo, e por um tempo achei que nós tínhamos volta, mas o apareceu e mudou tudo. Ele sempre seria apenas um amigo para mim, esse título não era o suficiente para ele, porém ele que convivesse com isso.
- ? Ouviu o que eu disse? – Perguntou , interrompendo minha conversação interna. Sorri como quem se desculpa.
- Não, desculpe. O que disse? – Ele revirou os olhos, de um jeito brincalhão.
- Disse que a gente já pode falar da gente agora. Quer dizer, você disse que queria um encontro. E agora, o que acontece? – Perguntou. Ele parecia com medo da resposta que eu daria, e percebi que era eu quem controlava essa situação. A minha sorte, e a dele, era que eu estava cem por cento preparada para essa conversa e sabia exatamente onde queria chegar.
- Ora, precisamos sair mais vezes, certo? Tipo, faz de conta que a gente se conheceu... ontem. – Brinquei. Mas ao contrário do que eu imaginei, ele não levou minhas palavras na brincadeira, pelo contrário, ele levou muito a sério.
- Jura? A gente não se conheceu ontem, , eu não preciso fingir isso e nem você. Mas que droga! – Ele deu um soco na mesa. – Eu fiz toda essa porcaria aqui, eu praticamente me fantasiei de idiota romântico só pra provar a você que sou capaz de fazer coisas como essa todos os dias, e você ainda vem com... com.... Qual é a graça? – Perguntou, abaixando o tom de voz quando comecei a rir.
- Eu só estava brincando. – Sua expressão suavizou e ele fez aquela carinha de “Não acredito que você fez isso”.
- Filha da p...
- Ok, agora estou falando sério. – Interrompi antes que ele xingasse minha mãe. revirou os olhos.
- Pode falar.
- Bom, andei pensando muito e conclui que em termos normais isso não daria certo. Quer dizer, você namorou com e morava na mesma casa que ela, não acho que isso acabe bem.
Esperei ele processar a notícia.
- A não ser que você esteja planejando me trair também, não vejo como isso pode dar errado. – Retrucou, sorrindo.
- Droga, eu estava pensando nisso. – Ele rolou os olhos novamente e eu coloquei minhas mãos por cima das dele.
- Você não ousaria.
Pensei um pouco antes de falar.
- Eu nunca conheci alguém como você. Que pudesse me entender desse jeito. Você traz o que há de melhor dentro de mim, você faz eu querer ser... eu mesma, a antiga eu, e eu queria te agradecer por isso. Então sim , eu acho que podemos tentar sim. – Sorri e em seguida tirei minhas mãos de cima das dele. – E eu sei que o que eu disse foi muito brega, então acho melhor você ter escutado direito por que eu nunca mais na minha vida vou repetir isso.
Decidi que estava com vergonha e olhei para a piscina laranja e azul, tudo para evitar seu olhar, então não sabia como ele tinha reagido a essa declaração. Examinei as rosas com mais atenção e senti sua mão apertando a minha. Desviei os olhos da água para olhar sua mão, mas ele já sabia o que eu estava procurando.
- Não vai encontrar nenhuma mancha aqui, não deu tempo. Essas rosas não são de verdade, mas foi tudo que consegui fazer em cima da hora. – Eu sorri pra ele, que se levantou vindo parar na minha frente. E ele se ajoelhou.
Ele literalmente se ajoelhou na minha frente. Eu não pude fazer nada a não ser estremecer e arquejar de surpresa.
- Bom, hmm... É.... Droga, eu detesto ser ruim com palavras, e eu sou muito ruim. Sério. Estou aqui, ajoelhado na sua frente, me sentindo um idiota e nem sei o que devo falar para fazer jus a esse uniforme de pinguim. Mas eu vou tentar por que não pode ser assim tão difícil fazer um discurso do nada. – Ele riu, envergonhado. Eu conseguia ver suas bochechas coradas e achei isso fofo. – Vou ser o mais clichê dos clichês, mas... só ouve. Quando te vi pela primeira vez, eu te achei simples. Literalmente eu pensei “Que garota simples”. O tempo passou e não devo chamar de acaso, ou de destino, mas acabei me aproximando de você, me aproximando o suficiente para me sentir atraído e então eu me detestei por que você estava longe de ser simples. E é claro que eu negava para mim mesmo o quão louco por você eu estava, mas não adiantou. Um dia, eu olhei pra você, aquela menina triste e rabugenta e alguma coisa em mim mudou, me fez te querer. Não por apenas ser bonita, mas por que por trás daquela garota rude havia uma garota que sofria e ninguém percebia. Eu queria curar essa garota, eu queria trazer essa garota meiga escondida em você, por que queria ver você sorrindo de novo. Seu interior é tão bonito quanto o exterior. E você não sabe disso, mas me ensinou muita coisa. Você me ensinou a superar, a seguir em frente. Você me ensinou como continuar sendo uma boa pessoa apesar de tudo de ruim que a vida trás. Você me ensinou que tudo pode estar dando errado, mas mesmo assim, temos que continuar vivendo. Você me ensinou a ser forte, a lutar. Antes de você eu nunca estive apaixonado. Então, mais do que tudo o que eu disse, você me ensinou o verdadeiro significado de estar apaixonado por alguém. E eu sei que sempre serei apaixonado por você.
Não percebi que estava chorando até se levantar e secar minhas lágrimas com suas duas mãos. Também não sei exatamente em que parte do discurso comecei a chorar, mas não importava. Me levantei também, tendo a certeza de que ninguém no mundo seria mais importante para mim do que era nesse momento.
Ontem eu não tinha essa certeza.
Mas hoje eu tinha. Tinha tanta certeza que até doía.
Nos aproximamos o suficiente para meus lábios se encontrarem com os dele, e nenhum do dois ofereceu qualquer resistência e o beijo foi tão natural quanto respirar. Suas mãos estavam na minha cintura, em cima dos strass do vestido. Estava machucando, mas não reclamei; muito pelo contrário, apertei ainda mais suas mãos naquela região. Uma das mãos subia em direção a minha nuca enquanto eu entrelaçava seu pescoço com meus dois braços e ele aprofundava o beijo. Nunca me senti tão desejada, e conseguiu transmitir tudo que sentia em um único beijo, e eu me sentia tonta, querendo mais, querendo que ele nunca mais me soltasse.
Meu último pedido não foi atendido porém; ele me soltou, bem mais cedo do que eu realmente queria.
Ficamos cerca de um minuto inteiro nos encarando, até que eu, com uma coragem que não vinha de mim, resolvi quebrar o silêncio.
- Esse é o momento que um de nós diz alguma coisa.
Ele sorriu, beijando minha testa em seguida.
- Esse devia ter sido nosso primeiro beijo.
Olhei pra ele intrigada.
- Não, na verdade eu gostei do nosso primeiro beijo, foi todo dramático e tal. – arqueou as sobrancelhas.
- Você me expulsou do seu quarto. Não foi assim tão romântico. – Lembrou. Eu ri.
- Sim, mas veja bem, é uma boa história para contar pros netos. – Ele sorriu também. Ficamos um tempo em silêncio até ele voltar a falar.
- Eu cancelei minha passagem de volta.
Arregalei os olhos.
- Você o que?
- Cancelei minha volta. Sabe como é, só vou voltar quando eu quiser e se eu quiser. – Ele estava mesmo dizendo o que eu achava que estava dizendo? Se ele estivesse mesmo dizendo que ficaria no Brasil por mim... por minha causa... ele sabia o que isso significava pra mim?
- Isso é... Nossa, , isso é... – Não consegui dizer nada. Ele colocou uma mecha de cabelo ruivo atrás da minha orelha, parando suas mãos em minha nuca. Senti todos os pelinhos daquela região se arrepiando.
- Eu gosto mesmo de você. Sabe disso, não sabe? – Perguntou. Apoiei minha mão em seu braço, olhando o tempo todo em seus olhos muito azuis.
- Sei. – Respondi, simplesmente. Ele sorriu.
- Aceita uma carona pra casa? – Não consegui não rir com essa. Estendi meu braço direito pra ele, que o entrelaçou com seu próprio braço e me levou rumo a porta dos fundos.
Achei que a noite já estava no fim, e que ele ia ser um bom namorado (ele era meu namorado agora?) e me deixar no quarto e dizer boa noite, mas para minha surpresa, e alegria, entrou no quarto junto comigo. Em cima da minha cama havia uma caixinha de presente.
- Pode abrir. – Sussurrou na minha orelha. Confusa, obedeci, indo até a caixinha e a pegando. Era uma caixa retangular e bonitinha, cheia de bolinhas azuis claras e azuis escuras.
E lá, dentro da caixa, havia o melhor presente que eu poderia ter recebido. Sentei na cama, incapaz de ter outra reação além dessa.
- Não acredito que você fez isso. – Sussurrei.
- Ah, mas você não viu a melhor parte! – Reclamou, tirando o ingresso da caixa. Debaixo desse ingresso havia um segundo ingresso, exatamente igual ao primeiro. Arqueei as sobrancelhas.
- Pra quem é o outro ingresso?
- Pra mim, é claro. – Respondeu, como se eu fosse uma pessoa com problemas mentais. Eu ri.
- Você, , vai no show do One Direction comigo? – Perguntei, cética. deu uma gargalhada e se sentou ao meu lado na cama.
- Não vejo motivos para não ir ver você surtando com uma banda de bichas. – Dei uma cotovelada nele.
Em outros tempos eu provavelmente teria outra reação. Talvez eu gritasse, talvez eu chorasse, berrasse pro mundo inteiro ouvir que eu finalmente assistiria minha banda preferida ao vivo, mas talvez, apenas talvez.
Joguei todo meu peso pra trás, e fechei os olhos. Os movimentos na cama indicaram que havia feito o mesmo. Nenhum dos dois falou nada.
Há coisas que a gente não pode controlar. Há situações que não tem como saber o que acontece depois. Há causas que não podemos prever as consequências. Há pessoas que a gente não pode escolher ignorar. Mas escolher ignorar foi o que me trouxe até aqui.
Não posso deixar de pensar no que aconteceria se não tivesse traído . Se não tivesse se apaixonado por ela. Mas a última coisa que pensei me deu arrepios.
Pensei no que aconteceria se , por um acaso, nunca tivesse vindo para o Brasil.
Cinco meses depois
POV’s
- Então é isso, Kate. – Murmurei. – Ele me faz bem. Me deixa feliz, sabe. Eu realmente gosto dele. E ele é super legal. – Eu ri, comigo mesma. – Teve um dia, a primeira vez em muito tempo, que eu achei que estava uma baleia e disse isso a ele. Sabe o que ele me respondeu? “Você não é uma baleia, . Pessoas gordas não podem respirar debaixo d’agua.”
Dei uma gargalhada. As batidas na porta do meu quarto nos últimos trinta minutos eram incessantes.
- Anda logo, , pelo amor de Deus, Gus vai me matar! – Reclamou atrás da porta do meu quarto pela quinquagésima vez. Grunhi.
- Eu não vou mais.
- Ah, qual é! Ele realmente vai me matar. – Murmurou , achando que eu não estava ouvindo. – , abre a porta. –A muito contragosto, sai da frente do espelho e abri a porta. Vestia apenas minha camiseta velha e uma calcinha, mas não estava envergonhada por causa disso. Estava revoltada. Olhava para meu reflexo redondo, detestando cada curvinha indesejada. rolou os olhos quando percebeu do que se tratava minha birra.
- Estou enorme. – Reclamei.
- Quando se sentir enorme, pense na Thay. Ela sim está enorme. – Falou. Escutamos Thay gritar um enviesado “Ei, eu ouvi isso!”. Eu dei um meio sorriso.
- Mas ela está grávida, eu não. – Argumentei. – Sou uma baleia, ! – Choraminguei, saindo da frente do espelho e me sentando na cama. deu um sorrisinho torto e veio se sentar ao meu lado.
- Fico feliz que esteja se sentindo assim, na verdade. Parece que voltou a se importar.
- Por que, antes eu não me importava, por um acaso? – Perguntei, com minha melhor cara de tédio.
- Não... antes você tinha aquela posição de “foda-se o mundo”. – Murmurou. Eu ri.
- falando palavrão? Vai chover! – me mostrou o dedo do meio.
- Engraçadinha. Você ama as minhas palavras sujas quando eu est...
- Ok, chega. – Interrompi, sabendo que Thay possivelmente estava ouvindo essa conversa. A própria apareceu na porta do meu quarto com a sobrancelha arqueada, indicando que estava mesmo ouvindo nossa conversa. Na verdade, a barriga apareceu antes dela, mas mesmo assim.
- Ela gosta, - disse Thay, apontando pra mim. – mas nós não. É nojento, sério. Acho melhor você falar mais baixo da próxima vez. Sorte sua que fomos nós que ouvimos, não minha mãe. – e eu rimos, e eu sentia minha bochecha esquentando.
- Peço minhas desculpas por saciar minhas necessidades físicas em voz alta, Thay. Muito desrespeitoso de minha parte. e eu gritaremos mais baixo da próxima vez. – riu, irônico. Ele tinha se tornado muito irônico ultimamente. Culpa minha, acho.
- Argh, , não fala isso perto do bebê! – Reclamou Thay, colocando as mão protetoramente ao redor da barriga gigante.
- Mas é só sexo! Esse bebê foi originado do sexo! Algum dia você vai ter que contar pra ela, você sabe.
- A gente por favor, pode parar de falar sobre isso e falar do porquê a ainda estar de pijamas? – Pediu Thay. Agradeci mentalmente a mudança de assunto. observou a situação.
- Olha só sua irmã, está prontinha para sair. E você ainda está com essa cara de quem passou o natal na cama. – Minha carranca voltou.
- Já disse que não vou. Estou uma baleia! – Repeti.
- Você não é uma baleia, . Ao contrário do que muitos pensam, pessoas gordas não podem respirar debaixo d’agua. – Thay riu e eu encarei perplexa.
- Você não está ajudando.
- O que o quis dizer, , é que ele gosta de você do jeito que você é. Olha só a Luíza, ela é super magricela, mas não tem um namorado gostoso pra dizer palavras de baixo calão na hora H.
- Thay! – Reprendi. Aquele assunto de novo, não.
- Ela tem razão, .
- Ainda é pra você.
Thay olhou para barriga.
- Vem filha, vamos deixar seus irmãozinhos se entenderem. – Ás vezes ela fazia isso, conversava com a criança como se ela já tivesse nascido. E agora ela era “nós”. Parecia que tinha duas personalidades. Eu achava hilário. foi até o closet e tirou o vestido de festa que eu deveria usar de lá de dentro.
- Levanta da cama e vai se arrumar, . É a festa de dezoito anos do seu melhor amigo, lembra? – Peguei o vestido, mas continuei parada.
- Não dá mais tempo. Só tenho vinte minutos.
- Não dá mais tempo de que? – Ouvi a voz de Rafa perguntar, entrando no meu quarto com um glorioso vestido dourado no corpo magro. Ah, esse ia ser o melhor presente de Gus. Fala sério, virou festa da mãe Joana agora, entrar no quarto de uma garota seminua aos prantos? Só faltavam Alex e pra ficar tudo completo. – Meu Deus, , você ainda está de pijama! Vai, arranca essa camiseta e direto pro chuveiro! Hora da Super Rafa entrar em ação. – Eu estava mesmo tirando minha camiseta, mas Rafa arqueou as sobrancelhas e eu, seguindo seu olhar, vi lançando um olhar descaradamente safado para meu corpo despido, que eu automaticamente cobri de novo, mas só por que Rafa estava ali. veio até mim.
- Acredite, , você não é nem um pouco gorda. – Sussurrou com malícia. Eu sorri e me estiquei para beijar sua bochecha.
- Vaza daqui. – Sussurrei de volta. riu e saiu. Quando olhei para o lado, Rafa estava me olhando com a maior cara maliciosa do mundo.
- Cala a boca. – Falei dando as costas pra ela, indo para o chuveiro e me sentindo um milhão de vezes melhor.
Rafa tem sido um amor de pessoa. Nesse dia em particular, Gus ficou tão legalmente bêbado que se declarou pra ela pelo microfone, pra todo mundo ouvir. Eu estava muito dopada, então não me lembro do que aconteceu exatamente. Só sei que não me deixou ficar mais tempo por que eu “não estava me aguentando em pé”. Bacaca superprotetor.
- Ás vezes ele é um idiota. Mas ele compensa, sabe, com outras coisas. – Ruborizei. Não contava experiências sexuais para ninguém, por que, qual é, isso é muito íntimo. Mas Kate podia saber. Eu queria que ela soubesse. – Então, bom, eu não sinto como se tivesse quebrando a promessa nem nada, porque traiu ele, certo? Ok, estou me sentindo ridícula. – Murmurei descansando meu corpo na grama em frente a lápide.
Era a quinta vez que eu ia ao cemitério só essa semana, mas isso não me deixava mais triste como antes. E era a primeira vez que eu conversava com Kate. Hoje se completariam dois anos desde que ela morreu. Dois anos desde que ela se foi pra sempre.
“, sua idiota, era só uma brincadeira.” Pude ouvir ela respondendo, como se estivesse ali.
- Eu sei, mas foi a última coisa que a gente fez juntas e...
“Ai, você ficou tão tapada sem mim”. Esse era o momento que ela batia a mão na própria testa. “O importante é que agora você tem um macho alfa, certo? Ainda sou Team , mas qualquer cara que te faça feliz eu aceito como cunhado. Mesmo que for o ex da sua melhor amiga”.
- Ex-melhor amiga. – Corrigi, apesar do termo infantil que eu usei. Podia ver ela franzindo as sobrancelhas.
“Como assim?”
- Não sei. Faz muito tempo que não converso com , na verdade. O que é engraçado, por que eu ainda converso com o .
“O que? Ela trocou o pelo ? Oh meudeusdocéu!” Ela ficaria toda agitada e colocaria a mão na boca. “Não acredito que o fez isso. Ele sempre foi tão fofo”. Eu ri.
- E ele é. Até hoje. – Kate riria.
“Ah, certas coisas nunca mudam” E depois faria uma cara séria, do nada. “Espero que você e possam voltar a se falar. Nunca quis que se separassem”.
- A culpa não foi sua, Kate. Foi dele. Sempre foi ele. –Comentei, sabendo que era verdade, embora na época eu talvez não soubesse disso. Kate iria sorrir docilmente pra mim e mexer nos meus cabelos.
“Você o ama, ?”. Eu amo? Claro que amo.
- Sim, amo. Demais. – Sorri com a veracidade em minhas palavras.
“Já disse isso a ele?”. Não. Nunca disse. Mas ele também não me disse e eu queria que ele dissesse primeiro.
- Ainda não. – Kate iria puxar meu cabelo e dar um tapa em minha cabeça. Está aí de onde vem minha mania de dar tapas na cabeça dos outros.
“Ah, não creio! Suponho que está esperando ele falar primeiro, não é?” Era exatamente isso. “Às vezes homens também gostam de serem surpreendidos, .”. Falaria, carinhosamente.
- É, talvez. – Ela faria uma carranca.
“Talvez nada, eu sempre estou certa. Levanta essa bunda gorda daí e volta pro seu boy magia agora mesmo!”.
Me levantei da grama, limpando a calça jeans que estaria provavelmente suja de terra. Ela tinha razão, claro, mesmo que fosse a Kate da minha mente.
- Eu vou. – Hesitei. – Sinto sua falta, Kate.
Ela iria sorrir de um jeito que só ela conseguia.
“E eu a sua. De vocês todos. Até do , que eu nem conheço. Ainda.”. Isso seria tão a cara dela.
- Tchau, Kate. – Sussurrei. Ela não me respondeu. Ela nunca mais me responderia.
Mas ao sair do cemitério, eu poderia jurar que escutei uma voz junto com o vento que me fez tremer de frio, em pleno verão.
“Adeus, ”.
Cheguei em casa um pouco tarde, porque a fila do Subway estava enorme. Eu ia desistir, mas Thay praticamente chorou e disse que se a filha dela nascesse com cara de Subway ia ser culpa minha. Lógico que eu não comprei o lanche porque achei que minha sobrinha iria nascer com essa aparência, mas Thay precisava mesmo de Subway. Minha mãe tem feito com que ela comesse coisas saudáveis e naturais e eu estava morrendo de dó dela.
e eu íamos ao cinema hoje. Ele não sabia disso, ainda. Não pode ser tão difícil, é só chegar e falar “Vamos ao cinema, agora”. Tipo aqueles Speed Date que tem nas fraternidades americanas. É, vou fazer isso.
Mas ao olhar para a entrada de carros, me deparei com aquele Volvo. O que diabos estaria fazendo na minha casa? Obtive minha resposta antes mesmo de entrar. Eles estavam brigando, de novo.
nunca perdoou . E sempre fica chateada quando vem em casa por que o comportamento feliz de muda quando ela está perto. Esse é um dos motivos que fez com que eu e ela nos afastássemos mais ainda. Abri a porta da sala, mas só pra encontrar o que já sabia que veria. chorando no sofá e furioso de pé diante dela. É, o cinema vai ter que ser amanhã mesmo. Minha intromissão nunca ajudava, deixava tudo ainda pior, então aprendi a ignorá-los. Deixei os dois brigando na sala e subi para o meu quarto. E então eu tive uma ideia genial. Escreveria uma carta. Quer dizer, ele precisava saber como era importante pra mim e como eu o amava, independentemente de como eu fizesse isso.
E foi isso que fiz durante os últimos quinze minutos. Escrevi uma carta, o tipo de carta que eu mesma gostaria de receber. Talvez ele retribuísse. Sorri com a ideia, guardando a carta no nosso esconderijo no meu quarto. Foi ele quem descobriu que aquela gaveta existia, então eu guardava quase tudo de importante ali dentro.
Amanhã iriamos ao cinema e então eu entregaria a carta a ele. Nossa relação iria avançar mais um pouco e seríamos felizes para sempre. Eu sabia que nenhum outro faria o que me fez.
- Eu amei você! Amei de um jeito que você nem merecia! Está satisfeita com isso? – Escutei gritar.
- Você acha que eu não percebia o jeito que olhava pra ela? Eu não sou tonta! – gritou. Eu odiava quando entrava na discussão dos dois. Pois bem, agora sim era hora de interferir, como sempre.
- Mas eu não fui pra cama com ela na primeira oportunidade que surgiu, lembra? Eu não te traí, só estava confuso.
- E porque estava tão confuso se “me amou” tanto? – Falou ela, um tanto mais baixo.
Senti que suspirou.
- Porque você estava ocupada demais me traindo para perceber que me perdia aos poucos. – A essa altura, eu já estava na sala e e estavam de pé, suspirando furiosamente um pro outro.
- Isso é tudo culpa sua! – Gritou pra mim, quando me viu. Oi?
- Minha culpa? Sério que você está colocando a culpa em mim? – Perguntei, rindo sarcasticamente. Era só o que me faltava.
- Sim, isso mesmo, a culpa é toda sua, toda! – Gritou. Abri a boca pra responder, mas falou antes que eu o fizesse.
- O que é culpa dela, hein? O que, ? É culpa dela que ela tenha me ajudado quando você não fez isso? É culpa dela que ela esteve do meu lado quando eu estava preocupado com a sua relação com o ? É culpa dela ter feito tudo, tudo, que eu esperava que você fizesse? É culpa dela que eu tenha me apaixonado pela pessoa errada antes? – Ele sorriu. – Não, . O único culpado aqui sou eu. Sou eu por ter me envolvido com você em primeiro lugar. E sou eu por não ter percebido antes que desde o começo era ela. Só ela. –Terminou. Ele nunca me defendera dessa maneira antes. As palavras que ele disse... apesar da circunstância eu sabia que tinha sido sincero e essa confissão fez com que eu desse um sorrisinho mínimo. Queria me forçar a guardar todas essas palavras na memória, pra sempre.
Ele parecia calmo, mas eu o conhecia bem o suficiente para saber que ele ainda estava muito zangado. olhou pra mim docilmente, com um sorriso que eu retribuí, e depois olhou pra , com veneno no olhar.
- Não quero ver você nunca mais, , já disse. – Murmurou, saindo porta afora. Cruzei os braços e assisti desmoronando no sofá e chorando. Rolei os olhos.
- Quer me contar o que aconteceu? – Perguntei, colocando a mão em seu ombro. Ela tirou minha mão dali bruscamente.
- Não. – E se levantando do sofá, pegou a bolsa e saiu pelo mesmo caminho de . Suspeitei de que iria segui-lo e queria aconselhar a ela que não fizesse isso. era realmente meigo e calmo, mas quando ficava bravo, ele ficava bravo mesmo. Não disse nada, porém, deixei que ela fosse pra onde quer que fosse.
Depois de cinco minutos, meu celular tocou.
- ? – Sussurrou, mas pelo tom de voz eu sabia que ele estava irado.
- ? O que aconteceu?
-Me acalma. Por favor. Eu estou tremendo. – Pediu. Olhei pra onde ele tinha saído e sai de casa também, ficando na rua, por que o sinal na calçada estava horrível.
- Calma. Por que não vem pra casa? Vem, tenho uma surpresa pra você. – Acho que o cinema não estava assim tão perdido. Ele suspirou.
- Tudo bem, estou indo. Mas não desliga. Preciso ouvir sua voz. – Implorou. Sorri, virando para o outro lado.
- Não vou deslig...
- Mas que porra, ela está me seguindo! – Gritou do outro lado da linha. Ai , sua imbecil.
- Se acalma, . Finge que é outra pessoa e dirija esse carro até aqui agora mesmo. – Desesperei-me. Sabia que estava correndo e não queria imaginar o que aconteceria se eles dois resolvessem brigar dirigindo um carro.
- ? Eu nunca disse isso, e é até errado dizer por telefone e tudo mais, mas eu só queria que você soubesse que eu te amo.
Fiquei muda. Ele disse que me ama. Ele acabou de dizer que me ama. Assim, de um jeito totalmente inesperado. De um jeito natural. Ele não precisou fazer nada além de dizer que me ama. Eu nunca me esqueceria dessas palavras. Dei um sorriso involuntário, sabendo exatamente o que ia responder.
- Eu te amo, . E eu vou de amar pra sempre. – Prometeu, antes que eu pudesse responder. Meu sorriso se alargou.
- , eu t...
- , cuidado! – Gritou.
Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. Não foi em câmera lenta como se acontece nos filmes. Não, foi muito rápido. Um jato de adrenalina no meu corpo fez com que eu percebesse as coisas de uma forma bem mais rápida, e gravasse cada mínimo detalhe.
Eu escutei o carro vindo, mas a velocidade estava muito alta. Só tive tempo de virar.
As coisas não deviam acontecer assim. A vida é injusta.
Senti meu corpo ser jogado pra cima, senti uma dor agoniante nas costas quando estas bateram contra o asfalto e senti uma dor excruciante no peito quando percebi que este queimava. Eu estava molhada, acho que era sangue. Sim, com certeza era sangue, eu atravessara o vidro de algum lugar. Minha cabeça também doía. Espera. Era de lá que vinha o sangue. Minha cabeça estava sangrando. Sentia meus olhos pesando. Ouvia mais de uma pessoa gritando meu nome. Ouvia passos. Ouvia meu coração bombeando sangue cada vez mais devagar. Senti alguma coisa me tirar do chão, me fazendo gemer.
Eu estava morrendo? Não, não podia ser assim. Mas se fosse, queria que soubesse que era recíproco. Ele precisava saber.
- , eu te amo. – Tentei falar. Mas minha boca não se moveu e a pessoa que me segurava não percebeu que eu fazia um esforço sobre-humano para tentar falar.
Quem me segurava me colocou em uma superfície acolchoada e eu gemi de novo quando minhas costas encostaram no colchão. Minhas costas doíam muito. Minha visão se enublou.
E a última coisa que esses meus olhos viram antes de entrar na mais completa escuridão, foram os olhos de choque no rosto do motorista.
O nome do motorista era .
POV’ s
- Qual era a droga do problema dela? Juro, , eu vou matar essa garota, ela é louca! – Gritei.
- Se acalma, , vai fic...
- Me acalmar? Minha namorada está inconsciente em uma porra de um quarto de hospital! – Gritei mais alto. Senti uma mão segurar meu braço, mas estava muito chateado para olhar para quem quer que fosse. A pessoa não desistiu, porém; fui obrigado a olhar. Era uma enfermeira.
- Senhor, por favor, isso é um hospital. Não grite. – Advertiu e se foi, me lançando um último olhar duro antes de virar o corredor. Isso não podia estar acontecendo.
Eu queria culpar a própria por estar na rua, mas não podia fazer isso. Ela sempre andava na rua, e não era assim tão perigoso andar na rua de um condomínio fechado. Queria culpar por ter me feito pegar outra rua. Se eu tivesse ido pela rua normal, teria chegado antes de e ela não teria feito o que fez. Ah, vale a pena lembrar que fugiu logo depois. Babaca covarde.
Não sou tão maldoso a ponto de acreditar que ela tenha feito de propósito; apesar de ser tudo muito suspeito, elas tinham sido amigas por tempo suficiente para que não tentasse, sei lá, matar . Não, aquilo tinha sido apenas um infeliz acidente.
- Cara, ela está viva, respirando sem aparelhos. Ela vai ficar bem, eu sei. – tentou me acalmar. Por trás da tentativa, entretanto, eu conseguia ver seu próprio medo refletindo em seus olhos.
- . –Sussurrou Clara, tão baixo que eu quase não ouvi. Seus olhos estavam inchados, assim como os de Thay que vinha logo atrás dela. –Vai pra casa, leve Thay. And e eu ficaremos aqui com ela.
Eu havia passado uma noite inteira acordado naquele hospital, e estava exausto, mas não queria ir. Eu estava pronto para negar, porém os olhos cansados de Thay me fizeram mudar de ideia. Peguei seu cotovelo, trazendo ela próxima a mim.
- Venham, princesas. – Sussurrei, e ela apoiou a cabeça em meu ombro.
Escutei ela falando com a barriga de novo. “Porque sua tia sempre dá trabalho. Até inerte em uma cama de hospital ela dá trabalho. Estou cansada, bebê.” Sussurrou para a filha que ainda não havia nascido. Eu achava engraçado quando ela fazia isso. Era um engraçado fofo.
Ajudei Thay a sentar no banco do passageiro e sentou ao meu lado no banco da frente.
- A gente queria sentar na frente. – Lamuriou Thay. Ele riu.
- A gente? – Perguntou para mim. Sorri de lado.
- Agora ela é “nós”. Então se refira a ela no plural. – Indiquei.
- E o que acontece se eu me referir a ela no singular, como uma pessoal normal faria? – Sussurrou. Continuei sorrindo, balançando a cabeça em negação.
- Experimente. – me olhou desconfiado.
- Hm... Thay, você está com fome ou algo do tipo?
- Nós. – Corrigiu, automaticamente. – E não, nós não estamos com fome.
- Só pode estar de brincadeira... – Thay, felizmente, não percebeu que estávamos zombando dela.
- Tomara que ela acorde logo. – Suspirou a garota, tristemente. Eu assenti.
- Sim, tomara.
- Não acredito que isso aconteceu. Que acidente mais idiota! – Sussurrou .
- Foi minha culpa.
- Ah, cala a boca, ! Se alguém aqui tem culpa é aquela jumenta da que estava na rua. – Grunhiu Thay, socando o meu banco. suspirou.
- Não acredito que tenha sido culpa da , Thay. Ela sempre fica na rua. Mas também não acho que posso culpar você, .
- E você não pode se culpar. – Completou Thay. Revirei os olhos.
- Eu ainda nem a vi. – Murmurei, chateado. Thay chutou meu banco. Forte. – Ai.
- Vai ver amanhã. Cruzes, parece que ela morreu.
- Droga, Thay, não fale isso! – Falei um pouco mais alto.
- É você quem está falando como se nunca mais fosse vê-la. – Defendeu-se.
Ela tinha razão. Eu não sabia o porquê, mas eu realmente tinha essa sensação e isso me incomodava.
Ninguém falou mais nada pelo resto do caminho.
Assim que cheguei a casa, Thay saiu do carro junto com sua enorme barriga de quase oito meses e se ofereceu para ficar comigo. Decidimos ir para a sala assistir alguma coisa. Achei que Thay já tinha dormido, mas ela chegou até a sala com um edredom, um travesseiro, um DVD na mão e um balde de pipocas apoiado na barriga também. Oh, não. Tirou o Indiana Jones que eu e estávamos assistindo felizes da vida e colocou Procurando Nemo. Juro. Procurando Nemo. Ela nem mesmo perguntou se a gente se importava de assistir outra coisa, simplesmente tirou.
- Ah, fala sério. – Reclamou , sem que Thay ouvisse.
O filme era muito legal, na verdade. Não que eu, algum dia, fosse admitir. Quando disse a ela que nunca tinha assistido ela ficou um milhão de vezes mais animada e a cada cena ficava falando “Olha essa parte, presta atenção nessa parte!” e coisas do tipo. e eu estávamos nos divertindo à beça ver Thay como uma criancinha feliz.
- “Quando a vida te decepciona, qual é a solução?”. “Eu não sei a solução”. “Continue a nadar, continue a nadar, nadar, nadar, para achar a solução, nadar”. – Falou ela junto com as personagens, alterando a voz entre fina e grossa para diferenciá-los.
Rimos de Thay e sua cantoria junto com a protagonista do filme, fazendo ela nos ignorar e continuar cantando.
- Por que se incomoda em assistir essa coisa se já sabe o filme todo de cor? – Perguntou . Thay parecia não ter uma resposta, como sempre tinha.
- Porque.... porque eu gosto desse filme, oras. – Respondeu um tempo depois, dando de ombros.
- Eu tenho um milhão de filmes que eu gosto, mas não decorei a fala deles. – Provocou.
- Você é tão chato, . – Respondeu Thay sem tirar o olho da tela.
- Não é não. – Intrometi, só para ficar contra ela. Thay desviou seus redondos olhos castanhos em minha direção.
- Valeu, cara. – Disse , fingindo estar muito feliz.
- É porque vocês dois são chatos com a mesma intensidade, por isso se aguentam. – Falou a garota, deitando no sofá.
- Eu não so...
- Olhem essa parte! – Gritou Thay, quando chegou em uma cena que a Peixe Azul fala com uma baleia. Eu ri.
- Não grita, Thay, são onze horas da noite. – Ela deu de ombros e continuou cantando com a Peixe Azul.
- Eu não aguento mais esse filme e essas musiquinhas. – Murmurei depois de um tempo. Thay revirou os olhos.
- Vocês reclamam tanto, mas tanto.
Thay tirou o DVD e depois de várias discordâncias e divergências finalmente chegamos a um acordo e resolvemos assistir Harry Potter e a Câmara Secreta. tinha todos os filmes ali, Thay amava por que só assistia isso e fora influenciado por sua mãe e também gostava. Bom, eu era inglês e era muito difícil um inglês não gostar nem um pouquinho de Harry Potter.
Acontece que já estava tarde, e ninguém ficou acordado tempo suficiente para ver o Harry derrotando o Basilisco com a espada de Godric Gryffindor que saíra de dentro do Chapéu Seletor trazido por uma fênix. acabou dormindo ali mesmo, no sofá. Tive que carregar Thay para sua cama, pois dormiu no sofá também. Tinha sido uma noite interessante, quase fez com que eu esquecesse do meu maior problema.
Quase.
Eram oito da manhã e eu já estava de plantão no hospital. Falaram para eu não faltar da escola, ainda mais nesse mês que estamos tendo todas as matérias finais, mas de nada adiantou, continuei irredutível.
And deu um meio sorriso assim que me viu e disse que ia levar Clara para casa dormir e já voltava. Não protestei, e nem ela. Seus olhos estavam inchados e tinham marcas profundas e roxas debaixo de seus olhos, coisas típicas de quem havia passado a noite insone.
And conversou com a enfermeira que cuidava de e eu acabei tendo permissão para visitá-la. Não a via desde que fora atropelada, era proibido entrar na UTI. Mas agora ela já estava estabelecida em um quarto separado e estava terminantemente fora de perigo; logo, visitas eram permitidas. A enfermeira contou que ela já tivera várias reações, mas que não iria abrir os olhos tão cedo. Entrei em seu quarto, pronto para o que quer que fosse.
Ela estava pálida. Seus cabelos vermelhos, por causa do lençol branco e do seu tom de pele, estavam ainda mais vivos. Sua boca continuava rosada. Não tinha muitos estragos, na verdade. Ela estava com um suporte nas costas, mas não havia quebrado nada na coluna, apenas deslocado um pouco. Tinha uma costela quebrada. Um curativo no joelho. O braço esquerdo engessado. Um corte no topo da cabeça, que ia do meio da testa até a ponta do olho esquerdo. Acho que se cortou com o vidro do retrovisor, mas não importa. Estava com um outro corte perto da têmpora direita.
E dormia feito um anjo.
Não usava nenhum aparelho agressivo no nariz, respirava normalmente. Para não falar que não usava nada, ela tinha um caninho ligado em suas duas narinas, mas o médico explicou que aquilo era apenas para manter sua respiração estável e não porque ela estivesse realmente precisando. Eu obviamente não era médico, mas sabia que isso era um bom sinal. Tirando esses pequenos contratempos, ela ainda estava perfeitamente saudável.
Eu precisava lembrar alguém que só o fato de ela estar respirando era um milagre? Por um acaso não foi mesmo que disse que mais um impacto desses provavelmente tiraria sua vida? Eu, de fato, estava muito mais leve por estar ali do seu lado em um leito de hospital do que estar em um cemitério enterrando seu... Nem consegui terminar a frase.
Fiquei ali, admirando a garota que eu amava inconsciente por culpa minha. Não adiantava, eu sempre iria me culpar. Eu iria passar o resto da minha vida me culpando por isso.
Se não fosse a minha imbecilidade com , não teria porque ela ficar brava comigo. pode ter atropelado, mas isso foi consequência de um erro. A causa, foi um erro meu.
Quando decidi que era hora de eu ir almoçar, dei um beijo suave em sua testa e fracamente, tão fracamente que eu quase nem reparei, eu sou capaz de jurar que ela sorriu. Sorri também. Essa devia ser aquelas reações sobre qual a enfermeira falou.
Encontrei Gus e Rafa conversando baixinho no refeitório. Assim que Gus me viu, acenou e eu fui até eles. Rafa se levantou para me abraçar ao mesmo tempo que Gus me dava umas palmadinhas amigáveis nas costas, e de um jeito estranho me senti reconfortado com isso.
- Como ela está? – Perguntou Rafa. Eu podia ver grandes olheiras e percebi que ela parecia igualmente cansada. Cansada de preocupação, imagino.
Dei de ombros.
- Parece bem. Acabei de sair do quarto dela.
- Não acredito que eu não estava lá... Não devia ter deixado ela ir sozinha para o cemitério! – Murmurou Gus.
- Cemitério?
Rafa me fitou, arqueando as sobrancelhas.
- Ela foi visitar Kate. – Sussurrei, me lembrando. – Eu achei que ela estivesse com você o tempo todo. – Falei pra Gus.
Ele deu um audível suspiro.
- Bom, não estava.
Foi a vez de Rafa suspirar, antes de se manifestar com um olhar perdido no chão.
- Eu fui ver a ontem. Ela está muito arrependida.
- Ela comentou algo sobre ter feito aquilo de propósito? – Praticamente gritei. Rafa me olhou exasperada.
- Não, claro que não! Ela não tinha a intenção de atropelar ninguém, só estava brava. Com você, . – Tinha um quê de compaixão na voz dela.
- Bom, ela tinha que ter descontado em mim, então.
- Você não percebe, não é? –Perguntou, com um sorriso cansado. – Ela descontou em você. Da pior forma que pode.
Rafa tinha razão. conseguiu me atingir da pior forma que pôde simplesmente por mexer com a pessoa mais importante do mundo para mim. Ela não estava feliz com o ? Por que obter meu perdão era assim tão importante?
Eu odeio a . Odeio mais do que eu pensei que fosse capaz de odiar alguém. Quando alguém só fala o nome dela, minha visão já fica vermelha e eu odeio isso porque eu odeio odiar.
- Gente, meu Deus, chegamos agora, cadê ela? Como ela está? – Perguntou a voz desesperada de Júlia, que estava seguida de Alex e (pasmem) . Os três pareciam bem abalados e Alex estava com a expressão de quem tinha andado chorando muito.
- Ela está aparentemente bem. – Acalmei a garota. – Até sorriu quando eu disse “tchau”.
Não esperava que ninguém fosse acreditar nisso, mas era a verdade. Obviamente eu passei o recado de uma maneira errada.
- Ah, ela já acordou? – Perguntou Alex, parecendo acordar do seu transe.
- Não. – A voz de falou antes de mim. – Acabei de sair, ela ainda estava dormindo. – Imaginei que “dormindo” fosse um jeito mais ameno de dizer “em coma”. Tremi com meu próprio pensamento.
olhou para mim com uma cara preocupada e eu assenti com a cabeça como quem diz que está tudo bem.
- Não acredito que a fez isso. – Falou Juh depois de um tempo.
- Nem eu. – Sussurrou um chateado, olhando fixamente para mim. – Eu gosto da .
Ficamos um tempo em silêncio sem saber exatamente o que dizer, até que resolveu falar.
- Hm, ...Sei que é difícil pra você e tal, mas o And já chegou e... a Thay precisa de você lá, cara.
Suspirei. Tinha até esquecido da garota frágil e grávida que eu deixei para trás. Eu hesitei um pouco.
- Ei, a gente vai cuidar dela. – Sussurrou Rafa, dando um sorriso torto e colocando as mãos por cima da minha.
- É, a gente cuida direitinho. – Concordou Juh fofamente, forçando um sorriso que nem de longe era verdadeiro. Mas acabei concordando no final das contas.
Subi para o quarto de apenas para dizer tchau. Sua mão estava fria e ela ainda não tinha se mexido um único centímetro. Fiquei com vontade de chorar de novo, porém mais uma vez me lembrei de que era um milagre ela estar ali inteira, respirando, coração batendo. Dei um beijo em sua mão gelada e me retirei do quarto, escutando apenas o som de sua respiração pesada quando fechei a porta.
- Você é genial quando se trata de escolher filmes. Sério. – Reclamei, enquanto assistia Mogli com Thay. Ela riu.
- E você tem um sério problema com os clássicos. – Retrucou, revirando os olhos.
- É você que tem um sério problema. Assiste sempre os mesmos filmes! – Ela riu, mas acabou concordando.
- Só que você precisa saber que esses filmes exalam infância, e quero que minha mini Thay ouça os filmes e se familiarize com eles. Você vai ver, ela já vai nascer inteligente.
- Então nada de filme de terror? – Fiz uma cara chateada, e apesar de perguntar, eu mesmo não era muito fã desses tipos de filme.
- Não, claro que não! – Gritou Thay, batendo no meu ombro. – Desse jeito ela vai nascer assustada.
Eu ri.
- Thay, você sabe que isso não influencia em nada quando o bebê ainda está dentro da barriga, né? – Ela revirou os olhos.
- Dá licença que a mãe aqui sou eu? – Se esticou um pouquinho para pegar uma revista que estava em baixo do sofá, cujo nome era “Mamãe&Bebê”*. Eu dei uma risadinha e Thay, apesar de ter me olhado torto, riu comigo em seguida.
- O que está fazendo? – Ela fez um gesto indicando que era pra eu esperar um pouco e começou a folhear as páginas para frente e para trás. Parecia estar procurando algo.
- Aqui, achei. – Murmurou um tempo depois. – Lê isso aqui.
Revirei os olhos, mas peguei a revista. No título da reportagem se lia “Fatores que influenciam durante a gravidez: tenha uma gestação tranquila”*
- Eu não vou ler isso. – Resmunguei, entregando a revista de volta para ela. Ela rolou os olhos.
- Ok, então eu leio. Aqui diz que “Os bebês são suscetíveis a sentir tudo que a mãe sente”*. – Leu. – Ou seja, se eu sinto medo, meu bebê também vai sentir.
Comecei a rir, dando uma folheada na revista.
- Essa revista está falando de peso e estresse na gravidez, Thay. Não de filme de terror. – Ela fechou a cara.
- Ainda assim, não vou assistir.
- Está bem, está bem, continuem assistindo Mogli. – Brinquei, fazendo ela rir.
Depois de algum tempo do filme, a campainha tocou. Eu ia me levantar para atender, mas Thay se levantou mais rápido.
- Deixa que eu atendo, preciso me esticar. – Suspirou, dando um bocejo e se esticando toda. – Chutou! – Gritou. Ela sempre gritava quando o bebê chutava. Thay atravessou a sala abriu a porta para ver quem era.
- Mas essa menina vai ser uma bagunceira. Estou até vendo. – Ri, de costas para ela. Achei estranho ela não ter me respondido, nem feito nenhum comentário engraçadinho, até que o motivo de sua falta de respostas se deu em carne, osso e estupidez.
- Vai ser menina?
Meu senso de proteção agiu antes de Thay dizer qualquer outra coisa.
- Que diabos você está fazendo aqui? – Perguntei nervoso, levantando do sofá. Só depois me ocorreu que Thay, com toda aquela pose de garota independente, poderia não gostar de ser defendida, mas ela não pareceu ligar. Estava mais ocupada em esconder a barriga gigante com a camisola. Joe teve a capacidade de dar um sorriso.
- Eu? Eu vim falar com ela, posso? Tenho sua permissão, oh Senhor... Qual é seu nome mesmo? – Desdenhou, já entrando na casa.
Considerei a possibilidade de Thay estar catatônica, porém a vida voltou a ela quando Joe deu o primeiro passo dentro da sala.
- Sai.
Joe olhou confuso para ela.
- Mas o q...
- SAI DAQUI! – Thay gritou de um jeito tão autoritário que eu até me encolhi de novo no sofá.
- Thay, acho que você não está bem, eu sou o pai dessa maldita criança, tenho todo direito de...
- VOCÊ NÃO TEM MERDA DE DIREITO NENHUM! VOCÊ NÃO É O PAI DELA E EU VOU NEGAR SUA MALDITA PATERNIDADE ATÉ A MORTE! – Thay respirou fundo e, assim como a irmã, eu sabia que ela ainda não tinha acabado, mas estava tentando se controlar. Fechou os olhos e passou a mão na barriga, respirando fundo.
- É claro que sou o pai. Não foi isso que você foi me dizer há meses?
- E quando eu precisei de você, há meses, o que você me disse, Joe? Você lembra?
O garoto estava na parede, sua expressão tão confiante de agora a pouco tinha sumido completamente.
- Eeu... não...
- Pois eu lembro. Você riu da minha cara, Joe. Você riu e disse “E eu com isso? Se vira! ” – Thay riu, mesmo quando uma lágrima teimosa escapou dos seus olhos.
Eu não sabia dessa parte da história. “E eu com isso? Se vira! ”? Isso é coisa que se diga a uma mulher?
– E eu estou me virando. – Continuou – Muito bem. Tenho pessoas importantes que cuidam de mim e dela. E se você acha que um dia, qualquer dia, vai poder chegar com toda essa sua arrogância pra cima da MINHA filha, que EU passei todos esses meses aceitando, sendo julgada pela maldita sociedade, andando de cabeça baixa por causa de um erro estúpido, você está muito enganado.
- Por que faz tanta questão que eu fique longe se isso foi só um erro estúpido?
Thay arregalou os olhos.
- Você é mesmo um imbecil. Pode ter sido mesmo só um erro e eu posso odiar o pai dela, mas mesmo assim esse tempo todo eu sempre a amei. Ela é minha, Joe, e você nunca vai tirar ela de mim.
- Thay, você sabe que eu posso fazer isso. Sabe, meu pai é o....
- EU NÃO LIGO SE SEU PAI É O MELHOR ADVOGADO QUE O MUNDO JÁ VIU, EU SIMPLESMENTE NÃO LIGO! VOCÊ É A MERDA DE UM COVARDE E EU QUERO QUE VOCÊ SAIA DA MINHA CASA A-GO-RA!
Para minha surpresa, Joe estava chorando.
- Thay, preciso de você de volta. Eu... eu amo você. Do mesmo jeito que você a ama, eu amo você, está entendendo? Desde quando a gente era criança, você lembra? E então a gente começou a sair e do nada você me diz que está grávida e... Eu fiquei assustado, ok? Eu tenho dezoito anos e serei pai, isso me assustou, tá? Mas eu vim me redimir, Thay. Vim pedir desculpa. Por favor, volta para mim.
Por um momento achei que essas palavras baratas iam comover Thay, porque ela fez uma cara tão feliz do tipo “agora eu e o pai do meu filho viveremos felizes para sempre”. Mas esse olhar abandonou seu rosto quase que imediatamente.
- Jonathas, saia daqui. Só... só saia da minha frente. – Algo no modo como Thay chamou ele pelo nome completo fez com que Joe tremesse.
- Thay...
- , tira ele daqui, por favor. – Pediu, fechando os olhos e colocando a mão protetoramente ao redor da barriga.
- Você não pode fazer isso, Thay.
- Suma da minha vista, Jonathas. – Falou Thay, indo para o sofá. Joe tentou chamar ela outra vez, mas eu o empurrei para fora da casa.
- Eu tenho contatos internacionais, te derrubariam em um tribunal sem você nem olhar. Então, por favor, para o seu próprio bem, fica longe dela. – Ameacei, fechando a porta na sua cara logo em seguida.
- Não precisava ameaçar ele com sua pose de “meu pai é um empresário fodão e o advogado da nossa família vai te detonar no tribunal”. – Falou Thay, rindo quando entrei em seu campo de visão.
Dei de ombros.
- Funcionou, ele foi embora com o rabo entre as pernas. – Sentei no sofá novamente, ao lado de Thay e ela encostou a cabeça no meu ombro.
- Bem feito, trouxa.
Dei risada.
- Melhor parar de sentir raiva, ou seu bebê vai nascer raivoso. – Ironizei, fazendo ela me dar um tapão na perna.
- Não tem graça nenhuma, .
Ficamos um tempo em silêncio, o que achei estranho. Quando decidi olhar para o lado, percebi que ela tinha dormido ali mesmo no meu ombro. Tomando todo o cuidado para não a acordar, segurei seu corpo miúdo e a levei para seu quarto.
Em seguida, fui para meu próprio quarto. Antes de deitar em minha cama, fiz a mesma coisa que havia feito há quatro anos atrás, quando descobri que minha mãe estava doente. Implorei para todos os deuses que existissem, supliquei e quase chorei, mas o pedido era o mesmo: “Por favor, permita que ela acorde amanhã”.
Acabamos criando um certo tipo de rotina nos quatro dias que se seguiram. Clara não achou justo que eu perdesse aulas e decidiu que pela manhã eu tinha mais era que estar na escola mesmo (leia-se: me obrigou a estudar. Como se eu tivesse condições de prestar atenção em uma aula que fosse). Eu chegava da escola, almoçava e então ela ia para casa e eu ia para o hospital. A noite And me substituía para dormir lá.
Naquele quinto dia, era exatamente isso que estava fazendo. Cheguei da escola e fui direto para o hospital, onde Clara me deu dinheiro para almoçar, mas acabei recusando e subi direto para o quarto de .
Fiquei conversando com ela, crendo em meu interior que ela estava ouvindo e respondendo. Mesmo depois de uma semana, ela não havia se mexido. Suas pernas e braços eram movidas apenas pelas mãos de uma fisioterapeuta e só. Continuei falando com ela, contando tudo o que havia acontecido no dia, e foi na tarde desse mesmo dia que algo maravilhoso aconteceu. Estava contando que a bebê havia passado a noite anterior inteira chutando a barriga de Thay e toda vez que isso acontecia a garota explodia em gargalhadas e queria tirar foto daquele momento, fazendo com que eu e Clara ríssemos junto com ela. Foi preciso dez minutos para nos recuperarmos e lembrar a Thay de que não tinha como as “chutadas” aparecerem na foto.
Assim que terminei a história contando como só tinha faltado ela lá naquele momento tão especial para a família dela, apertou minha mão.
- , se você estiver me ouvindo, por favor, aperta a minha mão de novo. – Sussurrei, com a voz mais doce que consegui. Ela não apertou novamente, o que me deixou frustrado.
No dia seguinte, a primeira coisa que disse ao médico foi o relato completo da tarde anterior e ele pareceu satisfeito.
Mas ele não disse o que eu precisava ouvir.
- Veja, rapaz. Um coma não avisa quanto tempo dura. Ele pode durar horas, dias, meses... até anos.
Meus olhos saltaram das órbitas.
- Anos? – O médico suspirou.
- Não creio que seja esse o caso dela, mas é melhor não alimentar esperanças, está bem?
E dizendo isso se afastou, sem esperar minha resposta sobre eu estar bem ou não.
Por mais dois dias seguidos eu segurei sua mão o tempo todo, na esperança de que ela apertasse. Ela não apertou, mas quando eu ria, ela dava um sorriso mínimo, o que indicava que o sorriso já era uma reação quase constante. Eu não tinha mais paciência, precisava ouvir sua voz, precisava ver seus olhos, precisava saber que ela estava bem, viva e inteira.
Na terceira tarde, fui para casa. And insistiu para que eu descansasse, mas suspeitei de que era porque eu estava com só para mim e ele queria um tempo com ela. Justamente por isso, nem fiz objeção.
Thay e eu viramos clientes frequentes da locadora do shopping. Eu assisti quase todos os filmes de animação possíveis, e ela aprendeu a gostar de coisas mais legais, como vários filmes de ação que eu gostava. Chegamos até assistir um dos romances que era lançamento, mas nenhum dos dois gostou. Joe não voltou, mas na quinta-feira eu acho que ele disse alguma coisa que a chateou, porque Thay estava chorando quando eu a peguei na escola. Ela não quis me contar o que aconteceu.
Tinha me aproximado muito de Thay, Rafa e Julia nessa última semana. Rafa ia quase todos os dias depois da escola para o hospital comigo, quando eu ia substituir Clara. Julia, por estar fazendo curso técnico à tarde, visitava de noite, junto com And. Ás vezes eu ficava um pouco mais para falar com ela. Gus, apesar de estar precisando de nota em quase todas as matérias, aparecia sempre por lá também, só que mais para o fim da tarde. Digamos que o hospital já era nossa segunda casa.
Já se faziam terríveis nove dias que fechara aqueles olhos. Todos estavam apreensivos, mas ninguém reclamava porque, por mais que não houvesse melhoras no quadro dela, também não havia piorado em nada. Vamos concordar que um quadro estável, ainda que sem melhoras, é bem melhor que um quadro piorando gradativamente.
- Eu acho que vou me ferrar na prova de história amanhã. – Murmurou Thay, do nada.
Ela estava em uma poltrona perto da janela, com Gus sentado ao seu lado. Rafa e eu ocupávamos as cadeiras mais próximas de , que estava lá, inerte em sua cama de hospital.
Gus coçou o queixo.
- História? – Thay assentiu, chateada. – Ei, é literalmente a única matéria que eu presto. Posso te ajudar, se quiser.
A garota pareceu animada.
- Pode ser agora? Ah, Gus, por favorzinho!!! – Implorou, juntando as duas mãos embaixo do queixo.
Ele sorriu.
- Vamos lá, Thay. – Concordou, se levantando. Thay comemorou com um “Yuuupi!”, fazendo com que Rafa risse.
Thay meio que tropeçou nos próprios pés ao sair do quarto, fazendo Gus segurar seu cotovelo para a garota se equilibrar. Ela colocou a culpa na barriga que tinha terríveis nove quilos extras (ela não parava de me infernizar no quão gorda estaria depois que desse à luz) e foi caminhando pelo corredor, com um Gus preocupado a tiracolo.
- Sabe o que eu faria se fosse você? – Perguntou Rafa, assim que me virei.
- Se jogaria em um trilho de trem? – Respondi, irônico. A garota revirou os olhos.
- Estou falando sério, . – Respirou fundo, se encostando na cadeira. – Acho que você precisa conversar com a .
- O que? Você endoidou? Se não fosse por aquela pirada ainda estaria acordada e bem, lembra?
Rafa suspirou, olhando para o chão.
- É, mas... Olha, eu fui falar com ela e... – Ela me fitou com aqueles olhos castanhos chocolates e segurou minha mão. – , eu nunca vi tanto arrependimento em uma pessoa só. Ela está arrependida por ter falhado com você, não uma, não duas, mas três vezes...
- Eu não quero falar com ela, e nem vou. – Decretei, Rafa xingou baixinho, soltando minha mão.
- Para de ser um mimado e pensa na culpa que ela está sentindo! Eu juro que se eu fosse você estaria odiando a também, mas eu com certeza iria querer alguém que fizesse por você o que estou fazendo agora.
Eu nada respondi, absorvendo suas palavras. Vendo que estava quase conseguindo, ela continuou.
- Você não é assim. Você é gentil, e eu não suporto ver você com ódio de alguém. Ódio só destrói as pessoas, sabia? Você é o cara mais dócil que eu já tive o prazer de conhecer, e eu estou dizendo isso de coração. Esse ódio inicial pela nem tem fundamento. Você não disse que já estava apaixonado pela antes mesmo de te trair? , pelo amor de Deus, escute a voz da razão. A razão diz para você não deixar esse ódio te dominar. E eu não estou falando tudo isso da boca para fora.
Depois que ela terminou, imaginei que ou ela era boa atriz, ou boa psicóloga, o que se confirmou verdade, porque ela me contou que o sonho dela desde os nove anos era ser psicóloga quando sugeri essa possibilidade.
Me dando por vencido, acabei saindo do hospital mais cedo, pronto para enfrentar esse fantasma que me aguardava.
Queria saber a todo custo por que diabos ela não havia prestado socorro. Meu maior medo era de que realmente tivesse sido de propósito, mas queria acreditar de todo meu coração de que tinha mesmo sido um acidente. De qualquer forma, aqui estava eu, parado na frente da mansão dos Espinosa’s. Não sabia ao certo o que diria, mas eu precisava saber. Precisava seguir o conselho de Rafa.
Extremamente confuso e ansioso, toquei a campainha. E foi quem atendeu.
Até hoje eu não sabia o porquê de estar falando com e não com e sentia que isso precisava mudar. não foi com a minha cara desde que nos conhecemos, então não ligava para a frieza com a qual ele me tratava. Porém, agora que estava garantida com ele, o garoto parecia ser exatamente o mesmo que era com todos. “Fofo”, como sempre o descreve.
- Oi, . – Cumprimentou, com um sorriso cordial. Retribui, ainda que fosse estranho.
- está? – Ele me olhou desconfiado, mas concordou.
- Hm, sim... Está na cozinha.
Sorri para ele, simplesmente entrando porta adentro da casa que eu tinha morado durante meses. Tia Rô estava no sofá lendo alguma coisa, e abriu um imenso sorriso quando me viu.
- Até que enfim veio me visitar! – Sorri de volta.
Apesar da chateação com , eu ainda era extremamente apegado a Tia Rô. Ela e Clara tinham cuidado de mim como se eu fosse o próprio filho delas, e eu sabia que nem todo dinheiro do mundo seria suficiente para compensar tudo que elas me fizeram. O programa me garantia moradia, comida e experiência, em nenhum momento dizia “afeto”. E o carinho que recebi de livre e espontânea vontade era maior do que tudo que eu poderia querer.
- Eu vim. – Respondi a ela, sorrindo de lado. De repente seu sorriso esmaeceu.
- Fiquei sabendo de . Fui ao hospital com ontem. Espero mesmo que ela se recupere. – Desejou.
- Ela vai ficar bem. – Consolei. Só não sabia se estava consolando a ela ou a mim mesmo.
- ? – Escutei a voz de atrás de mim.
Achei que estaria zangada, que gritaria comigo de novo, mas não. Ela estava até fofa, com aqueles pijamas de tigres cor de rosa que Alex havia dado a ela em seu aniversário.
- É, oi. – Falei, coçando a nuca. – Posso falar com você um instante?
Ela hesitou, olhando para o , que sorriu para ela. Eu realmente não queria brigar com de novo. Claro que nunca mais seríamos amigos, mas queria que não houvesse mais atritos entre nós. Rafa estava certa. Eu precisava perdoá-la. Ela finalmente concordou.
- Claro. – E entrou na cozinha de novo. Achei estranho, mas imitei seu gesto, seguindo-a pelo cômodo.
- Por que não prestou socorro? – Foi a primeira coisa que perguntei. Ela olhou para o chão, envergonhada.
- Eu atropelei a garota que um dia foi minha melhor amiga, . Fiquei assustada. O que esperava que eu fizesse? – Respondeu, sem olhar em meus olhos. – Eu fui pedir perdão a ela ontem, sei que ela me viu. Vai odiar cada parte minha quando acordar.
Não viu. não tinha visto . A última coisa que vira antes de fechar aqueles tão lindos olhos foram a mim e eu tinha certeza disso. Não comentei isso, deixei essa observação entre eu e eu mesmo.
- Ela está inconsciente, . – Lembrei. Ela deu de ombros.
- Eu estava me sentindo culpada demais. Pelo menos agora me sinto melhor, sabendo que ela está bem e tudo mais. Eu sei que ela vai ficar bem, a é forte.
Seu argumento era válido e eu me apegava seriamente a ideia de que ela iria sair sã e salva daquele hospital.
- Olha só, eu não quero mais brigar com você. – Fui direto ao ponto.
Ela pareceu surpresa.
- Ótimo. Eu também não. Eu realmente lamento a dor que causei. E sei que isso não é o suficiente e eu juro que passei dias ensaiando dez minutos do que prometia ser uma enxurrada de desculpas imensa, mas percebi que nem aquilo seria o suficiente. Então peço apenas que perdoe, e se quiser saber os motivos, estou aqui. E antes que me pergunte, não, eu juro que jamais quis ter atropelado . Meu freio de mão emperrou e eu não consegui parar a tempo. Foi só um acidente, eu juro. – Desculpou-se e eu soube que ela estava sendo sincera.
Aquilo já estava esquecido. Eu e meu ego que impossibilitaram o perdão. Eu amava e o fato de ter cometido essa traição que me aproximou dela, querendo eu ou não. Não havia motivos para reclamar. E para ser sincero comigo mesmo eu nem fiquei tão chateado. Primeiro por que e eu já tínhamos terminado e segundo por que eu já estava apaixonado pela , mesmo que eu não soubesse disso na época. Rafa tinha razão.
Ela deu um sorrisinho meio triste. – Se serve de consolo, meu pai confiscou o Porshe. Disse que jamais devia ter dado aquela autorização e que só vou dirigir de novo quando for maior de idade ou quando houver uma emergência. Tipo, o braço do motorista ter quebrado.
Sorri de um modo meio acanhado.
- Eu não achei que ia ser fácil assim, mas... tudo bem, . De verdade. – Sussurrei. Ela me deu o menor dos sorrisos.
- Obrigada.
Fiquei mais um tempo na casa dela, conversando com seus pais e e percebi que eu gostava dele. Depois, aleguei que precisava ir e fui embora, queria ir no hospital mais um pouco. Passei em casa antes para tomar um banho, verificar Thay e pegar um lanche pra Clara, que decidira ficar com And essa noite.
Abri a porta da sala e fiquei mais ou menos surpreso com o que eu encontrei. Primeiro as risadas (Thay normalmente já estava dormindo a essa hora), segundo pela quantidade de livros abandonados no chão e em cima da mesa ter mais diversidades de doces do que a bomboniere da escola.
- Vai te catar, Gus, esse doce é uma delícia! – Resmungou Thay, tentando colocar um doce de aparência suspeita na boca de Gus.
- Mano, eu vou fazer esse doce de gengibre descer na sua goela se você não parar de me atazanar com esse maldito doce de abóbora.
- Ora, a ideia de comprar isso foi sua, não se esqueça.
Gus deu um tapa na própria testa.
- Cara, preciso de um manual de como entender as grávidas! – Reclamou. Aproveitei a deixa.
- Eu que o diga. – Completei, revirando os olhos teatralmente. Thay sorriu.
- Eai, . Doces? – Ofereceu, de boca cheia.
- Não, vendo a discussão de vocês ali... esses doces não tem uma cara muito boa. – Comentei, e era verdade. Vários doces embrulhados em saquinhos transparente e nenhum deles tinha uma aparência lá muito comestível.
Gus riu.
- Ah, qual é, Gringo. Experimenta um pedacinho do Brasil ai! – Gritou Gus, dando um excelente tapa nas minhas costas.
- Eu te recomendo a cocada. Uma delícia! – Disse Thay, ainda de boca cheia. Gus revirou os olhos.
- Ele experimentaria se você não tivesse comido todas, não é mesmo?
Thay corou.
- É culpa dela! – Revidou, apontando para a barriga.
- É, Gus, você compra a doceria inteira para essa dai, depois sou eu que ouço: “Ai, serei uma mãe jovem e gorda!” ou “, meus lindos sapatos Tiffany não me servem mais, meus pés incharam!” ou ainda “Droga, eu engordei de...”
- Já chega, . – Interrompeu Thay, revirando os olhos.
- Eu não vou cometer esse erro novamente. – Garantiu Gus, tirando um chumaço de cabelo preto dos olhos.
- Espero que não.
- Duvido. Vocês vivem fazendo minhas vontades de grávida. – Murmurou Thay, esticando as pernas no tapete.
- Você que pensa.
- E se eu dissesse que estou morrendo de vontade de comer sorvete de morango nesse exato momento? – Questionou. Gus e eu nos entreolhamos.
- Você iria continuar com vontade, muito simples. – Disse, fazendo Gus gargalhar. Thay se levantou do chão.
- Ok. Vou dormir. – Anunciou, bagunçando meus cabelos quando passou por mim. – E obrigada por tudo Gus, você não devia ser melhor amigo da minha irmã. Eu acho que vou te roubar. – Acrescentou, bagunçando o cabelo dele também antes de subir as escadas e sumir de vista.
- Bem, eu vou embora então. – Falou, se levantando também. Olhou para os doces em cima da mesa. – Ela gosta muito desses aqui. – Apontou para uns quadrados marrons.
Dei um sorriso.
- Vou guardar para ela.
Segui Gus até a porta.
- Boa noite, Gus. – Desejei, quando ele saiu.
- Até amanhã.
Eu nunca me senti tão aceito. Era como se fosse uma intuição, não sei, mas parecia que algo me dizia que o Brasil era meu lugar. E pensando em todas as pessoas que eu cativei, na garota que eu amo e nas amizades que eu tinha certeza que não esqueceria tão cedo, eu sabia que essa minha intuição estava certa.
Mas Thay estava me testando, eu sabia disso. A prova concreta era que tinha um pote de sorvete de morango no congelador, ainda lacrado. Bufei, colocando três bolas em uma tigela e levando escada acima.
- Thay? – Chamei, batendo na porta.
- Poxa vida, como você demorou. – Reclamou ao abrir a porta, tirando a tigela com o sorvete das minhas mãos.
Revirei os olhos.
- Folgada.
- Eu nem sei porq... Acho que seu celular está tocando.
E ele estava. Fui correndo para meu quarto atender e vi que era o número da Rafa.
- Alô.
- , você... vocês precisam vir aqui. Agora! – Falou, com a voz entrecortada. Parecia que ela tinha chorado.
- Rafa... O que aconteceu? – Perguntei desesperado, já indo em direção ao quarto de Thay.
- Não dá pra explicar por telefone. Pega o carro e vem logo. – Exclamou, desligando na minha cara.
- Que cara é essa? O que aconteceu? – Perguntou Thay, abandonando seu sorvete em cima da cômoda.
- A gente precisa ir. – Falei.
- Mas eu estou de pijama! – Resmungou Thay. Perdi a paciência, jogando um shorts e uma blusa qualquer que encontrei em sua gaveta.
- Toma, veste isso, qualquer coisa. Vamos.
Thay não reclamou novamente e depois de mais uns dez minutos procurando as chaves, abri a porta do carro e sai da garagem. Chegamos ao hospital vinte minutos depois, encontrando Clara e And abraçados em um sofá na sala de espera.
- Clara? – Chamei. Ela se virou par mim, com um frágil e fraco sorriso no rosto.
- Olá, meu bem. Rafa está no quarto. – Disse apenas.
Thay e eu nem precisamos de outro incentivo, indo até o quarto de .
Rafa estava segurando a mão de , murmurando alguma coisa, e tinha um rapaz atrás dela, meio que a consolando, mas ele parecia triste também.
- Cheguei.
Ela parou de falar o que quer que fosse e se jogou em meus braços. Fiquei confuso, mas retribui o abraço.
- Ainda bem que chegou. Foi horrível, . – Ela sentou na cadeira mais próxima, enquanto eu estava quase gritando para ela me contar logo o que aconteceu. – Ela parou de respirar. Do nada ela tinha parado de respirar. Achei que ela tinha mor-rrido.
Fiquei sem ar, encarando o monitor que indicava os batimentos cardíacos de . Alto e baixo, meio, baixo e alto. As linhas iam e vinham, subiam e desciam, desciam e subiam. Estavam calmas e eu tentei fazer os meus batimentos imitarem os dela.
- E aí?
Ela deu de ombros, balançando a cabeça.
- Era normal, já que ela não está respirando com aparelhos, mas houve pioras. Houve pioras, . – Repetiu. Depois dessa péssima notícia, tudo que se ouvia no quarto era o pipipi lento e ritmado do monitor.
- Ela vai ficar bem, Rafa. Mas agora a gente precisa ir, mamãe já ligou sete vezes. – Pronunciou o rapaz pela primeira vez, falando em um tom gentil.
- Victor, você não entende. Diga para mamãe que ficarei aqui. – Aparentemente eles eram irmãos. Victor se abaixou até chegar ao mesmo nível que ela e colocou uma mexa de cabelo dela atrás da orelha.
- Eu acho realmente meigo sua vontade de ficar com a sua amiga, mas você precisa descansar, Rafa. Nós dois sabemos que não há nada que você possa fazer por ela agora. – Rafa fungou, abraçando o irmão.
- Gente. – Disse Thay, me trazendo para realidade.
Nunca senti tanto medo na minha vida.
E não senti medo porque ouvi o horror na voz de Thay. Não senti medo porque percebi que o monitor tinha parado de fazer barulho. Senti medo porque ao olhar para a tela eu não via mais nenhuma subida ou descida que os movimentos cardíacos deveriam fazer.
Vi só uma única linha reta, significando que o aparelho tinha parado e o coração dela já não batia mais.
POV’s
Ai.
Tudo doía e eu queria acordar. Queria apertar a mão de quem estava apertando a minha. Queria enxugar as lágrimas do rosto da pessoa que chorava em cima de mim. Queria rir do que as pessoas estavam me contando. Eu não sabia há quanto tempo minha mente divagava, mas era tudo muito chato. Eu tinha pessoas comigo o tempo todo, mas queria falar com elas. Queria pelo menos ouvi-las, isso é pedir demais, Deus?
Estava toda imobilizada e isso era frustrante.
E se eu tentasse me mexer... aaai, o que era aquilo? Tem alguma coisa me fazen...
Minha avó sempre me dizia para não esperar muito das pessoas. Ela falava que se você depositasse muita fé em alguém, esse alguém provavelmente te decepcionaria. Você tinha que ter malícia. Tinha que ter percepção de vida. Tinha que saber não depender das pessoas, porque pessoas eram interesseiras demais e você iria se ferrar no final.
Isso era o que ela dizia e, por algum motivo, eu nunca acreditei nela. Primeiro porque eu só tinha oito anos, então meio que uma informação dessas entrava por um ouvido e saia pelo outro. Segundo por que a achava uma senhora rabugenta e cheia de amarguras, que só sabia reclamar da humanidade.
Ela morreu me fazendo acreditar que era uma desalmada, quando claramente não era.
- Sua avó sofreu muito. – Minha mãe disse um dia, enquanto colocava açúcar no seu café. – Ela colocou muita fé no amor e se decepcionou. Nunca mais foi a mesma.
Dizem que uma pessoa fechada é aquela que mais sofreu e, depois que minha mãe me contou isso, senti pena da minha avó, por ter sido tão mal compreendida por mim e tantos outros por tanto tempo.
Porém, mesmo assim eu não acredito no que ela me disse.
Acredito em amor à primeira vista.
Parece um clichê desgraçado agora, mas eu realmente acredito que me apaixonei por ele no segundo em que tivemos um contato mais direto. Podia não saber disso naquela época, mas se aquilo não era estar apaixonada, então eu não sabia o que era. Aquela vez na minha casa não conta, já que ele estava cheio de olheiras e eu estava super de mal humor. Se valer a segunda vez que a gente se viu, então eu me lembro da sorveteria. Aquela da esquina. e eu comemoramos todos os cinco meses de namoro lá, justamente por que eu sinto que foi ali que nos conhecemos.
Estava fazendo frio naquele dia, então a gente não tinha planos de tomar sorvete de verdade. Só fomos lá porque todos queriam conhecer o . Lembro que na época fiz a maior cena para não ir, mas praticamente me enforcou pelo telefone. Digamos que não tive escolha.
- Esses são Rafa, Gus, Alex e . – Informou Anna, sorridente. Os outros acenaram quando ouviram seu nome, menos , o que achei estranho. Mas afinal, era um cara que estava morando na casa da garota que ele gostava. Não era tão estranho assim. – E e Julia, que você já conheceu na sexta.
Julia acenou alegremente, mas eu só tirei meu cabelo da cara, tentando fingir que era um dia normal com meus amigos e que não tinha um invasor entre nós.
- Vocês não vão tomar sorvete? – Perguntou , com aquele sotaque engraçado. Saiu algo como: “Vocêas nam vam tômar sorvêt?”.
Eu tentei não rir, juro que tentei, mas quando olhei para Gus e Alex e vi os dois vermelhos, não consegui aguentar.
- Qual é a graça? – perguntou Rafa, mas ela estava rindo também, e pela cara de Julia e eu tinha certeza que a gente estava rindo da mesma coisa. Apenas e não tinham achado graça nenhuma.
- Desculpe. Vamos, . Vamos tomar sorvete. – Falei a primeira coisa que me veio à cabeça, porque o pobrezinho parecia super chateado. Ele pareceu confuso, mas se levantou e me seguiu.
Fomos até o freezer onde ficavam os sorvetes de massa.
- Gosta de chocolate? – Perguntei, já abrindo o freezer e colocando uma bola.
- Sim, mas nã...
- Morango? – Outra bola.
- Também, mas eu nã...
- Pistache?
- Gosto, mas...
- O que? Não, pistache não, pistache é ruim. – Resmunguei, colocando a cobertura de caramelo por cima de tudo. Acrescentei uns granulados. – Me perdoe, o que queria dizer? – Perguntei fofamente, colocando uma colherzinha azul em cima do sorvete e estendendo o potinho para ele.
Ele suspirou, aceitando o sorvete e apontando para mesa.
- Eu vou... voltar pra lá.
Assenti com a cabeça, o acompanhando de volta para onde os outros estavam. Sentei ao lado de Gus.
- O plano da está funcionando?
- Plano? Que plano? – Perguntei, confusa.
- Sua linda amiga atribuiu seu mau humor a sua completa falta de machos e está tentando...
- Te juntar com o gringo ali. – Completou Alex, entrando na conversa. Eu ri.
- Certo, o plano dela não está funcionando coisa nenhuma.
- Porque vocês estão sussurrando? – Perguntou Julia baixinho, entrando na conversa também. E foi aí que percebi que era verdade, estávamos os três sussurrando.
- Eu não sei. – Sussurrou Alex de volta.
- O que vocês estão cochichando ai, posso saber? – Gritou , do outro lado da mesa. Nós quatro começamos a rir.
- O Gus começou a falar do seu pl...
- Nada, era só uma brincadeirinha. – Disse Gus, tapando minha boca com sua mão. – Ai , não lambe minha mão! Que nojo!
Durante todo o resto de tarde e pelo tempo que permanecesse conosco, iria ter o menos contato possível com ele.
parecia minha mãe, não parava de falar nos meus multitalentos enquanto eu só queria sumir e Gus ria da minha cara. Tomei como regra não falar com ele, por mais idiota e infantil que isso possa soar e parei de encarar o lugar onde ele estava sentado.
Eu não ia me envolver com esse gringo. Ah, não ia mesmo.
Aquele era meu plano, então é claro que não funcionou. Nada que eu planejo dá certo. Eu sabia que ia acabar me apaixonando por ele de alguma forma. Se eu não soubesse, então para que sentir tanto medo? Pelo menos naquela época o plano fazia sentido na minha cabeça.
Contei isso tudo para um dia, mas ele disse que já sabia e que na época não aguentava mais ouvir a falando sobre mim.
- Mas teve um lado bom que agora é útil. – Disse ele, com um sorrisinho.
- Qual? – Perguntei, encostando minha cabeça no ombro dele. Já tinha escurecido, mas nenhum dos dois se incomodou em acender a luz do jardim. A rede balançava de um lado para o outro e estávamos bastante confortáveis assim, obrigada.
- Agora eu sei tudo sobre você. – Ele fez uma pausa e, apesar de estar praticamente de costas para ele, eu apostava minha vida de que ele estava fazendo uma careta agora. – Bem, quase tudo. O que faria se tivesse mil reais? – Perguntou, de repente. Eu ri com essa pergunta desconexa, me virando de frente para ele.
- Provavelmente eu compraria livros. Ou talvez guardasse, vai que preciso fugir. – Ele fez um carinho na minha têmpora.
- E você prefere frio ou calor? – Sorri, confusa.
- Pra que você quer saber?
suspirou e pela pouca luz que vinha debaixo da porta pude ver que ele revirou os olhos.
- Apenas responda, .
- Eu prefiro o frio, não gosto de calor. – Ele fez uma pausa e eu comecei a rir por causa desse questionário esquisito.
- Certo. Que nomes daria a seus filhos? – Gargalhei.
- Sério isso? – Ele me encarou super sério, me fazendo rir mais ainda. – Ok, ok. Acho que eu a chamaria de Livrety e se fosse um garoto ele iria se chamar Bibliótenes.
riu quando percebeu o que eu tinha falado.
- Cacete, espero que a gente não esteja mais juntos quando você tiver filhos, porque nem morto que serei pai de uma menina chamada Livrety. – Dei risada.
- Eu não estava pensando em você como o pai dela, de qualquer forma. – Hesitei, porque estava mexendo em meus cabelos e eu estava gradativamente me esquecendo até do meu próprio nome. – Na verdade, acho que vou terminar com você amanhã de manhã.
- Mesmo? – Perguntou, continuando a mexer no meu cabelo.
- Sim, eu.. eu quero que saiba que... mais pra cima. Não, não para, continua fazendo aquilo. – Reclamei, quando ele parou de mexer.
- Você estava dizendo que...? – Perguntou, parando com a mão em cima da minha cabeça.
- Que você é o melhor namorado do mundo. E eu te adoro por isso. – Declarei, arrancando um sorriso lindo dele. Céus, esse garoto não existe.
- Ótimo. Qual é sua fruta preferida?
Eu o encarei.
- Você é estranho. Pode voltar a mexer no meu cabelo?
- Ou você pode apenas me responder. – Revidou, dando um tapa na minha testa.
- Banana. Eu amo banana.
- É, dessa eu já sabia. – Rimos. – E se você visse uma barata? Faria o que?
Gargalhei.
- Eu... mataria a barata?
- Bem, isso não é o que a maioria das garotas faria.
- Acho que a essa altura do campeonato já deve ter percebido que não sou como a maioria das garotas. – Ele beijou o canto da minha boca.
- Você não é uma garota. Você é a . Certo, não sei o que você é. – Falou, e eu dei um tapão em seu braço.
- . – Corrigi, fazendo ele rir. – A rede parou de balançar.
- Se mexe. – Pediu. Mexi-me, mas a rede jamais se balançaria desse jeito. Ele riu e começamos a nos mexer juntos, mas a única coisa que ia acontecer seria a queda da rede se a gente não parasse. Gargalhamos da nossa idiotice, até que ele colocou o pé para fora e nos empurrou para a rede voltar a balançar como antes.
- O que a preguiça não faz com a pessoa... – Comentei.
- Falou a que nã...
- , tem certeza que não vai? Já estamos saindo. – Interrompeu Thay, acendendo a luz do jardim. e eu nos separamos e levantamos, mas era só reflexo. Não estávamos acostumados a sermos vistos juntos.
- Tenho. O carro já está muito cheio. – Desamassei meu vestido e peguei na mão de . – Hora de dar tchau para vó Mags.
Fomos até a sala onde estavam Marcos e Dandara, a irmã de And (ou seja, minha tia), o filho deles de sete anos Jean, e por fim, vó Mags no sofá, além dos meus pais e Thay. Eu queria mesmo ir levar vó Mags no aeroporto, mas não tinha mais espaço no carro. e eu ficaríamos ali.
- Tchau, vó. Espero que faça uma boa viagem. – Desejei, abraçando a senhora miúda que se levantara.
- Obrigada, docinho de coco. – Agradeceu, apertando minhas bochechas. – E você, romeuzinho... – Acrescentou, abraçando . – Toma cuidado com ela.
Todos riram.
- É claro, vó.
Ficamos mais uns quinze minutos nos despedindo, até que anunciaram que tinham que ir. Thay foi a última a sair.
- Estou de olho em vocês, honey. Juízo, hein. – Provocou. Era apenas Thay sendo Thay.
Revirei os olhos.
- Olha quem fala. – Rebati, apontando para a barriga dela. riu e Thay mostrou o dedo do meio antes de finalmente bater à porta.
Aquela foi a primeira vez que ficamos a sós. Foi a primeira vez que dormimos juntos. Foi a primeira vez de tudo, foi a nossa primeira vez. E, acima de tudo, foi uma noite muito importante para nós.
Engraçado foi o dia que resolvi contar que tinha perdido a virgindade. Eu e toda trupe resolvemos ir para o Hopi Hari, em um lindo dia de verão. And me deu um passe livre e aí todo mundo resolveu me imitar. Conclusão: ninguém pegou fila para nada. Eu, Rafa e Julia estávamos indo para a Giranda Mundi enquanto os meninos iam para sabe-se lá Deus onde e se agarrava com o por ai.
Esperei nós três entrarmos na roda gigante para soltar a bomba de uma vez.
- Transamos.
- O QUE? VOCÊ NÃO É MAIS VIRGEM? – Gritou Rafa.
- Isso, amiga, espalha para todo o parque que eu não sou mais a Virgem Maria. – Reclamei de um jeito irônico, fazendo Julia rir.
- Ai, perdão, . Muitos acontecimentos nesses últimos dias.
- Sinto falta da Kate. – Murmurei, de repente. Em um passado distante eu tinha estado com ela nesse mesmo brinquedo e não ter ela comigo estava doendo. Rafa e Julia se entreolharam, mas antes que eu tomasse uma linha de pensamentos depressiva demais, simplesmente enxuguei a lágrima solitária e mudei de assunto. – E ai, quem mais tem fofoquinha?
Julia de repente ficou séria.
- Eu fiquei com o Victor. – Eu e Rafa olhamos boquiabertas para ela.
Rafa deu uma risadinha amarela.
- Que Victor? O único Victor que você conhece é meu irm... – Rafa ia dizendo e Julia ergueu as sobrancelhas quando percebeu que a ficha de Rafa tinha caído. Assim como a minha, aliás. Não acredito! Julia estava pegando um cara dez anos mais velho que ela!
- É... – Murmurou Juh, com um sorrisinho.
- Cara, você pegou meu irmão?
Dei risada.
- É o que parece, né, Rafa?
- Ai. Que. Nojo. Argh. – Comentou, dando de ombros.
- Ele me chamou para sair. – Murmurou Juh depois de um tempo.
- O QUE? – Gritamos nós duas ao mesmo tempo.
- Amiga, não grita com a sua cunhada. Deixa esse trabalho comigo. – Falei para Rafa. – COMO ASSIM, JÚLIA MARQUES???
- Como isso começou? – Rafa exigiu saber.
- Ah, faz tempo. Desde quando a gente estava planejando a festa surpresa da .
Rafa se deu um tapão na testa.
- E eu toda idiota achando que ele era o melhor irmão do mundo por estar ajudando... quando ele só estava indo lá pegar você? Oh, God. – Suspirou.
A gente ainda riu muito depois disso. É claro que Alex deixou escapar que eu já era uma mocinha na hora que a gente estava comendo (me fazendo ficar roxa de vergonha) e aí foi a vez da Rafa retrucar dizendo que Juh estava babando por uns velhotes, e pronto, todos os segredos foram lançados na mesa. Literalmente. Ah, era tão bom sair com meus amigos. Não sei o que seria de mim sem eles.
Tem alguém mexendo no meu braço direito. Dói. Preciso dar um jeito de... Mas o que é isso? Porque eu não consigo abrir meus malditos olhos? Que coisa mais estr...
Eu era totalmente contra a esse negócio clichê. Qualquer coisa clichê me irritava. Ciúmes besta é um excelente exemplo. Quando começou a namorar o , ela não parava de ter crises de ciúmes. Um ciúme super infantil. Eu ria demais dela, sempre brigava por ela ser tão tonta, até que comecei a passar pela mesma situação e me senti uma otária por isso.
- , não faz assim... – Falou, passando a mão no meu braço. Tirei a mão dele dali e voltei a fazer meu dever de casa. – Para com isso, vem aqui.
- Não.
- Está brava?
- Não. – Resmunguei, apagando mais uma conta errada.
- Então por que está agindo assim?
- Porque estou ocupada. – Retruquei mais uma vez. Virei a página da apostila com uma força um pouco além da necessária e, por causa disso, acabei rasgando um pouco nas laterais. – Merda.
- Então me ajuda. Estou com dúvidas nesse exercício. Vai, me explica. – Pediu, pegando na minha cabeça e tentando fazer com que eu o olhasse. Mas estava muito brava.
- Pede ajuda pra ela. – Falei. Simplesmente escapou. Não liguei, voltei a fazer meus exercícios. O desgraçado começou a rir.
- Quem é ela? Do que você está falando? – Pela primeira vez desde que se sentara do meu lado eu olhei para ele.
- Aquela da loja. Estava flertando com você. – Ele riu mais ainda. Estava conseguindo me deixar mais irritada que antes.
- Rebeca? – Perguntou. Argh, garoto insuportável.
- Sim, , a Rebeca. Pede para a Rebeca te ajudar, ela deve ser ótima em matemática. – Falei sorrindo de um modo tão sarcástico que ele até parou de rir. Aproveitei a deixa para voltar para a minha atividade.
Ouvi suspirando.
- Em primeiro lugar, eu só estava comprando uma caneta e era ela a única atendente. E em segundo lugar, quem diabos ainda usa o verbo “flertar”? – Completou, rindo. Idiota.
- , não precisa ter ciúmes da Rebeca.
Eu não estou com ciúmes seu babaca. Ok, eu estou e por causa disso nem vou te responder.
- Amor, para com isso.
Não.
- , me responde! Se a raiz quadrada de X é 3 vezes a sua potência e sabendo que Y é um número real diferente de 0, e que 3X³-Y³=1, determine Y.
- Eu sei que você nem está prestando atenção na lição.
- Mentira, eu consegui fazer esse aqui. – Murmurei, apontando para o exercício de polinômio.
sorriu, fazendo um carinho gostoso no meu rosto.
- Você sempre consegue. É tão inteligente.
Revirei os olhos.
- Não vai rolar.
- Ok, você quem sabe.
Ele se levantou, indo até a cozinha. Depois de uns quinze ou vinte minutos ele voltou com uma coisa branca e espumosa. Droga, eu senti o cheiro de banana na hora e praticamente voei até onde ele estava para roubar a vitamina dele.
- Obrigada. – Agradeci, pegando o copo e voltando a me sentar. Pela visão periférica pude ver que ele se sentou ao meu lado.
- Vai me explicar esse exercício agora?
Não respondi.
- ?
Mais silêncio.
- Ah, vai se foder, . – Explodiu, me fazendo dar risada. Ele riu também e aproximou a cadeira dele da minha. – A Rebeca é só uma vendedora inofensiva. Minha namorada é você, .
Eu dei um sorriso e depois de um tempo expliquei para ele todos os exercícios que tinha entendido.
Foi a primeira vez que me deu esse faniquito de ciúmes, mas não foi a última. Claro que eu não era do tipo ciumenta demais, porém quando estava sensível, ou seja, de TPM, qualquer garota que olhasse mais tempo do que o recomendado era a vítima. A menina do mercado, a menina da aula de geografia, a mulher do padeiro (sim, até mulheres casadas já tinham sido meu alvo). Perdi as contas de quantas vezes chegamos a até brigar por causa disso. Mas de uns meses para cá até que eu melhorei nesse sentido. também melhorou, então acho que esses ataques de ciúmes são bastante frequentes apenas nos primeiros meses de namoro em geral.
Minhas pernas. Tem alguém mexendo minhas pernas agora. Eu não posso simplesmente chutar a cara de quem está fazendo isso? Droga.
Não tenho noção de tempo e espaço. Não sei quanto tempo faz que estou nessa dimensão onde está tudo escuro e eu não faço ideia de onde estou. Preciso abrir os olhos. Sinto falta dele, sinto falta dos meus amigos, dos meus pais, de Thay.
Será que eu nunca mais vou acordar?
Não sei quanto tempo passou, só sei que não sinto mais dor. Isso é bom. Tem alguém aqui comigo, mas não sei quem é. Sinto meu braço sendo tocado e eu tenho certeza que essa pessoa está falando alguma coisa, mas não ouço o som. Agora ouvi uma risada, que prontamente reconheci.
É dele.
está aqui. Tento sorrir de volta pelo simples prazer de saber que ele está aqui comigo, mesmo eu estando muda e surda.
Ele segurou minha mão. Estou tentando, estou tentando dizer para ele que vai ficar tudo bem e que eu vou acordar logo. Seu carinho a minha mão continua e tudo que eu quero é poder devolver todo esse seu carinho em dobro. Devolver essa atenção. Devolver esse afeto e toda essa adoração. Principalmente, quero devolver o “eu te amo” que eu não disse. Quero que ele saiba que eu o amo.
Tentei apertar a mão dele, mas não sei se eu consegui.
tem sido um anjo na minha vida e eu espero do fundo do meu coração que consiga retribuir tudo que ele me fez. Minha vida estava preta antes de ele chegar, e quando preciso falar sobre ele nem sei por onde começar. Por exemplo, Kate. me ajudou mais do que eu pensei em relação a ela. toda vez que eu tinha uma quedinha de tristeza era ele quem sempre estava comigo.
Não posso dizer que simplesmente substituiu minha melhor amiga em meu coração, porque isso não seria verdade. Kate era e sempre seria insubstituível. Mas se teve uma coisa que ele fez, foi preencher o espaço vazio dentro de mim que me machucava.
Estava tudo pacífico, até sentir algo estranho acontecendo comigo.
Eu estava pensando sobre isso, sobre como ele se tornou uma pessoa tão importante em tanto pouco tempo, quando por algum motivo eu literalmente perdi a respiração.
Eu me chacoalhei, me debati, gritei por socorro, esperneei, mas meu corpo não me obedeceu e percebi que continuei parada. A sensação de falta de ar piorou e eu me senti afogando no mar no meio de uma tempestade, onde tudo que eu podia fazer era sacudir os braços e bater as pernas, e ninguém viria a meu socorro porque eu estava sozinha.
Estava faltando ar nos meus pulmões e eu precisava respirar. Eu precisava de ar e naquele momento percebi o quão árdua é a luta pela sobrevivência. Eu estava lutando parada, sendo traída pelo meu próprio corpo que não obedecia a nenhum movimento meu, mas eu precisava lutar. Precisava pensar em todos os motivos que me manteve lúcida até agora. Alguma coisa encostou-se a meu nariz e logo uma lufada de ar frio preencheu meus pulmões, fazendo meu peito chiar de dor.
Respirei aquele ar, aliviada. Como um andante do deserto que encontra um oásis depois de dias bebendo o mínimo possível de água. Estava aliviada. Tudo ia ficar bem.
Mas não ia.
Parece que não.
Meu coração começou a bombear mais depressa.
Sabe aquilo que dizem, que quando você está com um risco de morte iminente a vida passa como um borrão diante de seus olhos?
“Olá, me chamo , prazer.”, disse, ao se apresentar. Aquele sorriso que me derretia.
Não estava dando certo, meu coração parecia querer sair correndo.
“Está um pouco gordinha”. Não queria admitir, mas isso tinha me deixado tão para baixo. Era uma memória distante, mas ainda estava tão, tão viva.
As memórias vinham, mais depressa, com mais velocidade e tudo era proporcional ao ritmo acelerado e descompassado do meu coração. O que está acontecendo?
“Foi para isso que eu vim aqui”, foi o que ele disse naquele dia tão triste, no dia do aniversário de Kate. Foi um gesto muito meigo que eu jamais esqueceria.
Eu precisava lutar.
“Então eu estou perguntando. , o que você tem?”. Uma pergunta tão simples que exigia uma resposta tão complicada. Será que se eu tivesse dito a verdade naquele dia nós estaríamos juntos agora?
Respira, inspira, respira, inspira. As pessoas não podiam ver o que se passava na minha cabeça nesse momento?
“Eu acho que gosto muito de você, ”. Acho que nunca na minha vida gostei tanto assim de ouvir uma frase. Foi uma das melhores coisas que eu já ouvi na vida e naquela hora eu não pude esconder meu sorriso quando ouvi o que ele me disse.
“Eu não consigo mais ficar longe de você, por mais mal-humorada que você esteja”. Essa frase era a prova verbal de que ele já estava apaixonado por mim, assim como eu por ele.
Precisava me manter sã. Meu coração doía, sentia o ar saindo dos meus pulmões e não retornando para o mesmo. Não posso morrer, preciso lutar, preciso acordar.
“Você me ensinou o verdadeiro significado de estar apaixonado por alguém. E eu sei que sempre serei apaixonado por você. ”. Sempre tão meigo. Tão meu.
Meu coração voltou ao compasso rápido enlouquecedor e a sensação de falta de ar voltara mais forte do que nunca. Então meu corpo mais uma vez não me obedeceu quando fiz força para respirar e minha respiração regrediu gradativamente...
E, por fim, minha luta dera lugar ao cansaço.
Meu coração reduziu seu ritmo, se aquietou devagar no meu peito e simplesmente... pa r o u.
“Eu te amo, . E eu vou de amar pra sempre.”.
Niall POV’s
- ?
Aproximadamente doze pares de olhos aflitos olharam para o médico sem saber que reação tomar. estava na sala de cirurgia há horas e essa foi a primeira pronuncia do médico desde ontem à noite. And tomou a frente, indo até onde o médico estava. Thay e Clara também se levantaram, e apreensivo, fui atrás.
- Boa tarde. – Começou o médico, quando já tinha uma rodinha perto dele. Dei uma observada e notei que Rafa ficara para trás, chorava e estava sendo consolada por e . – A situação atual não é tão boa, mas a cirurgia foi um sucesso. Fizemos alguns exames e ela está progredindo. Achamos que ela não tardará a acordar.
Ouvi todo mundo suspirando de alivio ao mesmo tempo. Parecia que um caminhão de dez toneladas tinha acabado de abandonar minhas costas.
- Ela vai sobreviver, mas... – Continuou ele. Ora, é claro que tem um “mas” nessa história. – Bom, vai haver sequelas.
O médico parecia realmente triste em dar essa notícia.
- Que tipo de sequelas? – Perguntou And por todos nós.
O médico (que descobri se chamar Doutor Carlos depois que li seu crachá), suspirou, olhando bem no fundo dos olhos de And.
- Essa é a dificuldade da situação da sua filha. Não sabemos. Há um leque de opções de sequelas para o caso dela, coisas como paraplegia, epilepsia, esclerose ou qualquer coisa que tenha a ver com o tronco cerebral. Foi muito fácil salvá-la, senhor, mas infelizmente as chances de ela acordar sem nenhuma sequela é quase nula.
Depois disso, apesar da triste notícia da sequela, todos ficamos bem. Não cem por cento, mas bem o suficiente para ir dormir um pouco. Eu não queria ir, mas Clara fez questão e eu a obedeci. Thay, meio a contragosto, também me seguiu. Como não ficara ali a noite toda como nós e estava bem descansada, assim como e Gus, teve a permissão para ficar, coisa que deixou o resto de nós frustrados.
O tempo de viagem de volta para casa pareceu mais longo do que sempre era, mas chegamos sem mais problemas.
Apesar de ter resmungado com Clara e And, eu e Thay estávamos tão cansados que nos jogamos cada um em um sofá e dormimos ali mesmo. Sei disso porque horas depois, quando acordamos, eu não me lembrava do porque não termos tido energia para subir até nossos respectivos quartos.
- Querem ir à locadora? – Perguntei a Thay, dando a ela o balde de pipoca. Ela me lançou um sorriso diabólicamente fofo.
- Locadora? Não mais, caro . – E então mudou de canal e apontou para a TV. – Eu te apresento: Netflix!
- Uau, agora eu gostei. – Ela riu.
- Fiz meu pai assinar esses dias, mas contando com a reviravoltas das últimas horas eu não tive tempo de te contar. Que filme vamos assistir? – Perguntou, passando com o controle por cima de um monte de nomes de filmes.
- Hmmm... Ali, aquele al...
- Já sei! Vamos assistir O Galinho Chicken Little! – Gritou, sem nem me dar atenção. Dei um sorriso. E lá vamos nós de novo.
Já tinha passado quase metade do filme quando meu celular começou a tocar.
- Se celular está tocando. – Anunciou Thay sem tirar os olhos da TV, depois que eu não fiz nenhum movimento indicando que iria lá pegá-lo.
- Preguiça.
Ela me tacou uma almofada.
- Pode ser notícias da minha irmã!
É, eu não tinha pensado nisso. Sai debaixo do cobertor e corri trôpego até a cozinha. Assim que cheguei no balcão, o celular parou de tocar. Uma ligação perdida de Gus. Peguei o celular e voltei até a sala.
- Lei de Murphy, só pode. Perdi a ligação, era o Gus. – Falei para Thay. Ela concordou com a cabeça e voltou a assistir ao filme.
Fiquei preocupado. Alguma coisa no meu intimo me dizia que tinha algo errado. Eu sabia que uma coisa horrível ia acontecer, só não sabia o que era. E eu sei que devia ter dado mais ouvidos para essa minha intuição sombria naquele momento, mas eu simplesmente a deixei de lado quando a mensagem de Gus vibrou em minhas mãos. Ela acordou.
- Já tem muita gente lá dentro, lamento. Não posso deixar você entrar. – Informou a enfermeira que estava de guarda na porta.
Será que ela não entende? Basicamente duas semanas vendo imóvel com aqueles olhos fechados, será que é pedir demais poder finalmente vê-la?
- Mas é a minha namorada que está lá dentro.
- E é a minha irmã. E a tia dela! – Completou Thay, apontando a barriga.
- Desculpe, não posso ajudá-los. Terão que esperar.
Bufei, frustrado, passando a mão pelos cabelos. Merda, eu precisava entrar naquele maldito quarto. Podia ouvir sua risada, aquela doce risada, daqui de fora e não estar lá com ela estava acabando comigo.
A porta abriu, fazendo Gus, , Julia, , Alex, e Rafa saírem todos ao mesmo tempo, não necessariamente nessa ordem. Ótimo, eles tinham coração. Eles estavam sorrindo e pareciam felizes, mas todos os sorrisos morreram ao mesmo tempo quando eles me viram.
Epa.
- . – foi a primeira a dizer. Rafa me lançou um olhar piedoso e eu não estava entendendo nada. Porque estavam todos meio que com dó de mim? Ela estava bem, não estava?
- Vou entrar.
Foi muito rápido. Em um momento eu estava finalmente caminhando em direção a porta, mas no outro, todos eles me empurraram de volta ao banco, Alex fechou a porta, e Rafa começou a chorar.
- Isso é tão, tão injusto. – Murmurou ela, me confundindo ainda mais.
Nessa confusão toda eu nem percebi que Thay tinha entrado lá, mas o que quer que tenha acontecido a deixou muito mal, porque também saiu do quarto chorando.
- Oh, . – Falou com o rosto cheio de lágrimas, vindo me abraçar.
Eles estavam me confundindo ao extremo. tinha acordado, não tinha? Então qual era o problema?
Resolvi apelar para o modo mais fácil.
- Quero ver a . Depois a gente conversa. – Falei, me levantando.
- Não! – Gritou todo mundo ao mesmo tempo, inclusive Thay, me empurrando para o banquinho novamente.
- Tem uma coisa que precisa saber antes de entrar lá. – Disse Gus. – Precisamos te preparar para isso. Com a gente foi mais fácil por que... – Ele não soube continuar.
- A não está bem ela mesma, sabe? – Explicou . Eu já estava irritado e precisava entrar lá. Levantei-me, mas dessa vez não deixei ninguém me empurrar de volta. – Você não pode...
- . Saia do meu caminho.
- , escuta a gente antes, você não va... – Foi a vez de me impedir, colocando o braço no meu ombro.
- Cara, você é meu melhor amigo, mas eu vou socar a sua cara se você não me der licença.
- Mas...
- Deixa ele. – Interrompeu Rafa, fazendo finalmente abaixar a cabeça e olhar para baixo.
Olhei para todos eles. Para Thay, que ainda chorava. Eram meus amigos, certo? Provavelmente os mais verdadeiros que eu já tive. Apertei a mão de Rafa, agora com medo do que encontraria no quarto. Ainda assim, abri a porta e entrei.
Ela estava sentada, jogando alegremente em seu tablet. Apostava que era Angry Birds. And estava em um canto digitando uma mensagem e Clara estava sentada na beirada da cama de , fazendo uma trança em seu enorme cabelo de cor de cobre. Sorri com a cena, dando mais um passo em direção a cama. And e Clara me viram ao mesmo tempo e, assim como o de todos lá fora, o sorriso dos dois morreu e Clara me lançou aquele mesmo olhar de pena que todos me lançaram.
Alguma coisa horrível ia acontecer. Eu sabia disso, não é mesmo?
- Vamos... deixar vocês conversarem. – Anunciou And. Seu anuncio fez com que tirasse os olhos do tablet e me olhou com aqueles lindos olhos tão incomuns. Travou o tablet e sorriu para mim. And me deu um tapinha nas costas e Clara um beijo na minha bochecha quando passou por mim. Aproxime-me da cama dela assim que eles fecharam a porta.
- Estou recebendo tantas visitas. Com certeza quero ser atropelada mais vezes. – Gracejou ela, me fazendo sorrir. O que tinha dito? Ela era totalmente ela mesma. Ela estava totalmente normal, totalmente inteira.
Porque, então, aquele olhar de lástima de todo mundo?
- Senti tanta sua falta, . – Ela franziu a face.
- Me chame de .
Eu ri.
- Acho que bateu a cabeça com força até demais.
parou de sorrir na hora.
- Digamos que sim.
Olhei para ela, me aproximando mais.
- Tem ideia da aflição que passei no mundo dos vivos enquanto você dormia de um modo angelical nessa cama? – Perguntei. arqueou as sobrancelhas, extremamente confusa.
- Aflição? Mas n...
- Não, espera, me deixa terminar. – Ela parecia ainda mais confusa e isso devia ser o primeiro indicio para o que aconteceu a seguir. Mas estava tão feliz por vê-la assim, corada, viva, que nem liguei. Nem dei atenção para os meus sentidos que piscavam e me diziam que tinha algo errado. Que todo mundo lá fora estava tentando me dizer que tinha algo errado. De novo, nem liguei.
Apenas sorri para a garota a minha frente. – Eu te amo, , para sempre. Faria qualquer coisa por você, então nunca mais faz isso comigo, pelo amor de Deus.
Eu me aproximei da cama dela perto o suficiente para abraça-la e foi exatamente isso o que fiz.
Eu a abracei porque estava com saudades, porque eu a amava e porque ela tinha saído dessa ilesa. A abracei com toda força que consegui reunir e depositei naquele abraço todas as minhas frustações, toda minha angústia que, felizmente, tinha sido superada porque ela tinha acordado. Ela tinha acordado e estava aqui, estava comigo e me abraçava de um jeito hesitante, mas eu sabia que tinha a mesma intensidade de emoções. Eu a abracei do jeito que estava louco para fazer desde que ela fechara os olhos.
Quando nos afastamos, pude ver que ela sorria, mas a confusão não abandonara seu olhar.
- Estou lisonjeada com essas suas juras de amor eterno, mas... posso fazer uma pergunta? – Falou, olhando para baixo. Se essa pergunta faria a expressão confusa sumir, então eu estava mais do que ansioso para saber o que era.
- Claro, . Me pergunte qualquer coisa. – Respondi, beijando sua mão e olhando para ela. Esperando. Ela então fez uma pausa, desmanchando com a mão livre a trança que Clara fizera em seus cabelos. Olhou para a mão que eu beijei e depois olhou para mim, com aqueles olhos mais brilhantes do que nunca.
E dentre todas as péssimas perguntas que poderiam partir meu coração, me fez a pior que poderia ter sido feita.
- Quem é você?
A vida não quer saber se você está satisfeito ou não, ou se você está feliz e muito menos se está triste. A vida só acontece. E você não pode voltar a fita e fazer tudo de uma maneira diferente, não tem como. Não é possível, não existe um controle para ajustar o tempo para sua conveniência. O que passou, passou. Não dá para voltar atrás e não dá para consertar o estrago feito. Não dá para mudar as palavras que disse e não dá para acrescentar as que você deixou de dizer. Não dá para mudar seus atos, não dá para desfazê-los. A vida é assim, e estaria mentindo se dissesse que nunca sofri com ela.
Se a despedida de algumas horas atrás não tivesse sido um sofrimento, então eu já não sabia o que era.
- Chega, Thay, tenho certeza que estou esmagando essa sua barriga de grávida. – Murmurei depois de cinco minutos de um abraço interrupto vindo de minha adorável ex-cunhada.
- E eu tenho certeza que minha barriga de grávida está te abraçando também. – Retrucou, fungando.
Deu um soluço contra meu abdome. Ela estava chorando desde ontem, literalmente. Eu sabia que ia sentir muita falta dela.
– Ela chutou! – Exclamou ela, saindo de meu abraço de repente e olhando para sua enorme barriga. – Olha, , ela chutou, não quer que você vá.
Thay me fitou com os olhinhos castanhos arregalados e eu não conseguir deixar de sorrir. Abaixei-me para ficar na direção de sua barriga.
- Oi, bebê. – Comecei, me achando ridículo. Não parei, porém. – Eu sou o tio . Estou voltando pra Inglaterra agora, mas sua mãe diz que você não quer que eu vá. Só que eu juro que volto. Um dia eu volto para ver como você está, eu prometo. – Terminei. Era mentira. Eu não voltaria, não tão cedo. Mas não estava em meus planos contar a Thay que eu jamais voltaria para cá. Estava muito cedo para decidir isso.
Chegara o dia do meu embarque. Achei que quase ninguém viria, entretanto, aqui estavam eles, todos eles. Tia Ro, Marcos, Clara, And, até mesmo estava aqui.
- Seu idiota, não era pra você estar indo embora! – Gritou Rafa em meus braços quando Thay me soltou. Eu nunca mais tinha visto Rafa chorar, então comecei a rir quando a vi assim. – Qual é a graça?
- Nenhuma, é só que eu nunca mais te vi chorando. – Admiti. Rafa revirou os olhos, mas voltou a me abraçar. Julia apareceu do nada e delicadamente empurrou Rafa para o lado e me deu o abraço mais fofo da história. Ela era mesmo muito fofa. O tipo de garota que eu sentia aquela necessidade máscula de defender de qualquer garoto babaca.
- Tchaaaaaau, ! – Falou. Estava chorando também. Você volta? Eu prometo que nunca nunca nunca mais vou zombar do seu sotaque de novo!
Eu dei risada, e ela se afastou de mim, ainda com o braço em meu pescoço.
- Eu vou voltar. – Menti, de novo.
Rafa e Julia eram excepcionais. Eu as adorava e acho que iria sentir mais falta delas do que pensava. As duas me ajudaram a superar o ocorrido e eu sentia falta de ter uma melhor amiga.
Ela também estava lá. Minha única melhor amiga.
Estava lá, só que não se lembrava de mim. Quando viu que eu a observava, Julia me soltou e deu uma piscadinha. percebeu que eu a encarava e deu um grande sorriso. Não, ela não podia estar sorrindo quando eu estava morrendo por dentro. Queria poder pedir para ela parar, mas na verdade ela tinha facilitado tudo para mim, e eu não podia simplesmente pedir para ela parar de sorrir só por que eu estava arrasado. Porém aquele sorriso me matava. Antes mesmo de ter conseguido dar um passo em minha direção, entrou na minha frente. Meu foco foi para ele.
era simplesmente o cara mais legal do mundo. Duvidava que algum dia fosse encontrar um amigo tão prestativo, tão leal e tão bom quanto ele. Ele me acolhera praticamente desde a minha segunda semana aqui e estamos juntos a partir de então. Ele tinha um histórico antigo com , ele a amava e eu sabia disso, mas mesmo assim me ajudou a ficar com ela. Eu sabia que isso talvez fosse um grande desaforo, mas ele nunca jogou isso na minha cara e nunca reclamou, não que eu saiba. Ele poderia ter me ajudado com ela e poderia ter ido embora, mas não o fez. Continuou sendo meu amigo, continuou me apoiando e não a desrespeitou uma vez sequer. Se comportava como o “melhor amigo do namorado de ” e não como o “ex -namorado da namorada do ”. Isso tinha uma grande diferença. Ele podia ter me dado às costas, mas não fez isso. Continuou conosco. Ele a amava, mas gostava dela o suficiente para deixar que ela seguisse em frente, comigo.
Parece idiota, mas era assim.
- Vou sentir sua falta, cara. – Começou, colocando as mãos no bolso. Droga, eu também, .
- É, também vou sentir muito a sua. – Falei. sorriu e me deu um grande abraço.
- Lamento que não tenha dado certo, . – Completou, sinceramente triste. Ele parecia lamentar de verdade.
Foi uma terrível sequela e ninguém espera por aquilo. Mas preciso concordar que foi melhor do que estavam esperando. Por causa da batida, esqueceu tudo que aconteceu em sua vida depois do primeiro acidente. Os médicos fizeram tudo que podiam, mas foi constato esse caso particular de amnésia e não havia nada que pudesse ser feito para ela recuperar a memória. Ela esqueceu tudo que viveu depois do dia 09/10/2011. Ela esqueceu de mim. Ela esqueceu de nós. Praticamente dois anos de sua vida perdidos e uma história inteira foram esquecidos. Por isso, digamos que ela ainda era apaixonada por quando acordou, visto que me mandou embora depois que eu ri e perguntou por ele. Naquele momento eu percebi que ela estava falando sério e meu coração se quebrou em um milhão de pedaços. Confesso que foi esse um dos motivos que fizeram comprar essa passagem em minhas mãos.
- Como assim, quem sou eu? Isso não tem a menor graça. – Eu havia dito. Ela franziu a face.
- Não estou fazendo piada. Não o conheço. Quer dizer, o mundo está estranho, sabe? Minha irmã aparece grávida, a Kate ainda não voltou dos Estados Unidos e agora tem um bonitão de sotaque esquisito dizendo que me ama.
Passei as mãos pelos cabelos, quase chorando.
- Rafa! – Chamei. Incrível como chamei uma pessoa e todas as outras entraram com ela.
- O que?
- Ela está dizendo que não sabe quem eu sou!
pareceu triste e ainda tentou se defender.
- Provavelmente porque nunca coloquei meus olhos em você antes.
Rafa recomeçou a chorar. E nesse momento eu me toquei do que estava acontecendo. O aviso deles. O aviso dela.
- Ela perdeu a memória, não é? – Sussurrei para And, sem que ouvisse. Aparentemente ela não sabia disso ainda. And assentiu, concordando.
- Ei, onde está o ? – Perguntou ela, e isso foi o estopim para eu sair do quarto e ir direto para o aeroporto comprar a passagem.
- Está tudo bem.
- Não, não está. Vocês estavam tão felizes, não era para ter acabado assim, não era! – Ele parecia chateado de verdade. Me senti ainda mais para baixo.
- Cara, aconteceu. Não era pra ter sido assim, mas aconteceu. – concordou comigo, ainda cabisbaixo. O que eu disse não foi da boca para fora, era verdade. Aconteceu e eu tinha que lidar com isso. Eu poderia ficar aqui, poderia tentar reconquistar ela, mas, sinceramente, esse acidente me mostrou que definitivamente não era pra ser. Aconteceu.
- Você vai superar. Eu sei que vai. Sei que não superei até hoje, mas não somos iguais, então vai passar, tem que passar. – Murmurou. Não sabia se estava falando comigo ou com ele mesmo.
- Não é tão simples.
- Na verdade é, pelo menos você está indo para o outro lado da Terra.
- Pelo menos não foi de você que ela esqueceu, . – Lembrei, suspirando. Ele olhou em meus olhos, e suspirou também.
- Você vai conseguir. – Falou piscando e me dando um último abraço. ainda estava ali, esperando sua vez, acho. Depois que viu indo embora, deu mais um sorrisinho inseguro e finalmente se aproximou de mim.
- Hm... Tchau. – Disse ela, me abraçando alegremente, com um sorriso sincero nos lábios. O tipo de sorriso que chegava até os olhos. Falou de um jeito normal. Um jeito tipo “estou dando tchau para o estranho que morava na minha casa”.
- Tchau. Fique bem, . – Não fui capaz de dizer mais nada. A garota fez uma careta quando ouviu seu nome.
- Já disse várias e várias vezes para me chamar de .
Devo comentar que doeu minha alma quando ouvi isso. Olha a ironia, eu sempre quis poder chamar a garota pelo apelido e agora tudo que eu mais queria era ouvir me corrigindo novamente. Significaria que ela ainda tinha um pouco da garota que me amou dentro dela.
- Eu gosto de . – Consegui sussurrar.
Céus, eu daria qualquer coisa mesmo para ouvi-la me corrigindo de novo.
Ela deu outro sorrisinho discreto e estava quase se afastando, mas voltou.
- Olha, eu lamento que tenha acabado assim. Juro que, se tivéssemos mais tempo, eu iria amar ter te conhecido. Eu queria muito lembrar. Mas não consigo. Me desculpe.
Ela era a mais pura essência da garota encantadora que eu sempre admirei. Pedindo desculpas por causa de algo que não podia ter controlado. Pedindo desculpas por algo que ela sequer tinha culpa.
Me contentava saber que eu já tinha me punido mentalmente o suficiente, mas eu tinha certeza que essa punição duraria a minha vida toda.
Havia tantas coisas que eu poderia dizer a ela, coisas que com certeza aliviariam sua culpa e faria ela sentir raiva de mim. Conversei com uma vez mais. Ela estava se sentindo muito mal com a decisão que eu tomei, mas não liguei. Decidi pegar a culpa dela. Decidi então, que e tinham recebido uma segunda chance e eu iria tomar as dores de . Todo mundo protestou. E eu não me importei. Esse era meu último desejo e eu queria que a amizade delas voltasse a ser o que era antes de eu aparecer por aqui. Para mim, foi e apenas ela que atropelou e pronto. Para todos os outros, fui eu. E era disso que ia ficar sabendo.
Achei que pensar no quanto eu me sentia um inútil talvez bastasse. Achei que tudo, tudo que a gente tinha passado, tudo que eu sofri e tudo que perdi, foi merecido. Foi merecido por que eu fui egoísta, talvez? Por que eu estava fazendo acreditar que eu era o culpado? Eu não sabia.
Talvez fosse o destino tirando uma com a minha cara, mas quem liga? Perdi a vida da minha mãe, perdi o respeito do meu pai, e, agora, também perdi a memória de uma garota que eu aprendi a amar tanto quanto a mim mesmo.
- Está tudo bem, ok? Não faz mal. Sério.
Nós dois sabíamos que não estava nada bem, por causa, talvez, do meu tom de voz. Minha voz estava trêmula e embargada, eu estava quase a beira do choro. Era humilhante. Eu abaixei o olhar, mas olhei de novo em seus tão fascinantes olhos quando ela tocou meu ombro. Em seus lábios repousava um sorriso gentil, e ela me abraçou novamente.
Aquela não era a . Aquela não era a minha . A que eu conheci não sairia dando sorrisos espontâneos e abraços grátis. Ela simplesmente não era a mesma garota de um mês atrás, quando sua memória sobre mim, sobre nós, ainda estava intacta.
Mas eu a amava mesmo assim.
Ela sorriu e se esticou na ponta dos pés para beijar minhas bochechas. Olhei uma última vez em seus lindos olhos verde-azulados.
- Espero que faça uma boa viagem, . – E me deu um último sorriso torto antes de ir até onde a estava.
Não era necessário comentar que eu não faria uma boa viagem. Eu nunca mais faria uma boa viagem.
O resto da despedida foi depressivo. Havia criado laços demais aqui, havia criado raízes demais aqui, havia criado história demais aqui, e eu sentia que iria sentir falta de todos. Depois de tantos abraços e promessas de que algum dia eu voltaria, senti que estava quase completo, que aquela minha experiência tinha servido de lição e que eu não precisava ficar triste por ter chegado ao fim. A única despedida que não havia sido completa o suficiente, foi a dela. E eu sabia que era apenas por que aquela despedida nunca deveria te acontecido. Não era para eu me despedir, nunca. Simplesmente não era para ter chegado ao fim. Sim, estava faltando alguma coisa naquela despedida.
Há um ano, antes mesmo de ter chegado aqui, não tinha sido assim que imaginei minha despedida. Era para ter sido alegre. Era para eu ter uma coleção de amigos e pais emprestados adoráveis acenando com alegria. Não era para ter uma garota com perda de memória nesse aeroporto. Não era para eu, por um acaso, estar apaixonado por ela. Por que não era para eu ter me apaixonado. Mas me apaixonei. Estava tão apaixonado que doía. E não devia estar doendo.
Ela era apenas uma garota.
Apenas uma garota, era isso que ela era. Me peguei a esse mantra, repetindo a mim mil vezes que ela era apenas uma garota em milhões. Ela era apenas uma garota que tinha me feito rir, que tinha me ensinado mais do que eu imaginei. Ela era apenas uma garota que esteve comigo quando precisei, que me apoiou e me aceitou do jeito que sou, com todos os meus defeitos e qualidades. Ela era apenas uma garota que assistia filmes de terror comigo mesmo não gostando deles e que me deixava sujar seu cabelo de sal por causa da pipoca. Ela era apenas uma garota que, depois de tanto tempo, ainda conseguia me apaixonar por ela cada dia mais. Apenas uma garota com uma auto estima invejável e com um caráter mais invejável ainda. Apenas uma garota que fora minha namorada por cinco meses e meio.
Ela era apenas uma garota ruiva, meiga e esquentadinha, cujo sorriso era a primeira coisa que eu me lembrava quando acordava.
Mas não era, percebi. Não era mesmo. Ela era a única garota.
Estava faltando alguma coisa, mas nunca descobri o que era. Meu vôo foi anunciado e lançando apenas mais um olhar chateado para todos que me encaravam com lágrimas, me fui. Olhei para trás uma única vez.
E ela não olhava na minha direção.
Assim que sentei no banco gelado da primeira classe do avião, não esperei nem mesmo a decolagem. Só mandei minha masculinidade para o espaço e chorei.
Chorei por tudo que ainda não tinha chorado.
Chorei todas as lágrimas reprimidas no último mês.
A vida é estranha. Eu não sou tão egoísta a ponto de pedir uma vida inteira do lado dela, mas o que custa um segundo? Se o destino tivesse me dado mais um segundo, ela teria terminado a frase. Um mísero segundo, era apenas disso que eu precisava.
", eu ..."
Essa frase iria martelar na minha cabeça por muito tempo. Iria fazer eu ter sonhos, às vezes pesadelos. Eu não conseguiria me ausentar da culpa. E eu não conseguiria me esquecer do rosto dela.
", eu ..."
Um segundo. Em uma droga de segundo ela teria dito as cinco letras que estavam faltando. Parece pouco tempo. Ora, o que se pode fazer em apenas um segundo?
", eu ..."
Por que ela não me disse primeiro? Por que eu sempre teria na memória algo que eu nunca escutei?
Imaginei o que teria acontecido se eu não tivesse brigado com . Imaginei o que teria acontecido se não estivesse com raiva. Imaginei o que teria acontecido se não estivesse na rua. Imaginei o que aconteceria se tivesse chegado a antes de . São tantas ações. São tantos erros. Quem diria que todos eles fossem a causa de eu estar nesse avião?
Mas acima de tudo, imaginei se eu tivesse tido pelo menos o meu segundo. Aquele único segundo que eu poderia pedir.
", eu te amo"
E eu sorri. Eu estava sorrindo.
Porém eu sabia que meu sorriso não foi verdadeiro e que aquelas sempre seriam as três palavras que ela nunca me disse.
Passei quase toda viagem da volta revezando entre dormir e chorar, então não me lembro de nada. Não me lembro de ter cumprimentado Luke quando ele foi me buscar no aeroporto. Não me lembro de ter respondido quando ele me perguntou se eu estava bem. Não me lembro se meu pai estava em casa ou não. Estava vivendo no automático. Sentia como se ela estivesse morta, e até certo ponto, era verdade. Eu já lidara com a morte de alguém importante para mim antes e agora estava passando pela mesma dor. Era insuportável, eu não aguentava mais.
E então chegara aqui, no meu quarto, subindo de dois em dois degraus e detestando minha própria vida e o rumo que ela tomara. Minha mão ainda estava dolorida por causa do soco que dei na parede e quando olhei mais de perto, percebi que sangrava. Dane-se. Apenas dane-se.
Essa foi minha história de dor. A pior história que eu poderia ter contado.
Não, era a melhor.
Sim, era a melhor. Melhor por que é única, e melhor por que ninguém teria tanto azar quanto eu e ela.
Imperceptivelmente, peguei meu celular para olhar as fotos que tinha tirado durante aqueles quase dez meses. Ela ainda estava lá, na maioria das fotos. Sem pensar direito no que fazia, apaguei todas elas, uma por uma.
Parei na última, que resolvi guardar. A foto que eu tirara no avião, há mais de nove meses atrás. Eu não fazia ideia do que me aguardava quando tirei aquela foto. Foi a primeira foto que tirei e retrava uma América do Sul minúscula abaixo de mim. Tinha a certeza que jamais pisaria naquele solo novamente, não tão cedo.
A maior certeza que eu tinha, entretanto, era que por mais que eu rodasse o mundo tentando esquecê-la, sempre estaria bem ali, naquele pontinho minúsculo do mapa.
Junto com minhas três palavras.
Junto com meu único segundo.
Fim!
Nota da autora: (22/09/2015)
Eu não vou chorar. Não estou chorando. Vou parar de chorar. E vou contar uma história para vocês.
Era uma vez uma garota sonhadora que odiava aulas de filosofia e ficava pensando na vida ao invés de prestar atenção nessa tal aula. Em uma quarta-feira de novembro, como qualquer uma outra, essa garota pegou o celular de uma amiga e o escondeu, para sacanear essa amiga. A amiga descobriu, claro, e pediu para a garota sonhadora devolver o aparelho, porque ela queria terminar de ler sua fic. A garota sonhadora ficou surpresa. O que era uma “fic”? A amiga riu, e então apresentou a garota da nossa história ao lindo e maravilhoso mundo das fanfics. Foi assim que ela leu sua primeira fanfic: I Hate You (Quem não leu, leia. Super recomendo). Infelizmente, a história acabou, e ela ficou triste porque queria ler mais. Então pensou: “Já sei! Vou escrever minha própria fanfic”. E em uma sala de aula barulhenta, um professor de filosofia monótono, no meio de uma semana cansativa de provas, nasceu Just A Girl.
E aqui estou eu, depois de quase três anos escrevendo a fic e dois anos de história no site. Acho que vocês sabem disso, Just A Girl é meu primeiro amorzinho e eu sou apaixonada por ela. Sou apaixonada pelo enredo e por minhas próprias personagens. E isso porque algumas delas existem. Julia e Rafa existem de verdade e suas características são reais. (Brinks, a Rafa da vida real é mais bruta. Muito bruta). Thay é minha irmã de verdade também (mas relax, ela não está grávida não). E aposto que vocês não sabiam de nada disso HAHAHAHA
Quando releio algumas passagens até dou risada pensando “nossa, escrevi isso aqui na aula de história, quando estava no primeiro ano! ”, em outras surpreendo a mim mesma: “Devia estar muito inspirada quando escrevi isso aqui”. Comecei a escrever quando tinha uns 15 anos. Agora já tenho 18 e é visível o quanto eu e meu jeito de pensar mudaram só escrevendo essa história. Minha escrita mudou demais, isso é inegável. E tudo por causa de vocês. Se não fossem vocês pedindo mais capítulos, cobrando, deixando seus lindos comentários, eu jamais teria chegado onde cheguei. Vocês não fazem ideia da felicidade (e tristeza) que estou sentindo com esse “fim” ali em cima. Achei que eu não ia ter incentivo, achei que ninguém ia ler, achei que eu não ia conseguir acabar. Demorou muito se considerar a pouca quantidade de capítulos, mas eu alcancei meu objetivo.
Quero deixar aqui meus sinceros e profundos agradecimentos a todas que leram, comentaram, indicaram lá no grupo do FFOBS (principalmente a linda da Berrie <3 ) e estiveram comigo nessa louca jornada que foi JAG. Quero agradecer também a linda da Adriele, por ser uma beta tão legal e maravilhosa. DRI VOCÊ VAI SER MINHA BETA PARA SEMPRE BJAO
Antes que vocês arranquem os cabelos, saibam que eu não parei aqui, de maneira nenhuma. Just A Girl não parou aqui. Digamos apenas que eu congelei os personagens por um tempo, demos uma pausa na vida deles. A parte II vai se passar cinco anos depois do fim dessa aqui. Não tenho datas, mas queria ter uma boa margem de capítulos antes de postar, portanto ela está prevista mais ou menos para o segundo semestre do ano que vem. Mas não chorem, temos Chemical Of Love enquanto isso que, por sua vez, está prevista para ser finalizada mais ou menos no mesmo período (olha eu promovendo COL, novamente).
Você, essa pessoa que está lendo isso nesse exato momento, com o nariz zuado de tanto chorar ou não, merece toda minha gratidão. Você, essa pessoa que não curtiu muito a história e está lendo só para dizer que leu, me perdoe por não te satisfazer em relação ao enredo em si, ou simplesmente a esse final loucão. É uma questão de gosto, não é mesmo? E a você, essa pessoa que lê fielmente há vários tempos ou que descobriu JAG há pouco tempo, você mora no meu core para todo o sempre.
Vocês são maravilhosas e eu amo/adoro vocês todas. Se quer saber mais da parte II, não deixe de participar do grupo no feice.
E isso não é uma despedida. Creio que a maioria de vocês ficará surpreendida com o futuro das personagens aqui na minha cabeça, e se ficarem, era minha intenção haha
Finalizo esse discurso com mais um “obrigada” e um “até breve”.
Beijos <3
Outras fics: Just A Girl (One Direction/Finalizada) Chemical Of Love (Outros/Em andamento) 01. Welcome To New York (Ficstape 1989, Taylor Swift/Finalizada) 02. Good Thing (Ficstape In The Lonely Hour, Sam Smith/Finalizada) 06. Unbroken (Ficstape Unbroken, Demi Lovato/Finalizada) 17. Still The One (Ficstape Take Me Home, One Direction/Finalizada)
Grupo do Face:
https://www.facebook.com/groups/367305850131896/
Nota da beta:
Lorh, sua linda, foi um enorme prazer betar a sua fic! A primeira fanfic em andamento que betei, ou seja, Just a Girl está comigo desde que entrei no site, então, carinho enorme por ela, e pela autora também HAHAHAHA
Adorei ver o quanto você amadureceu na sua escrita, até até te falei isso, e espero que você cresça muito mais nesse mundo maravilhoso de fanfics <3
Eu que tenho que agradecer por você ser essa autora mega compreensiva e nunca reclamar demais de alguns atrasos e erros que deixei aqui e acolá HAHAHAAHAHHA Para mim será um prazer enorme ser sua beta para sempre <3
Qualquer erro nessa atualização são apenas meus, portanto para avisos e reclamações somente no e-mail.
Para saber quando essa linda fic vai atualizar, acompanhe aqui.
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