Just Giving In


Escrita por: Larissa Portela
Betada por: Ebonny


CAPÍTULOS: [Prólogo] [1] [2] [3]



Prólogo


Avenue des Champs-Élysées, Paris, FR
Sexta-feira, 28 de dezembro de 2012


Eu e minha prima estávamos passando em frente ao restaurante Chez Clément, indo em direção ao Arco do Triunfo para uma "sessão de fotos". Já morava na França há um ano com minha família, mas não cansava de mostrar a linda cidade de Paris para as inúmeras visitas que recebíamos em nossa casa.
Faltavam apenas alguns dias para minhas férias de inverno acabar, então, tentava ao máximo aproveitar esse tempo com Isabelle e sua mãe, Cláudia, minha única tia. Iríamos passar o ano novo com a família de meu padrasto e, como faltavam apenas três dias para o evento, Isabelle me arrastou até a Gare de Rouen e pegamos o primeiro trem para Paris, sabendo que não poderíamos desfrutar de muitos outros momentos durante sua curta estadia conosco.
Chegamos ao início da enorme calçada e ficamos apreciando, assim como todos os outros turistas ali presentes, o maravilhoso monumento a nossa frente.

Após algum tempo, Isabelle finalmente cansou de tirar fotos. Guardamos os aparelhos eletrônicos e decidimos comprar bebidas numa das tendas da feira de natal que sempre ocorria nessa época do ano. Conversávamos distraidamente e quase tombei no chão ao trombar contra um brutamonte que corria entre o público com uma bolsa na mão. Minha bolsa na mão?
- Vas te faire foutre, connard! - gritei.
- Alice! Você está bem? - perguntou Isa, parecendo não perceber os olhares zangados à nossa volta - O que aconteceu? Que diabos você falou?
- Nada que aquele babaca não merecesse. - respirei fundo, tentando me controlar. - Droga, ele pegou minha bolsa!
- Mentira? - disse, cobrindo a boca entreaberta com as mãos. - Ele levou alguma coisa importante?
- Acho que não... - respondi em alívio ao tocar o pequeno aparelho no bolso do casaco. - Meu celular está aqui. Acho que só fiquei sem o carregador e minha bolsinha de dinheiro que já estava quase vazia mesmo.
- Vou ter que te bancar, é? - perguntou, com as mãos na cintura.
- Não, sua mão de vaca, a carteira está no hotel. Vamos andando. Se você quiser chegar à roda gigante a tempo, teremos que apertar o passo porque ela fica no final da avenida.
- Eu sei, Ali, não sou cega - retrucou, fazendo-me revirar os olhos.

Chegando à roda gigante, compramos duas entradas e ficamos esperando pacientemente na fila. Incrível como o ser humano era capaz de construir uma coisa tão grande. Ela era pintada de branco e decorada com luzes de LED. Agradeci pelas cabines serem fechadas, pois o frio estava me matando. Fechei os olhos e apertei o nariz contra o cachecol.
A presença de Isabelle era um ótimo conforto para minha vida conturbada. Desde que chegara a França, as únicas coisas que aprendera a apreciar foram os pontos turísticos e as diferenças de culturas. Ainda sentia falta de minha vida no Brasil, principalmente das pessoas que havia deixado para trás...
Quando entramos na cabine e sentamos uma de frente pra outra, esperamos em silêncio a tão aguardada subida, olhando para as janelas de vidro. De um lado, víamos a parte superior da Torre Eiffel, o Arco do Triunfo e os inúmeros edifícios de baixa altura da parte antiga de Paris. Do outro lado, víamos o Louvre e mais outro museu de artes. Era tudo lindo e maravilhoso, principalmente o sentimento de paz que se instalava em meu peito.
Quando chegamos ao solo, após duas voltas, paramos em frente a um painel com uma bela imagem da roda gigante. Olhei para um ponto escuro à minha frente e sorri, sendo logo cegada pelo flash vindo de um aparelho de fotografia. Descemos uma leva de escadas e paramos para comprar nosso souvenir fotográfico. Na foto, Belle abraçava-me e sorria, como uma princesa. Já eu, saí com o cabelo escuro no rosto e a bochecha esmagada. Relevei. Rimos juntas das piadas feitas pelo vendedor, enquanto Isabelle respondia "Oui, oui" sem entender uma palavra que saia de sua boca. Finalmente decidimos partir a procura de um táxi, já que a hora da gandaia se aproximava e estávamos cansadas demais para aproveitá-la.

Paramos na fila do ponto e aguardamos. Estava perdida em pensamentos quando a voz de uma brasileira atrás de nós me chamou a atenção. Olhei para Isabelle e ela riu dizendo "eu reparei" sem pronunciar as palavras. Virei-me para ver o rosto de tal pessoa e congelei quando nossos olhares se encontraram.
- Alice! - gritou a menina mais baixa à minha frente. E com um grande sorriso, envolveu-me em seus braços, apertando-me contra si. - Que coincidência!
- Manu! – exclamei. - Quanto tempo! O que você está fazendo aqui?
- Visitando. – ela fez uma pausa. - Você sabe que sempre quis vir, então pedi de presente de 15 anos. Eu teria te ligado, mas o Eduardo falou que você estava viajando e...
- Eduardo? - perguntei, olhando para os lados. - Ele está aqui?
- Aham. Ele foi comprar sorvete, mas já vai voltar - respondeu, com os olhos brilhando e um sorriso radiante. - Nem acredito que te encontrei. Aposto que ele vai pirar de felicidade!
Respirei fundo e forcei um sorriso, após esconder minhas mãos trêmulas nos bolsos.
- Manu, você sabe que não estamos mais juntos... - disse calmamente, virando-me para observar as pessoas na rua.
- Eu sei, Ali, mas eu vou te contar um segredo, tá? Não fala para ele que eu te falei! - avisou, se aproximando e tirando o cabelo da minha orelha. - Ele vai todo fim do mês ver o pôr do sol no Arpoador, como se você nunca tivesse ido embora.
Fechei os olhos e senti uma lágrima escorrendo sobre meu rosto. Deus, nunca me esqueceria de nossos encontros no último final de semana de cada mês na pedra do Arpoador; de nossas brincadeiras e de nossos abraços e beijos trocados... Fora lá o nosso primeiro encontro. Fazia tanto tempo, mas lembrava de cada detalhe desses momentos, como se nada tivesse mudado, como se eu nunca tivesse partido.
- Aqui, Manu. - ouvi uma voz masculina se aproximando por trás de mim. - Juro que nunca mais vou fazer nada para... - Eduardo parou abruptamente quando me virei e o fitei. - Ali?
Estávamos ambos petrificados, olhando um pra cara do outro. Seu cabelo castanho esvoaçava-se ao vento e sua barba por fazer o deixava com o ar mais velho. Ele parecia mais magro, mesmo com as roupas de inverno cobrindo seu corpo. Seus olhos castanhos claros me analisavam e, pouco a pouco, um sorriso fora quebrando o gelo entre nós. Ele se aproximou e me abraçou, estendendo para longe sua mão com o sorvete de copinho.
- Pega logo isso, Manu. - disse. Logo, seus braços envolviam-me e meus pés elevaram-se do chão, fazendo-me gritar.
- Me coloca no chão, Edu!
- Pronto. - respondeu. Ele me encarou e segurou meu rosto entre suas mãos. - Senti sua falta.
- Eu também. – sorri, encostando minha testa na dele. – Você não faz ideia.

Capítulo 1


Rio de Janeiro, Brasil
Janeiro de 2014


Estava sentada bem na ponta da pedra do Arpoador, entre uma menina magra demais e um estrangeiro branco demais. Ouvia o burburinho das várias conversas atrás de mim, todas falando sobre a mesma coisa: o lindo pôr do sol que coloria o céu de vários tons de rosa, amarelo e laranja.
A maré estava alta, porém, calma. Ao fundo, via-se dois grandes navios e uma lancha em movimento. Fechei os olhos e respirei fundo, abri-os novamente e fitei a grande bola amarela, próxima ao morro Dois Irmãos, quase se encontrando com a água.
Sentia falta do calor, do mar, da praia... até mesmo do cheiro de maresia. Apreciara o tempo que passara no exterior, mas nada como nosso país de origem, principalmente quando esse país era o Brasil. Apesar da desigualdade social, da corrupção política e da saúde e educação precária, o povo brasileiro sempre foi e sempre será o mais acolhedor, bem humorado e divertido entre todos os outros.
Minutos mais tarde, o público aplaudiu o fim desse maravilhoso fenômeno natural e dispersou-se em direção ao calçadão. Respirei mais uma vez aquele ar e levantei-me preguiçosamente da pedra. O céu ainda estava bastante claro e como vovó morava não muito longe dali, decidi parar em um dos quiosques da praia para comprar uma bebida.
Sentei-me numa cadeira de plástico vazia e fitei as ondas ao longe. Fiz questão em vir desacompanhada ao Arpoador, pois costumava vir com apenas uma pessoa e, como qualquer ser humano, temia mudanças e seus significados.
- Alice? - pulei da cadeira ao sentir um toque em meu ombro. Virei-me arqueando as sobrancelhas, surpresa com a presença da pessoa a minha frente.
- Vitória? - abri um largo sorriso. - Quanto tempo! - disse, abraçando-a.
- Meu Deus, Alice! Como você está? Achei que estava morando na França!
- Estava sim, mas voltei há mais ou menos uma semana - respondi, sentindo-me culpada por não tê-la avisado.
Vitória era uma amiga de infância. Estudáramos juntas em Angra dos Reis, uma cidade turística ao sul do Rio de Janeiro. Como mamãe começou uma família muito cedo, não teve tempo para pensar em seu futuro profissional, mas assim que se separou de meu pai, retomou seus estudos numa universidade na capital, tendo que deixar-me pelos cuidados de minha avó, Emília. Sete anos mais tarde, mamãe estabilizou sua vida profissional numa empresa francesa de engenharia, se casou com um colega de trabalho europeu e passamos a viver juntos numa casa em Santa Teresa, bairro antigo na Zona Sul do Rio.
Depois de quatro anos vivendo no Rio de Janeiro, fiz novos amigos e percebi que essa mudança não tinha sido tão trágica quanto esperava. Tinha aprendido bastante e amadurecido também. Pouco a pouco, afastei-me involuntariamente de minha antiga vida, e essa era uma das coisas que mais me arrependia, principalmente agora, olhando para Vi e percebendo o quanto havia perdido.
- Que legal! - ela sorriu. Sua pele do rosto começava a descascar por conta do sol, mas sua beleza natural era tanta que tornavam seus defeitos irrelevantes. Seu cabelo loiro era liso e comprido, seus olhos cor de avelã refletiam as luzes dos postes, e seu corpo trabalhado a fazia parecer uma modelo de biquíni. Se não fosse pela sua baixa altura, tenho certeza que seria a personificação da palavra "perfeição". - Legal te ver de novo. Você mudou bastante!
- Espero que tenha sido para melhor. - brinquei. Ela riu.
- Foi sim, Ali. - ela olhou para trás e acenou para duas meninas mais próximas ao quiosque. - Temos que marcar de nos encontrarmos de novo. Agora que estou morando no Rio, poderemos nos ver com mais facilidade.
- Claro! – concordei. – Que bom que está morando por aqui!
- Não é! Achei que fosse demorar a me habituar com essas coisas de cidade grande, mas até que não foi tão difícil assim. – disse, tirando um celular do bolso. – Qual é o seu número? Assim posso te ligar para marcarmos de comer alguma coisa ou sei lá.
Trocamos contatos rapidamente e nos despedimos com um forte abraço. Foi a primeira experiência boa que me aconteceu desde que sai do aeroporto na semana passada.

Estava frio, principalmente para o verão do Rio de Janeiro. Quando passei pelas grades do prédio, levantei os braços, numa falha tentativa de proteger-me da chuva. Atravessei as faixas de pedestre da rua movimentada sentindo as gotículas de água invadindo meu cabelo. Ao chegar à calçada de pedras, corri até as portas de sensor e adentrei o Botafogo Praia Shopping.
Havia recebido uma mensagem de Vitória mais cedo, perguntando se poderíamos jantar e colocar o papo em dia. Como Paula, minha melhor amiga, estava viajando e eu ainda não havia entrado em contato com nenhum de meus outros amigos, minha agenda para o verão estava mais do que livre.
Chegando ao oitavo piso, andei até a Koni Store e esperei a chegada de Vi numa das mesas próximas ao espelho. Minutos mais tarde, ela sentou à minha frente, vestindo uma calça jeans e uma regata molhada.
- Oi! Desculpe o atraso, tive que pegar o metrô e, bom, você sabe como é... - disse, tirando sua bolsa do ombro e largando entre suas pernas. Ela olhou para mim e sorriu, apertando minhas mãos sobre a mesa - Só não te abraço porque estou encharcada.
- Não tem problema, Vi. Aliás, eu que cheguei adiantada. Eu estou passando um tempo com a minha avó e ela mora logo ali na frente, então... - expliquei.
- Ah, que legal! Ela está bem? Por que você está ficando com sua avó? - perguntou, largando minhas mãos e pegando o cardápio. - Sua mãe te colocou pra fora de casa?
- Tipo isso. - respondi, achando graça de suas inúmeras perguntas. Sempre me diverti com Vitória por perto. Ela sempre foi extrovertida e muito sincera. - Na verdade, eu fui a única a voltar da França.
Vi tirou os olhos do cardápio e me encarou assustada.
- Como assim você foi a única a voltar? Achei que você tivesse vindo por obrigação e que preferiria morar pra sempre na Europa! - ela levantou o braço e esperou a chegada de um atendente. - Por que você voltou, sua louca?
- Pela faculdade e também pela saudade que eu sentia daqui. - respondi meio rindo da sua falta de paciência. - Vi... Aqui não tem garçom, você tem que pedir no caixa.
Ela abaixou o braço e me encarou, estufando as narinas. Eu gargalhei.
- Está se divertindo da minha desgraça, não é?
E foi assim. Três minutos com ela e era como se nunca tivéssemos nos afastado. Fizemos nossos pedidos e continuamos a conversar.
- Eu nem sabia que sua avó tinha saído de Angra. Você vai voltar a morar com ela?
- Bom, eu estava pensando em começar a trabalhar e a guardar o dinheiro para ficar num albergue ou alguma coisa assim, mas... - me interrompi quando Vitoria se engasgou com sua bebida e começou a tossir. - Meu Deus, Vi, você quer que eu bata nas suas costas? - ela negou com a cabeça e, minutos depois, gargalhou.
- Desculpa, mas o que eu queria dizer é que eu moro numa casa na Glória; eu, meu irmão e... erh, meu namorado. - era perceptível seu rubor, mesmo sob as luzes alaranjadas do restaurante. - Enfim, tem um quarto vago na casa se você quiser.
Estava tão acostumada com a ideia de ir para um albergue que a opção de dividir um espaço com uma amiga nem tinha me passado pela cabeça. Realmente, as coisas seriam bem mais fáceis.
- Tá falando sério? - perguntei, desconfiada.
- Mas é claro!
- Não vai atrapalhar não? - ela negou com a cabeça, mordendo um cubo de gelo. - A casa é alugada?
- Não, não. Era da minha avó, então, quando ela morreu, a casa ficou para o meu pai. Como ele prefere morar na Barra com a mulher, ele deixou a casa para a gente. O Felipe foi o primeiro de nós a vir pro Rio para fazer faculdade, depois ele chamou um amigo, o Duda, pra morar lá. - explicou, enrubescendo novamente. - Eu me mudei logo depois da formatura, mês passado.
- Entendi. - disse - Ah, Vi, seria ótimo morar contigo! Eu estou recebendo um dinheiro por mês dos meus pais, mas, como eu disse, eu vou arrumar um emprego, aí vai ficar melhor para eu ajudar com as despesas...
- Não precisa se preocupar com isso, Alice! Primeiro, você muda as suas coisas para lá e depois a gente discute sobre isso.
Os pais de Vitória se divorciaram quando ela era bem pequena. Sua mãe era professora e seu pai, um dos cirurgiões plásticos mais bem sucedidos do estado. Inicialmente, Vi não se dava muito bem com ele, mas agora as coisas pareciam ter mudado.
Estava me mordendo para aceitar a oferta, mas não queria ser nem me sentir uma intrusa.
- Você não acha melhor perguntar aos outros o que acham antes?
- Alice, pare de bobeira. Quando falei para o Felipe que estava vindo jantar com você, ele quase implorou para vir junto. – riu. - Me lembrou até do tempo que você tinha uma quedinha por ele. - ela levantou uma das sobrancelhas e mordeu o lábio.
- Não, Vi! - soltei um gritinho.
- Responde logo, Ali! Vai vir morar comigo ou não? - ela arregalou os olhos e abriu um largo sorriso, apoiando o rosto nas mãos.
- Já dei uma de difícil, então acho que já posso aceitar, não é? - respondi e ela gritou, atraindo vários olhares.
- Ai, nem acredito! - olhou paro o espelho e arrumou o cabelo úmido. - Cadê essa comida que não chega?
Ouvimos um apito e logo uma atendente gritou "Números 302 e 303". Rimos e nos levantamos para buscar nossos pedidos.

Dois dias após meu jantar com Vi, marcamos dela levar-me em sua casa para mostrar-me meu novo quarto e já começarmos a mudança.
Saímos da estação de metrô em frente a uma farmácia Pacheco e adentramos a Rua Benjamim Constant. Percorremos ela toda, depois viramos a esquerda e a direita.
- Tem certeza que os meninos não vão se incomodar com essa mudança? – perguntei enquanto caminhávamos. – Quero dizer, pelo que disse, você mal teve tempo de dar as notícias porque eles viajaram.
- Poxa, Alice! Quantas vezes vou ter que dizer que você não precisa se preocupar? Eles gostaram da ideia de ter mais uma pessoa para dividir a casa. Principalmente o Lipe. – disse ela, piscando.
- Vitória! Pare com isso! – ela riu. – Para onde eles foram mesmo?
- Búzios. – respondeu, virando-se para mim e apertando minhas bochechas. – Mas não precisa se preocupar porque ele estará amanhã, ok? - continuou, fazendo voz de bebê. Puxei meu rosto de suas mãos e revirei os olhos.
- Vitória! Vou morrer de vergonha se você continuar com essas brincadeiras perto dele.
- Você acha mesmo que eu faria isso? Puff... ai ai, Ali, você não me conhece mesmo.
- Verdade. – respondi. - Se eu te conhecesse, perceberia esse tom de deboche em sua voz, certo? - nos entreolhamos e rimos.
Paramos em frente a uma casa duplex branca com tinta descascando e janelas de vidro protegidas por grades. Passamos pelo portão de ferro e esperei Vi abrir a porta azul em frente a uma escadinha.
- Quem mora lá em cima? - apontei para uma varanda acima de nós.
- Minha tia e meus primos.
- Ah, sim.
Vitória entrou na casa e fui logo atrás.
- Bom, como você pode ver, aqui é a sala. - disse, jogando a chave na parte de cima de um piano vertical ao lado da porta.
Era tudo bonito e diferente. A estrutura da casa era toda de pedra e o piso era de madeira. Do lado esquerdo da sala, tinha um sofá laranja e duas poltronas da mesma cor, separados por uma mesinha de madeira. Do lado direito - onde estávamos -, tinha uma grande mesa quadrada e um pequeno sofá ao canto, ocupado por bolsas e casacos. Quase todas as paredes eram decoradas por diferentes pinturas, todas feitas pelo mesmo artista. Aproximei-me de uma delas e a admirei. Era um desenho da vista da pedra do arpoador.
- Lindo, não é? - perguntou Vitória ao meu lado. - Foi o Duda que fez.
- É tão... perfeito. - respondi, desviando o olhar conforme as antigas lembranças reapareciam em minha mente. Respirei fundo e forcei um sorriso. - Só vi a sala e já me apaixonei pela casa.
Ela sorriu e me empurrou para um corredor a direita. Viramos mais uma vez e entramos num quarto mobiliado e bem grande.
- Oh, Vi, esse é o meu quarto? - perguntei estupefata.
- Aham, gostou?
- Se eu gostei? - dei alguns passos e parei no centro do aposento. - Eu amei!
O quarto era, assim como resto da casa, branco e claro. Havia duas janelas na parede lateral com vista para a rua. Encostado à parede ao lado da porta, tinha um móvel de madeira com uma televisão antiga sobre ele. Na parede oposta havia duas prateleiras compridas e, abaixo, uma grande cama de casal encostada à parede lateral. Bem ao lado de Vitoria, havia um armário branco com um grande espelho no lugar da porta, onde me encarava com cara de abobada.
- Aqui era o meu quarto. Ele é bem fresquinho, mas se quiser ligar o ar, sinta-se à vontade. - disse, apontando para o aparelho acima de uma das janelas.
- Ué, se aqui era o seu quarto, onde você dorme agora?
- Aqui. - Vi andou apressada pelo corredor e entrou numa porta a esquerda do banheiro. O aposento me impressionou com a quantidade de desenhos nas paredes e sorri, lembrando-me de Edu. - Eu e meu namorado dividimos a suíte porque somos o único casal da casa. O quarto do Felipe é ali. - ela apontou para a porta a direita do banheiro e piscou. - Caso você queira saber.
Não consegui segurar a gargalhada e empurrei seu braço. Ela mandou língua e sorriu.
- Mas então, como combinamos, hoje você dorme aqui e amanhã, quando os meninos chegarem, vamos lá na sua avó e pegamos suas coisas.
- Ok, mas não tem muita coisa pra pegar, só algumas caixas com livros e coisas bobas. Eu posso trazer tudo de táx...
- Alice, cala a boca, menina! Já disse que você não está atrapalhando em nada. Na verdade, vai ser um prazer ver aqueles meninos colocando a mão na massa. - me interrompeu.
Concordei com a cabeça ainda desconfortável e seguimos para fora da casa após deixar minha mochila em meu novo quarto.
Tudo estava perfeito. Não via a hora de apresentar Vitória à Paulinha. Elas se dariam muito bem.
Paula era minha amiga desde que me mudara para o Rio. Nos demos bem logo de cara e minutos depois já fazia parte de seu grupinho. Foi através dela que conheci Eduardo, meu ex-não-tão-superado-namorado.
Edu era dois anos mais velho que eu, mas nada atrapalhou nosso namoro... a não ser, talvez, a distância. Na França, conversávamos por Skype e por e-mail, mas ao passar do tempo, não tínhamos mais assunto e ficávamos apenas um olhando para cara do outro através de uma câmera. Estávamos ambos infelizes, mas não tínhamos coragem nem vontade de acabar com o namoro... Então deixamos assim. Não terminamos oficialmente, mas paramos de nos falar e de nos ver. Foi doloroso, mesmo sendo uma decisão mútua.
Não podia simplesmente ligar depois de um ano e dizer "Oi, eu voltei! Quer me encontrar lá no Arpoador para conversar?". Principalmente depois do que aconteceu quando nos esbarramos em Paris.
- Alô, Terra chamando Alice! - Vitoria estalava os dedos à minha frente e assoprava meu ouvido.
- Ai, já ouvi. – reclamei, balançando a cabeça.
- Então responda! O que você quer fazer?
- Quer ir à Chácara do Céu? - perguntei.
- Onde fica isso?
- É logo ali em cima. Tem uma vista linda da baía de Guanabara.
- Ok.
Vitória arfava e, se não fosse pela sua falta de energia, tenho certeza que estaria pulando em meu pescoço.
- "Logo ali em cima", né? - xingou com as mãos apoiadas nos joelhos. Encostei-me a um poste e ri.
- Fala sério, Vi, estamos quase chegando.
- Onde estamos afinal? Você está me levando para o morro? – retrucou, arfando e de mal humor.
- Estamos a caminho da parte turística de Santa Teresa, entendeu? - perguntei, voltando a subir a ladeira a nossa frente.
- Ei, onde você pensa que vai, mocinha? - ouvi os passos de Vi correndo atrás de mim e sorri torto.
- Anda logo, preguiçosa, estamos quase lá.

Passamos a tarde rindo e conversando afora da Chácara do Céu, um museu de artes no alto de Santa Teresa com uma maravilhosa vista para a Baía de Guanabara. A primeira vez que viera, fora com Isabelle, minha prima, e sua mãe. Desde então, me apaixonara pelo lugar e passara a visitá-lo regularmente.
Era maravilhoso como continuávamos a nos entender mesmo depois de tanto tempo. Sentia falta da presença de Vitória e de suas palhaçadas. Sua sinceridade fazia dela uma pessoa cômica. Ela me contou toda sua história com Duda e achei fofo, só continuava a não entender o apelido feminino, mas relevei.
Horas depois, decidimos voltar para casa, com medo de descer o escadão deserto no escuro. Em casa, dormimos juntas em meu quarto assistindo One Tree Hill e tomando sorvete. Como se nada nunca tivesse acontecido.

- MONTINHO!
Arregalei os olhos e logo senti um peso enorme caindo sobre mim. Gemi de dor enquanto Vitória gritava ao meu lado, levando embora todas as minhas chances de voltar a dormir.
- Saia de cima, seu gordo! - reclamou Vi.
- Gordo? Eu? - perguntou Felipe, rolando sobre nossas costas.
- Se isso era pra ser massagem, não está dando muito certo. - murmurei, tirando o cabelo do rosto.
- E a Bela Adormecida acordou. - gritou, saindo de cima apenas para deitar entre nós. Ele apoiou a cabeça no antebraço esquerdo e me estudou, tapando completamente minha visão de uma Vitória irritadiça. - Você está estonteante, Alice.
- Claro. - revirei os olhos escondi-me atrás de um travesseiro, a tempo de esconder um sorriso. Se isso estivesse acontecendo há uns seis anos atrás, com certeza estaria pirando de felicidade, mas as coisas mudaram. Eu mudei.
- Vou deixá-los a sós para procurar meu homem, casalzinho. - Vitória quase rosnou as palavras e bateu a porta do quarto. Ruborizei e olhei em sua direção.
- É todo dia assim? - perguntei, meio grogue, voltando a deitar com a barriga para cima dessa vez.
- Basicamente. - Felipe rolou da cama para mim novamente, fazendo-me encolher ao travesseiro conforme nossos rostos aproximavam-se. Ele parou abruptamente e sorriu. - O que você está fazendo?
- Eu? Eu não estou fazendo nada. O que VOCÊ está fazendo? - encarei seus olhos verdes, achando tudo muito engraçado.
- Eu ia te dar um beijo de bom-dia, mas você começou a fazer essas caretas e, bom... foi meio broxante. - estudei um pouco seu rosto e soltei uma risada ao perceber o quão sério ele falava.
- Lipe, você bebeu? - perguntei, empurrando seu corpo e pulando da cama.
- Hum, adoro mulher que acorda disposta. – informou, ignorando minha pergunta. Revirei os olhos e me direcionei à porta.
- É assim que você me recebe depois de seis anos? - gritei ao entrar no banheiro e prender o cabelo num coque. Estava colocando pasta na escova de dente quando percebi Felipe escorado ao batente da porta.
- É verdade, me desculpa. Conte-me então, como vão as coisas, francesinha? - coloquei a escova na boca e fiz um sinal positivo com o dedo. - Comigo também vão bem... Teria te visitado na França, mas você nunca nos chamou... - continuou seu monólogo, fazendo cara de coitado. Cuspi a pasta na pia e mandei a língua pelo espelho, voltando ao processo de escovar os dentes.
Felipe era uma cópia masculinizada de sua irmã, com exceção aos olhos, que eram cor de mel. Seu cabelo loiro era curto e arrepiado, e seu corpo, musculoso. Agora, ele vestia uma bermuda estampada e uma blusa azul.
- Ái icá aê i oiândo? - perguntei. Lipe fez careta e prendi a risada.
- O que? - cuspi a pasta mais uma vez, bochechei água e enxuguei a boca numa toalhinha ao lado da pia.
- Eu disse: vai ficar aí me olhando?
- Ué, não pode? - retrucou, se aproximando, fazendo com que me afastasse. Estiquei os braços para mantê-lo à distância.
- Felipe, Felipe, você pare logo com isso, hein. AH! - gritei quando ele me puxou pelos braços e ficamos bem pertinho um do outro. Ficamos nos entreolhando durante algum tempo.
- Vamos tomar café, querida?
- Ok, mas vamos fazer isso sem você me tocar? - sussurrei, com medo de fazer movimentos bruscos.
- Tocar? Mas eu ainda nem comecei a te tocar direi...
- FELIPE! - e ele apenas riu.
- Ai ai, Ali. - disse, puxando-me em direção a sala - Tinha esquecido o quão engraçada você era.
Adentramos a sala e Felipe me guiou até uma entrada no canto de uma das paredes de pedra, dando numa cozinha comprida com uma larga porta de vidro ao fundo. Supus que fosse a passagem para a área de serviço.
Perto de onde estávamos havia uma larga geladeira vermelha. À sua frente havia um fogão seguido por uma pia e um largo balcão sobre quatro banquetas. Duas estavam ocupadas. Vitória sentava de frente para nós, abraçada a um garoto alto. Seu cabelo era escuro e seu corpo era magro, porém, musculoso. Até as roupas que portava lembravam-me de alguém, mas quem?
- Amor, quero que você conheça minha amiga de infância, aquela que disse que ia passar a morar com a gente. - o menino virou-se e, quando nossos olhos se encontraram, meu mundo parou. Não conseguia me mexer, muito menos respirar. Apoiei-me na geladeira com medo de minhas pernas fraquejarem e levar cair. Pisquei os olhos, esperando que a imagem à minha frente se modificasse, mas nada aconteceu - Ela se chama...
- Alice? - ele a interrompeu, dando um passo à frente. Ainda não sabia como reagir, então apenas esperei.
Eduardo estava lá, parado à minha frente.

Capítulo 2


Hotel Ibis
Rue La Fayette, Paris, França
Domingo, 30 de dezembro de 2012


Eduardo estava deitado com a cabeça encostada ao travesseiro ao meu lado. Nossos corpos despidos e entrelaçados sob o fino lençol branco. Suas mãos acariciavam minha cintura e nossas bocas se encontravam num beijo calmo e sensual. Mordi seu lábio inferior e apertei meu corpo contra o seu, sorrindo ao sentir uma pressão entre as pernas.
- Segundo round, já? - brinquei. Eduardo sorriu, sem perder a pose.
- É saudade. - retrucou, beijando meu pescoço e espalhando arrepios por meu corpo.
Desde o nosso encontro na
Avenue des Champs-Elysées, eu, Edu, Isabelle e Manu decidíramos passar o máximo de tempo possível juntos, já que os irmãos voltariam ao Brasil no dia 31. Eduardo hesitou a concordar com a ideia, o que era compreensível, afinal, deixáramos de ser um casal, mesmo não tendo terminado verbalmente.
No dia seguinte, subimos a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo e visitamos uma parte do Louvre. Mas foi passeando num dos belos parques de Paris que cedemos aos nossos desejos e fizemos o que tanto nos contínhamos.
Fantasiava aquele momento por tanto tempo que meus delírios foram confundidos pelo que na verdade era realidade. Eduardo deu um passo à frente e encostou seu nariz ao meu. Como não interferi, ele se aproximou ainda mais, fazendo com que nossos lábios se tocassem. Fora um simples selinho, mas cheio de significados. Sorri, envolvendo seu rosto entre as mãos e o beijando-o fervorosamente.
- Amor, nós temos que nos encontrar com Isabelle e Manu daqui a pouco. – eu disse, fechando os olhos ao sentir seus beijos em minhas clavículas.
- Elas podem esperar. - continuou, descendo em direção ao meu peito. Por mais que quisesse continuar ali, já estávamos atrasados e Isabelle me mataria se não fossemos ao
Moulin Rouge antes de voltarmos à Rouen. Reunindo todo meu autocontrole, agarrei seus cabelos e o puxei para cima.
- No chuveiro, pode ser? - perguntei, recebendo um sorriso maroto em resposta.

Adentrei o quarto envolta a uma toalha e penteando os longos fios castanhos. Edu ainda estava no chuveiro, cantarolando pequenos trechos de
Cry Me A River.
Caminhei pelo quarto sorridente, procurando e vestindo minhas roupas. Nem lembrava a última vez que me sentira tão feliz e completa daquele jeito. Deitei na cama com os cabelos molhados e encarei o teto, ouvindo a água do chuveiro ser desligada ao mesmo tempo em que um telefone celular vibrou numa das cabeceiras. Rolei até o canto da cama e encarei de longe o aparelho. Respirei fundo e o coloquei entre as mãos.
- Ali, vou ficar pronto em...- Eduardo entrou no quarto com uma toalha presa à cintura. Olhou em minha direção e se interrompeu ao perceber o que fazia.
Após ler aquela única frase na tela de seu telefone, virei-me e o encarei confusa. A expressão em seu rosto de culpa e exasperação dizia tudo o que precisava... Respondia todas as minhas perguntas.
- Não é o que você está pensando. - disse ao ver-me levantar da cama e andar em direção à porta, apenas para ser bloqueada por seu corpo.
- Me deixe passar, Eduardo. - sussurrei, encarando-o nos olhos.
- Alice, vamos conversar, por favor! - ele levantou os braços para me tocar. Recuei. - Não faz isso, Ali. - implorou, avançando um passo. Senti meus olhos marejarem e olhei para a porta atrás dele.
- E o que você quer que eu faça? - perguntei irônica. - Você quer conversar? Então vamos conversar! - elevei o tom de voz. - Quem poderia te mandar uma mensagem dizendo que te ama e que sente falta de seus beijos e... - me interrompi, suspirando. Joguei o cabelo para trás, sem saber o que fazer e voltei a encará-lo.
- Ali... - uma lágrima percorreu seu rosto e meu coração doeu, sabendo ter sido a responsável por ela.
- Sai da minha frente, Eduardo. - após quase um minuto, Edu deu um pequeno passo para o lado, deixando-me passar.
Abri a porta do quarto e corri até o elevador. Pressionei várias vezes o botão com uma seta para baixo e cruzei os braços, numa falha tentativa de reprimir a tremedeira. Sentia o turbilhão de emoções dentro de mim como o tic tac de uma bomba, prestes a desarmar-se em lágrimas. As portas a minha frente se abriram e adentrei o pequeno quadrado que era o elevador. Pressionei o primeiro botão de baixo para cima e esperei.
Impressionante como, de uma hora para a outra, as coisas conseguiam mudar de ótimas para extremamente ruins. Fechei os olhos e senti a primeira lágrima percorrer minha lívida pele. Minha respiração pesou e encostei-me à parede, deslizando até o chão e abraçando minhas pernas. Droga, droga, droga... Por que isso estava acontecendo? Por quê? Já não bastava ter sofrido por Eduardo durante meses, e quando finalmente supero minha dor, tenho que sofrer mais ainda por isso? Pela indesejada confirmação de que pelo menos um de nós tinha tido forças para seguir em frente, logo depois de ter passado horas e horas com ele?
As portas se abriram e andei pelo grande hall de entrada do hotel até chegar às ruas frias e movimentadas de Paris. Não sabia o que fazer, estava completamente sem chão. Então simplesmente corri. Corri para o mais longe possível de Eduardo. Corri, buscando ficar sem energias para minhas lágrimas e pensamentos... Corri, tentando despistar minhas emoções e fugir da catástrofe que agora era minha realidade.


------------------------------------


Rio de Janeiro, Brasil
Janeiro de 2014


- Hum hum... erh... vocês se conhecem? - perguntou Felipe, olhando de um para o outro.
O silêncio reinava no aposento.
Eduardo. Eduardo Fazolato. O cara que amava desde tanto tempo e que uma vez me amara em retorno. O que causara tantas lágrimas e sorrisos em meu rosto. O que eu havia deixado de pé num quarto de hotel em Paris.
A surpresa era mútua em nossos olhares. Tentei, inutilmente, controlar o bolo de sentimentos dentro de mim. Perda, paixão, saudade, raiva...
- Erh... Sim, nós estudávamos na mesma escola. - ele respondeu, sem tirar os olhos dos meus.
Forcei um sorriso e aproximei-me, obrigando-o a espelhar meus movimentos. Como se ele fosse um fantoche e eu o controlasse. Encontramo-nos num abraço sofrido, desconfortável e incomum. Logo me arrependi de tal ato ao inalar seu cheiro de loção pós-barba e lavanda.
A única coisa que havia mudado desde a última vez nos vimos foi o tamanho de seu cabelo e a barba, que não mais se encontrava em seu rosto. Ele desviou os olhos e sorriu estranho.
- Que coincidência! - disse, fingindo falsa alegria, fitando todos no aposento.
- É. Coincidência. - ele concordou. Ainda sorrindo.
Eduardo encarava o chão. Felipe olhava de um para o outro, bebendo suco de laranja. Vitória... bom, Vi sorria e dava pulinhos, como se aquela fosse a coisa mais maravilhosa do mundo, querendo saber mais sobre como havíamos nos conhecido.

Estava sentada em minha cama, encarando a parede vazia acima do móvel de televisão. Por que esse tipo de coisa só acontecia comigo? Impressionante. Sempre que estava prestes a dar um passo à diante na minha vida, passar para o próximo capítulo, meu passado voltava para me atormentar e me causar problemas.
Na França, aconteceram coisas que me fizeram questionar o motivo de estar aqui, no mundo. Dizia constantemente: nascer, viver e morrer... Por que passar por todo esse processo se, no final, tudo se resumiria a uma luz no fim do túnel? Por que passar por tantos problemas e tristezas para sermos apenas engolidos por uma escuridão e sei lá mais o que acontecia depois da morte? Achava que as coisas seriam muito mais fáceis se a vida fosse um botão e tivéssemos total controle sobre ele, podendo desligá-lo a qualquer momento.
Toquei o pulso esquerdo, onde lá encontrava-se uma cicatriz, e suspirei, ato que sempre fazia quando uma outra crise existencial tomava conta de mim. Engoli em seco. Estava feliz por ter encontrado Vitória e só Deus sabe o quanto queria passar mais tempo ao seu lado, mas depois dessa descoberta, minhas vontades passaram a ser irrelevantes.
Deixara os outros na cozinha com a desculpa de que ligaria para minha avó, e agora estava ali, parada, encarando uma parede branca, perdida em pensamentos.
Ouvi uma leve batida e Vitória abriu a porta de seu antigo quarto.
- Você está bem? - perguntou, preocupada.
- Mais ou menos.
Não sabia como começar essa conversa, mas não podia mentir para todos, principalmente não para Vi.
- Sabe, Ali, - ela disse antes que pudesse começar meu discurso. Sentou-se na cama e encarou seus dedos. - eu ando querendo te dizer uma coisa e não quero que isso soe careta. Para começar, queria que você soubesse o quanto significou pra mim tudo isso que aconteceu nos últimos dias. - ela suspirou e levantou o olhar. - Você sempre foi minha melhor amiga, e não é porque nos afastamos que meus sentimentos por você tenham mudado. Você continua sendo uma pessoa muito importante para mim, e estou muito feliz por ter concordado em vir para cá.
Encarei-a por uns minutos e logo senti meus olhos lacrimejarem. Nunca conseguiria lhe dizer a verdade.
- Você também é muito importante para mim, Vi. - respondi em lágrimas. Ela me abraçou.
- Eu te amo. - disse, fazendo-me chorar ainda mais.
- Eu também te amo.

Passamos boa parte da tarde trazendo minhas coisas para a casa e arrumando meu quarto. Eu e Vitória guardávamos as coisas enquanto Felipe e Eduardo traziam as caixas do carro até nós. Não havíamos sequer trocado uma palavra desde o café da manhã. O evitava a todo custo.
Guardamos todos os meus livros na grande prateleira acima da cama. Boa parte deles tinha a lombada escura, resultando numa desconcertante ausência de cor no quarto. Vitória me ajudou a prender algumas fotos reveladas na parede branca acima da tv; eram todas das inúmeras viagens que fizera durante minha estadia na França. No final, ficamos apenas eu e Felipe no quarto, guardando alguns dvds nas gavetas do móvel da televisão.
- "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça", "Alice no País das Maravilhas", "Edward, Mãos de Tesoura"... - Felipe citava os dvds que tirava da caixa. - É fã do Tim Burton ou do Johnny Depp?
- Dos dois. - admiti. Afinal, quem não era fã do Johnny? E pra ser fã do Johnny, tinha que ser fã do Tim, certo? – Você também curte?
- Gosto bastante do estilo macabro do Tim Burton de dirigir os filmes. - declarou. Parei o que estava fazendo e o encarei, esperando. - Ok, ok, o Depp também é maneirinho. - nós rimos.
- Tem vários filmes aí, mas meu preferido é esse. - disse, apontando para o primeiro DVD na pilha dentro da caixa. - "Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet".
- Nunca assisti.
- Vamos ver juntos um dia desses. - Felipe abriu um sorriso safado e concordou com a cabeça. Eu ri. - Mas é para assistir, ok?
- E o que mais a gente faria? - perguntou, sarcástico. Revirei os olhos e continuei o trabalho.

Mais tarde Vitória nos chamou para comer uma pizza num restaurante ali por perto, mas dispensamos. Felipe disse que iria encontrar uns amigos e eu, que gostaria de tirar minhas roupas da mala antes de fazer qualquer coisa. Essa não era a verdadeira razão para não ter aceitado o convite, mas estava satisfeita com a ausência de pessoas e de barulho na casa, assim poderia pensar com clareza.
Sai do quarto para buscar um copo d'água. Interrompi-me ao encontrar Eduardo deitado no sofá alaranjado com os olhos fechados. Tentei me virar silenciosamente, mas, de algum modo, tropecei em meus próprios pés e apoiei as mãos na mesa ao meu lado para recuperar o equilíbrio, fazendo mais barulho que o desejado. Eduardo se levantou do sofá num pulo, assustado.
- Foi mal. - disse, encontrando sua íris castanhas e desviando o olhar para minhas mãos sobre a mesa. - Não queria te acordar. Eu tropecei e...
- Tudo bem. - respondeu calmamente. - Eu não estava dormindo, estava apenas... pensando. – fez uma pausa. – Vitória pediu para eu não te deixar sozinha enquanto ela ia comprar pizza, então fiquei aqui na sala para não atrapalhar em nada. - explicou.
- Hmm. - ficamos assim por algum tempo e percebi que, mais cedo ou mais, teríamos que conversar sobre o que estava acontecendo. Voltei a encará-lo soltando um suspiro e jogando a franja para trás - Eduardo, nós precisamos conversar.
- Eu sei. - ele bagunçou o cabelo e se aproximou.
- Olha, eu já pensei e acho que vai ser melhor para todo mundo se eu voltar para a casa da minha avó...
- Ali, - Eduardo me interrompeu, se apoiando à ponta da mesa - vamos resolver isso com calma, ok? Eu também andei pensando e não acho que você precise se mudar.
- Mas como? Não acho que deveríamos continuar mentindo para ela... Deveríamos contar logo tudo sobre... – deixei a frase no ar, desconfortável. Era estranho conversar tão racionalmente com Eduardo levando em conta nosso último encontro.
- Eu acho - ele começou pausadamente, escolhendo suas palavras - que não valeria a pena arriscar nossos relacionamentos com Vi por uma coisa que aconteceu há tanto tempo. Aliás, não existe mais nada entre nós, certo?
- Certo. - desviei o olhar. Era difícil ouvir aquelas palavras. Era como se estivesse concordando com o nosso fim. Oficializando-o. Senti o nó em minha garganta e me controlei para que não chorar ali mesmo.
- Ali, olha para mim. - Eduardo pediu, aproximando-se ainda mais. Respirei fundo e voltei a encará-lo. Ele estava a poucos centímetros de mim e nossas mãos quase se tocavam sobre a mesa - Se vamos fazer isso, vai ter que ser do jeito certo. Então... eu gostaria de me desculpar pelo que aconteceu em Paris, coisa que já deveria ter feito há muito tempo.
- Eduardo. - comecei, olhando para o lado.
- Alice. - ele tocou meu queixo e o puxou para que voltássemos a nos fitar. - Eu não deveria ter omitido que estava... saindo com outra pessoa, e vou entender se você não me perdoar, mas gostaria que soubesse o quão arrependido me senti. Me sinto. – corrigiu-se. – Nada daquilo era para ter acontecido.
Lembrava-me como se fosse ontem o quanto sofri depois daqueles dias que passáramos juntos. Das lágrimas durante as noites em claro e de meus ataques de raiva. Suspirei e forcei um sorriso.
- Eduardo, eu te desculpo. – respondi, após uma longa pausa. – Sinceramente, já tinha superado aquilo faz tempo. – menti. Eduardo abriu a boca, mas logo a fechou. – Que bom que nos entendemos, afinal. – sorri.
- Ótimo. – ele sorriu de volta.
Mais silêncio.
- Ok, então. - disse, voltando para o quarto, mas logo me interrompi, lembrando-me do que mais me atormentava - Erh, Edu... Eu sei que não é da minha conta, mas eu tenho que perguntar. Era Vitória?
Ele arqueou uma sobrancelha, confuso.
- A mensagem na França.
Quando estava prestes a responder, a porta azul do outro lado da mesa se abriu e Vitória adentrou a casa, fazendo-nos parar de falar e seguir para caminhos opostos.

Capítulo 3


Dias passaram-se e, para minha surpresa, consegui tratar Eduardo com indiferença quase sempre.
Felipe passava a maior parte do tempo fora de casa, enquanto Vitória e Edu não se desgrudavam nem por um segundo. Tentava convencer-me de que as carícias do casal não me incomodavam, mas meu cérebro e meu coração entravam em conflito quanto a isso. Após três dias dentro de casa, decidi pegar um metrô até Ipanema e passear pela feira hippie que acontecia todo domingo na Praça General Osório - e isso não tinha nada a ver com a mensagem de Paula dizendo que estaria lá.
Assim que sai da estação de metrô e subi as escadas que dariam na feira, abri um largo sorriso ao encontrar a menina de cabelos escuros ao lado de uma barraca de artesanatos. Ela vestia shorts curtos e uma blusa preta com a estampa de uma banda na frente. Metade de suas canelas estava cobertas por um par de coturnos. Sua bolsa preta completava seu look rockeiro.
Pulei em seus braços, dando-lhe um abraço de urso. Ela riu apertando-me contra si.
- Que saudades que estava de você, Paulinha! - resmunguei entre seus cabelos.
- Eu também, Ali! E aí, o que tem de novo para me contar?
Afastamo-nos e Paula analisou-me, logo aparecendo uma ruga de preocupação entre suas sobrancelhas.
- Alice, o que houve? - ela perguntou.
Fiquei surpresa com sua pergunta. Será que era assim tão óbvio o desastre que se passava dentro de mim? Fechei os olhos e suspirei. Estava feliz com sua chegada, mas sabia não ser esse o motivo de minha angústia. Muito pelo contrário, esperava que sua presença ajudasse-me a por para fora todo sofrimento que guardava durante os últimos dias. Esforçara-me tanto para não irromper em choro durante as noites de insônia em minha nova “casa”, e agora podia simplesmente desmoronar perto de alguém que amava e me entendia por completo.
- Vem, vamos sentar para conversar em algum lugar - puxei-a pelo braço e atravessamos a rua. Andamos até o Amazônia Soul, um pequeno restaurante que visitava sempre que necessitava afogar as mágoas numa tigela de açaí.
Acomodamo-nos numa das mesas à frente do balcão após pedirmos dois refrigerantes. Paula encarava-me, aguardando. Ela nunca me forçaria a falar uma coisa que não quisesse - uma das coisas que mais admirava nela -, mas sua curiosidade e impaciência estavam estampadas em seu rosto.
Respirei fundo e falei tudo, desde como conheci Vitória em Angra dos Reis até onde comecei a dividir uma casa com ela e Eduardo – e Felipe, mas isso não vem ao caso. Quando terminei, Paula encarou-me boquiaberta, com uma expressão de descrença. Ela se inclinou para frente, e apertou minhas mãos sobre a mesa.
- Amiga, eu... sinto muito - começou. - Se eu soubesse que ela era a Vitória que você tanto falava de Angra, eu teria te avisado ou feito qualquer coisa para que isso não estivesse acontecendo...
- Paula - a interrompi -, pare de se culpar.
- Mas, Alice...
- Não! Deixe-me terminar. Ninguém é culpado nessa história. Eu só te contei porque não estava mais aguentando guardar toda essa agonia dentro de mim; para que você me ajude a passar por tudo o que está acontecendo sem que me machuque muito. Você é minha melhor amiga e não quero que fique se culpando de nada. - parei de falar por um segundo e sorri. - Sabe, você que tinha que estar me confortando agora e não o contrário.
A seriedade em seu rosto se desfez com uma gargalhada. Paula era uma menina bonita. Seus cabelos escuros agora estavam presos em um coque. Seus olhos eram verdes e tinha inúmeras sardas em suas bochechas. Ela voltou a me encarar com um leve sorriso no rosto.
- Ai, Ali, eu sei que isso não é minha culpa, mas... - ela encarou suas unhas. - Eu devia ter avisado que Eduardo tinha começado um relacionamento sério com outra pessoa.
- E até parece que você não lembra o dia em que te proibi de mencionar seu nome em qualquer conversa que tivéssemos.
- Eu sei, mas...
- Não. Já chega de "mas" - cortei-a e levantei o braço para chamar a atenção do garçom atrás de Paula. – Quer engordar dez quilos de açaí comigo?
Ela abriu a boca para argumentar, mas logo a fechou.
- Pode mandar.

Andamos pela feira hippie e compramos vários colares e brincos. Após algum tempo evitando o assunto, finalmente descobri que Paula conheceu Vitória há pouco tempo. Ela me perguntou o que faria quanto à mudança e fui sincera ao dizer que planejava ficar na casa até arrumar dinheiro suficiente para alugar uma quitinete.
Conversamos sobre sua viagem à Florianópolis e ri quando ela contou sobre as três pessoas novas que adicionara à sua lista de ficadas: Victor, Henry e Olívia. Essa não fora a primeira vez que Paula beijara uma menina, mas foi, com certeza, o jeito mais engraçado de ter acontecido.
- Eu tinha acabado de sair do banheiro quando vi Henry, um americano pra lá de lindo. Ele estava com um grupo de gringos dançando na pista. Eu cheguei mais perto e puxei papo com a Olívia, uma canadense que também estava no grupo. Disse que queria dar uns pegas no amigo dela. Depois de ter ido falar com ele, Olívia disse que ele só ficaria comigo se eu desse um beijo nela primeiro - Paula me encarou e sorriu maliciosamente. - O que eu podia fazer? Tinha ficado com ideia fixa no rapaz, então puxei Olívia pelo pescoço e taquei-lhe um beijo.
Eu gargalhei, chamando a atenção de várias pessoas.
- Sabe, eu acho que a Olívia tinha inventado essa história e só queria me pegar, porque depois disso, o Henry continuou parado onde estava, apenas olhando.
- E o que você fez? - perguntei, curiosa.
- Eu desfilei até ele e quase engoli garoto.
Lágrimas escapavam-me de tanto rir. Paula sempre me divertia, mesmo nos meus piores dias.
Quando começara a anoitecer, marcamos de ir à praia no dia seguinte. Peguei o metrô até a Glória e praticamente corri até a casa de Vitória, com medo de ser assaltada.
Passei pelo portão de ferro e esperei a porta azul ser aberta após tocar a campainha duas vezes.
- JÁ VAI! - gritou Felipe. Ouvi o barulho da porta sendo destrancada e abri um sorriso. - Quem me incomoda? - gruiu ao abrir a porta com uma carranca no rosto, que logo se desfez ao encontro de nossos olhares.
- De mau humor? - perguntei, adentrando a casa e largando a bolsa no pequeno sofá à direita.
- Nop - disse, voltando ao seu humor natural. - Apenas tentando espantar os pivetes.
- Ai ai, Lipe, tinha até me esquecido do quanto você era engraçado – debochei.
- É o que? – perguntou ele, fingido. Virei-me para responder, mas logo me interrompi, passeando o olhar sorrateiramente por seu peito nu, e voltando a fitar suas íris.
- Pode repetir, por favor? Acho que não te ouvi direito - disse, aproximando-se. Recuei instantaneamente, revivendo a cena do banheiro.
- Pare com isso, Felipe! - o adverti ao cair no sofá atrás de mim, sobre várias bolsas e mochilas.
- Parar com o que? - perguntou inocente. Ele me levantou do sofá e puxou-me contra si, surpreendendo-me com um rápido selinho. Nossos rostos estavam a poucos centímetros de distância. Senti minhas bochechas corarem e tentei desfazer-me de seu "abraço", irritada.
- Felipe, me solta! - ele deu um passo para trás, sorrindo maliciosamente e com as sobrancelhas erguidas. - Não faz isso de novo, entendeu? - disse, apontando para seu peito.
- Está esquecendo a palavrinha mágica? - respirei fundo, controlando-me. Não ia querer ser expulsa sem nem completar uma semana naquela casa.
Quando estava prestes a responder, fui interrompida por uma tosse seca vinda de trás de Felipe. Andei para o seu lado e enrubesci.
- Só vim avisar que o jantar vai estar pronto daqui a pouco. Foi mal por interrompê-los – desculpou-se Eduardo.
- Tudo bem, não interrompeu – respondi rapidamente.
- Olha ela, ficou com vergonha – Felipe brincou, rindo. Parecendo incomodado, Eduardo logo saiu do aposento. – Relaxa, Ali, depois a gente continua – disse, seguindo os passos de Edu.
Sentindo-me irritada – tanto com Felipe quanto comigo mesma, por ter me preocupado com o que Eduardo poderia ter pensado –, bati os pés até o banheiro para tomar um banho quente, na tentativa de talvez acalmar-me.

Minutos mais tarde, adentrei meu quarto e fechei a porta. Coloquei rapidamente minhas roupas íntimas e logo depois, calças de moletom – buscando aquecer-me após o choque térmico que havia sentido ao sair do banho –, e uma regata branca.
Estava prestes a deitar quando um ronco em minha barriga interrompeu-me. Suspirei, temendo esbarrar em Felipe e/ou em Eduardo enquanto traçava meu caminho para fora do quarto até a cozinha. Chegando lá, encontrei Vitória mexendo numa panela, de onde vinha um cheiro delicioso de brigadeiro, fazendo minha barriga roncar novamente. Vitória virou a cabeça e riu.
- Chegou em boa hora, Ali.
- Isso eu posso ver - sorri, aproximando-me.
Vitória usava um vestido florido e soava bastante por estar em frente ao fogão. Ofereci-me para ajudar e ela concordou. Enquanto mexia o brigadeiro, Vi tirava as outras panelas do fogão para colocá-las sobre a mesa da sala, junto aos pratos e talheres.
- E aí, o que fez hoje? – perguntou ao voltar.
- Fui à feira hippie encontrar uma amiga... Quero dizer, Paula. Ela me disse que vocês já haviam se conhecido.
- Ah, a Soriano? Que legal! Como ela está? Não a vejo há tanto tempo - Vi encostou-se à bancada com um copo à mão, bebericando-o. Até conversar sobre esse simples encontro com Vitória era estranho. Nunca pensei que algum dia ela se encontraria nessa parte de minha vida.
- Ela está bem. Marcamos de ir à praia amanhã, quer vir?
- Claro, vai ser ótimo sairmos todas juntas! - respondeu animada. – Ali, você se importaria se eu chamasse os meninos também? Há tanto tempo que não fazemos um programa desse tipo... – perguntou, fazendo bico.
- Claro que pode! – concordei, sorrindo, apesar de preocupar-me com o que tudo isso levaria a acontecer. Vi comemorou com gritos de vitória e abraçou-me.
- Já chega – disse, por fim, tirando a panela de minhas mãos e colocando-a na geladeira. – Vamos jantar logo porque estou doida para devorar esse brigadeiro.

No dia seguinte, eu, Felipe, Eduardo e Vitória acordamos cedo e pegamos o metrô até Ipanema. Andando pelo calçadão, fomos até o Leblon, onde Paula nos aguardava deitada sobre uma canga na areia, vestindo um biquíni preto. O dia estava quente, porém, havia poucas pessoas na praia por ser um dia de semana.
Ao ver-nos aproximar, Paula pulou da canga.
- OOOI, GENTE! – gritou, abraçando cada um de nós. – Como é que vai?
- Tudo bem, gata, e você? – perguntou Lipe. Deu dois passos em direção a ela, mas interrompeu-se ao som da voz de Edu.
- Opa, opa, opa – rindo, Eduardo segurou o ombro de seu amigo. – Nós já falamos sobre isso, esqueceu, leque?
- Ok, ok – disse Lipe, revirando os olhos, porém, rindo. – Nada de dar em cima da Soriano.
Sem entender nada, apenas ri e comecei a estender minha canga no chão, ao lado da de Paula. Depois, ajudei Vitória a fazer o mesmo. Tentei ignorar, mas percebi o olhar inquisidor da primeira enquanto falava com Vi.
- Não quero nem saber – apressei-me a dizer. – Vocês duas vão entrar na água comigo.
- Ai, tinha esquecido o quanto você ama ficar no mar.
- Nem me lembre – disse Paula, revirando os olhos. – Essa aí quase fez com que eu morresse afogada um dia.
Gargalhei ao recordar-me de quando tínhamos ido juntas à praia do Recreio e Paula não conseguira sair do mar devido a forte correnteza, desesperando-se. Depois disso, ela disse que tinha areia no corpo até onde jurava não ser possível.
- Mas dessa vez vai ser diferente – assegurei, apontando para o mar. – Veja, não está nem um pouco movimentado comparado àquela vez.
- , ainda não me convenceu – ela retrucou, deitando-se a canga.
- Ok, chata – tirei a saída de praia branca que cobria meu corpo e virei-me para Vitória, ficando de costas para o mar. – Mas e você, vai me fazer companhia?
- Ai, Ali, pode ser daqui a pouco? A água deve estar um gelo e mal acordei direito para morrer de hipotermia – desculpou-se ela, tirando os shorts e a blusa.
- Tudo bem, suas velhas. Daqui a pouco vou mandar os meninos virem buscar vocês, ouviram? – perguntei, virando-me, apenas para descobrir que os dois amigos já estavam a vários metros de distância, mergulhando sob as ondas. Sorri e corri para alcançá-los.
Quando minha pele dos pés tocou a gélida água, meu corpo estremeceu, fazendo-me elevar os ombros. Dei mais alguns passos, xingando o mundo inteiro pelo frio em minha pele quente, e arrumei o biquíni colorido uma última vez antes de imergir totalmente. Naquele momento, ao deixar o barulho da selva de concreto para trás, senti-me relaxar instantaneamente. O leve ruído das ondas chocando-se na superfície levava-me diretamente às memórias de uma vida que há muito tinha deixado para trás.
Lembrava-me, primeiramente, de minha infância; do tempo em que passara explorando as ilhas de Angra com Vitória. Em seguida, das inúmeras vezes que havia visitado aquela mesma praia apenas com Eduardo; dos inúmeros beijos trocados enquanto aguardávamos o sol se pôr, quando então, iríamos para a pedra.
Ao finalmente emergir de meu mergulho, nadei apenas mais alguns metros para chegar onde eles estavam.
- Esperar pra que, né gente?
Felipe olhou para trás e riu.
- Você que estava cheia de nhê nhê nhê pra cima das garotas! – defendeu-se.
Estávamos os três apenas com a cabeça para fora d’água. Eduardo fitava o horizonte, Felipe, entediado – ou cansado –, decidiu boiar.
- Meu Deus, vocês são tão chatos quanto elas. – disse, afastando-me deles.
Continuei assim por algum tempo, às vezes mergulhando, às vezes nadando crawl, até chegar a um ponto em que meus braços protestavam com o cansaço, fazendo-me parar. Olhei para o alto e observei as gaivotas voando sob o azul do céu. Estava tão distraída que demorei a notar algo tocando meu pé, fazendo-me gritar e remexer-me dentro d’água.
- AAAAAAH!!
- Relaxa, relaxa, sou só eu – disse uma voz feminina ao meu lado: Paula. Estava rindo como uma criança.
- Sua filha da...
- Olha o palavrão! – advertiu-me ela
- O que você estava pensando? Está planejando me matar?
- Isso – disse pausadamente – foi meu troco.
Fiz uma careta, mas ela logo se desfez enquanto observava Paula ter um ataque de risos.
- De qualquer jeito, Ali, eu só entrei porque queria conversar com você longe dos outros ouvidos.
Suspirei, já sabendo o que viria pela frente.
- Ali, eu acho que você deveria conversar de novo com Eduardo.
- Mas conversar o que? A gente já disse tudo o que tinha que ser dito.
- Você já falou o que você sente por ele? – indagou. Desviei o olhar de Paula, voltando a encarar o céu.
- Você sabe que eu não posso, Paula. A Vitória é minha amiga e eles estão felizes juntos. E mesmo se esse não fosse o caso, ele não sente mais por mim o que eu sinto por ele. Só vou conseguir me desvencilhar desse sentimento se eu o ignorar.
- Bom, eu discordo. Se ele não sentisse algo por você, vocês não estariam se ignorando. Ele falaria com você normalmente.
- Não, Paula, já chega. Para de ficar colocando ideias na minha cabeça, senão eu não vou conseguir seguir em frente nunca! – irritei-me, encarando-a.
Paula calou-se e suspirou.
- Estou apenas preocupada com você, Alice. – declarou – Sinto falta da menina animada que você costumava ser antes de viajar.
Refleti sobre o que ela dissera e sorri triste. Realmente, eu havia mudado, mas nada faria com que eu voltasse a ser aquela pessoa.
- Bem, essa menina cresceu. – disse e então, mergulhei, nadando em direção à praia.

Ao meio dia, recolhemos nossos pertences e saímos para almoçar no Botequim Informal. Passamos duas horas lá, bebendo, comendo e conversando – meninos sobre futebol e meninas sobre outras banalidades. Tínhamos acabado de pagar a conta quando levantei-me para ir ao banheiro. Na volta, quando encontrei o grupo em frente ao bar, todos se silenciaram, com olhares conspiratórios no rosto.
- O que vocês estão aprontando? – perguntei, sem rodeios.
- Nada. – disseram em uníssono.
- Vocês mentem muito mal. – ressaltei, com as mãos na cintura.
- E você – começou Felipe, avançando e enlaçando-me com os braços – é muito curiosa.
- Mas disso você sempre soube – disse, afastando meu rosto de seu e recordando um momento em Angra, quando achara uma embalagem de camisinha em um casaco que Felipe havia me emprestado. – Lembra?
Ele hesitou, até entender ao que me referia, e então gargalhou.
- Claro que me lembro daquela camisinha...
- Uou, só eu que não estou entendendo nada aqui? – disse Paula em confusão, olhando para os braços de Felipe a minha volta, que instantaneamente largaram-me. Eduardo nos observava sem expressão, enquanto Vitória tinha ataques de risos.
- O que foi, está com ciúmes, Soriano? – perguntou Felipe, galante.
- De você – pausou –, nunca!
- Felipe – chamei-o antes que falasse algo estúpido –, baixe esse fogo, ok?
- Ih, já está assim, é? – sorriu maliciosamente, elevando-me pelas pernas e jogando-me em seu ombro.
- AAAH – gritei, rindo. Mal percebi que aquilo tudo era apenas uma distração.

Quando chegamos em casa, todos corremos para ver quem chegaria primeiro ao banheiro para tomar banho. Acabou que os meninos venceram, mas Eduardo deixou que sua namorada fosse primeiro.
Deixei as cangas na área de serviço e, quando voltei à sala, Eduardo tinha colocado um setlist do Gabriel O Pensador para tocar. Agora estava deitado sobre o chão, olhando para o teto. Respirei fundo e deitei-me ao seu lado.
- Então...- comecei, sem saber o que dizer. Senti seus olhos em meu rosto, fazendo-me enrubescer.
- Então...
Olhei para ele e rimos.
- Você disse que ia tentar. – murmurou, finalmente, sorrindo. Sua barba começara a crescer, deixando-o sexy e com um ar mais velho.
- Mas eu estou tentando. – retruquei frustrada, voltando a fitar o teto com medo de olhar demais.
- Você quase não trocou uma palavra comigo hoje.
- Bom, não era como se você também estivesse se esforçando – irritei-me.
Silêncio. Então, Eduardo soltou uma leve risada.
- O que foi? – perguntei, voltando a encará-lo. Ele apoiou-se ao cotovelo, observando o nada.
- É só que... Eu sinto falta de quando éramos mais próximos – declarou, sentando-se de repente, pegando-me de surpresa. – De quando éramos mais... amigos. – completou. Sentei-me e analisei-o de costas respirando profundamente. Recostei uma das mãos em seu ombro, dando uma leve apertada.
- Eu sinto falta disso também – sussurrei. Ele se virou e fitamo-nos. Tocou a pele de meu rosto brevemente e, depois, segurou meu queixo.
- Quero que você me trate do mesmo jeito de antes, entendido?
- Só se você prometer o mesmo – disse sorrindo. Ele sorriu de volta e soltou meu rosto.
- Então eu prometo.
Ficamos assim, apenas nos encarando por algum tempo, até que Felipe anunciou ter acabado o banho aos berros, fazendo-nos levantar.
- É a minha deixa, Duda – debochei, rindo. – Meu Deus, de onde eles tiraram esse apelido?
Eduardo gargalhou.
- Longa história. Depois te conto.
- Vou cobrar! – o avisei, virando-me para o corredor.
- Ei, venha cá – chamou Eduardo, puxando-me pela mão e, então, abraçando-me.
Congelei quando seus braços enlaçaram minha cintura, do mesmo jeito que fazia antes, inspirando profundamente em meu pescoço. Respirei fundo e envolvi seu pescoço com os braços, deitando o rosto em seu ombro e fechando os olhos, aproveitando cada segundo daquele momento.
Após algum tempo, quando o abraço se quebrou, olhei-o fixamente antes de retomar meu caminho. O que ele estava pretendendo com tudo aquilo?
Ao chegar ao lavabo, fui direto para o box. Despi-me e pendurei a saída de praia e o biquíni sobre o vidro que impedia a água de encharcar todo o banheiro. Fechei os olhos e relaxei com o encontro da água morna em minha pele. Toquei onde há pouco Eduardo tocara-me e suspirei.
Sabia o quanto seria difícil manter uma relação harmônica com Eduardo sem desencadear mais sentimentos por ele, mas era verdade, sentia falta de sua presença e faria o possível para tê-lo de volta em minha vida, mesmo que como amigo. Talvez o mais sensato a fazer fosse afastar-me, mas só consideraria essa ideia quando não tivesse mais nenhuma para contestá-la. Bom, a outra era envolver-me com um outro alguém, mas quem? Sacudi a cabeça, decidindo parar de tentar prever o futuro e apenas deixar rolar.
Terminei o banho cantarolando Velha e Louca, imaginando, ao mesmo tempo, o sorriso radiante de Mallu Magalhães ao cantar sobre o terraço de um prédio. Sequei-me rapidamente e, só depois, percebi que havia me esquecido de trazer a roupa para o banheiro.
- Droga – disse frustrada.
Apertei fortemente a toalha branca a minha volta e abri a porta, espiando para ver se encontraria alguém. Dei um passo para fora do banheiro na ponta dos pés e suspirei aliviada por não encontrar ninguém no corredor. Estava quase chegando à porta de meu quarto quando o som de assovios paralisou-me. Por favor, não seja ele, por favor, não seja ele...
- Mas o que temos aqui? – perguntou Felipe, com uma voz sedutora. Era ele, merda. Virei e o encarei, com a expressão mais neutra possível, mas sem conseguir conter o meu rubor. Felipe estava encostado ao batente da porta de seu quarto, ao lado do banheiro. Analisou-me dos pés a cabeça, sem demonstrar nenhum constrangimento.
- Nada que você nunca tenha visto antes – respondi, retomando meu caminho para o quarto, mas contive-me ao ouvir passos seguindo-me. – Nem comece. Se você me encostar...
- O quê? – perguntou, avançando um passo ameaçadoramente. – O que você vai fazer?
Estávamos a poucos centímetros um do outro, mas mantive a pose ao blefar:
- Se você me encostar, vou fazer com que suas chances de ser papai sejam nulas, entendido? – disse, pausadamente e ameaçadoramente – Vou fazer com que seu amiguinho aí embaixo nunca mais se levante.
Felipe gargalhou. Confesso que também não consegui conter um sorriso com a situação.
- Mas eu sei que você não faria nada tão brutal com o meu amiguinho, Alicinha. E sabe por quê? – perguntou, avançando mais o pouco de espaço que nos separava.
- Por que, Felipe? – empinei o nariz, tentando igualar-me a sua altura, já que era alguns bons centímetros mais baixa que ele.
- Porque você também acabaria perdendo com isso. – disse por fim, prensando-me contra a porta de meu quarto. Apertei ainda mais a toalha em meu corpo e me debati com os ombros, já que não podia usar as mãos.
- Felipe, pare agora! Eu não estou brincando – supliquei, em vão, porém.
- Shhh – sibilou Lipe em meu ouvido, fazendo-me estremecer. – Relaxa, Ali. – disse com as mãos em meus ombros, acariciando-me. – Olhe pra mim. – pediu, virando meu queixo delicadamente. Seus olhos verdes encaravam-me profundamente. Ele já não mais sorria, surpreendendo-me e, pela primeira vez, aproximou seu rosto relutantemente de meu, como se pedisse permissão.
Pensei sobre o que há pouco refletira, sobre deixar rolar e, bom, Felipe podia até ser um pouco infantil e bem mulherengo, mas talvez ele pudesse fazer-me esquecer de meus sentimentos por Eduardo logo. Afinal, já gostara dele uma vez e, apesar de todos os seus defeitos, ele era uma boa pessoa e um ótimo amigo, sempre me fazendo rir. Instantaneamente, senti-me mal por querer usá-lo apenas para esquecer alguém, que, por sinal, era seu amigo.
Virei novamente o rosto.
- Foi mal, Lipe. – disse, soltando-me de seus braços e abrindo a porta de meu quarto, entrando. – Eu não estou no clima pra isso hoje, tudo bem?
Não deixei escapar um olhar de frustração, talvez, em seu rosto. Ele deu um passo para trás e sorriu travesso.
- Bom, pelo menos agora tenho certeza de que tenho uma chance – retrucou, sorrindo. Piscou antes de virar-se e adentrou seu quarto, tirando-me as chances de retrucá-lo.


CONTINUA



Nota da autora: 06.12.2014 -
Então, não faço a mínima ideia se alguém vai algum dia ler essa fic, mas se por um acaso alguém estiver, peço que, por favor, me ajude com a divulgação dela e que digam nos comentários o que estão achando! Essa é a primeira fanfic minha aqui do site e espero que estejam se divertindo tanto quanto eu ao escrevê-la. Se quiserem me perguntar alguma coisa, me chamem no twitter (@larissaportela_), estou sempre por lá. Beijoss :)

comments powered by Disqus


Qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.
Para saber quando essa fic vai atualizar, acompanhe aqui.



TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE FANFIC OBSESSION.