Era oficial: Ele não conseguia fazer aquilo sem ela.
Por mais que tivesse aprendido, por mais que tivesse feito antes, que já tivesse passado por isso, ainda assim, encontrava problemas naquela pequena e simples tarefa. Afinal, o quão difícil era prender a parte adesiva na fralda?
Anmy balançava os pés, uma de suas pequenas mãos estava dentro de sua boca, olhando para o homem como se estivesse se divertindo com a confusão dele. bufou, passando uma das mãos pelos cabelos, lembrando somente depois que os dedos estavam cheios de pomada contra assaduras. Anmy soltou uma risada alta e sonora.
- Está se divertindo não é? Acha isso engraçado? – perguntou a bebê de cinco meses. – Acha engraçado que seu pai não consiga fechar essa... Essa... – não poderia falar um palavrão na frente da criança. Ele já havia soltado um, quando batera contra a quina da bancada da cozinha, e a mulher havia ralhado com ele por mais de uma hora. Crianças eram muito influenciáveis, e ter uma de 14 anos, outro de 8 e um bebê de cinco meses... Bem, apesar de Anmy não saber falar ainda, Emma e Lian poderiam muito bem repetir o “Caralho” que ele, sem querer, gritou.
Respirou fundo e pegou a ponta novamente, tentando colá-la ao resto, mas o mesmo não prendia, e ele não sabia mais o que fazer. Estava quase pegando o pano em que a bebê estava deitada e amarrando em sua cintura, até perceber que não havia retirado a parte que protegia a cola do adesivo. Quis xingar novamente.
Depois de quase uma hora para uma simples troca de fralda, conseguiu colocar o pequeno macacão rosa na filha, verificando se estava tudo certo, se todos os botões de pressão estavam fechados, se ela estava confortável.
Pegou a criança no colo, tirando-a do banheiro e a levando para sala, onde o pequeno cercado estava montado para ela, com seus brinquedos espalhados pela superfície forrada do fundo.
- Eu já volto, não tenta fugir, okay? – Anmy não ouviu o que o pai disse, estava mais ocupada com o que poderia encontrar ali. respirou fundo e voltou ao banheiro, limpando toda a sujeira que havia feito no lugar, lavando as mãos e passando um pouco de água nos cabelos, tentando tirar a pomada.
Ouviu a porta da frente ser aberta enquanto enxugava as mãos. Prontamente saiu do banheiro, caminhando em direção à sala do apartamento. Emma jogava a mochila sobre a poltrona, ao mesmo tempo em que tirava os tênis e os deixava jogados pelo chão. Lian era outra história, pendurou a mochila no mancebo ao lado da porta, tirou os tênis, meias, e os colocou em seus devidos lugares, calçando os chinelos em seguida. Por mais que aquela fosse uma coisa rotineira, a bagunça de Emma e a organização de Lian, algo estava estranho naquele dia, ele não via Amber junto aos filhos.
- Onde está a Amber? – perguntou. Lian no mesmo momento se encolheu entre os ombros, fingindo estar distraído pela irmã mais nova.
- Não pôde ir buscar a gente – Emma respondeu, sentando-se no sofá e prontamente mudando o canal da televisão.
- Como assim ela não pôde ir buscar vocês? É a segunda vez que isso acontece essa semana. – já tinha que enfrentar cuidar de uma bebê sozinho, tinha os problemas no café alguns andares abaixo, agora iria criar mais cabelos pensando nos filhos voltando sozinhos do colégio.
- Ela não foi, ponto final, não sei por que ainda paga essa mulher – a menina resmungou.
- Eu pago porque eu preciso da ajuda dela, porque vocês não podem voltar sozinhos!
- Claro que podemos, para com essa neura – ele reprimiu o sermão que queria dar ao ouvir a filha, novamente, chamá-lo pelo nome. – Eu não sou mais criança, sei bem andar sozinha.
- Mas seu irmão é! Não adianta querer questionar, Emma. Eu não quero vocês andando sozinhos por Nova York!
- E eu não sou! Eu não vou ficar na porta da escola esperando a porcaria de uma babá para me levar em casa! – Emma levantou-se do sofá para encarar melhor o pai. – Você tem noção do quanto me zoam por causa disso? É ridículo! Metade das minhas amigas pegam o metrô sozinhas para irem e voltarem da escola, só eu tenho que esperar a santa da Amber para poder me locomover.
- Eu não ligo para o que dizem, o que suas amigas fazem ou o que você quer, enquanto sua mãe não estiver de volta, é assim que as coisas vão funcionar. Me diz, ligou para a babá para avisar que eu iria pegar vocês? – cruzou os braços a frente do peito, vendo a filha bufar e sair da sala, caminhando apressadamente até seu quarto e batendo a porta após passar. Queria tanto que estivesse ali naquele momento, ela conseguiria conversar com Emma, conseguiria acamá-la. Respirou fundo, passando mais uma vez a mão pelos cabelos e olhando para Lian, vendo-o ainda encolhido. Sabia que o menino não aprovara o que a irmã fizera, mas não tinha coragem para enfrentá-la.
- Vem, Lian. O almoço já esfriou, mas eu esquento para você. – tentou forçar um sorriso, enquanto pegava a babá eletrônica e levava para a cozinha, sendo seguido pelo filho. Pôde ouvir o começo de alguma música punk provinda do quarto de Emma e tentou controlar a raiva que crescia em seu peito. Mais uma vez iria ser chamado na reunião do prédio, mais uma vez levaria uma bronca. Ele só esperava que daquela vez não resultasse em mais uma multa.
Quando esperava ter filhos, não imaginaria que fosse daquela maneira. Choros de madrugada, pesadelos infantis, rebeldia adolescente. Sabia que não era fácil ser pai, mas imaginava que teria um controle maior sobre seus filhos, assim como seu pai tinha. Além do mais, sentia-se pior ainda por estar ficando velho, não queria nem ao menos imaginar que, quando Anmy fizesse dez anos, ele estaria com quase sessenta anos. Seria quase como um avô para a filha... Por mais que o termo ficasse correto, afinal, ele era de alguma maneira, tio-avô da própria filha. Pensar naquilo somente lhe trazia mais dor de cabeça do que necessário.
Terminou de esquentar o almoço do filho e serviu o prato do mesmo. Iria almoçar, mas não conseguia ter fome, não sentia vontade de comer, tudo o que ele queria naquele momento era ter ela ao seu lado. saberia como revolver tudo, conseguiria ajudá-lo e acalmá-lo. Por que ela tinha que estar longe logo agora?
Saiu da cozinha com o telefone em mãos, caminhando para a sacada, que ficava em tempo integral, trancada. Assim que fechou a porta, após passar, discou rapidamente o número tão conhecido por ele. Não sabia se ela estaria acordada, se estaria em alguma palestra, no almoço... Não importava, só queria ouvir sua voz. “Alô?” Quando achou que ela estava demorando para responder, atendeu, fazendo seu coração dar um salto dentro do seu peito e um sorriso se espalhar por seus lábios.
- Amor, não estou te atrapalhando, não é? Mas eu precisava falar tanto com você... “Não, meu amor, não está não” riu levemente “Para falar a verdade, eu até estava pensando em te ligar, mas me controlei. Pensei em fazer uma surpresa, mas... Já que você ligou, eu vou contar. Adivinha onde estou?” perguntou, deixando-o confuso e o colocando para ouvir os sons que estavam a volta dela. Quando ele ouviu o típico sino antes de anunciarem algum voo, seu sorriso aumentou mais ainda, algo que ele não achou ser possível.
- Não me diga... Não... Já está voltando? Mas as palestras... “Terminaram mais cedo, ainda bem, já não aguentava mais. Duas semanas longe de vocês é demais para mim” suspirou pesadamente “Eu estou com tantas saudades suas e das crianças... Como elas estão? Minha pequena? Teve mais algum problema no banho? Não deu mais nenhuma mamadeira fria, não é? , sabe muito bem que você é um homem feito, daqui a pouco fará cinquenta anos, é quase um sacrilégio você dar leito frio a um bebê!” por mais que a voz de fosse irritada do outro lado, apenas ria. Não era a primeira vez, naqueles últimos dez anos, que algo do gênero acontecia. Primeiro era esquecer-se de dar o lanche da Emma, de não saber fazer o cabelo da menina, não conseguir vestir suas roupas ou lhe dar banho. Depois foi com Lian, os problemas com fraldas e leite, em segurá-lo, em niná-lo e como colocá-lo para dormir da maneira certa. achou que tinha aprendido com seu erro, mas não, quando Anmy chegou, parecia que haviam feito lavagem cerebral em si. Tudo o que havia aprendido com o segundo filho, ele havia esquecido com o terceiro, o que causava fios dos cabelos de sendo arrancados e muitas risadas. Ela ficava brava, brigava e xingava quando os dois estavam sozinhos, mas depois ria, às vezes até filmava quando fazia algo errado.
- Não, eu não dei mais leite frio, pode ficar tranquila... Tive problemas com a fralda, mas eu consegui me virar e a fralda não caiu, o que é importante – riu novamente do outro lado – Como eu quero ouvir essa risada ao vivo, sabe que... Depois daqueles anos, eu não consigo mais ficar cinco minutos sem te ver, não sabe? – ele se apoiou no parapeito da sacada, encarando o movimento dos carros na sua rua.
Foram os piores anos da sua vida quando ficou longe de sua pequena, quando não soube que teve uma filha e quando a reencontrou em seu café, casada e com Emma em volta de suas pernas. Ele não soube o que fazer quando a viu ali, quando olhou para o homem ao lado dela, como o odiou e o invejou. Também não soube o que fazer quando horas mais tarde, ela bateu em sua porta e pulou em seu colo. Ele prontamente esqueceu o que havia visto, esqueceu-se da aliança no dedo dela, da mesma maneira que esquecera quando ele tinha uma similar no dedo. “Eu sei... Eu me sinto do mesmo jeito, . Esses últimos dias foram... Difíceis. Difícil não pegar o celular o tempo todo para ver uma foto de vocês” ele sorriu com aquilo também, a saudade estourando. “Mas daqui a algumas horas vou estar do seu lado, das crianças e não vou te deixar sair das minhas vistas”
- Não vou me incomodar nem um pouco com isso. Nem um pouquinho – riu malicioso. “...” ameaçou, mas parou de falar por alguns segundos, prestando atenção no que acontecia no aeroporto. “Amor, meu voo foi chamado, eu vou embarcar agora e te vejo logo, okay? Me espera com um banho quente, por favor” pediu manhosa.
- Só se for eu a esquentar esse banho pra você – sorriu – Tenha uma boa viagem minha pequena, mal vejo a hora de te ter aqui de novo. “Eu sei disso, tio, você sempre foi possesivo. Eu te amo, te vejo em breve”.
se despediu da menina, que já não era mais menina, sentindo-se bem. Por mais que tudo tivesse acontecido de errado naquele dia, uma coisa boa estava por vir. Era sempre assim, vinha para consertar o que fosse em sua vida, ela era a resposta de todas as perguntas.
Voltou para dentro do apartamento, trancando a porta novamente, e se aproximou do cercado. A música do quarto de Emma ainda estava alta, podia ouvir também os talheres batendo no prato de Lian. Abaixou-se e ficou próximo a Anmy, que brincava distraidamente com um ursinho.
- Mamãe está voltando, meu amor – passou a mão delicadamente pelo cabelo fino da filha, vendo-a levantar a cabeça para olhá-lo, piscando os olhos idênticos aos da mãe. - Ela está voltando.
I'm dreaming on the last mile home
Dreaming on the last mile home
Things are always better
When we're all together
I'm dreaming on the last mile home