Vou ao encontro de Margareth, que anda meio pensativa e precisando dar uma caminhada. Ela está sentada em um banco, olhando para as árvores longas e altas, que floreiam na primavera. Em seus dedos, uma florzinha amarela. Em seus lábios, um sorriso. Chego mais perto dela, levanto minhas mãos na altura da cabeça, em forma de garras. Margareth, sem perceber minha presença, continua a observar a paisagem. Sem me conter, grito um enorme "Buhhhhh!", fazendo a loira se assustar e pular em seu acento. Caio na risada, me dobrando nos joelhos, mal me aguentando.
— Você devia ter visto a sua cara, Maggie. — digo para ela, que agora me olha meio furiosa, meio achando graça, escondendo nos lábios um sorriso brincalhão.
— Deixe de ser besta, você quase me matou de susto. — diz ela, arregalando os olhos e tentando parecer brava.
— Ah, deixa disso. Foi só um sustinho. Agora venha, vamos caminhar, Margarida. — pego sua mão, puxando-a, caminhando com ela em meu encalço, vagando pelos caminhos de grama e terra do parque cheio de vida, enquanto rimos, brincamos e dizemos bobagens aleatórias.
Estar com Maggie era quase tão fácil quanto respirar. Era bom, era calmante, era relaxante. Nos últimos dois meses, depois de ter engravidado precocemente e ter perdido o seu bebê, ela estava sempre meio cabisbaixa, sempre pensativa. Eu sei que ela não queria ter aquele bebê, ela não queria, pois sabia das coisas que teria de deixar para trás, mas sei que ela não queria ter perdido ele de forma tão traumática. Afinal, é sempre muito além de dramático, quando seu namorado viciado em heroína, chega na escola e te prende na sala de arquivos ameaçando tanto a sua vida quanto a vida da criança que você carrega no ventre. E foi assim que aconteceu com Maggie.
Há dois meses, final de semestre, ela engravidara de Henry; o garoto parecia ser doce, apaixonado por ela, e acima de tudo ele parecia ser confiável e ter a cabeça no lugar. Porém, pressionou tanto Margareth para que transassem que ela acabou fazendo, mesmo contra a sua vontade.
Um mês e meio depois, Maggie chegou em minha casa, os olhinhos azuis e redondos estavam vermelhos, pelas suas bochechas a marca do rastro que várias lágrimas fizeram.
— O que houve, Margarida? — perguntei preocupada, chamando-a pelo apelido que eu dera para ela há uns três ou dois anos.
— Eu... Leach... Eu estou grávida. — disse ela, rápido, enquanto uma torrente de novas lágrimas abriam caminho pelos seus olhos, jorrando por suas bochechas e sumindo na curvatura de seu pescoço.
Nos primeiros segundos, minha reação foi ficar sem reação. Eu não sabia o que falar. Não sabia como reconfortá-la. Abri a porta, dando espaço para que Maggie entrasse, e logo que ela passou, fechei a porta com um baque.
— Senta aí. Vou preparar um chá. Ou você prefere café? Os... os... hm... Você pode beber café estando com isso? Digo, estando grávida? — falei, meio sem saber o que ou como falar. Minha ficha ainda não tinha caído, e eu estava em fase de negação.
— Leach, eu não quero chá ou café, eu quero o abraço reconfortante da minha amiga. — pediu ela, soluçando audivelmente. Seus ombros balançando, conforme o seu esforço para puxar o ar para dentro de seus pequeninos pulmões.
Me recompondo e tomando vergonha na cara, me aproximei a passos pequenos do sofá onde minha amiga desabava.
— Venha, me dê um abraço, Margarida. Eu tô aqui. Sempre estarei aqui. — sussurrei, enquanto envolvia-a em meus braços.
Naquele dia, agimos como se ela não estivesse grávida e como se ainda fosse virgem. Eu agi como se não soubéssemos de nada. Passamos o dia como em todos os outros, ouvindo música, vendo filme de terror, séries de comédia. Comendo besteiras e fofocando sobre celebridades.
Maggie adorava caminhar, ela adorava a natureza, então sempre que eu percebia que ela estava pensando demais, se culpando demais e se aproximando mais e mais a cada hora da depressão e de toda a tristeza, eu a trazia para o parque. E então caminhávamos por uma tarde toda. Como agora, estamos apenas andando. Passo. Passo. Pé esquerdo. Pé direito.
— Eu sinto falta, Leach. — disse, ela de repente, parando de caminhar. — De sentir que havia uma vida crescendo em mim. De sentir aquela sensação, de que em alguns poucos meses, algo sairia com vida de mim. Algo pequenino e algo lindo. Eu sei... Eu sei. Eu sempre disse que não o queria, mas eu menti, eu queria sim, Leach. Ele era meu. Meu menino que nunca nasceu.
Lágrimas ameaçavam saltar de seus olhos. E então eu entendi. Tudo havia sido mais doloroso para ela, pois ela sentia, ela amava. Ela queria. E era por isso que agora ela chorava, amassando a florzinha amarela nos dedos.
Abracei-a de lado, e caminhamos de volta, para fora do parque. Levei-a para minha casa, onde ela ficaria segura.
Naquele dia, quando tudo aconteceu na escola, eu estava em um provão. Uma prova que teria duração de quatro longas horas.
Mal sabia eu, o quão perigosa uma escola poderia se tornar.
As provas terminaram duas horas antes, quando Meredith, uma aluna baixinha e morena de pele branca e sardas por seu rosto, apareceu na minha sala. Ela estava ofegante, deveria ter corrido até ali. Colocou sua pequena mãosinha no coração, respirando em longas tragadas de ar.
— Pro... Professor. Eu.... ajuda... Margareth... Henry a trancou. Meu Deus. — suspirou ela, tentando falar. — Preciso de ajuda. A diretoria fica no outro prédio, e o Henry trancou a Margareth na sala dos arquivos. Nossa, tô suando. — soltou ela, rápido de mais, esbaforida de mais. Neste momento, eu já me levantava de minha cadeira e ia em direção à Meredith.
— Sente-se, Cailleach. Você ainda está em horário de prova. — resmungou o professor, sentado em sua cadeira giratória de madeira.
— Foda-se. — falei eu, já saindo da sala com Meredith ao meu lado.
Corremos apressadas para a sala dos arquivos. E no corredor era possível ouvir os gritos de dor de Maggie, e os urros de raiva de Henry.
Tentei abrir a porta, sem sucesso, ela estava trancada. Esmurrei a porta, socando e batendo, chutando com toda a força que eu achava possuir.
— Henry, seu filho da puta. Abra essa porta. Abra agora. — gritei, sentindo a garganta protestar.
— Foda-se você também. Se esse bebê infeliz não morrer, eu mato a mãe. — gritou ele, do outro lado da porta.
Minha espinha toda gelou, e um calafrio percorreu meu corpo. Era como o presságio que todos sentem antes de verem a morte de perto. Eu já tinha visto isso. E não deixaria que acontecesse de novo. Não com minha Maggie.
Me virei para Meredith, que ainda estava ofegando, dobrando-se nos joelhos, tentando respirar melhor.
— Mery, corra e chame por ajuda, seja um professor, ou seja na diretoria. Toma, leva o meu celular, ai tem o número do Aaron. Ligue para ele também, diga para ele subir no terceiro andar. Pelo o amor de Deus. Faça isso rápido, preciso dele aqui.
— Mas... nossa. — suspirou ela, tentando adquirir forças para correr.
— Rápido, Mery. Rápido.
Assim que Meredith virou o corredor, fui até o banheiro do terceiro andar, onde sempre havia alguém fumando maconha. Eu não esperava que realmente houvesse alguém ali, porém me surpreendi quando vi o próprio Erik; encostado na parede, sentado no chão, fumando um cigarro de maconha e com uma lata de coca-cola nas mãos.
Meu coração sempre disparava quando eu o via. Era inevitável. Porém, eu estava com pressa.
Caminhei até ele com passos longos, e vi seu olhar se acender, quando me abaixei. Porém uma carranca brava tomou suas feições quando eu arranquei o cigarro de seus lábios e o joguei em um dos sanitários ao lado.
— Mas que porra é essa, Cailleach? — disse ele, se levantando rápido. Ótimo.
— Eu preciso de ajuda, e no momento, você é o único que pode me ajudar. — sussurrei, sentindo meus olhos arderem e as pernas fraquejarem. Não, eu tinha que ser forte, por mim e por Maggie.
Vendo o meu estado, Erik se assustou e logo estava perguntando o que havia acontecido. Eu apenas o puxei pela mão, entrelaçando meus dedos nos seus. Puxando-o para o corredor certo.
Parei em frente à porta da sala de arquivos, ouvindo o barulho de madeira quebrando e o ferro batendo nas paredes. Não! Henry estava arremessando os arquivos? Não! Não! Não!
— Mas que porra tá...
— Henry prendeu a Maggie aí dentro. Ele deve tá drogado de novo. Por favor, arromba essa porta, Erik. Pelo o amor de Deus. Rápido.
— Leach, não tem como...
— Vai, Erik, faz logo! — gritei, sentindo o nervosismo tomar conta de mim.
Erik se distanciou o máximo que pode, e tomando impulso, correu, se jogando contra a porta, que apenas rangeu, mas não cedeu. Ele fez isso mais umas três vezes, e depois parando qualquer tentativa inútil, quando eu gritei o mais alto que pude. Um grito estridente. Carregado de dor.
O barulho de coisas sendo arremessadas lá dentro cessou. Eu me joguei contra a porta, batendo repetidas vezes até minhas mãos ficarem doloridas e vermelhas e, consequentemente, até que Erik me afastasse da porra da porta.
— Para com isso, sua idiota, vai quebrar as mãos. Porra! — falou ele, apertando com força meus braços, enquanto eu nem lhe dei atenção, preocupada de mais com minha amiga e seu filho, presos na sala ali em frente.
Segundos se passaram, em que eu tentava me soltar das mãos de Erik para esmurrar a porta outra vez. E então, como se nada houvesse acontecido. Henry abriu a porta, saindo de lá cabisbaixo e com os olhos brilhantes de excitação e loucura. Era o efeito da heroína.
Heroína, o quão irônico é esse nome? A droga de nada heroica tem. Ela mata. Ela deturpa. Ela estraga e corrói o bem. A heroína de nada é heroína. É Assassina.
Erik me segurou ainda mais firme quando Henry se virou para mim e disse:
— Pode entrar, agora ela é toda sua. — e soltou uma gargalhada, andando pelo corredor como se não tivesse feito nada.
Só quando ele virou o corredor desaparecendo de minha visão, foi que Erik me soltou. Dei um soco no ombro dele, gritando um “Babaca!” enquanto corria para dentro da sala de arquivos.
Assim que entrei na sala, minha visão ficou turva. A cena que eu via era horrível, fantasmagórica. Era a visão da dor. A visão do sofrimento.
Maggie estava no chão, havia sangue em seu corpo, e principalmente em suas pernas. Eu achei que ele pudesse tê-la matado. Mas ela soltou um gemido de dor e apertou a barriga. Ela havia abortado naturalmente. Ela havia perdido o filho.
Me ajoelhei ao seu lado no chão, embolando-a em um abraço desajeitado. De canto de olho, percebi o vulto de Erik, parando no batente da porta. Em silêncio. Logo ele estava ao meu lado, tentou pegar minha Maggie no colo, mas eu não deixei.
— Eu tô aqui, Margarida. Eu tô aqui. — sussurrei, enquanto a balançava em meus braços, me sujando com seu sangue.
Depois eu só me separei dela quando uma ambulância chegou e á levaram de meus braços. Não me deixaram acompanhá-la. Aaron, irmão de Maggie, não conseguiu ser liberado da sala de aula. Chegou todo apressado assim que a ambulância dera partida. Gritando a todos que “espera! Espera! Porra! Ela é o caralho da minha irmã e eu vou com ela.”, dito isso, ele subiu na ambulância quase em movimento que abriu a porta traseira para que ele entrasse.
Erik havia me levado para o hospital, ele ficara comigo o tempo todo. Apenas me observando, cuidando de mim. E quando eu tentei me distanciar dele, ele me seguiu. Me seguiu até o estacionamento. Onde eu gritei, gritei bem alto. Falei palavrões, chutei uma parede até quase quebrar o pé. E quando ele me abraçou, me aninhando em seus braços, ele me deixou socá-lo, me deixou espancar seu abdome. Me deixou chorar em sua blusa. Ele só me reconfortou. Ficou lá parado, me abraçando. Era o abraço mais puro que eu já houvera recebido. Sem segundas intenções.
— Já se acalmou, Leach? — perguntou ele, acariciando meus longos cabelos escuros.
— Não.
— O que faremos para te deixar mais calminha? — perguntou ele.
Afastei meu rosto da curvatura de seu pescoço, olhando-o. Ele sorria o seu sorriso malicioso. Seus olhos castanhos claros da cor do mel, brilhavam, divertidos e sérios ao mesmo tempo.
— Sexo no estacionamento. — sussurrei, mordendo seu queixo, o sentindo estremecer em meus braços.
— Hm, eu pensava mais em irmos tomar sorvete e conversar, mas a sua opção me parece muito mais atrativa. — sussurrou, já embrenhando ambas as mãos em meus cabelos, puxando meu rosto em direção ao seu, colando nossos lábios em um selinho. Apenas um selinho.
Ele me soltou, olhou ao redor, e então me puxou. Me arrastou até um muro alto, cercado por uma fileira de carros. Me encostou na parede com brutalidade. Eu até cheguei a pensar em falar “me joga na parede e me chama de lagartixa”, mas antes que pudesse, sua boca já estava na minha, me reivindicando, me tomando para si. Sua língua explorando a extensão de meus lábios, pedindo passagem, a qual eu cedi sem esforços.
Não seria a primeira vez que ficávamos. Muito menos a primeira vez que transávamos. Mas todas as vezes com Erik eram sempre como a primeira. O mesmo nível de paixão, de carinho, doçura, brutalidade. Estar com Erik era como estar em uma montanha russa. Era eletrizante, assustador, me fazia esquecer os meus problemas por maiores que fossem, me fazia gritar, me fazia querer mais; e do mesmo jeito que em uma montanha russa, estando com Erik eu também acabava ofegante, de cabelos bagunçados e desalinhados, de pernas bambas de olhos brilhantes e de coração acelerado.
Fizemos sexo doce e selvagem bem ali, no estacionamento. E ele me fez esquecer de todos os meus problemas. Me fez, por um instante, acreditar que seria possível. Possível eu me apaixonar.
Fim!?
Nota da beta: Eu NÃO escrevo essa fic, apenas corrijo. Encontrou algum erro? Reclame no meu e-mail ou Twitter, não na caixinha de comentários, ok?