Isto é um bocado estúpido e, se tu estivesses aqui, estarias estendida na minha cama a rir que nem uma louca, mas sim, eu estou a escrever uma carta para ti que nunca vai ser enviada ou lida. Se estou a ficar louco? Sim, muito provavelmente.
Acho que estou a escrever isto porque tenho uma data de perguntas e preciso de as esclarecer. E sim, eu sei que tu nunca vais responder a isto porque eu nem sequer vou enviar a carta, mas, talvez, se escrever a pergunta repetidamente, poderei encontrar uma resposta por mim mesmo (?).
Porque é que te foste embora? Porque é que não avisaste ninguém? Porque é que não ME avisaste? Já não me amas? Já não me consideras o “teu” ? Sou assim tão não-importante que nem vale a pena despedires-te de mim?
Porque é que te foste embora? Porque é que não avisaste ninguém? Porque é que não ME avisaste? Já não me amas? Já não me consideras o “teu” ? Sou assim tão não-importante que nem vale a pena despedires-te de mim?
Porque é que te foste embora? Porque é que não avisaste ninguém? Porque é que não ME avisaste? Já não me amas? Já não me consideras o “teu” ? Sou assim tão não-importante que nem vale a pena despedires-te de mim?
Não, não ajudou em nada. Ainda estou confuso e baralhado como tudo. Que porcaria, ! Tinhas mesmo de ir embora? Ora aí está outra pergunta!
Com demasiadas saudades,
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P.S.: Não sabia que tinha tanta habilidade para escrever! Acho que esta carta nem ficou assim tão mal, tenho a certeza que te orgulharias de mim!
arrancou a folha do seu caderno de matemática e dobrou-a. Abriu uma das gavetas da cómoda e tirou de lá uma caixa verde escura. A Caixa!
Sentiu um arrepio ao abri-la, os seus olhos humedeceram e, rapidamente, enfiou a folha lá dentro e voltou a fechar a caixa, atirando-a para debaixo da cama. Não fazia ideia do porquê de a ter posto na comoda, isso só o prejudicava ainda mais; já não bastava o facto de se ter de levantar cedo para ir para a escola, ainda tinha de encarar a última coisa que a namorada lhe tinha deixado antes de se ir embora cada vez que fosse buscar um par de cuecas.
Voltou a deitar-se na cama e observou o relógio: 6:43 da manhã. Ótimo! Agora para além de ter insónias, escrevia cartas à namorada que o deixara pendurado, sem que lhas pudesse entregar.
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Acho que isto se vai tornar uma rotina, pelo andar das coisas. Neste momento estou na aula de Inglês e sabes que mais? Já cheguei a uma conclusão! Já sei porque é que estou a escrever-te!
Penso que existem três razões: a que te disse na carta anterior, talvez esteja a tentar responder às minhas próprias perguntas; outra, tenho saudades tuas; e outra, não tenho mais ninguém para falar.
O meu irmão foi para a Universidade, o também, o foi viver para Dublin com a mãe, o ainda está a fazer intercâmbio e o , oh, esse ainda não me fala. Acho que ele me culpa pela tua partida. E eu sinto muito por isso, porque de todos nós, ele e tu eram os que me eram mais chegados e adivinha só? Tu foste-te embora e ele ignora-me! A minha vida é fantástica! Tão fantástica que eu até escrevo cartas a alguém que provavelmente já nem se lembra de mim...
A verdade é que a minha vida anda uma verdadeira porcaria. 3 dos meus melhores amigos estão fora, 1 deles não fala comigo, tu sabe-se lá onde andas e as minhas notas andam tão baixas que a minha mãe está a pensar contratar uma explicadora e até um psicólogo. Toda a gente na minha família acha que eu não ando nada bem e, sinceramente, eu também acho.
Tenho tantas saudades tuas, . . O meu peito dói cada vez que olho para o lado e tu não está aqui a rabiscar coisas no teu caderno, a fazer desenhos obscenos ou a fazer-me rir. Fazes-me tanta falta. E, consequentemente, também me levaste o , que era o único que me poderia animar agora.
Com amor e saudades,
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Estive a pensar e não achei nenhuma razão para o , supostamente, me culpar pela tua partida.
Quando foste embora, estávamos no ponto alto da nossa relação, estávamos super felizes ou, pelo menos, eu estava! Não discutíamos, não havia ciúmes. Só se foi algo que eu disse, mas penso que eu não diria algo tão grave que te fosse fazer ir embora, certo?
Então porque é que o não me fala? Ele é ou era o teu melhor amigo e tenho a certeza que tu lhe disseste alguma coisa antes de ires embora porque com toda a certeza que ele não deixaria de me falar com toda esta facilidade… Não é?
Tenho saudades e estou confuso,
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Assim que atirou a folha dobrada para dentro da caixa verde escura, ouviu o seu telemóvel vibrar e imediatamente correu até à secretária, rezando para que o nome “” estivesse a brilhar no seu ecrã. Infelizmente, não era, mas o rapaz sorriu à mesma, ao ler “”.
- Dude! –exclamou, ansioso por ouvir a voz do amigo pela primeira vez em meses.
- , GRAÇAS A DEUS ALGUÉM ME ATENDEU O TELEMOVEL! – gritou fazendo afastar o aparelho do ouvido. –Ok, não devia ter gritado. A cena é que tenho estado a ligar para toda a gente mas ninguém me atende. Acabei de chegar ao aeroporto e precisava de uma ajudinha com as malas. Os meus pais estão a trabalhar…
- Estou a caminho! Até já. – desligou o telemóvel e apressou-se a vestir o casaco e pegar nas chaves do seu recém-recebido carro. Pela primeira vez em um mês, sentiu-se verdadeiramente feliz. estava na Inglaterra, o que queria dizer que não teria de escrever mais para a namorada que não queria saber dele!
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Afinal estava errado, não é por o estar cá que vou deixar de te escrever. Acho que em apenas 3 cartas isto tornou-se um vicio que não tentarei deixar.
Já fazem 3 semanas desde que o chegou do intercâmbio em Itália. É claro que ele já sabia que tu te tinhas ido embora, mas ele contou-me que ficou ainda mais abalado pelo facto de a última conversa que vocês tiveram (que foi à quase um ano) ter sido sobre um videogame estúpido e não algo sentimental ou fofinho, como o nosso caro amigo gostaria que tivesse sido.
Eu limitei-me a dizer que “sabes como a é, ela sempre teve as conversas mais idiotas de sempre. Lembras-te da conversa dos peidos no 7º ano? Pois é. Não te rales com isso, dude”. E penso que ele tenha ficado mais animado.
E outra coisa! O está definitivamente de relações cortadas comigo. Hoje ouvi-o a falar com o ao telemóvel e de manhã ele esteve a por a conversa em dia com o , que nem se apercebeu que não nos falamos.
Tenho saudades. Do , do , do , do meu irmão e principalmente tuas. Sinto-me sozinho, apesar de ter o
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Com esperança que voltes um dia,
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Nem sabes o que aconteceu! Hoje o passou-se completamente dos carretes. Quando finalmente lhe expliquei que o não me falava, deu um pulo do banco e exclamou “O quê?! O gajo passou-se, foi?!” e depois começou a procura-lo com o olhar, como se o quisesse encontrar para o espancar. Talvez até quisesse.
“, o que se passa? Não é nada de especial.” Disse-lhe eu.
“Nada de especial? A porra do teu melhor amigo deixou de te falar e isso não é nada de especial?”
Sempre um drama queen, o nosso querido .
“Ouve, acho que ele não me fala por causa dela (sim, não consigo pronunciar o teu nome em voz alta…), provavelmente deve culpar-me por ela se ter ido embora. Embora eu não ache que tenha sido culpa minha, tu achas?”
“Claro que não, ! O está a ser estúpido, se acha que é essa a razão. E eu vou concertar isto e é agora!” Bravejou, irritado. Uau, não esperava uma reação destas, para dizer a verdade. Esperava que ele fosse simplesmente calar-se e ficar do meu lado.
Sem me dar qualquer tempo para o impedir, agarrou no meu pulso e arrastou-me pela escola por mais de 10 minutos até encontrarmos o encostado a um canto a fumar. Por acaso já tinha reparado que ele andava a fumar muito mais do que o costume, mas não disse nada. Aposto que é mesmo só porque tem saudades tuas ou algo do género.
aproximou-se, deu uma chapada na mão do e fez com que o cigarro recém-aceso fosse parar ao chão.
“Ei! Para que foi isso, dude?” empurrou com força. “O que é que te deu?”
“Porque é que não falas ao ?” perguntou e eu encostei-me a um canto. Boa, agora ele até me defendia! Mais gay impossível, como tu dirias, correto?
“Oh, agora o arranjou um guarda-costas, foi? Coitadinho do menino.” Respondeu , em tom de desprezo.
“Estás a falar do teu melhor amigo.”
“DEIXOU DE SER AMIGO A PARTIR DO MOMENTO EM QUE A SE FOI EMBORA.”
“Como assim?!” Aí, decidi intervir. O teu nome também tinha vindo à baila. Assim é que não! “A culpa não foi minha, ! Eu não a mandei ir embora.”
“Ela foi-se embora por culpa tua. Só pode ser! Não há mais razões!”
“E se foi um problema familiar? Ela foi com o pai e vocês sabem que ela nunca nos contava nada sobre a família dela!” decidiu atirar um argumento.
Um argumento válido, na minha opinião. Mesmo assim ainda não sei o que pensar ao certo.
A seguir, pela primeira vez em anos, vi sentar-se no chão e por a cabeça entre os joelhos; segundos depois ouviu-se um soluço. Não me contive, num gesto involuntário, tive de o abraçar, encostando a minha cabeça ao seu ombro.
“Ela desapareceu, . A nossa menina foi embora e deixou-nos sozinhos. Eu lamento tanto.”
Vi um sorriso triste aparecer na cara de e depois veio juntar-se a mim, abraçando do outro lado.
“Vais-me voltar a falar? Eu preciso de ti, por mais gay que isto soe.” Sussurrei e pude ouvir duas gargalhadas baixinhas dos nossos amigos.
“Claro. Desculpa.” Levou as mãos até à minha cabeça e à de e esfregou-as lá, até nos deixar completamente despenteados. Aquele gesto deixou-me com as lágrimas nos olhos. Era assim que tu cumprimentavas os rapazes todas as manhãs, depois de me cumprimentares com um beijo.
Temos tantas saudades tuas, .
Sempre teu ,
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Eu, o e o estamos deveras empenhados em descobrir porque te foste embora. Ontem reunimo-nos cá em casa (o que fez a minha mãe delirar por ver os rapazes de novo e até nos preparou um lanche) e estivemos a falar sobre possíveis hipóteses. Eis as propostas:
1. Problemas familiares.
2. Aconteceu algo de muito grave e tiveste de ir embora.
3. Eu fiz alguma coisa errada que te magoou.
4. Um dos outros rapazes fez alguma coisa errada que te magoou.
5. Simplesmente decidiste ir embora porque te fartaste de nós, da escola e da cidade.
São 5 opções nada prováveis, sem contar com as duas primeiras. Os números 3,4 e 5 são demasiado estúpidos e só estão na lista porque nós estávamos sem ideias, para ser honesto.
Acabamos por desistir (Ok, talvez não estejamos “deveras empenhados”; mas também não temos nada com que trabalhar e isso desmotivou-nos) e fomos jogar Playstation para a sala. Eles acabaram por ficar a dormir cá e esta manhã fomos juntos para as aulas. Cada um foi para as suas aulas, uma vez que este ano estamos em turmas diferentes e só nos voltamos a encontrar à hora do almoço.
Agora passam 15 minutos das sete da tarde e eu estou à espera que a minha mãe chegue a casa. Ela foi buscar o meu irmão e o à estação de autocarros porque eles vêm passar o fim-de-semana a casa. O também, vamos estar todos juntos novamente. Só faltas tu…
Porque é que ainda não voltas? Porque é que não dás notícias?
Cada dia que passa tenho mais saudades tuas.
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Ok, isto foi o melhor fim-de-semana que já tive desde que te foste embora. Tenho-os passado enfiado no quarto, desta vez passei-o enfiado no quarto do , com os outros rapazes. Foi ótimo! Estava com imensas saudades do e do , mas tivemos tempo de por toda a conversa em dia.
O contou-nos que anda de olho numa rapariga chamada Hillary, que foi para a mesma universidade que ele. E o( disse que andava “aos amassos” com uma rapariga lá da escola nova. Resumidamente, continuam os mesmos.
Só faltavas tu lá, porque o grupo estava quase completo. O até conseguiu fazer com que a nossa querida , sim, a , aparecesse lá no domingo à tarde.
Não a via desde o dia em que descobrimos a caixa verde escura, quando tu te foste embora. Ela simplesmente desapareceu. O disse que ela não anda muito bem. Pudera, tu és a melhor amiga dela, , ela precisa de ti. E eu sei que onde quer que estejas estás a roer-te de saudades dela não é?
Estávamos um bocado desconfortáveis, para dizer a verdade. A amizade que temos com a nunca foi tão forte como a que temos (tínhamos?) contigo; aliás, nós só a conhecemos por tua causa, foste tu que nos apresentou e nós nunca tínhamos estado todos juntos sem ti.
Mas sim, foi um fim-de-semana e peras! Um daqueles em que passamos sábado e domingo a enfardar pizza e a jogar vídeo games. Quem me dera que tivesses lá estado, para roubares a ultima fatia e fazeres birra por perderes o jogo, era sempre assim.
Tenho tantas saudades tuas! Tu não fazes ideia. Eu até tenho rezado por um sinal teu, e tu sabes muito bem que eu não rezo.
Com amor e saudade,
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, 3 meses desde que te foste embora! Estive praticamente um mês sem “te” escrever, mas isso foi porque tinha chegado a época dos testes e tanto a minha mãe como o me fizeram estudar todo o santo dia. Peço desculpa, sinto-me culpado por não te ter vindo contar as novidades, como tenho vindo a fazer desde que despertei este novo hábito. Mas para ser mesmo honesto, não aconteceu algo que valesse a pena contar-te.
Resumindo o meu mês de Novembro:
• Estudar.
• Estudar.
• Ouvir o e a minha mãe dizerem que tenho de estudar.
• Ir fazer reclamações ao .
• Ouvir o repreender-me.
• Receber testes.
Pois, receber testes! Se queres saber, tirei a melhor nota da turma a Inglês, um 20! Terias ficado orgulhosa de mim, tenho a certeza. Muito obrigado pelas explicações.
O resto das minhas notas variaram entre 15 e 17, o que deixou a minha mãe contente o suficiente para me deixar voltar à minha rotina diária: escola, casa do /, casa, escrever-te, comer, dormir.
Mais coisas? Bom, a minha mãe marcou-me uma consulta no psicólogo, mesmo depois de eu lhe dizer milhentas vezes que não era preciso. “Mas , amor, tu precisas!” “Filho, toda a gente consegue ver que tu não estás totalmente bem!”, dizia ela enquanto eu rolava os olhos e esperava que ela me deixasse voltar ao quarto.
A consulta foi hoje de manhã.
“Então, , como te sentes?”, Perguntou o psicólogo, o Dr. Altman.
“Bem.”, Respondi entediado.
“Então e porque achas que a tua mãe te aconselhou a vir aqui?”
“A minha mãe obrigou-me a vir cá, senhor.”
“Hum, pareces-me o tipo de adolescente revoltado! Por um trauma, talvez! Uma perda? (…)” E ficou ali, a lançar hipóteses para o ar, à espera de acertar na razão que me levava a ser “um adolescente revoltado”, coisa que claramente não sou…
“Oiça, não pode simplesmente fingir que falámos e deixar-me ir embora? É só para a minha mãe ficar descansada.”
“Ora, , isso só demonstra que não estás nada bem e que “fingir que falámos” não é o suficiente. Estás a querer fugir aos teus problemas, precisas de apoio psicológico!”
De repente, entendi o teu ódio por psicólogos. São demasiado calmos e pacíficos, a voz deles é tão calma que chega a irritar e ainda por cima acham que sabem tudo. Raio do homem, não podia simplesmente deixar-me sair?!
Depois o Dr. Altman pôs-se a explicar o que era a depressão e eu disse-lhe mais de 10 vezes que estava familiarizado com o assunto, por causa de uma velha amiga, tu. Ele falava e falava e eu deixei de tentar ouvir a partir do momento em que ele ignorou a minha 14º tentativa de lhe dizer que “percebia” do assunto.
Olhava constantemente para o relógio e, assim que os ponteiros bateram nas 16:15, eu levantei-me, peguei o meu casaco e desejei-lhe boa tarde, saindo pelo consultório fora.
Quando cheguei a casa limitei-me a dizer à minha mãe que tinha corrido bem e a seguir fui para o quarto, pensar em ti. Deitei-me na cama e fiquei a pensar na tua depressão, nas vezes que te acompanhava a um consultório durante o nosso 9º ano. Uma depressão causada pelo falecimento da tua mãe, lembro-me tão bem disso! Aliás, está perto de fazer um ano que aconteceu, não é? Essa também foi uma das razões que me fez voltar a pegar no papel e na caneta e escrever-te de novo.
É melhor parar agora, acho que já escrevi o suficiente por hoje.
Ainda com muitas saudades,
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Sabes que dia é hoje? 22 de Dezembro. E amanhã? 23 de Dezembro. Ainda te lembras do que acontece, ou era suposto acontecer nesse dia?
1 ano de namoro, meu amor….
Passou um ano, mas para mim é como se tivesse sido ontem, passou tudo tão rápido! (Eu sei, eu sei, extremamente lamechas...)
Lembro-me tão bem de nesse dia ir a tua casa, encontrar-te de pijama, a beber chocolate quente e a comer bombons de chocolate. Convidaste-me a entrar, dizendo que estavas sozinha e não te apetecia sair de casa. Sentamo-nos os dois no sofá e ficamos a ver Harry Potter e os Talismãs da Morte [n/b: Harry Potter e as Relíquias da Morte, em português br] (pela milionésima vez), cobertos com uma manta e a comer porcarias.
“?” Chamei-te. Estavas encostada no meu peito e quase com os olhos a fecharem-se. O Neville estava quase a matar a cobra, como é que podias estar a adormecer nesta parte?!
“Hum?” Respondeste, com sono.
“Não preferes dormir na cama? Não ficas desconfortável aqui?” Perguntei preocupado.
Levantaste a tua cabeça e olhaste para mim, com os olhos cansados e com um pequeno sorriso nos lábios. “Não, estou muito bem aqui.” E voltaste a aconchegar-te no meu peito, adormecendo minutos depois.
Acho que foi aí, depois de me dares aquele sorrisinho, que eu soube que tinha de ser. Tu eras feita para mim, o teu corpo encaixava perfeitamente no meu, o teu sorriso fazia-me feliz e tinha a certeza que os nossos lábios também eram perfeitos uns para os outros. Tu tinhas de ser minha namorada.
“Olá.” Disse eu chegando à cozinha, também tinha acabado por adormecer e tu devias ter acordado mais cedo. “O que estás a fazer? ”
“Tenho fome.” Respondeste sorrindo e o meu coração acelerou, lembrando-me do que tinha de fazer.
“Posso perguntar-te uma coisa?”
“Claro.” Sentaste-te na bancada da cozinha, com uma taça de cereais nas mãos, e eu coloquei-me entre as tuas pernas, com a minha face ao nível da tua, o que era surpreendente uma vez que isso só acontecia quando te punhas em cima do sofá de frente para mim.
“Hum, tu, hum, tu, tu,…” Eu não conseguia parar de gaguejar e tu estavas prestes a ter um ataque de riso. “Tu gostas de alguém?”
“Gosto de muita gente, .” Disseste, sorrindo maliciosamente.
“Tu percebeste, …” Baixei a cabeça, envergonhado.
“Gosto de ti, principalmente.” Pousaste a taça ao nosso lado e colocaste a mão no meu queixo, puxando a minha cabeça de volta para cima. “Gosto mesmo de ti.”
Eu sorri e levei as minhas mãos à tua cintura, preparando-me para te beijar, o que aconteceu no segundo seguinte e sim, os nossos lábios encaixavam lindamente.
Estou a relatar isto tudo para o caso de já te teres esquecido, mas eu espero que não e que neste momento estejas a pensar em mim, no nosso beijo na tua bancada, nas minhas mãos na tua cintura, nas tuas no meu cabelo e de tudo o resto. Porque eu estou. E é com muita pena que sei que, provavelmente, algum outro casal se está a beijar naquela bancada e não nós.
Quem me dera poder estar contigo agora. Tenho tantas saudades tuas, .
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O Natal costuma ser uma das minhas épocas favoritas do ano, mas neste momento, está a ser muito deprimente.
Se olho para a janela, lembro-me de ti, a brincar na neve como uma criança. Se olho para a árvore de Natal, lembro-me de ti, a admirá-la e aos presentes que tanto ansiavas por abrir. Se olho para a televisão, onde passam todos os filmes natalícios, lembro-me de ti, aconchegada no meu peito, a vê-los.
Argh, odeio isto. Mais uma vez, voltei a ficar sozinho! O está na América, na casa dos avós e o está lá na sua terra natal… Em Londres só resto eu (do grupo).
Ontem, logo no dia 23 de Dezembro, a minha mãe marcou outra consulta no psicólogo. E lá fui eu, bufando de raiva, sentar-me no sofá em frente à poltrona do homem.
“Que bom ver-te de novo, . Como tens andado?”, perguntou-me, estendendo a mão para eu a apertar. Apertei-a, dando um sorriso amarelo.
“Bem, obrigado.”
“Se a tua mãe agendou outra consulta comigo, não creio que estejas bem, rapazote.”
“A minha mãe preocupa-se demasiado.” Reclamei, cruzando os braços.
“E faz ela muito bem!” Repreendeu o Dr. Altman, “Agora diz a verdade,, como tens andado? Passasse algo de grave, não é? Uma perda?”
“Não se passa absolutamente nada.”
A minha voz saiu mais severa do que eu pretendia e então calei-me, envergonhado. Ficamos uns minutos calados, até que ele se levantou, estendendo-me a mão.
“Foi um prazer voltar a ver-te,. Volta sempre que precisares.”
Eu fiquei surpreso com a sua atitude, mas de qualquer das maneiras, apertei-lhe a mão e fui-me embora. Ótimo! Nada de psicólogos para mim!
E agora está na hora de voltar para a sala de estar, de abrir os presentes e lembrar-me ainda mais de ti.
, tenho tantas saudades tuas…
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E, de novo, fiquei imenso tempo sem te escrever. Depois do dia 25 de Dezembro fui levado para o apartamento do meu irmão e do , perto da universidade deles e lá (juntamente com o e o ) fiquei até hoje, 6 de Janeiro do novo ano.
6 de Janeiro… Oh ! Parece que só te escrevo nos dias piores, mas eu não consigo evitar. Por exemplo se eu estiver distraído, como estive nestes 12 dias, não me lembro tanto de ti e não me sinto tão tentado a escrever-te. Hoje voltei para casa, lembrei-me que é o teu aniversário e não aguentei sem escrever, teve de ser.
Se isto não mostrasse o meu lado mais sentimental e gay, eu até publicava um livro, aposto que se tornava um bestseller em menos de nada… Todas as raparigas gostam destas lamechices. Pena que não são só “lamechices”, por mais que o pareçam, é a mais pura verdade. Em todos os papéis que tenho enfiado na caixa verde escura, está escrita toda a verdade que eu não consigo exprimir com a minha voz, apenas com a minha mão esquerda, a minha caneta e uma folha. Parece que se torna mais fácil ao escrever. Muito mais fácil do que falar.
Por falar na caixa verde escura, estou a pensar seriamente em abri-la. Deixaste-ma à cerca de 4 meses, e ainda só a abri para por as cartas lá dentro… Sem contar com as espreitadelas eu já dei, onde consegui ver algo que pareciam ser as argolas de um caderno… Estou curioso, mas receoso. Não sei o que faça, algo me diz que lá dentro está a resposta para tudo, mas acho que tenho medo de as saber.
Sim, agora, 4 meses depois de me questionar constantemente sobre as mesmas perguntas, tenho medo de as saber. Tenho medo porque sei que muito provavelmente me vais surpreender, como sempre fazes. E tenho medo que essa surpresa me magoe, ou me faça chorar ainda mais, ou me faça até sentir raiva de ti, , e não quero que isso aconteça.
Tenho medo, saudades, vontade de chorar, de desaparecer… Quero-te de volta, meu amor. Volta para mim.
E feliz aniversário, já agora.
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A minha mãe continua a insistir que eu tenho problemas e não sei o quê e continua a marcar-me consultas naquele maldito consultório. Agora tenho de ir lá 2 vezes por semana, e a minha mãe disse que se eu não for vai-me por de castigo. Não que eu seja um miúdo de 14 anos que vai ficar sem a playstation, eu sou um rapaz de 17 e vou ficar sem a minha vida - porque a minha mãe disse que se eu não cumprir o combinado, a minha rotina passa a ser Escola> Psicólogo (acompanhado por ela!)> Casa, e assim sucessivamente até “ordem em contrário”…
Amanhã é a consulta e já prevejo coisas como “Então , como te sentes hoje?”, “Como tens andado?”, “O que tens de novo para me contar?” a sair da boca daquele homem, sentado no seu banco com as costas extremamente retas e os óculos a escorregarem-lhe pelo nariz a baixo.
E, entretanto, a nossa querida caixa verde escura continua a atormentar-me debaixo da cama. Abro ou não abro? Não abro ou abro? Abro. Não abro. Abro! Não abro… Estou extremamente confuso e, para ser honesto, estou quase a arrancar os meus cabelos de tanta confusão e nervosismo.
SE ABRIR:
Vantagens: Descubro a verdade.
Desvantagens: Posso ficar a saber o que não queria ou o que não devia.
SE NÃO ABRIR:
Vantagens: Não corro riscos de ter desilusões ou algo do género.
Desvantagens: Morro de ansiedade, curiosidade e nervosismo.
É claro que o “ABRIR” é muito mais apelativo do que o “NÃO ABRIR”, mas, mesmo assim, tenho medo. Se lesses isto, dirias que sou idiota e que devia abrir a caixa no mesmo momento. Mas tu não entendes, ninguém entende ou entenderá: EU TENHO MEDO. Do quê? De desilusões, de ficar a saber o que não devia, sei lá, simplesmente tenho medo!
Estou tão farto disto.
Amo-te.
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Estar aqui sem ti é como se apenas metade do céu fosse azul, como se andasse só com um sapato, como se fizesse apenas metade da barba. E hoje, como estou muito filosófico, foi destas ideias de que saiu a minha mais recente obra-prima…
Being here without you
It's like I'm waking up to
Only half a blue sky
Kinda there but not quite
I'm walking round with just one shoe
I'm a half a heart without you
I'm half a man, at best
With half an arrow in my chest
I miss everything we do
I'm a half a heart without you.
Ainda só escrevi isto, o que penso que seja o refrão. Espero que venham mais momentos filosóficos como este para que possa acabar a letra. Mas, por agora, vou limitar-me a dar-te as novidades da ultima semana.
Voltei a baixar as minhas notas, e a minha mãe está cada vez mais em cima de mim. As consultas ao psicólogo passaram a ser todos os dias, das 16h às 18h. Se queres que te diga, eu e o Dr. Altman já nos damos um bocadinho melhor.
Só porque ele me disse que, se eu quisesse, podíamos passar todas as sessões calados até eu ter algo para dizer, disse-me que não me ia pressionar e que, com certeza eu ia dizer algo com o tempo. Ontem estive para lhe contar sobre ti, sobre a caixa e tudo o resto, mas não tive coragem…
A melhor das hipóteses em lhe contar era que ele me ajudasse a resolver isto tudo da melhor maneira; a pior é que me ache maluco por escrever cartas a ninguém (sem ofensa).
Se estivesses cá, perguntar-te-ia o que fazer. Ou melhor! Se estivesses cá, nada de caixas, cartas ou psicólogo para mim. Não seria tudo tão melhor se voltasses, ?
Volta, por favor…
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O Altman não é assim tão mau de todo…
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A última carta foi extremamente curta, não achaste? Claro que não! Nem a leste… O que aconteceu foi que eu estava no metro a ir para casa e algo me disse que te tinha de escrever naquele exato momento, então escrevi. Saquei do meu caderno de História e preparava-me para continuar a carta quando uma velha de cabelos brancos e vestida de preto se inclinou ao meu lado, olhou para a carta e disse: “Que lindo! Vai escrever à sua namorada? Que lindo!” e então decidi guardar a carta para mais tarde. “Mais tarde” prolongou-se para duas semanas, porque a minha mãe tem andado em cima de mim a toda a hora. Não posso estar no quarto sozinho, excepto para dormir. Se quero utilizar o computador, ler, falar ao telemóvel, é na sala, onde ela me possa ver e ter a certeza que não estou a deprimir ou a cortar os meus pulsos… Entretanto, também já passaram mais 5 consultas com Dr. Altman e posso mesmo afirmar: Ele não é nada mau, é fantástico!
“Então, pá? Pensava que já tinhas parado de me vir chatear o juízo!” gracejou, da última vez que entrei lá. Já eram habituais estas gracinhas vindas dele. Acho que já nos vemos como amigos, porque eu lhe tenho contado tudo ultimamente.
Aos poucos, ao longo de três semanas, consegui (muuuito lentamente)explicar-lhe quase toda a história, que tanto preocupa a minha mãe e os meus amigos. Só não lhe contei o teu nome (porque ainda me é difícil pronuncia-lo), nem sobre as cartas.
“Como estás?” Ofereceu-me uma chávena de café que eu aceitei, com gosto.
“Melhor.”
“Que bom! Desabafar comigo faz-te bem, é?”
“Penso que sim, Dr. Altman.”
“Já te disse para me chamares Cedric, ! O meu nome não é Doutor, sabias?”
“Desculpe, Cedric.” Gargalhei, observando a expressão divertida no rosto dele.
“Como está a nossa amiga Caixa Verde e a outra amiga Rapariga Misteriosa Cujo Nome Te Recusas A Pronunciar?” perguntou e ambos rimos. “A sério, voltaste a sonhar com elas?”
“Não.”
“Ótimo, isso é ótimo! E já sabes o que vais fazer em relação à caixa?”
“O que é o Cedric faria? Se estivesse no meu lugar?”
“Ora, , não vou entrevir nisso!”
“Estou a pedir-lhe, como um amigo que o Cedric disse que eu era! Se fosse você a estar no meu lugar, o que faria? Morreria de curiosidade ou arriscaria todas as esperanças e abriria a caixa?”
“Abriria a caixa.” Suspirou “Sei que tens medo, , que todas as tuas boas esperanças e memórias se vão embora ao abrires a caixa, que descubras algo que não queres saber, que a Rapariga te desiluda. Mas escuta, e se está lá algo que tu queres mesmo, mesmo, mesmo saber? Eu sei que tu achas que está, porque se não achasses, por que razão não tinhas deitado a caixa fora no momento em que a encontraste? E outra coisa, achas mesmo que a Rapariga te desiludiria? Quero dizer, de tudo o que me contaste, pareceu-me que tu és demasiado importante para ela para que te queira desiludir.”
“Sim, tenho medo. Sim, acho que está alguma coisa que eu quero saber lá dentro. Não, não acho que ela me fosse desiludir. Mas, se sou assim tão importante para ela, porque se foi embora?”
“Eu acho que só vais descobrir se abrires a caixa, meu caro amigo.”
E é por causa desta conversa que neste momento tenho a caixa no meu colo e estou a escrever esta carta sobre ela. Vou abrir a caixa, . Vou mesmo!
arrancou a folha do caderno onde escrevia, dobrou-a e respirou fundo, preparando-se para abrir a caixa.
"1...2...", pensou "3!" e então abriu a tampa verde escura da caixa, deixando os seus olhos verem todo o topo tapado pelas inúmeras folhas amachucadas, as cartas que tinha escrito e enfiado na caixa à pressa. Tirou, com cuidado, cada um dos papéis que relatava a sua vida nos passados 6 meses. Depois de todas estarem empilhadas sobre a sua almofada, pode ver um caderno de argolas, um cartão verde-escuro e um macaco de peluche. Oh, o macaco! As memórias que aquele objeto lhe trazia insistiam em tentar passar pela sua mente, mas Niall bloqueou-as, concentrando-se no importante.
Em primeiro lugar, decidiu ler o cartão verde-escuro que combinava com a caixa.
"Ainda bem que decidiste abrir a caixa." Era tudo o que dizia no pequeno cartão, na letra manuscrita, confusa e apressada de . Depois o macaco. Pegou nele com ambas as mãos e cheirou-o, esperando sentir o cheiro dela. Mas, após 6 meses enfiado numa caixa debaixo da cama já só cheirava a mofo. De tão velho que era, já perdera um dos olhos e o pelo que uma vez fora de um castanho forte estava agora quase amarelo. Tanto ele como adoravam aquele macaco, tinham história com ele! Deixou o peluche junto às cartas e ao cartão, sentindo as lágrimas picarem-lhe os olhos "Não chores, não chores, não chores" repetiu para si mesmo. Era a vez do caderno, sabia que lá dentro estava escrita toda a verdade... Tinha a certeza.
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Já vi o macaco e o teu cartão que li e reli inúmeras vezes, tal como fiz com as minhas próprias cartas. Só ainda não tive coragem de abrir o caderno… Amanhã tenho outra consulta com o Dr. Altman; de certeza que ele me vai dizer algo inspirador que me faça ler o que escreveste.
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Mas as palavras inspiradoras do psicólogo não foram necessárias para . Nessa mesma noite, já depois de estar enfiado debaixo dos lençóis, o rapaz não conseguia parar de fitar o caderno de argolas pousado na sua mesa-de-cabeceira. Então, à meia-noite e trinta e dois, não resistiu e abriu na primeira página:
“23 de Dezembro:
Eu e o (sim, o !) Começamos a namorar hoje. Ainda estou um bocado aparvalhada com isto tudo, porque, apesar de gostar dele há imenso tempo, nunca imaginei que fossemos passar de amigos. Mas passamos, depois de nos beijarmos na bancada da minha casa.
Estou demasiado feliz!”
ficou a ler cada página do diário até passarem das quatro da manhã e ele não conseguir tolerar mais o sono. Já estava a chegar a Agosto, um mês antes de partir. Percebeu que aquele caderno relatava praticamente todo o seu namoro e ficou feliz ao poder ter a certeza que, pelo menos até se ir embora, o amava mais que tudo. adormeceu com um sorriso no rosto e feliz, sem sequer se lembrar que, nas próximas páginas, poderia vir a descobrir toda a verdade.
(...)
Arrancou as duas últimas folhas do caderno e guardou-as no bolso das calças, enfiando o caderno à toa dentro da mala de viagem. Já o relera três vezes desde que chegara ao aeroporto. Claro, escobrira toda a verdade e estava prestes a ir ter com a sua porque sim, ela ainda era sua e não, não a tinha perdido.
As últimas páginas do diário eram demais para o que ele podia suportar e não conseguia olhar mais para elas. No entanto, enfiou a mão no bolso e ficou a agarra-las, para ter a certeza que toda a verdade não lhe fugia das mãos. Depois deixou-se dormir e ficou submerso num sonho.
Sonhou com tudo o que acontecera em quatro meses. O momento em que descobriu a verdade. O momento em que correu de imediato para o andar debaixo e explicou tudo à mãe para que esta o deixasse ir ter com . À beira do choro, a mãe teve de lhe dizer que se quisesse ir só podia ir em Junho, quando as aulas acabassem. E assim foi. Após meses de ansiedade dele e até de e , que queriam vir com ele mas pediu-lhes que ficassem para que pudesse enfrentar isto sozinho.
O rapaz acordou ao ouvir o seu voo ser chamado. Beliscou-se, pensando no quão surreal aquilo era. A própria mãe tinha-o, simplesmente, deixado ir para outro país sem sequer contestar. As únicas coisas que lhe dera foram dinheiro e as palavras “Toma cuidado e trá-los de volta”.
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Pensava que depois de ler o diário nunca mais teria de recorrer às cartas. E não tive, durante quatro meses depois de descobrir a verdade, em que estive entretido a contar tudo ao Dr. Altman, ao , ao e aos rapazes, a planear tudo, a sentir-me um pouco feliz por o que estava a acontecer. Mas a verdade é que neste momento tenho mesmo de te escrever. Estou num avião rumo ao Alabama. Vou ter contigo.
Sei bem que não é com este tipo de palavras que se dá este tipo de notícias: “Olá, descobri a verdade toda e agora vou atrás de ti” mas como tu nunca chegarás a ler isto, não faz diferença.
A propósito, peço desculpa por ter arrancado as últimas páginas do caderno. Estão no meu bolso há quase uma hora e, mesmo depois de já as ter relido centenas de vezes, ainda não acredito no que está lá escrito.
Não sei se agora me deva sentir triste ou feliz, alegre ou desapontado, confuso ou estupidamente ansioso. Acho que sinto um pouco de tudo. O que sei é que a minha mãe acreditou em tudo o que escreveste e deixou-me vir. Até me deu dinheiro!
Sim, a minha mãe deixou-me vir ter contigo a outro continente. Acho que ela também está feliz por saber que as minhas hipóteses de te ter de volta aumentaram. Quer dizer, pelo menos eu acho que aumentaram. Espero que tenham aumentado.
Já agora, , obrigada por me teres deixado o caderno para que eu o lesse. E ainda bem que o Dr. Altman me convenceu a lê-lo.
Espero encontrar-te o mais rápido possível, . Quero ter-vos nos meus braços o mais rápido possível.
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Ao sair do aeroporto, olhou para os lados em busca de algum meio de transporte que o pudesse levar ao sítio que tinha descrito no fim do caderno. Sendo lida, chegava a parecer uma súplica do género: “Vêm-nos buscar por favor”.
No canto da folha, rabiscada à pressa, estava o nome de uma avenida, os números 44 e 3 e a letra D. Sim, parecia mesmo uma súplica para que os fosse buscar, a única maneira que arranjou para ter a certeza que ele ia ter com ela.
O rapaz entrou num táxi e disse o nome da avenida ao condutor que, após cerca de 30 minutos, o deixou lá.
O táxi parou exactamente à porta de um prédio branco com o número 1 estampado na porta principal. Ao seu lado estendia-se uma fila de cinco prédios iguais, numerados até ao número 5. À frente do prédio branco existiam mais filas e filas de prédios da mesma estrutura.
Assumiu que como nenhum daqueles prédios tinha 44 andares, esse seria o número da porta do prédio e 3 o número do andar.
“Ótimo, agora tenho de me por a andar quarteirões até encontrar o número 44”, pensou, mas o seu subconsciente mandou-o calar, dizendo que tudo isto ia acabar por valer a pena. E ia mesmo.
Durante quase quarenta minutos correu, andou e caminhou numa passada acelerada, sempre alternando, até chegar ao “corredor” dos prédios “quarentões”.
41…42…43…Lá estava ela, ! Bem, ela não estava literalmente lá a acenar como uma louca para , mas estava dentro daquele prédio, no 3º andar à direita.
Estava suado apesar do frio cortante dos fins de Fevereiro. Estava demasiado cansado para correr e também achava que já tinha atraído atenções suficientes por hoje – das mulheres que estendiam e recolhiam a roupa nos seus estendais, de quem passava na rua – então decidiu caminhar lentamente. De certa forma também queria ter algum tempo para pensar.
Ia tocar na campainha, ouvir a voz de alguém a perguntar quem era, ia dizer o seu nome e talvez abrissem a porta. Se esse alguém não for a atender o chamamento da campainha, então não subirá de certeza.
Parou à porta do prédio e levou a mão ao bolso, antes de tocar na campainha. Uma vontade súbita de ler a última página do diário nascera e precisava de a satisfazer, também para ter a certeza do que viera cá fazer.
“4 de Setembro:
O meu pai quer levar-me para o Alabama. Descobriu o teste debaixo da minha cama e agora quer afastar-me do .
O teste deu positivo. Eu estou grávida.
Grávida, prestes a mudar-me para o Alabama e a ficar sem o amor da minha vida. Isto é insuportável. Odeio o meu pai.
Ele nem me vai deixar despedir do .
A sério, o que é que é suposto eu fazer com a minha vida agora?”
suspirou, carregando no 3º botão desgastado debaixo da letra D.
- Quem é?
“! É A !”, pensou , abrindo múltiplas vezes a boca mas sem conseguir que saíssem de lá palavras. Tal era o choque de ouvir a voz de ao fim de tanto tempo. Ouviu um choro de bebé vindo do altifalante da campainha. A imagem da namorada com o seu filho ou filha ao colo despertou-o e ele abanou a cabeça, sorrindo como um idiota.
- Cheguei. – foi tudo o que conseguiu dizer, ainda a sorrir e sentindo as lágrimas de felicidade a escorrerem-lhe pela cara.
A porta abriu-se com um estalido e entrou dentro do prédio, ouvindo passos apressados a descerem a escada.
Com um sorriso enorme, decidiu subir as escadas para encontrar .
Os dois adolescentes ficaram especados no corredor a olharem um para o outro, fazendo exactamente o contrário do que ambos haviam imaginado antes: beijos, abraços, sabe-se lá. Até ouvirem um choro que seguiram até à sala de estar, onde estava um berço.
sorriu, caminhando rapidamente até lá e pegando um bebé com pouco cabelo ao colo.
- Hm, ? – chamou-o, com aquele sorriso encantador. – Queres conhecer o George?
Ele sorriu, mas hesitou, ficando parado durante alguns segundos. Quer dizer, ia conhecer o filho, certo? Não é algo que se faça assim de um momento para o outro como quem muda de cuecas. Ok, não foi uma boa comparação, mas, de qualquer das maneiras, não é algo simples. É algo que tem de se estar preparado psicologicamente.
A tremer, caminhou até ambos e olhou para o pequeno menino nos braços de que, com certeza, tinha menos de um mês.
- Ele é… é muito parecido contigo, … é perfeito! –sussurrou, enquanto a rapariga lhe pousava o bebé nos braços.
-Na verdade acho que é mais parecido contigo do que comigo, , olha só para aqueles olhos.
sorriu, percebendo que esta era a primeira conversa que ele e tinham em meses.
E nesse preciso momento ouviram a porta abrir-se. sobressaltou-se e tirou o bebé dos braços de , voltando a deita-lo no berço.
- , cheguei! –ouviram a voz grave do pai dela vinda do corredor. O coração de começou a bater ainda mais depressa, nervoso com o que aquele homem lhe podia vir a dizer.
O senhor entrou na sala com um sorriso que logo se desfez ao ver .
- TU! –gritou o homem, enraivecido. – TU!
procurou palavras para falar com o pai da amada, mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, um forte punho foi-lhe espetado na cara, deixando-o cair ao chão.
- PAI! –gritou a voz de que o semiconsciente conseguiu captar.
- Como te atreves?! Ham, rapaz, como te atreves?! –berrou o pai de , furioso. – COMO?!
- E-Eu… - tentou falar mas voltou a ser interrompido por um soco, desta vez no maxilar. Ao ver o sangue jorrar-lhe da boca, o rapaz desmaiou, apavorado. Antes de cair na inconsciência, ainda pôde ouvir o seu George a chorar.
(…)
- Pai, para que foi aquilo tudo?! Para quê?!
- Achas que ele não mereceu? , ele engravidou-te!
- E voltou, pai! Ele não sabia de nada, não teve culpa! Aliás, teve tanta culpa quanto eu. E não me espancaste a mim, pois não?
- Já estive mais longe, , já estive mais longe…
As duas vozes baralhavam-se na mente ainda confusa de . Abriu os olhos lentamente e percebeu que estava deitado numa cama, num quarto com a porta fechada. A discussão vinha do outro lado da porta.
- Hm, eu… -disse, abrindo a porta e logo recuou, vendo o homem levantar o punho de novo. Depois viu-a, pela primeira vez, nitidamente, segurando o pulso do pai para que este não pudesse tocar mais nele.
- . – ela sorriu, ignorando a cara terrível que o pai mostrava sob toda aquela situação. – Finalmente.
sorriu também, embora não tão abertamente como , ainda receoso de levar outro soco.
- Pai, - chamou e o pai fitou-a, irritado. – Sais? Gostava de poder conversar com o à vontade.
- Não. Se querem conversar, é à minha frente.
E esta foi a vez de se irritar.
- Ouça. –proferiu, severamente. – Eu, como disse a sua filha, tive tanta culpa como ela, foi um acidente e eu nem sabia de nada. Porque o senhor não deu oportunidade à de me explicar tudo. E posso afirmar com toda a certeza que se…
- Cala-te, rapaz! –exclamou o homem, parecendo enojado de ouvir . – Tiveste culpa. Ninguém te mandou tirar a virgindade à minha filha.
- Eu amo a sua filha. – ripostou numa voz lenta, tentando manter a calma. – E como estava a dizer, posso afirmar com toda a certeza que se soubesse que a ia ter um filho meu, eu assumia-o. Assumo-o, aliás.
- Vocês são crianças, sabem lá o que dizem! – o pai de voltou a berrar. – Eu sei bem que te vais arrepender disto, e a também. Sei bem que sou eu que vou ter de criar esta criança, porque vocês são demasiado imaturos.
- Eu amo a . – disse , o que pareceu enraivecer ainda mais o homem, que levantou o punho e bateu na cara de mais uma vez.
Desta vez, quando abri os olhos, percebi que não me encontrava o quarto onde estava da última vez, mas sim na minha própria cama, no meu próprio quarto, na minha própria casa.
Confuso, elevei o tronco, apoiando-me nos meus cotovelos e observei o quarto que agora me parecia tão distante, uma vez que supostamente tinha passado um dia muito muito longe de casa.
Voltei a deitar-me, não ousando voltar a vista para o lado do quarto onde a luz do sol, que trespassava as cortinas, batia e que, decerto, me magoaria os olhos.
Passei a mão pela cara, não sentindo nenhum galo ou dor, como esperava, pois tinha levado uns quantos socos do pai de .
! Levantei-me da cama muito depressa, pensando em que lugar estavam ela e George. Ela estava ali, mesmo à minha frente, a dormir como um anjo e eu nem sequer reparara. Não havia sinais de algum berço e então fiquei ainda mais assustado.
- ,! – Chamei, apavorado, tentando acordá-la. – , amor, acorda!
- Ai ! Ainda é tão cedo, ainda estamos de férias, volta a dormir. – A sua voz soou, rouca e sonolenta, interrompida por alguns bocejos.
- Férias?! – Berrei. – , onde está o George?!
- Quem é que é o George? – Perguntou, abrindo os olhos e logo levou uma mão à testa para os proteger do sol. , estás bem?
- O nosso.… o nosso.… , o nosso.… - Gaguejei, não conseguindo terminar a frase pois toda a verdade, bem esclarecida passava na minha mente.
- O nosso o quê? – Franziu as sobrancelhas, pegando nas minhas mãos e elevando-as à altura dos lábios, depositando lá um beijo. Então, disse a verdade em voz alta: - Volta para a cama, amor. Quem quer que seja o George, só faz parte de um pesadelo. Ou sonho, como queiras.
Uma pontada de desgosto acertou no meu coração, ao perceber que George não existia. Nunca o tinha segurado nos meus braços.
Engoli em seco, baixando-me para procurar a Caixa debaixo da cama. Não estava lá nada se não pó e algum lixo.
- Que dia é hoje, ? – Perguntei, aconchegando-a nos meus braços, já debaixo dos lençóis.
- 14 de Setembro, lembras-te? Ontem fizeste 17 anos. – Senti a sua mão passar pelo meu cabelo e vi-a sorrir.
- Tive um pesadelo terrível.
- Eu percebi.
- Nunca me deixes.
- Nunca te deixaria. – Beijou-me suavemente, fazendo-me sorrir involuntariamente e soltar um suspiro de alivio.
Um pesadelo. Tudo o que isto foi, foi um simples pesadelo! Não estou em Junho do próximo ano, não passei 6 meses a escrever cartas, não estive num psicólogo. Estive apenas a dormir, provavelmente num sono irrequieto. 10 meses resumem-se então às 5 horas que dormi, 10 meses em que pensei ter perdido a resumem-se a 5 horas em que a tive nos meus braços. Está tudo bem.
Tranco as portas do carro e tiro as chaves do prédio do bolso, abrindo a grande e pesada porta de vidro. Passava pouco das 11 da noite, os meus turnos no hospital tinham acabado mais tarde do que o costume e sinto-me chateada comigo mesma por deixar e o nosso filho a jantar sozinhos, porque, apesar de saber que ambos amam ter “uma noite de rapazes” (ou lá como lhe chamam), eu amo ainda mais passar tempo com os dois.
Carrego no botão com o número 3 do elevador que me leva, rapidamente, ao meu andar e um sorriso aflora-me nos lábios ao ver que tanto como George estão à minha espera à porta do apartamento.
- Ouvimos o teu carro chegar! – exclama George, abraçando-se à minha cintura, uma vez que a estrutura que os seus 7 anos de vida lhe trouxeram não o deixam ir mais longe.
- Já jantaram? – beijo a testa do meu filho e dou-lhe a mão, caminhando para os braços abertos de que me recebe com um abraço (extremamente reconfortante após um intensivo dia de trabalho) e um beijo carinhoso.
- Jantamos à hora habitual, mãe. – explica o pequeno, puxando-me para dentro do nosso acolhedor lar. – E deixámos alguma pizza para ti no frigorifico.
- Obrigada, meu amor, mas já jantei. – anuncio, com um sorriso meigo. – E tu? Já não devias estar a dormir?
- O pai disse que eu podia ficar à tua espera… Só hoje… - encolhe os ombros, como sempre fazia quando achava que eu lhe ia dar um sermão.
- É sempre “só hoje”, claro. – comento, divertida, rindo-me com . – Vai lavar os dentes e nós já vamos ter contigo ao quarto para te dar as boas noites, está bem?
- Ora, - George leva as mãos à cintura (gesto que penso ter aprendido com , porque é algo típico dela) e vira-se para mim, com um ar indignado. – Já tenho sete anos, mãe. Posso bem ser eu a vir dar-vos as boas noites.
solta uma gargalhada alta, o que me leva a acompanhá-lo e depois George sorri e sobe as escadas, espero eu, em rumo à casa de banho.
Decido subir também e mudo de roupa. Visto o meu pijama mais confortável, prendo o meu cabelo numa tentativa falha de um coque, lavo os meus dentes e, quando saio da casa de banho e entro no quarto encontro , já debaixo dos lençóis: à minha espera.
Deito-me ao seu lado, pegando no livro em cima da mesa-de-cabeceira.
- Ainda estás a ler isso? – pergunta-me, com um sorriso nos lábios. – Tens esse livro há meses, amor.
- Caro , - começo, ironicamente. – Sabes bem que, para além de estar a trabalhar e não ter tanto tempo como de antes; e que apesar da minha dedicação para a leitura já não ser a mesma da que tinha com 15 anos, estou a esforçar-me bastante para ler o teu livro.
- Eu sei. – sorri, apertando a minha mão levemente. – Fico-te agradecido por tal.
- Sabes, adoro o facto de dizeres que “estas cartas nunca serão enviadas ou lidas”, mas, depois, publicas um livro para que toda a gente, incluindo eu, as possa ler.
inclina-se sobre o meu corpo e deposita um beijo suave nos meus lábios e, quando reparo que ele sorri durante o beijo, não consigo evitar fazer o mesmo.
- Boa noi… - ouvimos e, rapidamente, separamo-nos vendo George adentrar o quarto. – Hum… Boa noite, mãe. Boa noite, pai.
Ambos abrimos os braços e a criança sobe para a nossa cama, esforçando-se para nos abraçar a ambos com os seus pequenos braços.
- Boa noite, anjinho. – digo eu, depositando, depois, um beijo na sua testa. Ele faz-me o mesmo e ao – que o despenteia e depois beija-o na bochecha – também.
Saltitante, o pequeno George sai do quarto a cantarolar uma melodia que aprendera à pouco tempo na escola e eu volto a virar-me para o meu marido, sendo eu a iniciar o beijo desta vez.
Depois, dedico-me à leitura enquanto “rascunha” no computador – há séculos que diz querer escrever outro livro, mas com o emprego e outras coisas não tem havido tempo suficiente.
Leio algumas das últimas cartas de Letters To , sempre com um sorriso no rosto e algumas lágrimas porque tudo aquilo me faz lembrar por tudo o que passamos. A certa altura, rodeia os meus ombros com o seu braço e abraça-me contra o seu peito, onde eu choro silenciosamente.
Lembro-me do dia em que o meu pai descobriu, de quando me obrigou a mudar-me, de quando George nasceu, do quanto quis que pudesse estar comigo, do quanto lhe quis telefonar para lhe dizer que estava tudo bem, do quão agradecida fiquei quando ele apareceu na minha casa naquele dia.
Magoa-me imenso o facto de saber que o sofreu tanto por minha causa. Porque ele é a melhor pessoa que eu conheço e não merece sofrer por nada deste mundo, por muito que ele ache que sim. Quero dizer, que tipo de pessoa viria atrás de outra que saíra sem dar noticias durante meses? Sim, uma pessoa muito apaixonada. Mas que tipo de miúdo de 16 anos teria coragem de o fazer? , e é por isso que tenho a certeza que não há melhor que ele.
Quero pedir-lhe desculpa por todo o sofrimento causado mas a única coisa que consigo fazer é soluçar e chorar mais. , como sempre, percebe-me e abraça-me com ainda mais força e sussurra que agora está tudo bem. E é verdade.
Está tudo muito bem. As nossas vidas estão bem encaminhadas, a dele como escritor, a minha como estagiária de médica pediatra (esperançosamente, serei, oficialmente pediatra dentro de alguns anos), ambas como pais de uma criança maravilhosa e adorável, bem-educada e perfeita aos nossos olhos. Rodeados de amigos, principalmente os que tínhamos na Inglaterra mas também novos que fizemos quando nos mudámos para Manhattan. Em harmonia com as nossas famílias e, como sempre, um com o outro. Porque sim, eu continuo a ter a certeza que eu e o somos almas gémeas; aliás, não houve um dia nos 8 anos em que estivemos juntos que eu não a tivesse.