Era um dia como outro qualquer, se não fosse o primeiro de um novo semestre. Levantei-me e fui para faculdade, entediado como qualquer um pode estar às seis da manhã. Mas, ao chegar, percebi uma movimentação estranha na sala do primeiro período. Quis ir até lá, porém desisti quando vi meus amigos ao longe. E realmente tínhamos muitas coisas para ajustar sobre a banda. Faríamos um show na calourada e ainda não tínhamos determinado a setlist, apesar de faltar apenas vinte dias.
Fazíamos faculdade de comunicação e nosso DA sempre abria espaço para quem quisesse fazer apresentações musicais em festas ou até mesmo no espaço cultural da faculdade. Eu e mais três amigos montamos uma banda quando ainda estávamos no primeiro período e, agora, no terceiro, era regular fazermos shows por aí.
Passaram-se as primeiras aulas e tudo que eu queria era cair fora dali. Chamei o Eduardo para irmos à cantina e foi então que a vi. Aquela garota que eu não conseguia distinguir se era bonita ou não, mas que tinha o cabelo mais criativo que já havia visto.
Não consegui determinar quantas cores tinham em seu cabelo. Umas cinco, pelo menos. Azul, verde, roxo e variações dessas cores. E, apesar de ter boa parte do cabelo de uma cor comum castanho nescuro, ela chamava a atenção com a parte colorida.
“, por que você parou?”. Nem tinha percebido que estava parado, encarando a menina. Ela estava sentada na escada, isolada, lendo um livro do qual eu não conseguia ler a capa. “Não me diga que você se interessou pela esquisita?”. Quando ouvi meu amigo falando isso, subiu-me uma raiva que não conseguia explicar.
Balancei a cabeça e segui o percurso até a lanchonete.
Alguns dias se passaram e eu só conseguia observar a menina. Não sabia o nome dela ou de qual período era (do primeiro, provavelmente, pois nunca a tinha visto antes aqui), mas, sempre que olhava para ela, me dava vontade de pegar o meu caderno com letras de música e rabiscar algo para aquela garota do cabelo colorido.
E assim começou o semestre. E, em meio a trabalhos, tarefas e estágio, a imagem daquela menina não saía da minha mente.
Faltavam dez dias para a calourada e ainda não tínhamos nossa setlist. Foi então no meio de uma aula chata pra caramba que comecei a rabiscar uma letra de algo que poderia se tornar alguma música. Algo sobre a menina com cinco cores no cabelo.
Ela não tinha muitos amigos. Gostava de ficar na dela e eu acho que estava começando a gostar do cabelo dela simplesmente porque era dela. Não era a garota mais bem vestida da faculdade. Era meio solitária, mas tinha uma atitude de dar inveja em qualquer uma. O jeito com que andava, o jeito com que sorria. E ela parecia saber muito bem como se divertir com um bom livro.
Uma bela tarde, estava fazendo um trabalho com o Eduardo, e o Mario quando a vi passando, segurando sua tradicional bolsa de lado e seu cabelo colorido chamando a atenção. “Lá vai a esquisita fazer suas esquisitices”, disse o e mais uma vez aquilo me irritou.
Geralmente, eu teria brigado com eles, mas resolvi fazer algo diferente. Levantei-me da mesa e fui atrás da menina de cabelo colorido.
“Oi. Eu sou o . Qual o seu nome?”
“.”
Foi então que aquela estranha sem nome, que todos queriam saber, apesar de não terem coragem de perguntar, tinha um. . Muito prazer, garota do cabelo colorido.
Depois daquele dia, comecei a falar com ela todos os dias. Ela estava no primeiro período e gostava de ficar na dela porque era assim que rendia melhor na sua escrita. Entretanto, como aquela garota tinha um bom papo. Falava de coisas de que nunca tinha ouvido falar. Comentava sobre Química, Biologia e Matemática com uma facilidade que me impressionava por estar em um curso de comunicação (eu não entendia metade dessas coisas que ela falava).
A menos de uma semana para o show, apresentei uma lista de músicas para os meninos. Algumas delas eles nem conheciam (indicação da , claro). Ela também tinha um excelente gosto musical. Ficamos ensaiando na garagem da minha casa todas as tarde dessa última semana. Mas, apesar de estarmos tocando bem, eu estava sentindo falta de alguma coisa na setlist. Não sabia bem o quê.
Foi na sexta à noite, enquanto falava com pelo Skype sobre um trabalho que ela teria que entregar na segunda-feira, que achei rabiscado no meu caderno a música que tinha escrito no primeiro dia que a vi. Uma música que falava de uma garota com cabelo colorido que ninguém sabia o nome, mas que todos queriam conhecer, pois tinha um confiança que dava inveja a qualquer um.
“, você vai à festa amanhã?”. Eu tinha que perguntar. Sabia o que ia ficar parecendo e vai ver que era exatamente isso o que eu queria. “Estava querendo ir, , mas está meio difícil convencer minha mãe...”. Foi só então que me lembrei de que ela ainda era nova demais para estar ali, mas, de certa forma, a garota combinava com a faculdade melhor do que qualquer um daquele prédio.
“Se eu ligar na sua casa e convencê-la, você vai?”. Precisava fazer com que ela fosse. “Tente”.
Não pensei duas vezes. Peguei o telefone e disquei o número que ela tinha me dado. “Alô, dona Catia? Aqui quem fala é o . Sou veterano da sua filha na faculdade e toco na banda que vai tocar na festa de amanhã. Eu sei que a senhora não está querendo deixá-la ir, mas prometo que ela não sairá do meu lado e que cuidarei dela. É que tenho um presente para ela e só posso entregar amanhã. E é surpresa”.
Depois de alguns minutos, a mãe dela desistiu. , a garota de cabelo colorido, iria à calourada. Passei a noite em claro, dedicando-me àquela melodia que ainda não estava pronta, porém eu precisava cantá-la no dia seguinte.
Levantei-me meio assustado, tarde demais para o planejado. Mandei uma mensagem para : “Espero você mais tarde. Beijo”, e saí correndo para arrumar as coisas.
Palco pronto. Instrumentos afinados. O pessoal estava chegando devagar e indo direto para o bar. E nada da minha garota de cabelo colorido.
Começamos a tocar a setlist. Não tinha avisado os meninos da música. Pretendia que fosse uma surpresa completa, apesar de estar morrendo de vergonha e ansiedade. Era a primeira música de autoria própria que tocaria em público.
Foi então, quando estávamos quase acabando o show, que vi aquele cabelo colorido adentrando o salão. Ela sorriu ao nos ver e se aproximou do palco. Ao acabar de tocar aquela música, pedi para os meninos pararem e anunciei: “agora, quero tocar uma música de autoria própria, chamada ‘As Cores do Seu Cabelo’, que escrevi inspirado em uma pessoa muito curiosa e especial que conheci no inicio desse semestre.”
E, timidamente, comecei a tocar o primeiro acorde.
Todos querem saber quem ela é,
Aquela garota com cabelo colorido.
Ela que não tem medo de se arriscar,
Ela que tem coragem de dizer o que pensa,
Ela que, apesar de quieta, sabe ser feliz com o que tem.
Aquela garota de que todos falam.
Uns mal, outros bem.
Mas, no fundo,
Todo mundo só queria ser como
Aquela garota de cabelo colorido de que ninguém sabe o nome.
Continuei e percebi que o pessoal estava gostando. E, principalmente, que ela estava gostando. Aquilo tudo foi me motivando a continuar e acho que nunca senti uma sensação tão boa diante de um público.
Foi então que eu percebi. Ela viera à festa, mas não viera sozinha. Ao seu lado, estava um garoto de cabelo castanho com um corte estranho e que usava uns óculos redondos estilo Harry Potter. O namorado dela.
Nesse momento, eu queria correr, achar um buraco e me esconder lá para nunca mais me acharem. Mas continuei firme. Ignorei que aquilo estava acontecendo, rezando para ele não achar que eu estava dando em cima dela (apesar de estar mesmo!).
Voltamos à nossa setlist e me prometi nunca mais escrever música para garota nenhuma de cabelo colorido. E que meninas podem só querer a sua amizade quando estão em um lugar que não conhecem ninguém.
E o namorado dela? O cara era muito gente boa. Só me fez sentir ainda mais culpado.
Mas teriam mais garotas e mais corações partidos. Fazer o quê? É a vida.
Inspirado na música “5 Colors in Her Hair” do McFly (27/08/2014).
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE FANFIC OBSESSION.