Middleton, Hardeman, TN (Tennessee). Julho de 2009.
– O que está fazendo, Samy? Está maluca? – Angel Nolan sussurrava para a amiga, Samantha Payton, enquanto esta virava a terceira dose de vodka pura naquela noite de verão.
Samantha havia saído para encontrar um rapaz. Ele combinara o local, mas não aparecera na hora marcada, e nem mesmo depois de duas horas de espera. Samantha ligara para Angel e sua voz demonstrava grande decepção. Angel decidira então ir ao encontro da amiga e pedira a localização do pub em que ela se encontrava. Chegou com facilidade ao local, afinal, na pequena cidade em que viviam não era difícil encontrar os poucos pontos de encontro. A cidade tinha cerca de seiscentos e trinta habitantes. Pouca população para um local de pouca extensão. Era justo.
Quando Angel chegara ao bar, Samantha já havia tomado duas doses de vodka e a situação piorou quando ela passou a expressar sua insatisfação.
– Pare de beber. Você não está acostumada, olha o seu estado. – Angel continuava a sussurrar.
Samantha ria de coisa alguma e piscava com lentidão. Levantava e abaixava do balcão o copo com a dose de álcool; o braço visivelmente bambo. Não havia quase ninguém no local e era quase meia-noite.
– Eu já... paguei por... seis doses... Sabe por quê? Porque, ele... não... veio. NÃO VEIO! – Ela elevou a voz e Angel acenou a cabeça positivamente, a fim de acalmar a amiga e evitar que passassem mais vergonha.
Alguns homens com chapeis de caubói, sentados num canto do pequeno estabelecimento, olharam na direção das garotas, mas logo voltaram a encarar as cartas de baralho em suas mãos.
– Eu sei... – Dizia Angel para a amiga de maneira calma, com a doce e macia voz que herdara de sua mãe. – Mas precisamos ir embora agora, ta? Ele não valia a pena, Samy, vamos.
– Não. Não... – Samantha falava pausadamente e ria às vezes – Quero mais uma!
– Não. Sua mãe não vai gostar de saber que praticamente zerou seu cartão de crédito. Vamos embora. Está tarde.
Samantha riu novamente. A porta principal do pub se abriu e cinco rapazes, sendo que dois vestiam fardas militares, entraram fazendo barulho. Pareciam comemorar algo. Dois ela conhecia de vista, porém não fazia ideia dos nomes, e outros três, inclusive os fardados, eram desconhecidos. Vieram até o balcão pedindo bebida em excesso. Angel revirou os olhos. Não gostava daquele lugar.
– Olha só, chegou a nossa diversão! – Disse Samantha em tom audível ao bar inteiro, enquanto se ajeitava na cadeira de maneira a ficar de frente para os rapazes. Eles riram, visivelmente interessados. Dois deles se aproximaram.
– Somos sua diversão, querida. – Disse um deles, e os outros se aproximaram, cercando-as.
– Vocês... são... lin...dos. – Disse Samantha se enroscando para desenvolver a frase. Depois virou para o barman, indicando que queria mais uma dose. – Querem... be...ber comigo?
– Ok. Já chega, Samy! Vocês me desculpem, mas já estamos de saída. – Angel fez com que Samantha levantasse, retirando a força o copo de vodka da mão da garota. Ela quase tropeçou, mas Angel a segurou com firmeza.
– Oooh, espera aí, lindinha. – Um deles passou o polegar pelo rosto de Angel, que virou o rosto, lançando-lhe um olhar irritado.
– Estamos de saída. – Repetiu ela friamente, encarando cada um deles pausadamente. Procurava analisá-los.
Ameaçou dar um passo a frente e três deles, inclusive um que estava fardado e tinha o cabelo loiro quase totalmente raspado, barraram a passagem. Os rapazes riam como se alguém tivesse lhes contado uma piada estrondosamente engraçada, exceto um, que também vestia farda e tinha os fios de cabelo raspados, porém de cor castanho; este parecia em dúvida sobre apoiar ou não a atitude dos amigos.
– Nos deixem passar! – Disse Angel com raiva.
– Vamos, – Disse um deles pausadamente. – temos bastante a oferecer. E acho que vocês também. – Continuou, mirando descaradamente os glúteos de Angel, enquanto todos os outros concordavam com sorrisos maliciosos, exceto o mesmo garoto fardado e de cabelo castanho, que parecia ter agora um olhar preocupado.
O rapaz que a olhava com malícia, tentou segurá-la pela cintura, mas ela o empurrou com uma das mãos enquanto segurava a amiga com a outra. Samantha atirou-se para cima do garoto loiro e fardado, e este riu.
– Quer... um beijo, gatinho? – Disse ela com um riso extravagante.
– Sua amiga está animada. – Disse o rapaz passando uma das mãos pelas costas de Samantha. Angel puxou a amiga e tentou passar por eles. Eles a seguraram.
– ME DEIXEM PASSAR, SEUS IMBECIS! – Ela gritou se debatendo, ainda agarrada à amiga.
– PAREM COM ISSO! – Disse fortemente uma voz masculina que ela ainda não escutara.
Eles recuaram um pouco, mas ainda não abriram passagem. Angel percebeu que a voz era do outro rapaz fardado, de olhar preocupado.
– Deixe-as ir. – Disse ele.
– Ah, fala sério cara! Vai falar que você não quer se divertir? – Disse um dos rapazes.
– Já repararam na idiotice que estão fazendo? Qual é, Connor, acabamos de entrar para o Exército e você acha que tem o poder de forçar moças a fazerem o que elas não querem? E vamos concordar que uma delas não está em sã consciência. – Ele se dirigiu com seriedade ao loiro fardado, que ainda trazia o corpo de Samantha para junto dele. – Estão exagerando.
Angel não desviou o olhar do rapaz enquanto ele falava. Ele estava sendo a chance para que as duas escapassem e ela queria guardar aquela fisionomia que nunca vira pela cidade. Eles a soltaram, assim como o chamado Connor soltara Samantha. Angel arrastou a amiga para fora do local até seu Ford Corcel 73, sem nem mesmo olhar para trás. Acelerou o carro branco que geralmente apresentava problemas, devido ao tempo de uso na família.
Ao estar em casa, ligou para a mãe de Samantha e disse que ela pousaria ali naquela noite, alegando que elas queriam passar mais tempo juntas, pois sabia que a mãe da amiga teria um surto nervoso se visse a filha naquele estado. Os pais de Angel estavam de viagem em um condado próximo. Somente seu avô, que já dormia, estava na casa. Samantha continuava a rir e a falar coisas sem sentido, até que se jogou no sofá e em minutos, adormeceu. Angel colocou um cobertor sobre a amiga e foi se deitar também. A imagem do rapaz de cabelo castanho e olhos castanho-claros tomou conta de sua mente em diferentes sonhos.
No dia seguinte, que era feriado de quatro de julho, ela acordou cedo, como já era de costume, pois fazia o café da manhã para seu avô, Klark Nolan. Ele era mais próximo a ela que seus próprios pais e sempre a tratava com muito carinho.
– Bom dia, criança. – Klark disse ao apontar no corredor que ia dos quartos para a cozinha. Não importava para ele o fato de que Angel já tinha dezoito anos, ele sempre a chamaria de criança.
– Bom dia, vô.
– Não consegui te ver chegar em casa ontem. Me desculpe, acabei dormindo. Acho que foram os remédios. – Ele disse em sua voz rouca e cansada, o rosto expressava culpa ao sentar-se na cadeira próxima a mesa. Os remédios contra depressão que ele tomava causavam-lhe muito sono.
– Não se preocupe. Eu sei que o senhor estava cansado. – Angel sorriu enquanto servia o café da manhã. – Eu trouxe a Sam para casa. Olha só, ela ainda está dormindo.
Ele se virou ainda sentado para encarar a área da sala, sendo que não havia muro que separasse ambos os cômodos. Samantha ainda dormia debaixo do cobertor no sofá. Klark sorriu.
– Ela deve estar cansada. – Ele disse com carinho. Tratava Samantha como se também fosse sua neta.
Angel se limitou a sorrir com ternura enquanto pensava em como ela e a amiga cresceram juntas naquela pequena cidade. Sentou-se na outra extremidade da pequena mesa, de frente para o avô, com junto de sua parte do café da manhã.
Ela e seu avô passaram quase a manhã toda sentados na varanda, ele lendo o jornal do dia e alternando em observar a rua, e ela com os olhos atentos ao livro P.S. Eu Te Amo escrito por Cecelia Ahern, o qual ela já lia pela terceira vez. Era apaixonada por cada palavra redigida naquele livro. Quando seu relógio de pulso marcava dez e meia da manhã, Angel voltou para dentro da casa, a fim de tomar um copo de água. Ao passar pela sala, percebeu um movimento da amiga. Ela deixou seu livro sobre o rack e se agachou próxima a Samantha, que abriu os olhos piscando várias vezes.
– Bom dia, bela adormecida! – Disse Angel em tom de brincadeira. – Ou bêbada adormecida. – Disse em meio a uma gargalhada. Recebeu uma careta de Samantha como resposta. – Como se sente?
– Minha cabeça está explodindo. – Ela colou a mão sob a testa.
– Isso se chama ressaca! – Disse Angel, se levantando e procurando um saco plástico para colocar gelo. Samantha levantou o corpo e permaneceu sentada no sofá, resmungando.
– Eu fiz besteira ontem, né? – Perguntou ela fazendo careta e massageando as laterais da cabeça.
– Besteira é pouco para o que você fez ontem. – Disse Angel, levando o saco plástico com vários cubos de gelo dentro e entregando-o para a amiga. Samantha o colocou sobre a cabeça e pareceu ficar mais aliviada. – Se lembra do que aconteceu?
– Lembro que comecei a beber vodka depois de esperar duas horas pelo canalha do Bryan. Você chegou e tentou me tirar de lá. Eu me lembro de alguns garotos, dei em cima de um deles, tenho certeza. E parece que você estava brava. Estou certa?
– Parabéns. Pelo menos, não perdeu totalmente a consciência, mas foi bem pior que isso, provavelmente teriam se aproveitado de nós duas! A sorte é que um deles era decente.
– Um deles foi decente?
– Eles nos defendeu... dos próprios amigos. – Ela disse se recordando do rapaz novamente. – Eu só queria entender o porquê.
– Ele é uma pessoa boa, oras. – Disse Samantha ainda fazendo caretas em razão da dor de cabeça. – Tem um analgésico ai?
– Tenho. – Disse Angel e se dirigiu novamente à cozinha, retirou o remédio da gaveta do armário e encheu um copo com água, levou tudo até Samantha. – Sabe, eu deveria ter agradecido ele por ter nos ajudado. Eu não disse nada, simplesmente saí correndo te arrastando comigo.
– Relaxa, ele percebeu que você estava em uma saia justa, normal ter saído correndo. – Samantha disse após engolir o remédio.
– Mesmo assim. – Angel respondeu, pensativa.
– Ficou encucada com isso, não é, Angie? Eu conheço esse seu olhar focado no nada. Esquece isso vai, talvez nem encontre mais esse moço, não ache que é obrigada a agradecê-lo.
– Falou a mulher mais consciente do universo. – Disse Angel, em tom de ironia, enquanto ria.
– Que isso, precisa me atingir assim já de manhã? Minha cabeça ainda parece que vai explodir.
– Isso é porque você provavelmente gastou uns cem dólares em vodka ontem. – Disse sem estar realmente brava.
– CARAMBA, CEM DÓLARES. Como eu sou besta.
– É mesmo. – Disse Angel, rindo.
– Ah, cala a boca, Angie! – Samantha pronunciou rindo também.
– ANGEL! – Escutou-se a voz rouca do avô de Angel vinda da varanda.
– Já volto. – Disse Angel para a amiga. – Ah! E feliz quatro de julho pra você!
– Pra você também. – Disse Samantha sem prestar real atenção ao fato de ser feriado.
Angel foi até a varanda e se deparou com um homem vestido com roupa social. Ela olhou para seu avô, que ainda estava sentado.
– Este é Joel. – Disse Klark enquanto Angel apertava a mão do homem para cumprimentá–lo. – Pode explicar para minha neta o que me disse? – Ele se dirigiu ao homem agora.
– É claro! Bom, eu sou de uma Associação Beneficente Para Crianças Carentes, e nós estamos trazendo um circo para a cidade no intuito de arrecadar fundos para a nossa Associação que vai ajudar muitas crianças carentes de toda a região. Estamos distribuindo esses panfletos com os horários dos espetáculos e o local, que fica bem no centro da cidade, fácil de encontrar. – Ele mostrou um dos panfletos a ela, que assentiu com a cabeça – E estou buscando jovens e crianças para ajudar a distribuir esses panfletos a toda cidade, porque estamos muito ocupados com a organização do evento. Gostaria de saber se a senhorita se interessa a nos ajudar?
Angel pensou por um segundo. Ainda estava de férias da faculdade e ela sempre se encantou por trabalhos que possam ajudar de alguma maneira a sociedade carente. Tanto que o curso que estava fazendo era de Serviço Social.
– É claro. Eu aceito ajudar vocês com prazer. – O homem pareceu aliviado, provavelmente porque não havia tantos jovens de sua idade que tivessem aceitado o trabalho.
– Eu sinto dizer que não vamos poder remunerá-la de maneira alguma, afinal, estamos gastando também para organizar tudo isso. Mas eu irei te entregar... – Ele remexeu a mochila que trazia consigo e pegou algo parecido com um ingresso – uma entrada para um espetáculo. E aqui estão... – Ele pegou um bloco grande de panfletos e entregou a ela. – os panfletos a serem entregues.
– Tudo bem. Obrigada. Irei começar a distribuir hoje mesmo. – Angel sorriu e o homem também.
Ele apertou a mão dela novamente e de Klark também, despedindo-se. Angel informou ao avô o horário, pois ele a perguntou antes que ela entrasse novamente na casa e então foi até Samantha, que agora olhava dentro da geladeira.
– Ei, garota da geladeira! – Angel chamou sua atenção. – Seu café da manhã está no pote em cima da mesa.
Samantha agradeceu ainda com o saco de gelo na cabeça. Sentou-se, abriu o pote e começou a devorar os waffles com mel que Angel havia preparado. Ela riu da amiga e sentou-se próxima dela, ainda com os panfletos em mãos.
– Tenho um trabalho para nós duas fazermos hoje. – Angel ergueu as sobrancelhas, demonstrando entusiasmo.
– Lá vem você. Sabe que não gosto de trabalhar nas férias.
– Ah, Samy, é só entregar esses panfletos pela cidade!
– Humilhante. Nem pensar. – Samantha disse enquanto mastigava um waffle.
– Vamos estar ajudando uma Associação Para Crianças Carentes, vai.
– Você é que quer ser assistente social, não eu.
Angel fez uma expressão que indicava “ah, vamos, por favor”.
– Não adianta fazer essa cara Angie, eu não vou. – Continuou Samantha.
– Eu fui te buscar em um open bar ontem e fiquei meia hora tentando te tirar de lá. Quase fomos violentadas por uns caras estranhos, evitei que sua mãe te visse naquele estado e é assim que você me retribui?
– Você me dá nos nervos. – Disse Samantha. – Ok, eu te ajudo.
– Eba! – Angel deu pulinhos; ela sabia que a amiga a ajudaria de qualquer maneira. Ela sempre ajudava. Estavam sempre juntas. – Você pode ficar com o ingresso para o circo se quiser. Eu não vou.
– Você tem que parar de ser antissocial e sair mais. – Angel riu do comentário da amiga.
– Então vamos nós duas ao circo. Eu pago a minha entrada e você fica com a de cortesia, afinal, já gastou demais com o cartão de crédito, né?
As duas gargalharam discretamente. Samantha deu de ombros.
– Tudo bem. Essa cidade nunca tem muitas opções mesmo, vamos ao circo!
Depois de a dor de cabeça de Samantha ter melhorado consideravelmente, as duas andaram por onde puderam, entregando panfletos e explicando que o dinheiro arrecadado no evento seria convertido em ajuda a crianças carentes.
Pararam em uma lanchonete quando já estavam cansadas e Angel pagou algo para comerem e beberem. Depois continuaram a entregar panfletos por cerca de uma hora e meia.
– Chega, Angie. Estou morrendo de canseira. – Dizia Samantha que já andava lentamente. Angel riu.
– Tudo bem, mais esta casa e vamos embora. – Ela disse para amiga enquanto entrava no quintal de uma grande e bonita casa, dirigindo-se a campainha perto da porta.
Angel tocou a campainha e uma senhora atendeu a porta com simpatia. Algumas pessoas haviam sido muito educadas com as duas, porém esta senhora foi a mais amável com quem se depararam. Era uma região mais afastada do centro da cidade. As casas eram espaçadas umas das outras e muito grandes. Depois disso, Angel e Samantha refizeram o caminho de volta. Já estava escurecendo quando Angel deixou Samantha em frente a casa dela.
– Obrigada por ontem, Angie. – Samantha disse quando elas se despediam. – Por me livrar daquele lugar e daqueles caras.
– Deveríamos agradecer ao garoto que nos defendeu. – Angie riu. – Não precisa agradecer. – Ela sorriu para a amiga.
Seguiu então para sua própria casa que não ficava tão distante. O primeiro espetáculo no circo seria na noite do dia seguinte, para o qual o ingresso que dera para Samantha valia. Ela se sentia orgulhosa por ter entregado todos os panfletos com ajuda de sua amiga. Ao chegar a sua casa, ela jantou junto de seu avô, que já havia feito a comida, e leu por algumas horas o livro que tanto gostava. Observou os fogos de artifício colorirem o céu as nove da noite em comemoração ao feriado, junto de seu avô. E então deitou-se, pois o dia a havia cansado.
No dia seguinte ela passou sua tarde com muita tranquilidade. Não costumava sair muito de casa, porém naquela noite tinha um compromisso marcado. E estava ansiosa para ver aquele lugar lotado, afinal, o trabalho que ela e Samantha tiveram no dia anterior não fora pouco.
O tempo passou vagarosamente naquela tarde quente. Quando aproximou o horário do espetáculo, Angel tomou um banho, colocou um short que definia bem seu estilo e uma blusa regata, mais colada ao corpo. Nada muito exagerado, porém confortável e que a deixava bonita. No rosto ela colocou pouca maquiagem. Guardou certa quantia de dinheiro no bolso e estava pronta. Despediu-se de seu avô, dizendo que não era necessário ele a esperar para dormir. Entrou em seu Ford Corcel 73 e passou antes pela casa de Samantha. Então seguiram juntas até o circo. Samantha entrou para depois das grades com seu ingresso em mãos, que ganhara da amiga, enquanto Angel ficava na fila para adquirir um novo ingresso. Logo estavam as duas do lado de dentro. Antes de entrarem na tenda onde aconteceria o espetáculo, havia barracas com jogos como boca do palhaço e argolas, além das que vendiam espetinhos de carne, hot dogs, pipoca e refrigerantes. As duas compraram um saquinho de pipoca cada uma e entraram na tenda. Havia vários degraus de arquibancada e elas sentaram em um espaço que havia próximo ao centro onde ocorreria a apresentação. Muitas pessoas estavam ali, principalmente crianças e seus pais. Elas estavam felizes, rindo, se divertindo. Era raro algum evento diferente naquela cidade. Angel observou os degraus da frente, com muitas pessoas sentadas em fileira, uma ao lado da outra, também parecendo muito felizes. De repente, as luzes se apagaram e apenas um foco luminoso deixava claro o centro do local. Todos se aquietaram e tambores começaram a rufar. A atmosfera do local ganhou um quê de ansiedade. O espetáculo estava começando.
Os tambores pararam e o apresentador apareceu no foco luminoso, tinha o rosto pintado de maneira cômica e começara a falar com entusiasmo, porém Angel se perdeu no perfil de um rapaz de cabelo bem curto e castanho. Ele estava sorrindo e ela conseguia ver seus dentes bem alinhados e brancos. Angel tinha a sensação que já vira aquele rosto antes, porém como só o via de perfil, ela não conseguia ter certeza. As pessoas que estavam sentadas na fileira a sua frente se viraram todas ao mesmo tempo para trás. Ela sentiu Samantha ao seu lado se virar também. Provavelmente alguém entrava pelo meio das arquibancadas, alguém importante para a apresentação, mas a menina não conseguiu se mexer para prestar atenção ao que acontecia a sua volta, pois o olhar do jovem um pouco a frente encontrou o dela. Era o mesmo rapaz do open bar, aquele que defendera ela e Samantha. Ele pareceu surpreso e apertou os olhos, provavelmente analisando se realmente conhecia a garota. Depois um sorriso suave transpassou seus lábios. Ela desviou seus olhos dos dele, envergonhada. Depois voltou a olhá-lo e ele ainda a encarava com o leve sorriso no rosto. Ela não conseguiu reprimir um sorriso, porém voltou a prestar atenção no espetáculo. Três palhaços estavam no meio do circo agora, fazendo com que todos soltassem gargalhadas. Ela não conseguiu deixar de trocar olhares com o rapaz durante o resto do espetáculo, que havia sido muito bom por sinal.
– Ei! Viu como ele está te encarando? – Samantha cutucou a amiga quando estavam comprando espetinhos de carne já fora da tenda. Havia muitas pessoas por ali ainda e o barulho era grande. Ela havia percebido que o rapaz estava olhando para Angel a todo o momento.
– É o rapaz do open bar. – Disse Angel para a amiga e sorriu, virando a cabeça para disfarçar.
– O que nos defendeu? – Samantha disse, abrindo a boca em reação de surpresa.
– Sim. – Angel disse, ainda com um leve sorriso.
– Ele é um gato! – Disse Samantha, dando algumas olhadas na direção do rapaz.
– Pare de olhar, ele vai perceber.
– Está a fim dele, não é mesmo? – Samantha riu, cutucando-a.
– Para! É claro que não. Nem o conheço.
– Você também estava olhando para ele. Admite.
– Não, Samy! Para com isso. – Angel não conseguiu deixar de rir.
– Está rindo igual tonta, só faz isso quando está a fim de um cara. – A amiga desafiou.
– Ele estava num grupo de caras que queriam se aproveitar de nós duas! – Angel afirmou agora em tom sério.
– Mas ele nos defendeu! – Samantha retrucou. – Pare de ser tonta. Vai lá, você estava encucada sobre agradecer a ele, essa é a oportunidade perfeita!
– Não, eu não vou lá!
– Está perdendo tempo, porque ele é um deus grego.
Angel ameaçou revirar os olhos, balançando negativamente a cabeça, porém um sorriso continuava a querer se moldar em sua face.
– Vem. – Samantha puxou a garota pelo braço e a levou até próximo a fila dos refrigerantes, onde o rapaz estava. Angel esbravejava com a amiga e evitava olhar para o rapaz. Ela estava com vergonha, enquanto ele continuava a olhá-la.
Samantha insistiu com a amiga para que ela fosse até ele muitas vezes, mas ela se negava. O rapaz estava com um garotinho pequeno com quem brincava de momento em momento. Uma mulher também os acompanhava. As duas distinguiram o rapaz a chamando de mãe. O garotinho pequeno provavelmente era seu irmão. Houve um momento que o rapaz encostou-se à grade que designava os limites do local do circo, com uma lata de coca-cola na mão enquanto a mulher e o pequeno menino iam até uma das barracas de jogos.
– Sua chance! – Disse Samantha quando Angel achava que ela finalmente havia desistido da ideia.
Angel olhou para trás e viu o rapaz sozinho. Seus olhos se encontraram novamente. Ela sentiu Samantha a empurrar na direção que ele estava indicando que ela andasse até lá. Ela virou o rosto e mirou a amiga com uma expressão brava. Samantha suspirou, exasperada, e literalmente arrastou a amiga com ela até que estivessem frente a frente com o rapaz. Angel o olhou rapidamente antes de encarar os pés. O suficiente para ver que ele ria.
– Minha amiga aqui me contou o que você fez pela gente no open bar aquele dia. – Samantha disse, chacoalhando Angel pelo ombro, e essa não conseguia encarar o rapaz de tanta vergonha. Queria matar Samantha naquele momento. – Ela me disse várias vezes que queria te agradecer, mas ela é tímida. Estou dando uma chance a ela. – Angel sentiu seu rosto queimar. – Seja legal, por favor, ou você será perseguido e morto.
Samantha então saiu de perto dos dois. Angel tentou segurar seu braço, mas a amiga se desvencilhou, dando-lhe um sinal para que fosse em frente e continuou a caminhar. Angel fechou os olhos com força por um momento, forçando-se a não parecer ridícula. Então virou-se novamente para ele, encarando-o. Ele olhava na direção de Samantha, rindo, enquanto franzia o cenho, depois olhou para Angel.
– Sua amiga é sempre assim, é? – Ele disse com a mesma voz firme que ela já havia escutado uma vez, porém agora seu tom era descontraído, diferente do dia do bar.
– Ah... Me desculpe pela Samantha. – Ela balançou a cabeça rindo de maneira tímida. Ele a avaliou com os olhos, sorrindo galanteadoramente. Angel pensou que seu coração sairia pela boca. – Ela exagera às vezes... Mas é uma ótima pessoa.
– Fiquei surpreso por me reconhecer. – Ele falou, mudando de assunto.– Eu certamente te reconheceria, afinal, você nos ajudou aquele dia.
– Ah... E... Obrigada por isso.
– Não me agradeça. Meus amigos foram uns idiotas. Eles não costumam fazer coisas daquele jeito. Quer dizer... eles saem com várias garotas, mas quando elas querem. – Ele disse com seriedade.
– Tudo bem. Já passou. – Angel disse dando um doce sorriso, sem mostrar os dentes. – Bom, é isso. Obrigada novamente – Ela foi se virando para ir embora.
– Espera! – Ele exclamou e Angel virou-se novamente para ele. – Eu não sei o seu nome.
– Ah... – Ela pensou se deveria mesmo dizer. – Angel... Angel Nolan.
– Prazer, Angel. Eu sou Jeremy Easton. – Ele estendeu a mão para que ela a apertasse. Ela o fez. – Espera... Por acaso você entregou panfletos desse circo pela cidade ontem? – Ele perguntou franzindo o cenho novamente.
– Bom... sim, mas não sabia que tinha ficado famosa por isso. – Ela brincou e ele riu. – Como soube disso?
– É que minha avó comentou em casa que “uma moça loira, muito simpática, chamada Angel, havia entregado um panfleto do circo que estava na cidade”. – Ele fez aspas com os dedos. – Foi desse jeito que eu, minha mãe e meu irmão ficamos sabendo do espetáculo e decidimos vir.
– Acho que fiz um bom trabalho então. – Ela sorriu com satisfação.
– Fez sim. – Ele sorriu, analisando-a novamente com os olhos, e ela olhou para os lados a fim de disfarçar a vergonha.
– Você e seu amigo estavam usando fardas militares no open bar. Me lembro de você dizer que haviam acabado de entrar para o exército... – Angel decidiu puxar assunto. Sua curiosidade em conhecer mais sobre Jeremy era mais forte que sua timidez.
– Sim... – Ele disse agora com o olhar distante. Sonhador. Parecia satisfeito. – Nos alistamos e passamos. É algo que sempre quis fazer.
– Meus parabéns. Estar pronto para servir o país é algo honrável. – Ela sorriu docemente. – Obrigado. Com certeza é. Tenho folga nos sábados e domingos. Nos dispensaram cedo na sexta, como bônus pelo feriado de ontem.
– Tem que ter tempo para as comemorações, afinal, quatro de julho é dia importante. – Ela comentou sobre o feriado do dia anterior. Dia da Independência dos Estados Unidos.
– É claro. – Ele riu.
– Preciso ir. Prazer em conhecê-lo, Jeremy. – Disse Angel depois de alguns segundos de silêncio em que ambos se encararam.
– O prazer foi meu, Angel. – Disse ele com seu sorriso encantador. – Vou te ver novamente? – Completou elevando a voz, já que ela já havia caminhado e se afastado um pouco. Ela sorriu consigo mesma antes de se virar para olhá-lo.
– A cidade é pequena, talvez eu precise da sua ajuda novamente, soldado. – Jeremy sorriu com mais intensidade que das outras vezes.
Ela continuou então sua caminhada até o Ford. Samantha esperava encostada no carro.
– Hm. Me conte tudo. – Ela disse com um ar malicioso.
– Eu o agradeci, só isso.
– É claro, e pra isso demorou quinze minutos? E voltou sorrindo mais idiotamente que antes.
– Você não tem jeito, Samy. – Angel riu.
– Só estou curiosa.
Ambas entraram no carro e Angel pisou no acelerador.
Angel passou vários dos próximos dias pensando em Jeremy. Ela não o vira mais depois daquela conversa, porém o rosto do rapaz continuava nítido em sua mente. Era dia dezoito de julho, um sábado, e o circo começara a ser desmontado. Angel sabia disso, pois pegou a mania de andar de bicicleta próximo ao local em diferentes horários. Ela sabia que no fundo tinha alguma esperança de encontrar Jeremy por ali. Ela sabia onde era sua casa, pois não havia esquecido onde morava a senhora que a atendeu tão amavelmente no dia em que ela e Samantha entregaram panfletos, porém decidiu não passear por lá, afinal, poderia parecer que estava espionando o rapaz. Naquele dia dezoito, antes de dar seu passeio de bicicleta, a moça foi fazer compras no único mercado da cidade, o Kirk’s Supermarket, coisa que geralmente não fazia, porque seu avô era quem gostava de fazer as compras. De alguma maneira, ele dizia que isso o ajudava a não ficar depressivo, porém, Klark estava sentindo dores nas costas e pediu que a neta fosse ao mercado dessa vez. Ela se preocupou e ligou para o médico da família, mas ele só viria à tarde, e como seu avô insistiu que ela fosse às compras, garantindo que estava se sentindo melhor, ela decidiu não chateá-lo e foi. Ela chamaria Samantha para acompanhá–la, mas a amiga não estava na cidade; havia ido até uma cidade próxima junto de sua mãe para fazerem compras. Ela havia convidado Angel para ir também, mas esta não quis deixar o avô sozinho.
Estacionou o Ford Corcel 73 no pequeno estacionamento do mercado, e fez as compras de acordo com uma lista que seu avô lhe deu. Terminara em cerca de quarenta minutos e já havia colocado as sacolas de papel dentro do porta-malas quando algo a deteve de entrar em seu carro.
– Angel! – Chamou uma voz ao longe.
Ela levantou o olhar e avistou o rosto bem desenhado de Jeremy. Ela sorriu quase sem querer, enquanto ele se aproximava correndo, também sorrindo. Depois ela percebeu que ele deixara para trás o mesmo grupo de amigos que estavam no open bar com ele no dia em que se conheceram. Sua expressão ficou séria. Jeremy já havia chegado perto e olhou para trás na direção dos amigos quando viu a expressão da garota.
– Ah... – Ele voltou a olhar para ela, respirando uma vez forte em razão de ter corrido até ali. – Eu estava na casa de Connor com eles, viemos comprar alguns refrigerantes para assistirmos o jogo de hoje à noite.
Angel desconfiou se eram realmente refrigerantes e se lembrou do jogo de baseball que seria transmitido naquela noite. Seu avô adorava esses jogos, e ela gostava de assisti-los junto dele.
– Faz doze dias que não te vejo, hein. – Ele comentou diante do silêncio da garota. – Andei ocupado com o treinamento.
Ela sabia que ele se referia ao treinamento militar. Ela ficara surpresa com o comentário, afinal, ele estava explicando o sumiço.
– Você contou os dias? – Ela riu.
– Eu não deveria? – Agora foi a vez de ele rir.
– Não vejo como uma desvantagem. – Ela riu, dando uma indireta de que gostara de saber. Ele sorriu. – Vou indo, meu avô está esperando.
– Angel... – Ele disse antes que ela abrisse a porta do carro e ganhou novamente a atenção da garota. – Eu estava pensando se você gostaria de sair... Fazermos algo, talvez. Gosta de milkshake?
Ela o encarou, analisando o que deveria responder. Os batimentos de seu coração aceleraram mais uma vez o que dificultava que ela raciocinasse.
– Ah... – Ela pronunciou ainda decidindo. Ela queria sair com Jeremy, mas não tinha certeza que era a melhor opção. Ele arqueou uma sobrancelha esperando visivelmente ansioso a resposta dela. Isso a fez sorrir enquanto soltava um suspiro discreto. – Tudo bem, acho que não tem problema.
Ele expressou certo alívio e colocou as mãos nos bolsos da calça. Os músculos de seus braços e tórax ficaram ainda mais evidentes, e ela ordenou a si mesma para que não se desconcentrasse. Nunca havia se importado muito com o corpo dos rapazes, mas Jeremy tinha algo que a atraia estranhamente, como magnetismo. Isso não somente no corpo, mas nos olhos, nos dentes, nos lábios, no perfume marcante, no estilo e no cabelo também, mesmo sendo este extremamente curto.
– Quando? – Angel perguntou, por fim.
– Segunda eu volto para o treinamento. Então, poderia ser amanhã, às duas da tarde, o que acha?
– Combinado.
– Te encontro aqui.
Ela assentiu e ele começou a se afastar lentamente, andando de costas, ainda com as mãos nos bolsos.
– Até amanhã, Angel. – Ele se despediu.
– Até. – Ela disse com suavidade.
Então ele se virou e foi para junto dos amigos novamente. Eles olhavam dela para ele enquanto comentavam coisas entre si. Angel não gostava nenhum pouco deles, mas era diferente com Jeremy.
Quando a noite caiu, ela se sentou no sofá ao lado de seu avô para assistirem o jogo. Ambos estavam com um boné do time para o qual torciam. O médico que viera mais cedo havia informado que Klark estava com maiores problemas com a escoliose lombar e que deveria usar o colete por cerca de duas semanas. Logo após o jogo do Yankees vs. Mets, em que Yankees saiu vencedor para a alegria de Klark e Angel, os dois foram se preparar para dormir. Antes de realmente pegar no sono, Angel ligou para Samantha contando que tinha um encontro com Jeremy. A amiga surtou ao telefone, cantando frases como: “vai desencalhar”. Após isso, Angel fechou seus olhos e logo adormeceu.
As horas pareciam não querer passar no dia seguinte. A garota olhava no relógio depois do que pareciam ser séculos, mas o relógio marcava apenas quinze minutos de diferença. Estava nervosa e ansiosa, e isso a deixava pensar em nada além no encontro que teria às duas da tarde.
– Vô, vou sair com um amigo hoje às duas da tarde. Acredito que voltarei à noite. Estou preparando comida suficiente para o senhor não precisar cozinhar na hora da janta. Será só esquentar o que eu vou deixar na geladeira.
– Tudo bem. – Ele disse, sentado em uma das cadeiras em volta da mesa, enquanto ela preparava a comida. – Vai sair com um amigo, criança? – Ele a olhou desconfiado e com um sorriso jovial no rosto. Angel gargalhou.
– Não sei se devo chamar de encontro, vô. – Ela continuava rindo e ele agora gargalhava discretamente também.
– Espero que seja um bom homem. Você merece alguém bom, Angie. – disse paternalmente.
Angel parou o que estava fazendo e olhou para ele. Sorriu e o abraçou. Ela amava demais seu avô. Ambos almoçaram e Angie foi começar a se arrumar. O verão era quente por ali, então ela estava constantemente de short. Colocou uma roupa leve, que a deixava bonita e confortável. Quando o relógio marcava quinze para as duas, ela se despediu de seu avô e caminhou até próximo ao mercado. Jeremy já estava lá quando ela chegou. Ele olhou no relógio.
– Dois minutos atrasada. – Ele disse rindo e ela riu também.
– Desculpe, na próxima prometo ser pontual. – Ela fez piada.
– Na próxima? – Ele sorriu de maneira sedutora. Ela sentiu suas bochechas esquentarem em vergonha, o sorriso do rapaz pareceu alargar-se ainda mais e ela sabia que estava vermelha.
– Um milkshake seria bom agora. – Ela mencionou para lembrá–lo do que combinaram.
– Então vamos. – Ele disse, indicando que ela o acompanhasse.
Havia duas sorveterias na cidade. Uma próxima ao mercado, que Angel conhecia bem, pois ia sempre ali com Samantha, e outra na parte mais distante da cidade, esta a moça não conhecia.
– Nunca vim nessa sorveteria. – Disse Jeremy. – Costumo ir à outra da cidade, porque é mais perto da minha casa, mas me disseram que o sorvete aqui é ótimo!
– Eu sempre venho aqui com Samantha. – Ela disse. – É mais perto da minha casa. – Angel riu e ele também.
– E você aprova o sorvete deles?
– Com certeza.
Ambos riram. Ele abriu a porta de vidro do local para que Angel entrasse. “Cavalheiro”, pensou ela. Eles riram e conversaram por algum tempo, tomando milkshakes. Angel descobriu coisas como: a idade do rapaz, que tinha dezenove anos, que o local onde fazia os treinos do exército era em Nashville e que ele visitava a família em Middleton em dois finais de semana cada mês, que ele sempre tivera o sonho de servir o país de maneira importante, que vivia com a mãe, a avó e o irmão mais novo e que seu pai havia os deixado depois do nascimento do mais novo, etc. Angel também contou sobre a sua vida a ele. A conversa fluiu naturalmente. Quando decidiram sair da sorveteria, ele pagou o milkshake de ambos, mesmo que Angel tenha insistido que pagaria o dela. Os dois pararam na frente do estabelecimento enquanto conversavam.
– São três e meia ainda. – Jeremy disse olhando no relógio. – Quer dar uma volta?
Ele apontou para uma bicicleta com garupa e Angel riu.
– O que foi? – Ele começou a rir também. – Não trate com preconceito a bicicleta, é um ótimo meio de transporte.
– Eu amo bicicleta! Tenho uma e ando passeando nela todos os dias. Eu só não esperava por essa. – Ela riu. – Eu aceito o passeio.
Ambos subiram na bicicleta enquanto riam e comentavam sobre os lugares mais interessantes para se passear na cidade. Concordaram que para andar de bicicleta os campos que a cidade possuía eram a melhor opção. Jeremy disse a ela que segurasse nele e ela o fez; não se aproveitou do momento, apenas abraçou a cintura do rapaz para não cair. Ele pedalou em volta de quase a cidade toda, vagarosamente, enquanto conversavam. Quando finalmente decidiram descansar, ele parou a bicicleta perto de uma grande árvore, que fazia sombra no chão. Ela se deitou de costas na grama verde e debaixo da sombra. Ele fez o mesmo ao seu lado. Começaram a admirar as nuvens no céu. O silêncio reinava pela primeira vez entre eles.
– Já sofreu por amor, Angie? – O garoto começou a chamá-la pelo apelido. Ele olhou do lado, encarando-a.
– Não. – Disse ela com sinceridade. – Já gostei de um cara ou outro, mas acho que nunca sofri realmente com um término.
– Já teve muitos namorados? – Ele perguntou.
– Não também. – Ela riu. – A menos que dois seja muito. Os únicos que eu beijei, e por quem achei que sentia algo. Não deu certo nenhum dos relacionamentos. Nenhum deles durou mais que seis meses. – Angel franziu o cenho percebendo que nunca tivera algo duradouro com um rapaz, ou algo verdadeiro, de parecer mágico. – Mas o último já faz quase dois anos.
Jeremy então voltou a olhar para o céu e foi a vez dela de olhar para o lado, encarando-o.
– E você? – Ela perguntou com mais curiosidade do que imaginara que teria.
– Você quer saber se já sofri por amor ou se já tive muitas namoradas? – Ele disse rindo em tom brincalhão.
– Os dois. – Angel ria também.
– Nunca sofri. E só namorei uma vez, mas já tive várias garotas.
– Hm. – Ela disse de certa forma incomodada. E se ela estivesse sendo somente mais uma das várias garotas?
– Não me julgue mal. Eram muitos hormônios de adolescente. – Ele riu. – Hoje eu sou tranquilo. No último ano eu estava tentando encontrar alguém legal, cansei da bagunça.
Angel se sentiu mais aliviada, mas ainda assim receosa. Ela era racional demais. Não conseguia deixar de analisar cada mínimo detalhe de quem conhecia, principalmente quando era um garoto que a interessava. Sempre pensava demais, por isso Samantha costumava dizer que ela ficava “encucada”. Ela se sentou observando o sol se pôr. Pegou o celular do bolso e observou que já eram seis e quinze da tarde.
– Está ficando tarde. – Disse ela.
Ele também se sentou.
– Te levo para casa na minha bicicleta. – Ele sorriu.
Ela olhou para ele. Os olhos castanho-claros deixavam a proposta tentadora, até porque ainda não estava tão próxima de sua casa e voltar sozinha e a pé não era uma opção tão boa. Seria cerca de uma hora e meia de caminhada, então considerou que de bicicleta e na companhia de Jeremy estaria mais segura... e mais feliz.
– Tudo bem, motorista. – Ela o fez rir.
Eles seguiram de bicicleta até o Kirk’s Supermarket e, depois disso, ela o guiou até estarem de frente para a velha casa com varanda. Os dois desceram da bicicleta e se encararam.
– Bom... Obrigada pela companhia, Jeremy.
– Pode me chamar de Jerry se quiser, Angie. – Ele disse, mencionando o apelido pelo qual ele dissera mais cedo que era chamado.
– Obrigada, Jerry. – Ela sorriu.
Ele a encarou, com o lábio repuxado em um pequeno sorriso, enquanto arqueava apenas uma sobrancelha. Então, repentinamente a puxou pela cintura e juntou os lábios dos dois. Uma de suas mãos foi à nuca da garota, por cima de seus fios de cabelo, acariciando-os. A moça não resistiu em deixar o beijo acontecer e colocou as mãos por trás do pescoço dele. O beijo se tornou mais intenso e ele diminuiu ainda mais o espaço entre eles, colando o corpo dela ao dele. O beijo macio, carinhoso e intenso ao mesmo tempo fazia com que Angel sentisse que nunca tomara uma decisão mais certa na vida. O beijo terminou depois de algum tempo e eles se olharam sorrindo, ainda abraçados.
– Acho que encontrei alguém legal. – Ele disse com seu sorriso que poderia iluminar o mundo. Angel sorriu e acariciou o rosto dele.
– Já estou pensando em quando vou poder te ver novamente... – Ela disse sabendo que ele voltaria para Nashville no dia seguinte.
– Volto daqui vinte dias. Dia oito de agosto. – Ele disse, olhando-a nos olhos. – Eu posso ligar quando chegar, se você me passar seu número.
Angel sorriu e os dois se soltaram. Ele pegou o celular do bolso e ela disse seu número para ele. Angel sentiu seu próprio celular vibrar uma vez dentro do bolso.
– Pronto, o número está salvo e acabei de te mandar uma mensagem. Assim você já pode anotar meu número também.
Eles sorriram um para o outro.
– Agora eu preciso ir. – Ele disse e se aproximou sorrindo. Fez uma pausa enquanto a olhava fixamente nos olhos. Trouxe-a para mais perto vagarosamente, fechou os olhos e deu-lhe um selinho rápido e macio, permanecendo com os lábios bem próximos aos dela ao voltar a olhá-la. Angel não se conteve em passar uma das mãos para a nuca do rapaz, acariciando seu cabelo. Vieram então outros selinhos repetidos e esses se tornaram vagarosos até que um beijo que a fez perder o chão tomou forma.
– Até mais. – Ele disse passando a mão pelos fios de cabelo da garota quando o beijo acabou.
Jeremy voltou para a bicicleta e partiu. Ela o viu seguir pela rua até perdê-lo de vista, depois entrou na casa. Foi olhar seu avô, que já estava deitado e dormindo. Os remédios o deixavam com sono. Ela foi para seu quarto e se sentou na cama. Sorrindo e sentindo uma felicidade totalmente diferente por algo. Flashbacks do dia passavam em sua mente e seu coração estava acelerado. Ela não tinha certeza sobre o que aconteceria dali para frente, porém tinha certeza que nunca se arrependeria daquele dia. Ligou para Samantha que atendeu quase no mesmo instante. Ela estava freneticamente curiosa. Angel ria ao contar como foi, fazendo suspense sobre o beijo do fim do dia. Após isso verificou a caixa de mensagens do celular, para salvar o número do celular do rapaz. Angel achou que a mensagem não diria nada de importante, mas quando leu “Adorei te conhecer. Beijos, Jerry” seu coração deu um pulo maior dentro do peito.
Middleton, Hardeman, TN (Tennessee). Agosto de 2009.
Os dias que sucederam antes do dia oito de agosto foram de certa maneira torturantes para a garota. Ela e Jeremy conversavam pelo celular quando ele tinha tempo para isso, mas ela ansiava por mais tempo pessoalmente com ele.
Ela não sabia ao certo se o relacionamento poderia ser nomeado como namoro, porém eles tratavam-se como namorados de longa data quando se falavam.
Seu avô e Samantha foram os que alegraram seus dias e a ajudaram a não surtar em ansiedade. Samantha havia reanalisado sua vida amorosa e repetia a todo momento para Angel que agora iria tomar jeito e encontrar um cara para namoro e não curtição. Angel ria das argumentações da amiga, que todo final de semana queria que Angel a acompanhasse aos pontos de encontro dos jovens naquela pequena cidade, alegando que estava carente e desistira da ideia de esperar um cara certo. Angel frequentava pouco esses encontros, saira algumas vezes apenas com Samantha. Agora nem mesmo pensava em ir. Ela sabia que a amiga não se importava de ir sozinha. Samantha era uma pessoa extremamente sociável.
Oito de agosto demorou a chegar na visão de Angel, mas finalmente ela acordou na manhã desse mesmo dia com o celular tocando. O toque era exclusivo para quando Jeremy ligasse e ela sorriu só em ouvir o toque.
“Oi soldado”, ela atendeu já ciente de ele era quem estava do outro lado da linha. Sua voz ainda estava rouca por ter acabado de acordar.
“Te acordei, amor?”, ele riu do outro lado.
“Admito que sim”, ela riu.
“É por uma boa causa, estou indo para o aeroporto, logo estarei ai.”
“A melhor notícia que eu poderia receber, mas minha cama está tão quentinha”, ela escutou ele rir novamente.
“Nem vem! Quero te encontrar acordada!”, ambos gargalharam agora.
“Prometo tentar”, ela brincou.
“Te derrubo da cama, hein, mocinha”, Jeremy deu continuidade enquanto riam juntos. “Preciso desligar agora. A gente se vê mais tarde, meu amor.”
“Ok, lindo. Até logo.”
Ela continuou sorrindo após desligar o telefone. Finalmente o veria de novo. Angel fez o café da manhã para o avô como de costume e os dois sentaram-se para comer.
– E então, criança, seu namorado vem hoje? – Ele perguntou após algum tempo de conversa, fazendo-a engasgar com o suco. – Está tudo bem? – Ele perguntou, assustado, quando ela se recuperou.
– Sim... só engasguei. – O avô assentiu com um sorriso divertido no rosto.
– Achava que eu não sabia. – Ele disse em sua risada rouca. Angel não aguentou e riu também.
– Você e Samantha conversam alto demais.
– Nossa. – Angel riu sabendo que estava vermelha.
– Não se preocupe, criança, não vou matar o rapaz. Só espero que ele não seja como seu último namorado. – Ele continuava a rir.
– Definitivamente não é. – Angel gargalhou e balançou a cabeça para espantar as más lembranças.
Ela descobrira que o ex-namorado a traia de maneira horrorosa. Foi a casa dele de surpresa para lhe dar um presente após regressar de uma viagem com seus pais e ele se apavorou ao atender a porta e vê-la. Estava somente de calça, sem camisa e descalço. E uma garota apareceu enrolada em um lençol, perguntando a ele quem estava à porta de maneira carinhosa. Angel nunca havia sentido tanta raiva quanto sentira naquele dia. Pegou trauma de pensar em sexo depois do acontecido. Estava feliz por ainda ser virgem e pretendia continuar até que se casasse.
– Prometo apresentá-lo a você logo. – Angel disse ao avô e esse sorriu.
Logo ela estava se arrumando para esperar por ele. Sentia o estômago revirar em razão do nervosismo, mas isso passou quando ela o viu encostado ao seu Mustang GT 2010 – um carro extremamente mais caro e mais bonito que o dela – e sorrindo. A sensação de segurança e tranquilidade a dominou como antes. Ele a cumprimentou com um selinho e só depois percebeu que o avô da garota havia acabado de sair para a varanda. Ele ficou visivelmente envergonhado, porém foi até Klark e o cumprimentou, segurando com força a mão de Angel.
Eles entraram no carro e seguiram para um restaurante aos arredores da cidade. Almoçaram juntos e depois de algum tempo, conversando voltaram para o carro e ele dirigiu até um lago próximo dali. Local totalmente vazio e tranquilo, o lago deixava a paisagem muito bonita. Eles se sentaram na grama baixa e bem verde, entre o carro e o lago. Conversaram por mais algum tempo e ela se sentia a pessoa mais feliz do mundo.
– Angie... – Ele a chamou pelo apelido e fez uma pausa.
– Pode falar. – Ela disse. Estavam sentados lado a lado, bem próximos. Ele se virou para olhá–la.
– Quero que seja minha namorada. – Ele sorriu pedindo oficialmente.
– Eu já sou. – Moldou-se um grande sorriso no rosto de Angel.
O momento oportuno para o beijo surgiu. Um beijo lento e carinhoso. Namoraram por algum tempo, parando alguns minutos para conversarem. Os beijos se tornaram mais intensos, mas nada que qualquer casal não fizesse.
No dia seguinte, Angel e Jeremy se encontraram novamente. Passavam a maior parte do dia juntos para depois voltarem cada um para suas famílias. Na segunda feira, Jeremy voltou para Nashville cedo, mas passou na casa de Angel para se despedir.
Os meses seguiram esse padrão: Angel o via e passava o tempo com ele quando era possível. Ela aprendeu a lidar com a saudade muito bem, mas sempre lhe parecia que faltava algo quando ele não estava por perto. Samantha dizia para a amiga que não agüentaria um namoro à distância como ela, Angel apenas ria e dizia que o sentimento era mais forte que as milhas que os separavam.
Middleton, Hardeman, TN (Tennessee). Janeiro de 2010.
Seis meses e dezenove dias que se conheciam. Seis meses e cinco dias, ou cinco meses e quatorze dias de namoro. Angel não sabia se considerava o dia dezessete, em que se beijaram, ou o dia oito, em que ele a pediu oficialmente em namoro. Geralmente ela considerava mais a última opção. Dia oito se tornou o aniversário de namoro deles. Jeremy incrivelmente nunca esquecia, mesmo quando estava ocupado.
Samantha havia pegado mania de fotografia. Quando saíram ela, Angel, Jeremy e um garoto chamado Kayle – por quem Samy estava interessada – esta levou sua mais nova câmera fotográfica. Tirou muitas fotos dela mesma ou junto de Kayle, também tirou muitas de Jeremy e Angel enquanto se distraíam um com o outro, até que chegou ao ponto de se estressarem, porém, Samantha realmente tinha mão boa para fotografar e Angel se apaixonou por uma das fotos que a amiga tirou dela com o namorado, quando se olhavam, prestes a se beijar. Mandou relevar a foto e colocou em um porta retrato no criado ao lado de sua cama.
Jeremy foi apresentado a Klark, que por sinal gostou muito do rapaz, e virou quase um hábito ele ficar pelo menos por um tempo na casa de Angel, quando ia para Middleton. Angel também frequentou a casa do rapaz algumas vezes e gostava muito da família dele. Tratavam-a muito bem.
Estavam em vinte e dois de janeiro de dois mil e dez, um sábado. Jeremy a beijava na beirada do mesmo lago que sempre visitavam, aquele local se tornou um refúgio secreto para os dois, onde se sentiam a vontade. Era inverno, mas o clima subtropical úmido do Tennessee costumava trazer invernos amenos se comparados aos das outras regiões dos Estados Unidos. Angel usava um cardigan por cima da camiseta, mas o frio não estava grande naquela tarde.
– O pessoal da faculdade organizou uma viagem pela região para fazermos trabalho voluntário. Estamos focando na área de proteção à criança e ao adolescente, e vamos incluir o histórico desse nosso projeto no trabalho de conclusão de curso. – Comentou Angel com o namorado, quando deram uma pausa nos beijos.
– Ual! Isso é muito legal, meu amor. – Ele mostrou interesse – Isso vai ajudar demais vocês para a conclusão do curso. Eu sempre achei que montar projetos voltados para a área que está cursando mostra que está interessado e ganhando aprendizado.
– Exatamente. – Angel sorriu, pensando em como estava gostando de ajudar na organização do projeto.
– Você fica ainda mais linda sorrindo. – Os olhos do rapaz quase brilhavam encarando a namorada. Ela encontrou os olhos dele, ainda sorrindo.
– Assim você me faz perder o foco. – Ela riu enquanto falava, fazendo-o rir também enquanto a puxava para mais perto pela cintura.
Angel e Jeremy se animaram com o beijo. Como normalmente, fazia algum tempo que não se viam e nada parecia suficiente para matar toda a saudade. Ela conhecia o ritmo dele e ele o dela. Jeremy colocou uma das mãos na coxa da menina. Ele afastou os lábios dos dela e passou a beijar abaixo do glóbulo da orelha da garota. Ela ficou de sobressalto. Não queria que as coisas “esquentassem” demais. Não gostava dessa ideia. Jeremy voltou a beijar os lábios dela e buscou o pescoço de Angel com uma das mãos, colocando-a por detrás do cardigan que ela usava, tentando retirá-lo. Ela parou o beijo e se afastou.
– O que foi? – Ele perguntou.
– Eu não quero precipitar as coisas. – Ela disse com seu trauma já evidente. Ele suspirou.
– Por quê?
– Não estou pronta. Não...
– Ah... – Ele pareceu levemente chateado e passou a encarar o lago.
– Jerry, eu...
– Está tudo bem, amor, eu não vou forçar nada. – Ele voltou a olhá-la – Não quero te apressar. Eu confesso que gostaria muito de um momento como esse com você, mas eu posso esperar o seu tempo.
Angel se sentiu muito mais aliviada com o comentário dele.
– Obrigada. – Ela disse com sinceridade, se sentindo chateada por chateá-lo, mas com a firme decisão de que precisava se sentir segura sobre isso. - Como vai o treinamento? - Angel mudou o assunto para quebrar logo o silêncio que se seguiu.
– Está puxado. Mas é tudo o que eu sempre quis. Espero poder servir em operação logo.
– É seu sonho, certo? – Ela sorriu enquanto o deu um selinho. Ele riu.
– Com certeza.
Isso a preocupava de certa forma, afinal, operações militares são longas e muitas vezes perigosas, mas ela nunca pensou em privá-lo desse sonho, só se preocupava em um dia ter que deixá-lo ir para longe. “Relaxa Angel, isso provavelmente não vai acontecer tão cedo”, ela disse a si mesma mentalmente.
O tempo passou com rapidez e logo já havia entrado o mês de fevereiro. Samantha havia começado a namorar um rapaz da faculdade e Angel acabou tendo que ceder os dias em que ficava junto da amiga para que eles pudessem sair. Ela entendeu perfeitamente, afinal, também tinha um namorado para o qual dedicava tempo.
No primeiro final de semana do mês em que Jeremy voltou do treinamento em Nashville, combinaram novamente de se encontrar, mas Angel percebeu algo diferente na maneira dele se comportar, tanto ao telefone, quanto pessoalmente. Estava frio. Distante. Não parecia mais tão interessado em estar com ela.
– Você está bem, meu amor? – Ela perguntou ao fim do dia quando estavam em frente à casa dela.
– Estou. Estou sim, por quê? – Ele pareceu ligeiramente nervoso.
– Nada. Parece pensativo.
– Estou bem. – Ele disse secamente. – Vou agora, preciso ficar um tempo com minha mãe.
– Tudo bem.
Ele deu um selinho na garota e já ia voltando para o carro. Ela o segurou pelo braço e ele se virou. Beijou-o com intensidade, procurando mostrar o quanto seu sentimento era forte. Ele retribuiu quase urgentemente. Não parecia querer parar quando o beijo terminou. Ela o olhou nos olhos. Pareciam aflitos com alguma coisa.
– Eu te amo. – Ela disse suavemente e sorriu. Ele colocou a franja da garota para trás da orelha e acariciou seu rosto, mas não sorriu, pareceu ainda mais nervoso que antes.
– Te vejo logo. – Ele disse.
Ela franziu o cenho e ele se afastou entrando no carro e acelerando antes mesmo que ela conseguisse pronunciar alguma coisa. “Ele não disse que me amava”, sua mente gritava.
Ela perdeu o sono com aquilo naquela noite. Esperava ter ouvido um “eu também te amo”, mas não fora assim. Ele fugiu, fazendo-a concretizar que não a amava. Tentou esquecer o que acontecera, considerando que nenhum ser humano está sempre cem por cento bem. Diria novamente que o amava quando ele estivesse melhor. Porém preocupou-se ainda mais quando ele retornou pela segunda vez no mês e disse que não teria como se encontrarem no dia em que chegasse. Angel passou a pensar que, talvez por não ter aceitado dar um passo a frente na relação, ele não a quisesse mais, que provavelmente ele nunca a amaria de verdade. Não era algo que esperava de Jeremy. Sentia-se atormentada por dentro.
– Eu não sei, Samy. Por qual outra razão ele ficaria estranho desse jeito? – Angel expressava suas preocupações a amiga, que estava em sua casa.
– Talvez esteja acontecendo alguma coisa, não sei, na casa dele, no exército. Não sei. Não se precipite em pensar o pior, amiga.
– Estou tentando, mas o comportamento dele não está me deixando acreditar em algo melhor. Ele nem mesmo quis me ver hoje. – Ela disse melancólica.
– Não vão se ver amanhã? – Questionou Samantha sobre o dia seguinte, que seria um domingo.
– Ele não disse nada.
– Talvez seja só uma fase, amiga.
– Eu disse que o amava da última vez que nos vimos. – Samantha arregalou os olhos com o que a amiga dissera.
– E ele?
– Me respondeu: “Te vejo logo”. – Angel tinha um olhar triste.
– Nossa. – Samantha expressou sua indignação. – Deveria confrontá-lo, amiga. Pergunte o que está acontecendo.
– Eu não sei... – Disse Angel com medo que ele terminasse o namoro.
– Escuta, Angie, se ele terminar com você – Samantha disse como se lesse seus pensamentos – então será porque ele não te merece, ok? Mas não pense o pior, deixe para ter certeza amanhã.
Angel sorriu fracamente.
– Obrigada. – Deu um abraço na amiga que retribuiu enquanto sorria.
– Agora chega de sentimentalismo. – Disse Samantha em brincadeira. Angel riu.
– Falou a que está morrendo de amores pelo Kayle. – Angel a cutucou e ela riu.
– Injusto mencionar esse fato. – Samantha fez cara de desaprovação.
O dia chegou ao fim. Angel acordou decidida a esclarecer as coisas no domingo. Quando combinou de se encontrar com Jeremy por telefone, ele ainda continuava agindo estranhamente. Encontraram-se às quatro da tarde no local perto do lago. Ficaram por ali um tempo, depois foram até a sorveteria e dali para a casa de Angel. Ele permanecia junto dela, mas ao mesmo tempo parecia estar em outro lugar. Não tocou no assunto sobre o último encontro dos dois. Ambos saíram do carro e ela parou de frente para ele pouco antes de chegarem à varanda da casa.
– Jeremy, eu quero saber o que está acontecendo. – Disse ela, reunindo coragem.
– Como assim? – Ele se mostrava desentendido, mas Angel tinha certeza que ele entendera.
– Vamos, Jerry, não precisa agir assim. Se tem algo a me dizer, diga! – Ele pensou por um segundo, encarando-a, depois olhou para os lados.
– Não tenho nada pra te dizer. Estou agindo normalmente, você está vendo coisa, Angie. – Ele disse rudemente.
– EU ESTOU VENDO COISA? AH, FALA SÉRIO, JEREMY. – Angel se alterou. – VOCÊ ESTÁ ESTRANHO DESDE A OUTRA VEZ QUE VEIO PARA CÁ, PARECE QUE TODA VEZ QUE ME VÊ TEM ALGO QUE TE INCOMODA. ESTÁ ME EVITANDO. EU DISSE QUE TE AMAVA, JEREMY! E VOCÊ NEM SE PREOCUPOU EM RESPONDER. POR QUE NÃO TERMINA LOGO COMIGO? – Ela não se conteve em elevar o tom de voz a berros.
– EU NÃO QUERO TERMINAR COM VOCÊ! – Ele começou a gritar também.
– ENTÃO ME EXPLIQUE O QUE ESTÁ ACONTECENDO!
– EU VOU TE DEIXAR! VOU EMBORA!
- AH, ESTÁ AGORA SENDO EXTREMAMENTE EXTREMAMENTE CLARO! - Disse ela ironicamente enquanto batia os braços contra o corpo em um gesto de irritação.
- EU VOU SERVIR NA OPERAÇÃO MOSHTARAK! EM MARJA... – Ele fez uma pausa, respirando com força e olhando para os lados, depois para ela novamente – NO AFEGANISTÃO, ANGEL! A F E G A N I S T Ã O. – Ele repetiu em tom alterado e ritmo desacelerado. - VAI HAVER UMA COALIZÃO DE FORÇAS E EU FUI DESIGNADO, ASSIM COMO MUITOS OUTROS MILITARES. VOU PARA LÁ NO FIM DE MARÇO! ESTÁ VENDO O QUANTO É COMPLICADO? ESTÁ? - Ele quase chorava - QUANDO VOCÊ DISSE QUE ME AMAVA, EU QUERIA DIZER QUE TE AMO TAMBÉM, E QUE TE QUERO PARA SEMPRE, MAS NÃO QUERIA DIZER TUDO ISSO PARA DEPOIS TER QUE TE DEIXAR AQUI. TER QUE IR PARA LONGE E TE DEIXAR COMO SE EU A TIVESSE ILUDIDO. PRONTO? FELIZ AGORA? – Ele fez uma pausa maior, Angel estava paralisada a frente do rapaz sem saber como digerir a informação – É uma operação militar de grande escala e não faço ideia de quando volto... ou se sobreviverei para voltar. – Ele baixou a voz ao terminar. - É o meu sonho e já não tenho mais certeza se quero segui-lo.
Aquela última frase foi o momento "choque de realidade" para ela. O sonho dele. Servir o país. Chegara a hora. “Ele vai para o Afeganistão. Servir numa operação militar. No meio de forças rebeldes. Em uma... guerra.” ela pensou por fim. A emoção que estava congelada dentro dela preencheu–a em uma torrente de sentimentos, enquanto o minuto anterior ecoava em sua mente. Ela ouviu as palavras gritadas por ele em descarrego novamente em sua cabeça e a frase mansa, frágil, preocupada e triste ao terminar a explicação. Os olhos da garota então marejaram com tanta intensidade que as lágrimas escorreram pelo seu rosto, enquanto ela ainda encarava–o paralisada. Jeremy também estava com os olhos marejados agora, mas não soltava lágrimas como ela. Ele a envolveu em um abraço apertado.
– Não chore... – Ele sussurrou. – Não quero que sofra...
Ela não conseguiu pronunciar nada além de um soluço. Ele a apertou mais em seus braços. Angel só conseguiu se conter após alguns minutos. Ela se afastou um pouco, para poder olhá-lo. Ele a soltou.
– Eu não quero que você vá... – Ela disse com a voz embargada e com mais algumas poucas lágrimas escorrendo.
– Eu tenho que ir. O meu sonho é servir em operação para a tropa americana. Eu quero ir... mas ao mesmo não quero. – Ele a olhou, colocou as duas mãos, uma cada lado, no rosto da garota, ficando apenas a centímetros dela. Ele acariciava o rosto molhado de Angel com os polegares. – Eu te amo.
Angel então o beijou, segurando-se para não voltar a chorar. Um beijo longo e especial.
– Tenho medo, Jerry. Tenho medo que aconteça alguma coisa...
– Eu sei, meu amor, eu sei. Eu também. – Ele a interrompeu, porém de maneira carinhosa. – Mas eu prometo que farei até o impossível para voltar para você, está ouvindo? Eu prometo.
– Promete? – Foi o que ela conseguiu dizer em meio ao aperto de seu coração.
– Sim. – Ele disse. E deu um selinho na garota.
Ela o abraçou. Jeremy beijou o topo de sua cabeça. Ficaram ali por algum tempo, não muito, porém o suficiente para Angel voltar a ter controle total sobre si. Ela se afastou, segurando uma das mãos dele.
– Mas o que exatamente é essa operação? Para que serve isso? – Ela perguntou em dúvida e com raiva por isso ter que existir.
– Em Marja, há uma das maiores concentrações de insurgentes do Talibã, e os soldados americanos vão operar na área para ajudar a população e derrubar as forças terroristas. É a maior ofensiva desde 2001. A ideia da operação é trazer paz para os afegãos. – Ele falava com honra por poder fazer parte de algo tão grandioso. Angel baixou os olhos, entendendo o quanto aquilo seria importante, mas também o quanto seria perigoso.– Eu vou sentir tanto sua falta. – Ele disse em tom mais baixo e carinhoso. – Tente não pensar nos perigos. Eu voltarei.
Ela ergueu os olhos novamente, olhando-o com uma ideia em mente.
– Vai para o Afeganistão no fim do mês que vem? – Angel perguntou.
– Sim, mas amanhã já volto para Nashville e para o treinamento. Eles vão preparar os soldados, e embarcamos direto de lá, com despedida para parentes e amigos só no aeroporto.
– Você tem que acordar cedo amanhã? – Angel perguntou.
– Às dez da manhã preciso estar no aeroporto, por quê? – Ele franziu o cenho.
– Porque quero que passe a noite comigo. – Ela disse, olhando nos olhos dele.
– Ah... Tudo bem... Não me importo de dormir no sofá um dia na vida. – Ele riu em piada. Ela riu suavemente também, sacudindo a cabeça em negativa e colocando os braços em volta do pescoço dele em um abraço.
– Você não entendeu. – Ela disse em tom suave – Quero que essa seja a nossa noite, amor.
Ela sorriu, olhando-o nos olhos. Ele pareceu confuso, muito confuso.
– Eu já disse que não quero te apressar. Não precisa ser agora, eu prometi que voltarei para você.
– Eu sei que prometeu. E eu sei que vai voltar, e também sei que disse a você que eu não queria, mas agora eu me sinto preparada. Eu estava esperando o momento certo e esse é.
Angel sentia uma segurança indescritível naquele momento. Ela queria que ele ficasse. Queria sentir o corpo dele colado ao dela. Queria dizer e mostrar seu amor daquela maneira, naquela noite. Queria acordar com ele ao lado. Ela sentiu sua insegurança se esvair, ela sabia que estava fazendo algo do qual não se arrependeria. Sabia que ele a amava, e que ela mesma o amava. Ele sorriu da maneira que mais a encantava.
– Eu sei que esse vai ser um dos momentos mais especiais da minha vida. – Ele disse e a puxou para um beijo.
O beijo foi sensual e carinhoso, com certas pausas enquanto entravam na casa e Angel trancava a porta. Ele arrastou levemente uma das mãos, que se encontrava na cintura da menina, para a coxa dela e a impulsionou; Angel entendeu o recado e, apoiando-se nos ombros do rapaz, subiu no colo dele, entrelaçando as pernas por trás de suas costas, enquanto ele a segurava. O beijo mantinha-se constante. Angel puxava carinhosamente os fios de cabelo na nuca do rapaz. Ele a levou para o único quarto com uma cama de casal e a deitou ali. Ele passou a beijar o pescoço da moça enquanto essa acariciava suas costas. Ele tirou a própria camiseta, deixando as curvas de seus músculos à mostra, depois despiu a camiseta que Angel utilizava. Continuaram a beijar-se com entusiasmo e paixão, enquanto trocavam carícias naquele momento de prazer; prazer pela certeza do amor, prazer por sentirem um ao outro, prazer pela a intimidade que os tornava como uma só pessoa, prazer apenas por terem um ao outro.
O avô de Angel não estava ali, nem seus pais, e não voltariam logo. A casa era só deles. O momento era só deles. Naquela noite... o mundo era só eles.
Angel acordou ao mesmo tempo que Jeremy na manhã seguinte, com o celular do rapaz despertando. Ele pegou o aparelho e apertou um botão para que parasse de tocar, Angel observou que eram oito da manhã. Dormiram apenas por três horas, pois o sono só os tinha invadido às cinco da manhã. Porém, nem ela e nem ele sentiam-se cansados.
– Bom dia. – Pronunciou ela o olhando os olhos quase fechados e espreguiçando.
– Bom dia, menina do cabelo bagunçado. – Ele riu enquanto a olhava.
– Ah... – Resmungou ela passando as mãos no cabelo. – Devo estar horrível.
– Você está linda. – Disse ele rolando para perto dela debaixo do edredom e abraçando–a. Ele ameaçou beijá–la, mas ela não permitiu.
– Eu vou escovar os dentes primeiro. – Ela riu, fazendo–o soltar uma gargalhada.
Ela se desvencilhou dele e do edredom, levantando–se. Foi até o banheiro do quarto. Olhou para o rapaz antes de entrar no cômodo. Ele sorria e a analisava.
– Está me deixando sem jeito. – Ela disse enquanto ria. Ele riu e passou a encarar o teto.
Angel escovou os dentes e quando ia sair do banheiro trombou com Jeremy.
– Minha vez de usar o banheiro.
Eles riram ainda próximos um do outro. Ela deu espaço para que ele entrasse e ele escovou os dentes.
– Que horas são? – Ele perguntou.
Ela olhou o horário no celular do rapaz.
– Oito e quinze.
– Preciso tomar um banho... – Ele fez uma pausa. – Quer me acompanhar?
Ele sorriu de maneira sedutora e ela gargalhou, enquanto se levantava e ia para perto dele. Jeremy começou a beijá–la quando ela se aproximou, indo os dois para a banheira que o banheiro possuía. Enquanto a água enchia a banheira, os dois riam entre beijos e palavras carinhosas. Os dois passaram uma hora no banho, até que Jeremy precisou finalmente se arrumar parar ir ao aeroporto. Angel também se arrumou e logo estavam os dois prontos em frente à casa. Jeremy ligou para a mãe, dizendo para que ela o encontrasse no McKellar–Sipes Regional Airport em uma hora. Chegaram com quinze minutos de atraso. Ao sair do carro, ele se posicionou a frente dela.
– Meus amigos e parentes estão lá dentro. Já vou dizer tchau, porque teremos pouco tempo quando entrarmos.
Dizendo isso ele a beijou. Havia certo desespero de ambas as partes, como se nunca mais quisessem se separar. Entraram logo depois no aeroporto de mãos dadas. Depois de se despedir de todos os amigos e parentes, Jeremy só teve tempo para abraçar rapidamente a namorada e beijar o topo de sua cabeça.
– Tchau. – Murmuraram os dois em tons angustiados e com os olhos cheios de lágrimas.
Angel acompanhou a imagem de Jeremy e Connor partindo juntos até que não pudesse mais enxergá–los. Voltou para casa com um aperto no coração.
Middleton, Hardeman, TN (Tennessee). Setembro de 2010.
Passaram–se quatro meses desde que Jeremy fora para o Afeganistão. Os dois conversavam através de cartas que geralmente demoravam muito para chegar. Algumas vezes conseguiram conversar por minutos no celular, mas isso era algo bem raro. Nas datas mais especiais, costumavam conversar por videoconferência no skype, por alguns minutos apenas.
Angel não se sentia completa. Faltava algo. Faltava ele. Porém foi obrigada a aprender conviver com a saudade e a preocupação. Seus pais já haviam voltado para casa, mas a relação com eles não havia mudado, eram distantes e já planejavam uma nova viagem. Porém seu avô e Samantha estavam sempre próximos, apoiando–a.
Samantha a convidou para sair por vezes, mas a garota dificilmente aceitava. Não tinha vontade de sair, não sem seu namorado para acompanhá–la. Fazia apenas alguns passeios para fazer a amiga feliz. Normalmente saia só para fazer compras e ir à faculdade.
Na noite do dia vinte e sete, Angel não dormia por completo. Uma parte de sua consciência estava alerta, mas ela ainda assim sonhava, e era ele quem estava em seu sonho. Sua leve consciência não era suficiente para fazê–la entender que estava sonhando, mas o bastante para deixar que sua imaginação e desejos controlassem o que acontecia. Ele voltara para casa, sem um arranhão e abraçava. Ela conseguia sentir o cheiro de seu perfume forte. Despertou quando seus lábios estavam prestes a tocar os do amado. Piscou algumas vezes antes de abrir completamente os olhos. Encarou o teto. “Foi apenas um sonho”, sua razão agora murmurava em sua mente. Uma onda de solidão e preocupação preencheu–a com intensidade indescritível, também havia uma certa ansiedade ou medo. Virou–se na cama e avistou o porta retrato em seu criado mudo. Algumas lágrimas escorreram por seu rosto. O pequeno relógio digital próximo a foto marcava três e quarenta da manhã.
– Cuide dele por mim. – Sussurrou ela à Deus.
Marja, Afeganistão. No mesmo instante.
Seu relógio de pulso, parcialmente danificado, marcava três e quarenta da manhã. Seus dedos congelavam segurando a arma. O cenário agora estava marcado pela escuridão. Seus corpos cansados já diziam que estava na hora de fechar as pálpebras em descanso. Porém, não era possível sair da linha de formação. Tinham o ângulo perfeito das forças Talibã que ameaçavam a população local e precisavam cumprir a missão a qual foram destinados. Eram muitos soldados norte–americanos espalhados por toda Marja, e seus reforços também estavam a cercar o local que observavam. Porém cerca de vinte homens apenas estavam no mesmo local que Jeremy, incluindo ele e Connor nessa contagem. Havia muitas árvores e pedras montanhosas a sua volta, estavam em meio a uma geografia irregular e desconhecida. Há apenas alguns metros de onde se encontravam os insurgentes. Porém não expressavam medo, nem mesmo nervosismo, estavam conscientes do perigo, mas dispostos a completar a missão. Só não faziam ideia que haviam sido vistos. Vistos por alguém que fora silencioso e discreto, por alguém que nunca saberiam o nome e nem mesmo qual era a aparência, mas que com certeza estava junto dos demais quando uma granada explodiu bem ao lado de Connor e Jeremy, matando alguns de seus companheiros. Sobressaltaram–se no mesmo instante e o sono, que antes estava presente, esvaiu–se com a mesma rapidez com que prepararam seus calibres em mãos. Uma chuva de tiros foi o que se viu no segundo seguinte. De armas poderosas tanto dos soldados americanos, quanto das forças Talibã.
– ESTÁ TUDO BEM, IRMÃO? – Perguntou Jeremy olhando para Connor ao seu lado, enquanto escondiam–se atrás de uma das imensas rochas.
– SIM. DROGA, O QUE FOI QUE HOUVE? COMO NOS DESCOBRIRAM? – Perguntou Connor, confuso, enquanto o barulho de tiros dominava o ambiente.
– NÃO SEI. MAS AGORA ESTAMOS FERRADOS, SÃO PRATICAMENTE UM EXÉRCITO.
– SOMOS VINTE HOMENS, BRO, VAMOS CONSEGUIR. – Encorajou Connor enquanto preparou a mira e saiu de trás da pedra por alguns segundos para atirar. Jeremy fez o mesmo.
O tiroteio continuou enquanto homens que não paravam de surgir atirando tentavam se aproximar cada vez mais de todos que estavam por ali.
– MERDA! VAI, VAI, VAI! – Gritou Jeremy quando levantou o corpo a cima da pedra pela quinta vez para atirar e avistou uma bazuca apontada em sua direção. Empurrou Connor para o lado enquanto o lugar em que estiveram se enchia em chamas com uma explosão.
Agora estavam vulneráveis sem a proteção da grande rocha. Atiraram em direção aos homens e conseguiram matar mais de um, porém, sua localização os traia.
– AH, PORCARIA! – Gritou Connor ao ser baleado no ombro direto.
Jeremy distraiu–se por um sergundo para olhar o amigo e uma bala passou de raspão por sua orelha. Ele gritou de dor. Voltou o seu olhar para a mira da arma atirando novamente, enquanto corria no encalço do amigo para um local mais seguro. Mais um tiro de bazuca e ambos voaram a frente com a onda de choque da explosão. A cabeça de Jeremy chocou–se com força contra um galho seco no chão e ele perdeu a consciência por alguns segundos, quando a recobrou com Connor o chacoalhando incessantemente. Sentia algo escorrer por sua testa até a sobrancelha e soube que estava ferido. Connor o largou e atirou contra um homem armado que vinha em direção a eles. Jeremy percebeu que estavam atrás de outras pedras e um tronco de arvore caído entre elas. Obrigou seu corpo a levantar e piscou várias vezes, antes de retomar a força de ação. Connor estava a frente e foi baleado mais uma vez antes que ele atingisse o atirador a fim de salvar o amigo.
– MINHA PERNA, JERRY! DROGA. – Gritou ele em meio a dor. Jeremy correu para ajudá–lo a levantar, mas teve de segurar a arma por mais alguns segundos, pois outros homens chegaram atirando.
– SE SEGURA, IRMÃO. VEM. – Ele olhou em volta e não sabia o que fazer. Não havia aonde ir, ou para onde fugir. Arriscou–se arrastando o amigo até próximo de um declive da montanha em meio às balas.
Jeremy tentava não sentir a dor em sua orelha e em sua cabeça, ela estava ali, atrapalhando seu desempenho, mas tinha algo maior com que se preocupar no momento: a vida, tanto dele quanto do amigo. Jeremy empurrou Connor pelo declive íngreme e pulou atrás dele. Rolaram de uma maneira não tão confortável, porém suportável. Pararam um pouco a frente na área mais plana. Não tiveram nem mesmo tempo de se recuperar quando mais tiros vieram em sua direção, agora vindos de cima. Jeremy não avistava mais ninguém de sua equipe além de Connor, isso porque cada um fora para um lado em meio ao ataque surpresa. Correram para esconder–se e acabaram ficando separados por um espaço em que não havia rochas para se esconder, de frente um para o outro. Contaram até três apenas com acenos de cabeça e ao mesmo tempo atiraram em direção a parte de cima do declive. Olharam por um momento o que acontecia a cima deles e os homens desciam pelo declive, a fim de chegarem até eles.
– PRECISO CHEGAR ATÉ VOCÊ! – Gritou Connor do outro lado enquanto atiravam nos homens. – ASSIM PODEREMOS CORRER ATÉ ÀQUELAS ÁRVORES. – Indicou ele por um momento para o local atrás de Jeremy, este virou o corpo para olhar, poderiam camuflar–se muito bem no local contanto que se agachassem, mas os tiros continuavam e mais algumas explosões de bazuca.
– NÃO, CONNOR! FIQUE AI! – Disse Jeremy rapidamente, fazendo uma pausa para atirar nos terroristas. – PODEM TE ACERTAR SE TENTAR CORRER ATÉ AQUI!
– VOCÊ ME... – Ele parou para atirar novamente. – DESGRAÇADOS! VOCÊ ME COBRE PARA QUE EU POSSA CHEGAR AI!
– ESTÃO COM UMA BAZUCA, CONNOR! FIQUE AI! – Gritou Jeremy.
– SE EU MORRER SABERÁ QUE MORRI TENTANDO! ME CUBRA, ESTOU INDO!
– NÃO! FIQUE AI, MAS QUE DROGA! – Gritou Jeremy em ordem, porém o amigo inclinou o corpo para sair de onde estava e Jeremy voltou seu olhar para a mira do calibre para que pudesse atirar nos insurgentes antes mesmo de acertarem Connor, sua cabeça latejava incessantemente.
Ele observou que o bazuqueiro preparou–se para atirar e seu coração quase parou por pensar em Connor que atravessava o espaço desprotegido. Preocupou–se eu apagar o bazuqueiro e conseguiu, mas descuidou–se dos outros que atiravam com balas que poderiam matar da tão cruelmente também. Virou–se para o lado quando sentiu algo tocar–lhe, era a mão de Connor, que caíra no chão ao seu lado, o pescoço ensangüentado.
– MEU DEUS, CONNOR, FALEI PARA FICAR LÁ! – Jeremy estava em desespero e o amigo segurava–se nele sem poder falar. Sangue escorria por sua boca.
Jeremy reuniu toda a força que ainda possuía, ou talvez ainda mais, pois não entendeu como se passaram os segundos seguintes. Apenas jogou as duas únicas granadas que tinha consigo em direção aos terroristas e levantou o amigo nos braços, arrastando–o até as árvores próximas e abaixando–se ao lado dele enquanto o olhava nos olhos.
– MERDA, CONNOR. FALA COMIGO, NÃO VAI IRMÃO, VAMOS SAIR DAQUI JUNTOS! – Jeremy gritava enquanto lágrimas escorriam por seus olhos.
Connor sorriu, a boca ensanguentada, assim como seu pescoço. Ele fez um gesto com a mão com dificuldade, um gesto que ambos conheciam com precisão, dois socos no peito, acima do coração e um sinal de paz e amor logo após. Para eles significava: “te amo, irmão, estarei sempre contigo”. Criaram esse sinal de amizade quando estavam no ensino médio e Jeremy havia tido problemas de saúde e podiam se comunicar pouco, e então o sinal permaneceu com eles sempre. O rosto de Jeremy se comprimiu para segurar as lágrimas e ele repetiu o gesto, e logo depois o braço de Connor caiu sobre o chão cheio de folhas, e seu olhos ficaram imóveis, o sorriso sumiu. Jeremy debruçou–se sobre ele enquanto chorava em desespero.
– Não, não, não... – Murmurava com voz embargada. – Me desculpa, é culpa minha, me desculpa, irmão...
Jeremy nunca sentiu dor como aquela. A dor de perder alguém que se ama. Ele chorava e sua cabeça doía ainda mais, enquanto só conseguia pensar em como deveria ter prestado mais atenção, ter sido mais rápido, atirado em todos que podia. Sentiu alguém ergue–lhe com força, mas não conseguiu nem mesmo assustar–se ou segurar o calibre diante da imagem de seu amigo morto. Era Brandon, um dos soldados da sua equipe que o levantava enquanto outros atiravam contra as forças Talibã.
– Vamos, Jeremy, temos que ir... – Jeremy escutou vagamente, como uma voz no fundo de sua mente, mas vira que Brandon foi quem pronunciara as palavras. Os olhos expressavam compaixão, todos sabiam o quanto Jeremy e Connor eram próximos, como irmãos de sangue. O arrastaram com eles. Jeremy só recobrou o total domínio de sua mente e corpo novamente, e conseguiu parar o choro quando uma nova explosão aconteceu, vindo agora de uma granada. Ele respirou fundo algumas vezes e olhou para os companheiros, que estavam em número bem menor agora.
– VAMOS ACABAR COM ESSES IMBECIS. – Disse ele, deixando a raiva dominar.
Recarregou a arma e preparou–se. Atirando no maior número de homens que podia, com seus companheiros fazendo o mesmo. O tornozelo e o joelho de Jeremy foram atingidos por duas balas seguidas e ele foi ao chão. Mais uma granada estorou bem próxima a ele, viu os companheiros apressarem–se para mudar o local onde estavam e tentou segui–los, mas não conseguiu levantar–se. Um dos soldados veio ajudá–lo a correr, e mais tiros vieram na direção de ambos.
– VAI, CARA! VÃO MATAR NÓS DOIS. VAI! – Ele empurrou o rapaz.
– NÃO, VAMOS, JEREMY! – Encorajou o outro enquanto abaixava–se por causa dos tiros.
– VAI LOGO, FOSTER! EU ME VIRO, ANDA LOGO!
O companheiro então o largou, dando uma última olhada para trás e visivelmente confuso se deveria ficar. Foster era um soldado novo, assim como Jeremy, porém estava muito mais apavorado com a situação. Jeremy sentiu–se feliz por ele ter seguido os demais e o deixado, ele não faria isso se fosse Foster, porém sabia que o rapaz estava apavorado e que morreria se continuasse tentando ajudar, então sentiu como se não fosse responsável por mais uma morte, ainda culpando–se pela morte de Connor. Continuou no chão e arrastou–se para tentar fugir, mas foi atingido novamente, agora no ombro. Sua mente girou. E ele sentiu um tranco que o virou de costas para baixo. Ele encarou a imagem de um dos insurgentes que se aproximou, pegou seu rifle e pediu para que outro, que estava com uma câmera se aproximasse. Jeremy pensou em Angie e na promessa que fizera de voltar, sentiu um aperto no coração e imaginou se ela o perdoaria por quebrar a promessa, então perdeu os sentidos e nada mais viu depois daquela cena.
Middleton, Hardeman, TN (Tennessee). No dia seguinte.
Angel não conseguira dormir quase nada aquela noite. Algo a incomodava. Algo não estava certo. Era muito cedo e ela já estava sentada na cozinha, observando o pão com manteiga que preparara sem vontade alguma de ingeri–lo.
Klark apareceu na cozinha com um ar jovial e animado, dando bom dia. Angel não o escutou. Sua mente vagava longe, enquanto seu coração gritava atormentado com aquela angústia. Jeremy vinha em sua mente.
– ANGIE! – Ela saiu do transe quando escutou a voz exaltada de seu avô, assustando–se. Ela nunca o ouvira gritar, nem quando criança. – Está tudo bem, querida?
Ele colocou a mão em seu ombro. O olhar era preocupado e paternal.
– Está. Está sim, vô, me desculpe. Eu estava pensando em outras coisas.
– Parece angustiada, criança. – Ele disse ainda preocupado. Klark a conhecia muito bem. Ela abaixou os olhos sem responder. – Não se preocupe. Ele está bem.
O avô tinha um tom de compaixão na voz, tentava consolá–la. Ela sorriu levemente a fim de despreocupá–lo. Ele sorriu de volta, porém ainda com os olhos preocupados. E foi sentar–se para comer.
Samantha foi até a casa de Angel naquela tarde. Trouxe um filme de comédia e Angel estourou pipoca, mas estava difícil se concentrar. Desabafou com a amiga após o término do filme e esta tentou acalmá–la. Quando a noite chegou Samantha se despediu e foi embora.
No dia seguinte ela ainda se sentia incomodada. Era estranho. Talvez só estivesse se sentindo solitária por ver a amiga estar firme com Kayle e ela sem Jeremy por perto, mas no fundo sabia que era algo maior. Pressentia algo ruim.
Passou a tarde em casa com seu avô. Jogaram xadrez e assistiram televisão até que a campinha tocou às cinco e meia da tarde. Angel foi atender a porta. Ao abrir a porta, avistou o chefe de polícia da cidade e um outro homem que não conhecia, este usava um informe do exército americano. O coração de Angel disparou.
– Olá. – Disse ela para os homens.
– Oi, senhorita Nolan. – Disse o policial Rogers. – Este é o tenente Bill. – O tenente cumprimentou–a com um aceno de cabeça e ela assentiu. – Ele tem informações a te passar.
– Bom, senhorita Nolan. É de meu conhecimento que a senhorita era namorada de Jeremy Easton, correto?
– Sim. Ainda sou. – Disse ela, corrigindo o fato de o tenente ter colocado a frase no passado. Ele suspirou com ar de quem sente muito.
– Fomos informados que os soldados que realizavam a operação foram delatados por alguém. Sofreram um ataque surpresa. Sete homens de vinte voltaram para a base militar. Jeremy não estava entre eles.
Angel não conseguia entender o que ele queria dizer com tudo aquilo. Sua mente bloqueava seu próprio raciocínio.
– Jeremy Easton não está entre os que voltaram, senhorita Nolan, você compreende? – Angel ainda não conseguiu pronunciar uma palavra. – Mandamos reforços aéreos, mas há complicações em encontrar corpos ou sobreviventes em um lugar como aquele. Lamento informar que talvez ele possa estar morto ou sob o domínio dos insurgentes. – O tenente manteve sua firme posição diferente do policial que a olhava com pena.
Angel não conseguia dizer nada. Segurava no batente da porta com toda a força, pois uma repentina tontura a atingiu. “Talvez ele possa estar morto”, foi o que ecoou na cabeça da garota.
– Não. – Sussurrou ela. Seus olhos agora enchiam–se de lágrimas. – Não. – Repetiu em amargura. – Ele prometeu que voltaria. Prometeu. – Continuava a sussurrar dolorosamente.
Seu coração parecia ter parado de bater por um segundo e faltava–lhe ar para respirar. Ela sentia que estava sendo sufocada. Um flashback dos momentos com Jeremy passou com rapidez diante de seus olhos que agora encaravam o chão enquanto as lágrimas caiam sem parar, passando em câmera lenta apenas alguns momentos.
– Eu sinto muito, senhorita Nolan. – A voz do tenente chegou surrealmente aos ouvidos dela, como se aquilo não estivesse realmente acontecendo.
Ela voltou a olhá–los e esperava que estivesse em um terrível pesadelo que logo acabaria. Mas não, ela estava perfeitamente acordada. Balançou a cabeça positivamente, sem conseguir pronunciar uma palavra, mas tentando agradecer ao homem por informá–la. Ele assentiu e virou–se enquanto o policial ainda a encarava melancolicamente. Ela baixou a cabeça e sentiu mais lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Fechou a porta vagarosamente e encostou–se nela logo depois, arrastando as costas por ela até que chegasse perto do chão. Sentou–se, com as pernas próximas de si e as mãos sobre os olhos. Então deixou que o pranto que há pouco evitava a invadisse. Permitiu–se chorar de forma a retirar de si a tão grande tristeza que lhe afligia bruscamente. Klark correu o mais rápido que sua forma física lhe permitia para chegar até a neta. Colocou uma mão sobre o ombro da garota, que agora parecia mais frágil do que nunca, como sempre fazia quando sentia que ela precisava de força. Abaixou–se ao lado dela vagarosamente.
– Criança, o que houve? – Perguntou ele preocupado.
Angel soluçava e mantinha as mãos sobre os olhos. Ela balançou negativamente a cabeça agora. Klark concluiu que de nada adiantava perguntar coisas a ela no momento. Levantou o corpo e trouxe uma cadeira para perto da neta, pois sentar–se no chão era complicado para sua coluna. Ficou acariciando seus cabelos durante uma hora, enquanto a via soluçar e limpar os olhos muitas vezes, até que finalmente se acalmou. Tirou as mãos de cima dos olhos, limpando–os pela última vez. Estavam vermelhos e inchados. Ela sugou o ar com o nariz, que também estava vermelho, algumas vezes.
– Eu... – A voz saiu rouca. Ela limpou a garganta antes de continuar. – Queria um pouco de água.
O avô não se opôs. O tanto que aquela garota fazia por ele todos os dias não seria suficiente para retribuir nem que ele a levasse milhões de copos de água. Quando ele a entregou o copo cheio de água, ela bebeu rapidamente, de uma vez só, depois respirou profundamente algumas vezes.
– Agora pode me contar o que houve? Estou preocupado. – Ela o olhou com tristeza, sentindo os olhos arderem novamente.
– É o Jeremy, vô... Os soldados sofreram um ataque do Talibã... Jeremy pode estar morto, vô... – Mais algumas lágrimas surgiram. Klark quase começou a chorar também, gostava do rapaz. Mas conteve–se, para poder dar apoio à neta.
– Acalme–se, criança. A esperança é a nossa arma. Ele pode estar vivo. – Disse ele tentando se fazer acreditar também no que dizia.
– Por um milagre. – Disse a garota, inconformada.
– Milagres acontecem. – O avô respondeu com real esperança.
Angel não conseguia enxergar que ele estivesse bem. Sua razão a impedia de ter reais esperanças.
Marja, Afeganistão. No dia seguinte do ataque.
Jeremy abriu os olhos com dificuldade e percebeu estar preso em um local feito de pedras. Tábuas cobriam o buraco acima de sua cabeça e alguns raios de Sol entravam pelas frestas. Ele piscou e olhou para os lados. Havia outro soldado junto dele que parecia estar em uma situação muito pior. O abdômen sangrava e ele mantia a mão sobre o ferimento, enquanto seu rosto demonstrava a dor que sentia. Jeremy reconheceu Brandon.
– Meu Deus, Brandon! – Sobressaltou–se Jeremy, cuidando para não falar tão alto.
– E aí – Ele sorriu fracamente. – Estamos na pior, cara.
– Pensei que você tivesse escapado. – Disse ele, pasmo.
– Fui baleado. – Ele indicou com a cabeça o ferimento no abdômen.
Jeremy tinha bandagens enroladas várias vezes em suas mãos, que enrolara na noite que se passara, antes do ataque, para amenizar o frio. Retirou–as e amarrou suas extremidades. Era comprida o bastante para dar duas voltas no abdômen do amigo. Amarrou–a da melhor maneira que pôde a fim de estancar um pouco o sangue.
– Obrigado. – Agradeceu Brandon em voz baixa.
– Precisamos sair daqui. – Os olhos preocupados de Jeremy demonstravam seu desespero.
Middleton, Hardeman, TN (Tennessee).
Passaram–se cerca de três dias que o tenente viera em sua casa e nenhuma nova informação chegou até a garota. Ela estava angustiada e uma atmosfera lúgubre a acompanhava em qualquer lugar. Samantha tentava consolar a amiga e passou duas noites em claro conversando com ela ao telefone, ou até mesmo pessoalmente quando dormia em sua casa. Mas Angel parecia não ter mais ânimo para a vida.
– Você precisa sair desse quarto. Eu sei que é difícil amiga... – Dizia Samantha em uma tarde de sábado, que Angel sentia–se angustiada demais para conter as lágrimas.
– VOCÊ NÃO SABE. VOCÊ NÃO IMAGINA COMO É ISSO. TEM KYLE BEM AO SEU LADO, A SALVO! - Angel se alterou. E depois derrubou mais lágrimas. - Me desculpe, Sammy... - Ela disse sentindo-se culpada, enquanto a amiga a observava com um triste olhar. - Eu nem mesmo sei o que aconteceu com o Jeremy, entende? Eu procuro as notícias na internet e a única coisa que dizem é que o local está inacessível por causa da droga do Talibã. Eu procuro a família dele e eles estão tão desesperados quanto eu por informações. – Ela falava enquanto as lágrimas escorriam sem cessar por seu rosto.
– Passaram–se apenas três dias, amiga. Ele vai conseguir sair dessa, vai ficar bem. Ok? – Disse Samantha enquanto abraçava a amiga, praticamente sentindo sua dor.
Marja, Afeganistão. Três dias depois do ataque.
Jeremy não comia ou bebia nada há tempo demais. Não conseguia saber se passaram horas ou dias. Não entendia como Brandon ainda conseguia estar vivo. Devia ser a vontade de viver. Sua mente não raciocinava direito, mas ele tentava não deixar tudo em completo silêncio e contava histórias sobre sua vida a Brandon, a fim de manter o amigo vivo e de se manter vivo. Escutava vozes acima de si todo o tempo. Já passara por mais de uma tortura por parte dos terroristas. Eles só o retiravam de lá para isso. Seu olho direito estava inchado e ele nem enxergava mais com ele, apenas com o esquerdo. Sua boca também estava inchada e em carne viva, havia outros ferimentos em seu corpo e já o ameaçaram de matá–lo mais de uma vez. Na última, Jeremy implorara para que o fizessem. Não aguentava mais o sofrimento. Não mexiam com Brandon, talvez pelo fato de que praticamente não estava mais consciente. Pronunciava uma ou duas palavras de vez em quando apenas. A única coisa que Jeremy conseguia fazer com força era rezar silenciosamente e pensar em Angel. Ela não saia de sua mente um segundo sequer e chegara a conversar com a garota em seus delírios enquanto dormia ou quando a dor era muita. A imagem dela o fazendo prometer que voltaria é que o fazia continuar tentando viver, mesmo quando preferia morrer, mesmo quando já implorava para morrer.
Naquele mesmo dia, quando estava prestes a desistir de respirar ou de continuar ativo, ouviu–se tiros acima do local onde estavam. Ele tentou gritar para que soubessem que havia alguém ali, caso fosse as tropas americanas em resgate, mas não conseguiu. Brandon ainda respirava, mas parecia um cadáver.
– Tem alguém contra as forças Talibã aqui Brandon. Vamos, vamos sair.
Jeremy reuniu suas forças que não sabia que ainda existiam e com uma pedra em mãos começou a forçar as tábuas que tapavam o buraco. Não faria sentido fazer aquilo antes, nunca fugiram sem reforços, mas o tiroteio continuava lá fora e a gritaria também. Gritava enquanto batia com toda força na tábua, enquanto tentava–se motivar e dizer a si mesmo que conseguiria. A tábua em que batera repetidamente forçou–se para fora e Jeremy pela primeira vez em dias sorriu. Olhou para Brandon que parecia ainda sem forças. Então, as outras tábuas começaram a ser puxadas bruscamente do lado de fora. E Jeremy foi ao chão, aliviado. Soldados apareceram sob o buraco.
– Ah meu Deus. Obrigado. – Foi o que conseguiu sussurrar Jeremy enquanto suas forças se esvaiam por completo e todas as dores de seu corpo pareceram reaparecer. Seus olhos não o permitiam enxergar direito mais, porém sabia que estavam salvos agora.
Middleton, Hardeman, TN (Tennessee). Naquela mesma tarde.
Angel entrara novamente nos sites de informação após Samantha ter ido embora. Havia uma notícia nova, de duas horas atrás.
“RESISTÊNCIA TALIBÃ É VENCIDA. DOIS MILITARES ENCONTRADOS”
Era o que dizia o título. Ela clicou com o sistema nervoso já acelerado. A notícia dizia que os soldados conseguiram conter os membros do Talibã que dominavam aquela área de Marja. Angel começou a tremer fortemente. Precisava saber se Jeremy era um dos sobreviventes encontrados. Procurou pelos nomes em outros sites da internet, porém nada encontrou. Disse a seu avô que precisava ir à casa da família de Jeremy e praticamente voou até lá. Repassou a informação para a família, que não sabiam nem mesmo que a defesa já havia sido quebrada. A mãe de Jeremy pegara o número para contato do tenente Bill, ligou, porém este não atendeu.
Ficaram todos juntos e aflitos. Passou–se uma hora e meia, Angel ligara para o avô para avisá–lo que ficaria ali por mais um tempo. Procuraram conversar e eles sempre a acolhiam extremamente bem, uma família maravilhosa, porém percebia a aflição de todos.
O telefone tocou e a mãe de Jeremy atendeu no mesmo instante. Não houve maneira de entender qual fora a conversa, porém quando desligou o telefone e o segurou junto ao peito, seus olhos encheram–se de lágrimas. Angel quase desmaiou com o que viera em sua cabeça, mas então a mulher abriu um sorriso, e chorou como se estivesse se segurando a muito tempo. Angel correu para perto e abraçou–a.
– Ele está vivo. – Sussurrou ela com voz abafada. – Vivo. – Repetiu rindo e chorando ao mesmo tempo.
Angel sentiu um peso indescritível se esvair de seu corpo. Seu amado estava vivo.
– Obrigada, Deus, obrigada, muito obrigada. – Ela sussurrou também, enquanto ainda abraçava a mulher.
Middleton, Hardeman, TN (Tennessee). Dezembro de 2010.
Passou cerca de um mês após a maravilhosa notícia de que ele estava vivo. Estava próximo ao Natal agora e os soldados sobreviventes estavam voltando para suas casas, após um tempo de recuperação isolada.
Angel aprontou–se naquela tarde para ir até o aeroporto de Nashville. Seu coração batia com ansiedade. Klark insistiu que queria ir também, mesmo que seu corpo estivesse sonolento, em razão dos remédios que tomava. Mas ele parecia tão jovial quanto nunca naquele dia, estava tão feliz quanto Angel pela volta de Jeremy.
No aeroporto de Nashville encontrava–se poucas famílias aqui e ali, que esperavam a pessoa querida retornar. Angel pensou nos que não sobreviveram e na angústia que sentiu por pensar que Jeremy tinha sido um deles, sentiu compaixão das famílias que não veriam mais aquele que amavam e pediu a Deus silenciosamente que as consolasse. Nisso os soldados começaram a aparecer no terminal. Abraçavam os que estavam a volta e ela não conseguia nem mesmo se mover olhando para o local onde Jeremy apareceria a qualquer momento. Seu coração estava tão desesperado que ela mal conseguia respirar. Quando o rapaz de cabelo castanho muito curto, que escondia os músculos por debaixo da farda e trazendo consigo a enorme mala, Angel sentiu seus olhos marejarem. A família de Jeremy estava próxima a garota e ela sabia que estavam todos tão desesperados quanto ela, porém quando seus olhos encontraram os dele, Angel não conseguiu evitar de correr para abraçá–lo. Ele sorriu quando percebeu a atitude da garota. Ela pulou em seus braços enquanto chorava. Jeremy a segurou firmemente e a girou.
Angel passou a olhá–lo de perto e beijou–lhe delicadamente nos lábios, já que seu rosto estava bastante machucado, porém, ele engatou um beijo intenso, ignorando certas dores. Quando acabaram, ela sentiu–se finalmente capaz de falar novamente.
– Ah meu Deus... Senti tanto sua falta. – Ela sorriu com os olhos molhados.– Eu disse que ia voltar pra você. – Ele riu presunçoso. – Você não imagina o quanto senti sua falta.
Mais um beijo, rápido dessa vez, então ela afastou–se, voltando a ficar junto de seu avô, para deixar que os outros também o abraçassem e dissessem que o amavam. Angel sorria com a cena, as lágrimas ainda escorriam por seu rosto. Olhou novamente para a área de desembarque e lembrou–se de Connor, o quanto seu namorado era próximo a ele, e agora não podia, mas estar por perto. Precisou consolar–se e refletir que ele estava em um lugar melhor.Klark abraçou o rapaz e Angel sorriu. Nada poderia ser mais forte que sua alegria naquele dia.
Os dias passaram–se e na noite de natal jantaram todos juntos na casa de Jeremy e ela se sentara ao lado dele à mesa. Depois de comerem, engataram todos em uma animada conversa sobre os feitios de Klark, que ele contava de maneira tão entusiasmada que Angel chegou a refletir que nunca o vira tão sorridente.
– Connor teria adorado essa história, não é, Jerry? – Disse a mãe dele enquanto ria, todos perceberam a naturalidade com que dissera aquilo, como se Connor ainda estivesse com eles. O sorriso esvaiu–se do rosto de Jeremy como Angel via acontecer sempre que mencionavam o nome do amigo. Ele levantou–se bruscamente e ouviu–se a porta da frente bater com um estrépido. Angel olhou para quem estava à mesa tristemente e ninguém mais sorria. Ela levantou–se e fez o mesmo caminho que Jeremy. Encontrou–o sentado na grama do pequeno quintal da frente da casa, a cabeça sobre os joelhos, Angel percebeu que ele chorava. Sentou–se ao lado dele suavemente e passou um braço por cima de suas costas em um abraço, não soube escolher palavras para pronunciar.
– Eu disse a ele para que ficasse onde estava, Angie. – Disse ele com a voz embargada enquanto chorava. – Eu não o salvei. Deveria ter mirado melhor aquela arma. – Ele soluçava.
– Como assim, meu amor? O que houve lá? – Ela perguntou suavemente tentando entender o que ele dizia.
– Mataram ele, Angie. Connor não deveria ter morrido. – Ele chorava compulsivamente.
Angel esfregou a mão sobre as costas dele, em um gesto de consolo. Ele ainda não levantara o rosto. Permaneceram dessa maneira por mais alguns longos minutos enquanto ela o acariciava e o escutava chorar, quase chorava junto dele, porém manteve–se forte, a fim de lhe dar apoio. Depois de algum tempo ele parou de chorar. Levantou a cabeça e secou as últimas lágrimas. Angel depositou a mão que antes estava nas costas do rapaz na perna do mesmo. Ele a olhou com os olhos inchados e vermelhos. Angel sentiu vontade de poder tirar toda a angústia que ele sentia.
– Me desculpe, amor. – Ele disse com a voz rouca e baixa.
– Não precisa se desculpar. – Ela manteve firme o olhar. – Quer falar sobre isso?
Ele pareceu pensar por alguns segundos. Então contou a ela como aconteceu a morte de Connor. Lágrimas novamente rolaram por seu rosto enquanto ele encarava a rua deserta. Ela apenas o escutava, sentindo o coração e alma apertados em uma forte tristeza.
– Sabe... – Disse Angel depois de uma longa pausa após o término da explicação de Jeremy. – Connor estaria orgulhoso de você tentar protegê–lo, ele conhecia os riscos, não é culpa sua, nem mesmo dele, é só uma questão de tentativa falha. Ele morreu sabendo que esteve com ele sempre e não tenho dúvidas de que partiu orgulhoso de si mesmo e de você.
Jeremy a observou por alguns segundos e depois a beijou na testa, como um gesto de agradecimento. Abraçaram–se e nada mais precisou ser dito naquele momento.
Um novo ano logo se iniciou e as horas pareciam passar mais calmas, mais leves e mais felizes para todos eles. Jeremy continuava um tanto perturbado com o que passou, tinha pesadelos com Connor e com a guerra. Barulhos o assustavam e ele precisou participar de um tratamento psicológico oferecido pelo próprio exército. Porém, estavam agradecidos por terem vida. O tempo era seu grande aliado e a medida que a data do acontecido se afastava a mente do rapaz ia melhorando, aos poucos recuperando–se de seu trauma. Como diz o ditado em que muitos acreditam: “o tempo cura.”
Em um sábado de manhã, Angel estava sentada à mesa junto a uma xícara de café, bolachas e um livro. O tempo estava cinzento lá fora, a blusa mantinha o calor de seu corpo, mas ela ainda podia sentir o ar gelado em seu rosto, mas o frio não atingia mais seu coração, ele pulsava sem aflição alguma agora. Não ouvia nada mais que o vento lá fora, seus olhos concentrados nas palavras do livro em suas mãos. Jeremy havia dormido ali naquela noite, junto dela, já que Klark havia viajado junto aos pais da garota desta vez. Escutou passos no corredor e levantou os olhos. Jeremy estava parado na entrada para a cozinha, encostado à parede. Seu cabelo bagunçado e o pijama cinza amassado, por ter acabado de acordar, mesmo assim continuava encantador aos olhos da moça. Ele sorria, os olhos inchados de sono. Angel sorriu de volta, sentindo aquela felicidade indescritível preenchê–la. Ele andou até o balcão, onde estava sempre um rádio vermelho que Klark comprara para ela. Um pen drive cheio de músicas estava conectado ao aparelho. Ele ligou e deu play, sem se preocupar em escolher a música. Love Is Not a Fight de Warren Barfield começou a tocar, o volume baixo e suave.
Ela levantou–se e foi abraçá–lo. Continuavam olhando nos olhos um do outro, agora bem próximos.
(...) [Love] It's a house we enter in
Then commit to never leave (...) – a música continuava a soar.
– O que foi? – Ele perguntou, agora rindo com os dentes brancos à mostra.
– Só estava me perguntando: “como é que um cara lindo assim veio parar na minha casa?” – Ela respondeu.
Jeremy gargalhou levemente e ela não resistiu em fazer o mesmo. Ele a trouxe ainda mais perto naquele abraço e segurou os fios de cabelo acima de sua nuca.
– Eu amo você. – Sussurrou ele.
– Eu te amo mais. – Ela sentia–se incapaz de parar de sorrir, mesmo quando ele se aproximou para beijá–la.
Riram juntos por alguns segundos, sentindo as respirações um do outro, depois engataram um beijo incontestavelmente apaixonado, enquanto a música servia quase como trilha sonora. Perfeita para o momento.
(…) Love is a shelter
In a raging storm
Love is peace
In the middle of a war
If we try to leave;
May God send angels to guard the door
No, Love is not a fight
But it’s something worth fighting for (…)
– Casa comigo? – Perguntou ele ao fim do beijo. Angel surpreendeu–se violentamente e sua risada incrédula saiu abafada. Ele ergueu as sobrancelhas, esperando a reposta.
– Isso é sério? – Ela ainda não acreditara no que ouvira.
– Muito sério! – Seus lábios moldaram um sorriso largo. – Parece que estou brincando?
Ela arqueou apenas uma das sobrancelhas, como se estivesse desconfiada, enquanto ria.
– Casa comigo? – Ele repetiu com entonação, apertando–a em seus braços com sutileza. Quando Angel deu conta que ele falava sério seus olhos encheram–se de lágrimas.
– É claro que sim. – Ela riu e pulou, entrelaçando os braços em seu pescoço. Ele girou–a no colo enquanto ambos gargalhavam.
A música agora terminava, enquanto os dois voltavam a unir–se em um longo beijo.
A vida é cheia de altos e baixos. Muitas vezes as coisas tendem a não ocorrer bem, mas quando tudo vem a ser positivo decerto constroem–se momentos que ultrapassam qualquer descrição de felicidade, qualquer medida de intensidade e qualquer nível de dificuldade. Angel e Jeremy descobriram que isso tudo traduz o que costumam denominar como eternidade.