Disseram-me que o destino é a terça parte de nossas escolhas. Você tem um sonho, um desejo ou uma vontade e, caso esteja de acordo com o que foi planejado para a sua vida, antes mesmo de nascer, talvez o Universo conspire ao seu favor.
Sentado, agora, com um violão que ganhei de Natal dos meus pais, lembrei a época da minha adolescência; todas as viagens, as farras, namoros, sermões e daquela garota... A minha primeira paixão.
Paixão era o apelido dado a null. null, a menina que tinha medo de amar.
Disseram também que o amor é um exemplo de felicidade. Pobre null, que não sabia ser feliz.
Mas ninguém disse que eu não havia tentado amá-la, mesmo com todos julgando o quão jovens ainda éramos. Afinal, dane-se a idade.
Sorri, dedilhando as primeiras notas da nossa antiga música.
Norte de Malibu – Califórnia – 2002
- null, olhe para a mamãe. - dona null pediu, levantando o seu rosto bonito. - Quando o Jorge entrar por àquela porta, aperte o botão verde do controle. Prometa-me que apertará.
A criança concordou, balançando a cabeça.
- Não hesite em fazer. Quando perguntarem quem é você, diga o nosso endereço, do jeito que te ensinei.
- O que vai acontecer? - uma lágrima deslizou pelo rosto.
- Vai ficar tudo bem. Espere aqui com a sua irmã.
Eram três da manhã, quando null acordou assustada, escutando barulhos no outro quarto. Ela virou na cama, notando Taylor enrolada dos pés à cabeça. Olhou para a sua mão embaixo da coberta. Havia dormido com o telefone; se escutasse algo estranho, chamaria a polícia.
- Onde esteve, null? Deveria ter ficado em casa, cuidando das minhas filhas! - Jorge puxou o seu cabelo.
- Eu fiquei. Juro que não sai de perto delas.
- Por que mente tanto? Vagabunda! - levou uma de suas mãos para o pescoço magro da mulher.
Houve um estalo.
- Socorro! - ela gritou, colocando os dedos no lado do rosto machucado.
null saltou da cama e calçou as pantufas.
- Cale a boca! Não acorde as meninas! - Jorge a acertou com outro tapa.
A criança discou os números no aparelho.
- Por favor, venham logo. Por favor! - chorou.
Pareceu ter passado apenas um minuto ao baterem violentamente na porta da casa.
- Senhora Hans? - alguém chamou. - O que está acontecendo?
Era Marcus, o vizinho.
De longe, a sirene policial pôde ser ouvida. Mandaram-no afastar-se.
- Abra a porta para eles, null. - null pediu, assegurando-se de que a sua filha estava no corredor.
- Desgraçada! - Jorge empurrou a sua cabeça contra a parede. - Volte, null! Não abra para estranhos. Vou te colocar para dormir, filha.
Dois policiais arrombaram, entrando em seguida.
Foi aos seus sete anos que, pela primeira vez, viu o pai ser preso. Segundo o depoimento de null, as agressões físicas começaram após o nascimento de Taylor. Jorge era extremamente ciumento e possessivo.
Naquela fatídica manhã e nas próximas, null não conseguiu dormir sozinha. Elas mudaram de casa, imediatamente. O policial as manteriam em segurança, mas a sua mãe não queria lembrar-se do que viveram ali; causava-lhe terror.
Em meados de 2009, quando Jorge fora liberto, null já havia conseguido a guarda das duas filhas. O homem a procurou, mesmo tendo que ficar a mais de mil metros de distância, e de nada adiantou.
As crianças não queriam vê-lo.
Dois anos mais tarde, faleceu em um acidente de carro. null pediu para que elas fossem ao seu enterro.
Prestes a concluir o Ensino Médio, nullla, agora aos dezessete anos, extravasou as lembranças em seus livros. Afastou todos os garotos, com outras intenções, de seu ciclo social.
Após duas sessões de terapia, a psicóloga, Dr. Rosalie, constatou que era naturalmente um mecanismo de defesa.
Norte de Malibu – Califórnia – 2014
- Que tal se fôssemos dar um rolê? Sim, na praia, nesse fim de semana. - null perguntou pelo celular.
A garota, deitada na cama com um grande óculos, virou a página do livro, escutando a conversa.
- Encontro você lá.
- Água gelada, muita gente e areia pinicando nas pernas. - ela disse.
null pegou um pente.
- Não invente desculpas porque sabe que eu vou te convidar. Malibu é tipo uma reserva!
- Não quero ir, obrigada.
Ficaram em silêncio.
- Vai a Biblioteca?
- Preciso terminar este livro, antes.
- Então podemos sair... Ir às compras.
- Preciso terminar o livro. - repetiu, voltando a ler.
- Acho que você deveria parar de rejeitar a sua juventude. Parar de odiar sorrir, porque um garoto falou algo engraçado, achando que está dando mole para ele. E, o mais importante, parar de se autopunir. É depressivo.
null ergueu o olhar.
- Considerarei esses conselhos como um surto. Você vai ficar bem.
Ela revirou os olhos.
- Sei o que tem no seu passado. É devastador, não nego. Mas a tia null está feliz agora. Por que não se permite o mesmo?
- Sou feliz sendo nerd.
null conteve um palavrão.
- Quando foi a última vez que saiu?
- Ontem à noite.
- Ao supermercado?
- Bom, precisamos comer. Há algo melhor que matar a fome?
null orientava Taylor nos deveres da escola. A garota estava com dificuldades para ler. Não era normal naquela idade.
- Oi, família. - null falou, aparecendo na cozinha americana.
- Bom dia. - null respondeu, enquanto lia o jornal.
- Não vai trabalhar hoje?
- E estou atrasada. - olhou para o relógio. - Pode...
- Já sei. Vou ajudar a Taylor, não se preocupe.
- Leia tudo de novo, Tay. Você consegue! - null levantou da cadeira, aproximando-se de null. - Ela está com dificuldades na hora da leitura. Para sempre e... Tenho medo que ela não venha...
- Não fale isso. Taylor vai aprender a ler.
- Os seus colegas estão mais adiantados. A professora dela me chamou duas vezes nos últimos quinze dias.
Ela a abraçou.
- Hoje não tenho aula. Na verdade, faltam sete dias para o Baile de Formatura. Posso ajudá-la.
- Obrigada.
null desceu as escadas, segurando uma bolsa no ombro.
- Vamos a um lual; o que a Lucy organizou, para ser mais exata. Se mudar de ideia...
- Tenho que cuidar da Taylor.
null deu um beijo no rosto da caçula.
- Nada disso. Pode ir. Vai ser divertido. Seus amigos vão estar lá.
- Mãe, não tenho amigos no St. Louis.
- Tem a mim. Valho por uma tropa inteira. - null piscou. - Acha que estou brincando?
- Detesto praia.
- Você detesta o que um certo garoto que vai estar lá, te faz sentir.
- O quê?
- Tchau, tia. Tchau, Taylor.
****
null estava jogado na cama, acessando a internet pelo celular. Seus amigos jogavam video-game enquanto comiam Nachos.
- A Sharpay vai. - Logan disse, girando na cadeira com rodinhas.
- Quem é essa? - null perguntou, sem tirar os olhos da tela.
- Quem, cara? A Wilson. Acho que você anda vidrado demais em alguém...
- Parece até que está apaixonado. - Lewis concordou.
- Como eu poderia ter esquecido do “
Caras, se aquela garota não me quiser... Eu pulo da ponte de Nova Jersey”? - imitou-o.
- Eu estava bêbado. Vocês me trancaram no banheiro.
Lewis riu.
- Ela é tão bonita.
- Uma mulher bonita não é aquela de quem se elogiam as pernas ou os braços, mas aquela cuja inteira aparência é de tal beleza que não deixa possibilidades para admirar as partes isoladas.
- Esse é o meu garoto! - Lewis falou com null.
- Pode dizer de quem você furtou sábias palavras. - Logan riu. - Ah, merda! O
Real Madrid já não é mais o mesmo.
- Tirou o melhor jogador do mundo e ainda não aprendeu a apertar X e O. Cara, melhore!
Ele empurrou Lewis.
- Voltando ao assunto... Quem é a garota, null?
- Ninguém.
- Essas meninas são muito complicadas.
- Frescas. - Lewis soltou. - Passam o dia reclamando ou falando sobre famosos e depois manda mensagem: “
Amor, estou com saudades”.
- Pelo menos não falam sobre depilação.
null apenas escutava, aproveitando para enviar um torpedo.
- Será que vai muita gente para o lual?
- Umas dez.
- Devem ir mais de 50.
O Blackberry de null vibrou.
“Fiz o que pude... Não adiantou.”
****
null acordou ao escutar a voz da melhor amiga, chamando-a.
- Oi. Tia null chegou. - sentou-se aos seus pés, na cama.
- Vou descer daqui a pouco.
- Tá legal. É o seguinte: não quero ir sozinha ao lual e adoraria que você fosse comigo. Por favor, vamos. Não adianta dizer que detesta praia. Nós duas sabemos que você está evitando alguém... E só porque ele passou a te abraçar e falou que você era linda.
- Ele não me abraçava antes. E ele me irrita!
null sorriu.
- Ele te irrita porque é o único garoto que, mesmo você se afastando, ele se aproxima sem medo.
- Não quero ter que machucá-lo.
- Você está preocupada com um garoto; o que gosta de você de um jeito diferente. Estamos evoluindo?!
null jogou o travesseiro nela.
- Vai se atrasar!
- O conheço desde criança. Ele é meu amigo e trata as mulheres tão bem. Sem falar o quão bonito é. Acho que ele realmente gosta de você. Mas se é isso o que você não quer, vou pedir para não tentar nada. Assim está bom?
- Oh, Deus! Ok.
****
Enquanto seguiam no táxi, null aproveitou para enviar uma mensagem.
Era quase 19 horas e já avistavam, de longe, muitos adolescentes andando pela calçada de Malibu, em direção à praia.
- Lembre-me de pesquisar sobre jovens que insistem em levar skate para a areia, por favor. - null pediu, observando a paisagem pelo vidro.
A amiga riu.
- Tenho que concordar que é estranho. Mas hoje não dê uma de
sabe-tudo. Os outros jovens sentem-se intimidados.
- Está pedindo para eu deixar de ser quem sou por uma noite? - a encarou.
- Estou. E não me olhe assim... - sorriu para a mensagem que recebeu. - Sou um deles.
“Obrigado.”
O táxi encostou-se ao caminho da praia.
null ficara em pé no meio da roda de amigos, perto da fogueira. Teclava no celular, enquanto os outros conversavam animadamente. Se tudo desse certo, e torcia para que desse, agradeceria a sua amiga pela força. Queria, ao menos, tentar conversar com null. Tentar. Era difícil tomar uma atitude com garotas feito ela, que não gostavam de interagir... Pelo menos, não com ele.
-
Oh fuck! Olha lá. - Logan disse, apontando para uma das garotas sentadas de costas. - É a Sharpay.
Lewis aproximou-se, tomando um gole do refrigerante.
- Não vai falar com ela? Faça o que eu faria.
- Que seria...
- Nada. - null interveio. - Até parece que não conhece o seu amigo cheio de papas na língua, mas sem um pingo de coragem.
- Certo,
sabichão. Mostre-me a sua coragem. - guiou a cabeça em direção à escada.
null e null a descia, devagar, atrás de outros estudantes.
Ele engoliu em seco.
****
-
Heeey brother! - Lucy, a organizadora do lual, chamou atenção, fazendo um dos estudantes por a música para tocar. - Falando sério, galera! Gostaria de dar um aviso, antes de iniciarmos a “Aula da Saudade”, como chamam na escola da minha amiga do Brasil. Não se afastem muito da fogueira, pelo amor que vocês têm pelos seus pais. O St. Louis não esteve de acordo com este lual de despedida, mas resolvemos fazê-lo porque os alunos do último ano mandam nessa porra!
Todos gritaram.
- Continuando... Sem gracinhas de levar fulano ao mar, Fred. - apontou para o loiro alto. - E eu gostaria, por incrível que pareça, de agradecer a vocês por terem proporcionado um ano leve e cheio de risadas catastróficas, tipo a da Madison.
A morena com sardas riu.
- Pelas colas que os professores jamais souberam, pelo companheirismo e pelos anos de convivência, aturando cada pérola... - foi abraçada de lado.
- Não chore, Lucy! - alguém gritou. - Nos vemos em Oxford no ano que vem!
- E quem sabe que não vai ingressar na faculdade, se vê onde? - Fred perguntou.
- Na república dos desalojados, quando o seu pai te botar para fora. - Mattew respondeu em meio a risadas.
- Alguém quer falar algo? - Lucy perguntou, vendo mãos sendo levantadas.
****
- Oi. - null falou com null, que estava sentada nas cadeiras mais afastadas dos demais, ao lado de sua amiga.
- null! - sorriu, abraçando-o.
- Tem refrigerante
diet no isopor. Quer?
- Sim, vou buscar e aproveito para conversar com a Lucy.
null levantou.
- Não precisa ir comigo. - deu alguns passos, parando. - Ah, ia esquecendo... null, esta é a null. E null, este é o null. Já volto!
Ela abaixou os olhos.
- A famosa null. Já nos conhecemos, não? - colocou a mão dentro do bolso do short.
A garota permaneceu com os braços cruzados, sem responder. O cabelo caia no rosto, devido à ventania.
- Você fala? Quer dizer, ouvi a sua voz uma vez, mas foi tão baixo que acho ter imaginado.
A viu suspirar.
- Certo. Não quer fala... Mas deveria. Ela é muito bonita.
- Como se você não soubesse quem sou. - resmungou.
Ele sentiu o coração acelerar.
- Eu sei. Por que não senta? Dizem que as varizes aparecem.
null prendeu o riso, olhando-o como se ele fosse estranho.
- Como sabe disso?
- Aula de Biologia com a professora Geórgia.
Ela voltou a sentar-se em uma cadeira longe dele.
- Então, para onde pretende ir no ano que vem?
- Harvard.
- Claro. Garotas inteligentes costumam ir para as melhores faculdades.
null sentiu as maças do rosto esquentarem.
- Obrigada.
- Não tem de quê.
- Vai para alguma?
- Meu pai quer Oxford, só que eu gostaria de ingressar em Berklee.
- Time de basquete?
- Música. - a fitou, fazendo-a olhar para frente.
Ela o analisava quando não havia um par de olhos a observando de volta. Notou o bracelete que ele usava; não conseguia enxerga-lo direito por causa do escuro.
- Não sabia que cantava.
null sorriu, jogando o cabelo para trás.
- Quase ninguém sabe; é algo que não ando contando por aí... Quero me aperfeiçoar.
Ela passou os braços em volta de si.
- Frio? Vou pegar o meu casaco.
- Não precisa. Tenho que procurar a null; está ficando tarde...
- O lual mal começou.
- Tenho que ir.
Ele sabia que se ela fosse embora, se a deixasse ir, talvez nunca mais a veria; o ano letivo estava prestes a acabar. O
High School também. O último dia seria no Baile de Formatura, em uma semana. Mas soube que null não iria. E ele já havia arranjado um par, aspirante à Paris Hilton, que parecia gostar dele.
Ainda assim, o coração é petulante ao ponto de não querer saber de outra. Tinha que ser esta garota com os dedos entrelaçados, pronta para voltar para casa.
Era isso: sabia que havia se apaixonado.
- Posso mostrar-lhe algo, antes?
- Eu realmente preciso ir.
- Juro que será rápido! Não precisa voltar correndo para casa.
- Tudo bem.
- Vou buscar o meu violão e um casaco para você.
****
- Quando eu era criança, a minha mãe costumava dizer que para todas as situações da vida, por mais complicadas que aparentem ser, existe uma solução. - null contou, chutando conchas na beira do mar.
- Tipo uma luz no fim do túnel? - null ajeitou o casaco grande no corpo.
- Isso. Sei que não é tão fácil quanto parece. Na teoria tende a ser simples. Quando você vive a situação, é diferente. “
Don't worry about a thing. Cause every little thing is gonna be alright” (Não se preocupe com qualquer coisa. Por que cada pequena coisa vai ficar bem).
- Bob Marley.
- Sensacional.
Ela entortou a boca.
- Eu cantava essa música com o meu avô nos verões em Ohio.- ele revelou.
- Trás uma sensação de alívio.
- Gosto de pensar assim.
- Para onde estamos indo? - olhou para trás, vendo a fogueira ao longe.
- Você sempre precisa saber para onde vai?
- Tenho que está ciente em que território estou pisando.
- Quero mostrar-lhe uma canção. - parou.
null virou-se mais à frente.
- Não tem que se aperfeiçoar?
- Treinei a música há um tempo. - coçou a nuca. - Que tal se a gente voltar a andar enquanto toco?
(Coloque para tocar)
Well you done done me and you bet I felt it
Bem, você fez bonito comigo e pode apostar que eu senti
I tried to be chill but you're so hot that I melted
Eu tentei ficar frio, mas você foi tão quente, que me derreteu
I fell right through the cracks, now I'm trying to get back
Eu caí nas rachaduras, agora estou tentando voltar
null deslizou os dedos pelas cordas, tocando, enquanto a sua voz surgia calmamente.
A garota assustou-se ao escutá-lo cantar.
Ele olhou para o céu; talvez se olhasse para ela, não fosse capaz de continuar.
Before the cool done run out, I'll be giving it my bestest
Antes que o frio passe, eu darei o meu melhor
And nothing's going to stop me but divine intervention
Nada me deterá, a não ser a intervenção divina
I reckon it's again my turn to win some or learn some
Eu acho que é a minha vez de ganhar ou aprender algo
Ela conhecia a música. “A letra poderia servir como declaração’’ pensou.
Era linda, e null cantava muito bem.
But I won't hesitate no more, no more
Mas não vou mais hesitar, não mais, não mais
It cannot wait, I'm yours
Isso não pode esperar, eu sou seu
- Eu sou seu. - null disse, deixando de tocar.
null sentiu a garganta travar. Não queria ter ido até ali ou escutado todas aquelas palavras em forma de música. Muito menos deixa-lo cantar para ela.
Era hora de ir embora. Ficar seria admitir ter superado o que aconteceu com a sua mãe, sem receio de que um homem levantaria a mão para ela. E não superou nada; nenhuma das cenas que presenciou.
O comodismo a cegou.
Aquele garoto merecia alguém que gostasse dele tanto quanto parecia gostar dela.
Era só um romance de colegial, afinal. Ambos ingressariam em faculdades diferentes, em cidades diferentes e seguiriam em frente.
- Desculpe. - balançou a cabeça, voltando.
- Espera! - a seguiu. - Você é livre, null! Por que tem tanto medo que eu diga que estou apaixonado por você? Caramba! Olhe para mim e encontrará amor.
A garota correu, levantando areia por onde passava. Escutava-o chamando-a, mas continuou indo para a calçada.
- Vagabunda! Se as crianças não estivessem aqui, você estaria morta! - Jorge avisou a sua mãe.
Ele a puxou pelo cabelo enquanto a outra mão foi de encontro ao seu rosto.
null estava encolhida atrás da parede, com os olhos cheios de lágrima.
- null, pare! - null gritou. - Não vá embora!
Ela acabou escorregando em meio aos degraus da escada e sentou, pondo a mão na perna.
- Você está bem? - agachou à sua frente, tocando o joelho machucado.
null se esgueirou.
- Não foi nada. - voltou a subir.
Ele a segurou pelo braço.
- Já falei que não foi nada... - sentiu a lágrima deslizar.
null a desmanchou.
- O que fizeram com você?
A garota abaixou os olhos.
- Como isso foi acontecer? - sussurrou.
- Isso o quê?
- Você se apaixonou pela garota errada.
null estava vazia por dentro e era tão jovem.
null sentiu o peito doer e uma vontade de gritar com ela por não reagir.
- Não me arrependo. O nosso tempo é curto... Não precisa complicar ou fazer promessas. Só viver aqui e agora. Se o destino existe, então um dia me apaixonarei de novo. Estou pedindo para que abra os olhos e deixe fluir.
Ela os fechou fortemente.
- Por favor. - null segurou o seu rosto, tocando os lábios nos dela.
null estava com os punhos pressionados contra o seu peito. Ele levou uma mão para a sua cintura, trazendo-a mais perto. As bocas se entreabriram e beijaram-se.
A garota parecia cair de uma ponte, onde não se via solo. E por mais louco que fosse, sentiu-se em paz.
Mas ainda tinha medo e não sabia como controla-lo.
Afastou-se, com os olhos fechados, e antes que entrassem em qualquer táxi, falou:
- Quando você era criança, a sua mãe costumava dizer que, para todas as situações da vida, por mais difíceis que sejam, têm como se refazer. Eu não sei por onde começar... Fugir sempre foi o meu melhor. Se o destino realmente existe, acabarei aprendendo. Não me procure ou tente me ensinar. Tenho que descobrir sozinha. - lambeu os lábios. -Boa sorte com a sua música, null. Vá para Berklee e mostre a eles o seu talento. - sorriu, subindo os últimos degraus.
“No final daquele ano, convenci o meu pai de que a música estava na minha alma, levei Lizzie ao Baile de Formatura, fui para Berklee e fiz um novo grupo de amigos. Haviam garotas atraentes por lá. Mas nenhuma delas era quem eu realmente queria. Talvez aquela frase sobre destino não tenha funcionado; ele não existe. Não me apaixonei outra vez. Acho que ao sentir um amor como o nosso primeiro, nada que vir depois se iguala. É tão bom que dói.
Ganhei no dia 25 de Dezembro o meu novo violão. Lembrei a nossa música e de ter tocado várias vezes. Foi meio impossível não lembrar a minha inspiração. Com o tempo, percebi que já não doía tanto; cada dia melhorava... Como se estivesse virando apenas uma lembrança. Aprendi a recordar só as melhores cenas, porque valeram à pena. O resto serviu como detalhe. A gente cai, levanta e aprende. Se não aprendeu foi porque a queda não doeu o bastante. A dor nos cerca de algum jeito, é por isso que tento fazê-la sorrir.
O melhor presente do ano foi o sorriso daquela garota da praia. Se eu continuar lembrando as cenas mais bonitas, como aquela, viverei feliz pelo resto da vida.”