Mind Disorder
Fiction por Marina Antunes




Eu estava em uma maca, sendo carregada, eu sabia que tinha tido mais um dos meus surtos, minha visão estava turva, lembro de sentir minha mãe apertando minha mão “está tudo bem”eu pude ouvir a voz dela como um eco, e então fechei os olhos.
* * *

- , querida, acorda. – era a voz da minha mãe, eu abri os olhos, minha cabeça rodava, eu estava no quarto da clínica psicológica.
- Oi. – eu disse, um pouco sem voz.
- Filha, o doutor disse que você vai ter que ficar na clínica por um tempo. – eu conseguia sentir a angústia em sua voz, ela baixou o olhar.
- Quantos dias? - ela não me respondeu, só respirou fundo e beijou a minha testa.
- Eu venho te ver, todos os dias. – disse ela encostando a ponta do dedo indicador no meu nariz, como sempre fazia, e sorrindo forçadamente.
- Mãe, você vai ficar sozinha em casa.
- Não filha, eu ainda tenho o Luke...
- O cachorro não conta. – ela me olhou e sorriu, deu um longo beijo minha testa, novamente.
- Eu vou ficar bem. Eu liguei para o seu pai, ele disse que volta pra casa o mais rápido que puder. – ele estava em mais uma das suas viagens de congresso infinitas. Eu quis brigar com a minha mãe, eu detestava a ideia de deixá-la sozinha, mas o que eu menos queria agora era ter que vê-la triste, então somente assenti com a cabeça.
- Por que você não passa uns dias na vovó? – ela me fitou quando eu mencionei a ideia, minha mãe e minha avó nunca se deram muito bem, e a situação só piorou depois que meu avô morreu. A enfermeira entrou no quarto, dizendo que o horário de visitas já chegara ao fim há dez minutos, minha mãe me olhou triste, tentando disfarçar, mas como sempre ela era péssima em esconder suas emoções. Ela se levantou, indo até a porta, meu coração doeu, eu levantei num pulo e a abracei.
- , não faz isso comigo, querida. – disse ela me abraçando apertado - Ei, você vai ficar bem, louquinha. – disse ela carinhosamente, se soltando do abraço.
- Eu te amo, mãe.
- Eu também te amo, querida. – assisti minha mãe e a enfermeira sumirem no corredor imenso pela janelinha da porta do meu quarto, sussurrei um “tchau” imaginando que chegaria até ela, até que notei que um menino me encarava pela janelinha do quarto da frente. Ele tinha cabelo preto liso e meio bagunçado, com um franja preta que cobria as sobrancelhas, ele tinha um olhar sombrio, e uma cicatriz que atravessava o lado direito de seu rosto, ele olhava diretamente para mim, como se estudasse meu rosto com cautela e malícia. Eu estremeci e corri para a cama, me cobrindo por inteiro, igual uma criança. O quarto era pequeno e frio, as paredes brancas, havia uma mesa e uma cadeira, a mesa era encostada na parede, ficava logo abaixo de uma janela protegida por grades do lado de fora, e a cadeira ficava em frente da mesa, ambas eram de ferro e coladas no chão. Eu já conhecia a clínica, tinha vindo para cá três vezes, mas sempre saía em questão de dois dias, o doutor nunca falou que eu ficaria por tempo indeterminado, mas eu estava ficando mais velha e eu sabia que a minha doença não tinha cura, é possível retardar a esquizofrenia, mas não havia uma cura, eu tinha que simplesmente aceitar isso, mais cedo ou mais tarde eu estaria completamente louca, perdida nas minhas alucinações.
A enfermeira trouxe o jantar, eu comi sentada na mesa, olhando pela janela a enorme área de convivência lá fora, desejando poder sair. A comida da clínica não tinha gosto nem cheiro, pela aparência eu podia dizer que era purê de batatas, frango grelhado com ervilhas, mas eu tenho certeza que se eu comesse isopor eu não conseguiria distinguir um do outro. Fiquei assistindo os canais abertos da televisão, não haviam outros, até que a enfermeira entrou no quarto.
- Boa noite. – disse ela, com um sorriso, abrindo a porta. – Meu nome é . – ela foi em direção à bandeja e retirou, levando-a para um carrinho cheio de bandejas que estava na porta do meu quarto.
- Oi. – eu respondi.
- Amanhã de manhã eu venho te acordar, e então você pode passar o dia inteiro na sala de televisão, onde tem filmes, na área de convivência, onde você quiser. - ela sorriu, se aproximando. - E esse botão vermelho, do lado da sua cama, você pode apertar assim que precisar de mim, eu venho correndo. –ela disse com um sorriso que ocupava quase a metade do seu rosto, eu já sabia de tudo que ela estava falando, mas assenti com a cabeça como se fosse a primeira vez que eu ouvia aquilo. – Bom, vou te deixar em paz agora, mas você já sabe, se precisar de qualquer coisinha, é só chamar.
- Tá bom.
- Boa noite, . – disse ela, saindo do quarto, eu não respondi. Fiquei um bom tempo sentada na mesa, olhando pela janela do quarto, tudo parecia normal e sereno do lado de fora. Acabei cochilando apoiada na janela, mas depois acordei e fui para a cama.
- Bom dia! – ouvi a enfermeira me acordando como se estivesse acordando os alunos de maternal da soneca da tarde.
- Bom dia. – respondi, sem muita vontade.
- Vamos descer, tomar café da manhã e aproveitar o resto do dia? – assenti com a cabeça e a segui até o refeitório, no primeiro andar.
No café da manhã eu peguei torradas e dois potinhos descartáveis de manteiga e geleia de morango, me sentei em uma mesa sozinha, e comi em silêncio, observando o restante dos loucos que batiam com os pães em suas cabeças, uns nem conseguiam comer sem ajuda de enfermeiros. Era meio frustrante aceitar que esse seria meu futuro, que, daqui uns anos, eu estaria batendo uma fatia de pão na minha cabeça e imaginando que talvez estivesse escalando o Everest. Meu pensamento foi interrompido por a voz de um garoto, logo atrás de mim.
- Oi. – era ele, o menino que me encarava no quarto da frente. Ele se moveu sereno, se sentou na cadeira na minha frente, seu olhar parecia que ia perfurar meu cérebro. Ele tinha um sorriso misterioso no canto dos lábios.
- Oi. - eu respondi, um pouco atordoada.
- Você vai comer sua geleia?
- Minha geleia?
- É. – disse ele, apontando para o potinho descartável de geleia de morango.
- Ah, pode pegar. – ele pegou o potinho rapidamente, abriu e começou a comer com os dedos, e então ele me analisou com os olhos.
- Esquizofrênica? – ele me perguntou e eu assenti com a cabeça. - Eu também. – ele terminou de comer e levantou da mesa rapidamente, eu fiquei olhando por um segundo.
- , tudo bem? – era a . Me olhava com um olhar estranho.
- Tudo. – eu me levantei e segui o menino. Ele atravessou toda a área de convivência indo para trás de um dos edifícios e então parou, chegando a um tipo de jardim abandonado, com bancos e uma fonte no meio que não funcionava. Eu me abaixei atrás de uma árvore, espiando pela lateral.
- Aqui é muito melhor, né? Longe de todos aqueles loucos. – ele riu e então se virou olhando diretamente pra mim, uma onda fria percorreu meu corpo e eu parei de espiar com a esperança que ele não tivesse me visto, mesmo sabendo que ele tinha. Engoli seco. – Ninguém vem aqui, acho que eles não têm capacidade o bastante para isso. – agora ele estava de pé, ao meu lado, com um sorriso malicioso no canto da boca, eu olhei para cima encontrando os olhos dele. Eu sorri um pouco sem graça.
- É... Me descul...
- Eu sou . – disse ele sentando-se ao meu lado. – Qual é o seu nome, loirinha?
- .
- Eu gosto de loirinha. – falou ele tirando uma mecha de cabelos que estava caída nos meus olhos e colocando atrás da minha orelha, o que me fez corar. Ele riu e eu desviei o olhar. – Chegou ontem?
- Cheguei.
- Entendi, eu já estou aqui faz um mês e meio.
- E os remédios estão melhorando para você?
- Ah, para a depressão? Estão sim, eu quase não tento me cortar mais, e a psicóloga daqui é realmente muito legal eu até não estou em observação mais, sabe? Mas ainda tenho que usar essas luvas aqui...
- Você não disse que era esquizofrênico?
- Ah, eu sou, mas... – ele hesitou. – Bom você nunca acreditaria em mim se eu falasse.
- Tenta, ué.
- Eu consigo controlar minhas alucinações. – ele disse e, por um momento, eu tive vontade de rir, mas percebi que ele estava falando sério.
- O quê? – ele sacudiu a cabeça, afirmando, e eu olhei para ele como se esperasse ele falar “brincadeira, você quase acreditou”, mas não mudou sua expressão ou se quer desviou o olhar.
- Esses remédios não adiantam em nada, loira. – ele disse chegando tão perto que eu podia sentir sua respiração. – eles mexem com a nossa cabeça, nos impedem de controlar tudo isso.
- , não dá pra acreditar nisso, sério.
- Olha pra mim, você acha mesmo que eu estou brincando? – seus olhos estavam exatamente em frente aos meus, ele olhava fixamente, como se quisesse muito que eu acreditasse nele, como se ele jurasse que cada palavra fosse verdade.
- Não é isso, é que...
- Eu posso te ajudar, se você confiar em mim. – eu sabia que era loucura confiar em um menino que eu conheci há uma hora atrás, mas então eu lembrei de todos aqueles esquizofrênicos da clínica e vi o meu futuro naquilo mais uma vez, então eu não tinha o que perder, era isso ou me ver piorando lentamente. Ele estendeu a mão e me olhou com um jeito desafiador, eu apertei a mão dele e ele me puxou para um abraço totalmente inesperado. – Assim que eu gosto. – ele disse, rindo.
Eu passei o restante do dia com ele. me contou um pouco sobre a sua vida, ele era adotado, sua mãe o deixara quando ele tinha cinco anos, a família que o adotou era muito rica, seu pai era dono de uma indústria de fraldas (eu sei, eu também ri quando ele me disse), mas sua irmã mais velha abusava dele desde que ele colocou os pés naquela casa, até que ele tentou se matar e seu pai o trouxe para a clínica. Ele não entrou em detalhes de como conseguia controlar as alucinações, mas me disse que quem o ensinou foi seu avô adotivo, que também era esquizofrênico, e que ele me ensinaria tudo, mas falou que eu precisava parar de tomar os remédios, até me contou onde eu podia escondê-los para que a enfermeira não percebesse. Fomos interrompidos pela .
- Enfim achei. - ela sorriu - Gosta daqui?
- Aqui é quieto, bem melhor que lá. – O falou.
- Verdade. – eu assenti.
- Bom, o horário de visitas já começou, sua mãe ligou falando que daqui meia hora ela chega, vamos voltar para o aposento? – eu levantei e a segui para o quarto, veio logo atrás de nós e entrou no seu quarto.
Quando minha mãe chegou, ela me abraçou, mas ainda estava com aquele olhar, esperançoso e triste.
- Mãe, fiz um amigo hoje.
- Mesmo?
- Sim, seu nome é , ele é muito legal.
- Que bom, filha. - ela disse com um tom meio indiferente, o que me fez parar de falar, ela me disse sobre meu cachorro estar sentindo minha falta.
- E o papai?
- Então filha, é sobre isso que eu queria falar com você. – agonia tomou conta de mim, eu esperei pelo pior. – Ele está na França, e quer que eu me mude para lá com ele por um tempo, só até você melhorar... – a partir desse momento meu cérebro desligou, eu não quis mais ouvir nenhuma palavra, percebi que nem minha mãe mais tinha esperanças, a voz da minha mãe entrou como uma voz de fundo, num restaurante, ou em um bar, eu não quis mais prestar atenção.
- É, acho bom. – eu disse quando ela terminou de falar seus mil motivos para me deixar aqui, sozinha.
- Eu te levaria comigo, mas acho que eu não confio nas outras clínicas como eu confio nessa... Ah, e a vovó vai estar aqui para o que você precisar, ela disse que vem te visitar...
- Tá bom, mãe. – tudo que eu queria era ver a entrando no quarto falando que já tinha acabado o horário de visitas, mesmo que ainda faltasse uma hora.
Me despedi da minha mãe como se fosse vê-la no dia seguinte. Depois do jantar fiquei sentada na mesa olhando para a janela, até que quase tive um ataque do coração quando apareceu na minha janela, pendurado nas grades. Dei um pulo e caí da mesa.
- Desculpa, loirinha. – disse ele, rindo.
- Não, pera aí. Você tá no terceiro andar, pendurado na minha janela, isso não faz sentido nenhum!
- Shh, loira, fala baixo, se me virem aqui, fodeu.
- , como assim, cara?
- Eu escalei. – disse ele, movendo uma das barras de segurança da janela com facilidade e entrando no meu quarto, eu não estava acreditando no que aconteceu.
- C-c-como assim?
- Eu descobri esses dias que essas barras de segurança são presas por um prego que é muito fácil de desparafusar.
- Mas, , como você subiu até aqui?
- Ah, isso foi fácil, eu pisei no ar condicionado de cada quarto e me apoiei nas janelas, e....
- Cara, você é louco. – ele riu quando falei isso, e me ajudou a levantar do chão e nós sentamos na mesa, um de frente para o outro.
- Nossa. – ele me encarou.
- O que foi?
- Faz tanto tempo que eu não falo com uma menina. – ele mordeu o lábio inferior, o que atraiu totalmente a minha atenção. - E você é tão linda...
- ... – eu corei, e desviei o olhar, totalmente sem graça.
- O que foi? – ele riu – Eu só estou falando a verdade. - disse ele com aquele sorriso malicioso. – Quando foi que você falou com um menino pela última vez?
- Um dia antes de vir para cá.
- Seu namorado?
- Não, meu primo.
- E o seu namorado?
- Eu não tenho.
- O quê, como assim, você não tem?
- Não tenho, ué. Simples assim. – ele me encarou por alguns instantes e então me beijou, eu me afastei e dei um tapa no rosto dele, levantando da mesa em um pulo.
- Não acredito que você me bateu. – ele disse com a mão onde tinha levado o tapa e se levantando da mesa vindo em minha direção.
- , eu nem te conheço, você acha que pode vir beijando os outros desse jeito? – ele se aproximou de mim e me empurrou bruscamente na parede, segurando minhas duas mãos com uma só, e eu tentei sair, mas ele colou seu corpo com o meu, como se fosse fundir nós dois em um só.
- E agora, loirinha? – ele disse encostando suavemente seus lábios nos meus – Vai fazer o quê?
- E-e-eu... Vou gritar. – eu disse ofegante, ele riu de mim.
- Então eu acho que vou ter que calar você.
- , não...
- Para de falar um pouco. – ele disse beijando de leve meu lábio inferior, o que me deixou totalmente vulnerável. – Deixa eu tentar uma coisa. – Ele colocou minhas mãos por cima do seu ombro me abraçando pela cintura, e então ele me beijou, seus lábios encaixavam perfeitamente nos meus, fazendo com que entrássemos em sintonia, como se fossemos a mesma pessoa. Ele me levantou, me colocando sentada na mesa de ferro e se pondo entre minhas pernas. Ficamos nos beijando por um longo tempo, sem nem mesmo parar por um segundo se quer, depois nos deitamos na minha cama e ele ficou abraçado comigo, mexendo no meu cabelo, me contando sobre coisas que já aconteceram em sua vida, me contou que queria ser músico, guitarrista em uma banda, e que ficar sem seu violão era difícil para ele. Depois eu acabei pegando no sono.
O tempo estava passando rápido, eu não tomava os remédios já faziam dias e me ensinava como controlar minhas alucinações. Pela primeira vez eu me sentia como se realmente estivesse melhorando, mas eu ligava mais para o fato de estar com ele do que estar melhorando. Ele me fazia muito bem, às vezes eu pensava que poderia ficar para sempre na clínica, se ele ficasse lá comigo. O que a gente tinha era intenso, e ficava mais e mais intenso a cada dia, eu tinha certeza que com ele as coisas eram diferentes e eu não sabia explicar o porquê direito.
Dois meses haviam passado, e nenhuma notícia sobre a minha alta. Eu estava sentindo falta da vida fora daquele lugar, mesmo estando apaixonada pelo , eu imaginava a minha vida com ele fora da clínica, onde nós poderíamos ir ao cinema, ao parque, em uma praça que não esteja abandonada e que tenha uma fonte que funcionasse de verdade. Já passava da hora do café da manhã e não o vi. Procurei no jardim, na área de convivência, na sala de televisão e em mais outros lugares, até eu subir e olhar na janelinha do quarto dele e vê-lo todo amarrado em sua cama, preso de todas as formas possíveis, desacordado, eu tentei abrir a porta mas estava trancada.
- ! – eu gritei, com angustia em minha voz e esmurrei a porta com a esperança de acordá-lo, mas sem resultados, continuei olhando, e senti meus olhos encherem de água, até que ouvi uma voz me chamar.
- , está tudo bem? O que você está fazendo aí? – era a , me observava com aquele olhar ingênuo, como se não soubesse o que estava acontecendo. Uma onda de ódio percorreu o meu corpo, mas eu sabia que tinha que ser forte, não podia agir diferente, senão eu iria acabar como o , ou pior, não conseguir salvá-lo.
- Nada, eu só estava entediada, acho que vou tirar um cochilo, não dormi muito bem a noite...
- Está tudo bem mesmo? E você sabe que podia ter me chamado. – disse ela se aproximando e encostando a mão em minha testa. – Você parece abatida.
- Ah, deve ser só o sono, eu vou dormir um pouquinho e tenho certeza que depois vou estar ótima. – sorri forçadamente, ela me olhou com desconfiança.
- Tudo bem, mas você sabe que pode me chamar, e contar comigo para tudo, não sabe?
- C-claro. – não consegui deixar de gaguejar, mas fui para o meu quarto com a finalidade de não estender a conversa. Eu precisava fazer alguma coisa, eu precisava tirá-lo de lá, meu coração batia angustiado, tinha uma voz na minha cabeça que gritava comigo, me pressionando para que eu pensasse em alguma coisa, mas eu não conseguia pensar em nada, até que ouvi a voz do na minha cabeça, como um flashback dizendo “eu escalei” então eu soube o que eu tinha que fazer.
Já era madrugada, e eu fiz exatamente o que ele fazia todas as noites para subir no meu quarto, desparafusei as barras de segurança da janela e desci me apoiando na ventilação do lado de fora, ignorando totalmente meu medo de altura. Quando achei o quarto dele meu coração acelerou, ele estava deitado olhando para cima, ainda amarrado, cantando Sieze The Day.
- , o que fizeram com você, meu amor? – eu disse me aproximando de seu rosto com vontade de chorar. Ele estava com olheiras fundas e seu braço tinha marcas de agulha.
- Eles descobriram, loira, que eu não estava tomando meus remédios. – ele disse com a voz rouca. – Ontem quando eu voltei do seu quarto, os enfermeiros estavam me esperando aqui, eu tentei explicar para eles, que estava tudo bem, que eu estava bem, mas eles me ignoraram, injetaram medicamento em mim e agora eu estou aqui, amarrado para que eu não consiga sair.
- Eu vou te tirar daí. – eu disse soltando todas aquelas coisas que estavam o prendendo na cama, ele me abraçou forte quando saiu.
- Vamos fugir, loirinha. – disse ele com as mãos no meu rosto. – Vamos sair daqui, ninguém nunca vai saber de nada, nunca vão nos achar.
- , como nós vamos fazer para sair daqui?
- Nós vamos conseguir. – ele me beijou. – Sei que podemos fazer isso, juntos.
- Mas como?
- Eu tenho uma ideia, só sei que temos que sair daqui. Eu não consigo aguentar a ideia de que eles possam machucar você, ou de te ter longe de mim.
- Eu te amo. – ele me beijou quando eu disse isso, e sorriu logo depois.
- Eu te amo. – ele pegou a minha mão.
Nós descemos pelo lado de fora do prédio e entramos pela janela no primeiro andar, onde nós poderíamos sair pela porta dos fundos da cozinha. Corremos pelos corredores em silêncio até chegarmos lá.
- Eu vou ver se está tudo seguro lá fora. – disse ele tentando soltar minha mão e eu hesitei e apertei sua mão com força.
- Eu quero ir com você.
- Relaxa, loirinha. Está tudo bem. – ele soltou a minha mão e abriu a porta dos fundos da cozinha com cautela, mas assim que ele pisou do lado de fora, um enfermeiro apareceu e rapidamente enfiou uma seringa no pescoço do , o que fez com que ele caísse no chão imediatamente, e com que eu gritasse.
- Não! – gritei com toda a força que eu tinha, ele olhou pra mim.
- Corre. – conseguiu sussurrar antes de apagar, e eu obedeci, quando aquele enfermeiro correu logo atrás de mim, coloquei todas as minhas forças nas pernas naquele momento, as lágrimas escorriam pelo meu rosto. “Eu volto para te buscar” pensei, quando atravessei o corredor chegando no salão principal, onde dois enfermeiros me seguraram e eu tentei me debater com toda a força que eu tinha.
- Me solta! – eu gritei, mas de nada adiantou, até que apareceu na minha frente e injetou a seringa no meu braço.
- Shh, - disse ela passando a mão em meu cabelo – Vai ficar tudo bem. – sua voz parecia um eco agora, então eu apaguei.
* * *

Acordei com a cabeça doendo, como se fosse explodir, meu braços e pernas estavam amarrados na cama.
- ? - foi tudo que consegui falar, vi a silhueta de alguém aparecer na minha frente, não sabia quem era.
- Ela está acordando. – ouvi a uma voz ainda como um eco, até que a imagem começou a se formar, era a e mais dois homens.
- , como você está se sentindo? – falou um deles. – Meu nome é Doutor Roberto.
- Me solta. – minha voz estava fraca, mas eu estava me recuperando lentamente. – O que vocês fizeram com ele?
- Com ele? – os três se entreolharam.
- É, com o . – eu falei com ódio em minha voz. – Me solta, por favor.
- ? – disse se aproximando de mim e soltando todas aquelas coisas que me prendiam na cama.
- É, , o , o meu .
- Você poderia nos falar mais sobre ele? – ela perguntou com um olhar um pouco confuso.
- Não se faça de sonsa! – eu gritei.
- Tudo bem, , vamos manter a calma. Eu não quero ser obrigado a te prender novamente. – disse o doutor com cautela, eu respirei fundo.
- Você tem tomado seus remédios? – disse .
- Te- tenho...
- Está mentindo. – falou o outro homem, encostado no canto do quarto.
- , nós tivemos que te dar uma dose mais forte do seu remédio, você piorou muito, eu achei que você quisesse melhorar, nunca imaginei que as coisas chegariam a esse ponto. – disse , com uma voz triste.
- Vocês não entendem, vocês nunca vão entender.
- Entender o quê? – disse o doutor examinando meu rosto.
- Eu... Eu consigo controlar minhas alucinações, eu consigo me curar sem os remédios, eu sei o que fazer para ficar bem de novo, para ficar normal, e vocês não percebem isso. – eu falei um pouco desesperada, eles se entreolharam, e olhou para baixou fazendo “não” com a cabeça. – Eu sei que parece loucura, eu sei! Mas olhem para mim, eu estou bem!
- , acho melhor você descansar um pouco.
- Não! - eu me levantei e corri para a porta, um enfermeiro tentou me segurar, mas o doutor Roberto falou para que me deixasse ir, eu corri para o quarto da frente e abri a porta bruscamente. – ! – eu gritei com desespero quando pude perceber que por trás da porta que eu acabei de abrir estava um armário, cheio de vassouras e produtos de limpeza, me virei com lágrima nos olhos olhando diretamente para o doutor.
- , eu não acho que...
- Vocês me mudaram de quarto? – eu falei já não conseguindo controlar meu choro. – Por que vocês fizeram isso?
- , preste atenção. – começou a falar. – Ninguém te mudou de andar, esse ainda é o mesmo, desde que você chegou aqui.
- Não! – eu olhei para a porta do meu quarto, e lá estava o número 32, exatamente o mesmo. Minha cabeça doeu, eu chorei mais. - O que vocês fizeram com ele?
- , você precisa escutar, precisa prestar atenção. – Disse , com uma voz séria. – Nós não sabemos de quem você está falando.
- C-co-como não?! Vocês o pegaram ontem, amarraram-no na cama, eu mesma fui lá, eu salvei ele de vocês! A gente, - olhei para baixo - ia fugir daqui. – eu soluçava de tanto chorar, eu me ajoelhei nos pés da e dois enfermeiros se aproximaram, mas novamente o doutor Roberto fez sinal para que eles parassem. – Por favor, me fala o que vocês fizeram com ele, é tudo que eu te peço, eu prometo tomar os remédios, todos eles. – eu implorei.
- , veja bem, nós não temos nenhum paciente com o nome aqui, o último que foi liberado cinco meses antes de você chegar, e tinha sessenta anos.
- Não, , você o viu! Ele estava comigo, todos os dias, atrás do edifício, no jardim abandonado.
- Todos esses dias você vai para aquele jardim, fica horas lá, sozinha, olhando para a fonte.
- Isso é mentira, você sabe que eu não fico sozinha, ele fica comigo todos os dias, , você o viu.
- , eu sei que isso pode ser difícil para você, mas todos esses dias você acreditou em suas alucinações, você não estava aprendendo como se livrar delas, você estava alucinada esse tempo todo. Não existe nenhum aqui. - falou o doutor se aproximando de mim.
- Não! – eu gritei.
- Veja bem. – disse ele pegando um pen drive no bolso de seu jaleco. – Aqui estão as filmagens da câmera de segurança de todos os quartos.
- Tem câmeras nos quartos? – eu falei, limpando uma lágrima.
- Tem sim, você pode ver as filmagens de todos os quartos, pode tentar achar o quarto do , se quiser. – Eu o segui para uma sala onde ele me mostrou todas as filmagens de segurança, todos as noites em que eu pensava estar com o na verdade eu estava sozinha, falando sozinha, agindo como se outra pessoa tivesse lá, quando na verdade não tinha ninguém.
- Não, não, não. Isso não está acontecendo comigo, ele estava lá, doutor, eu juro que estava, eu podia senti-lo.
- Não, criança. Você achava que podia. – ele disse com um olhar triste. Nesse momento o pânico tomou conta de mim, e então eu corri, passando pelos enfermeiros que correram atrás de mim, fui para trás do edifício, para o jardim, e lá estava o jardim, intacto, exatamente como todos os dias, e foi quando senti minha cabeça latejar tão forte que pensei que fosse desmaiar, me ajoelhei no chão com os olhos ardendo de tanto chorar, e, enquanto eu olhava para cada lugar do jardim em que eu tive momentos com ele, comecei a lembrar das verdadeiras lembranças, aquelas que ele não estava, vi o dia em que o conheci, no refeitório, falando com ninguém, “Está tudo bem, ?” me perguntara no dia. Lembrei da noite em que ele me beijou pela primeira vez, de quando ele disse que me amava pela primeira vez, quando nós nos olhamos pela primeira vez, nada disso foi real, eu não tinha aprendido como controlar minhas alucinações, eu estava perdida nelas, eu não tinha mais a noção de realidade.
- Vem comigo, querida. Vamos dar um jeito nisso. – disse , me ajudando a levantar.
me deu banho, fez questão que eu tomasse os remédios e me levou de volta para o meu quarto, onde eu fiquei o dia todo deitada, debaixo das cobertas, em estado de choque.
Acordei de madrugada com o barulho de uma tempestade, e foi quando vi a silhueta de um menino de pé, em frente à minha cama, um raio iluminou sua cicatriz do lado direito do seu rosto.
- Shh, loirinha. - ele sorriu cheio de malícia - Vamos fugir daqui.

Capítulo betado por Amy Wonder


FIM!

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