New Year: I will be rising from the ground like a skyscraper.
Planos psicóticos. Alegorias transcendem o meu ser. Exacerbo me a cada lembrança. Me controlo. Paro de mexer no buraco formado na parede e olho fixamente para a cicatriz em meu pulso. Contenho por pouco, mas é impossível não soltar um grito, abafado por conta da rouquidão que se instalou por definitivo em minha garganta. Percebo então que aquela não é a única cicatriz, e que esse não é o único motivo pra eu estar onde estou. Após dois meses, estou sendo transferida para outra cela. Bem, essa não é uma cela, nem uma sala. É um quarto. Rústicos móveis de madeira enfeitam o mesmo, há uma cama e nenhum sinal objeto que posso usar para me cortar caso tenha outro ataque. Apesar de que os médicos garantiram que não terei mais nenhum; tomei pílulas e comprimidos para que isso parasse, agora tem que funcionar. Fui licenciada à mudança de dormitório por conta da recuperação acelerada. Se eles dizem que foi acelerada o problema é deles, pois pra mim se passou dois anos pra conseguir me recuperar e conseguir ficar em pé sem ajuda de enfermeiro. Foram apenas dois meses. Dois longos meses que praticamente mataram o resto de alma que eu tinha. Reabilitação ajuda a melhorar? A mim só fez me cair de vez no buraco negro da depressão. Eles procuravam me ocupar a mente, fazer com que eu estivesse prestando atenção em algo que se fala em vídeo de autoajuda que passa na TV da ala principal. Eles fizeram de tudo e mais um pouco por mim. Minha saúde está 68% melhor e estou sendo liberada para um passeio no jardim do hospital. Sozinha. Pela primeira vez em dois meses me vejo sozinha. Finalmente sentindo um ar bom, um ar que, mesmo me deixando com os dedos congelados, me faz bem. É manhã, e mal vejo o sol. Dia nublado, típico da data. É natal. E estou sozinha.
- Vamos minha querida, é hora de tomar o coquetel – disse Morgan, minha enfermeira de plantão.
Minha parceira, Morgan, me ajudou em diversas situações aqui dentro. Devo 50% da minha recuperação a ela. Os outros 50% devo a mim mesma. Essa mulher tem feito muito por mim, e muitas coisas não se podem pagar. Nem com dinheiro, nem com vida. Isso me intriga. Não posso sair daqui sem ao menos achar um modo de vê-la feliz. Não dá pra simplesmente agradecer e ir embora. Eu conseguiria antes, mas agora? Não. Se tem uma coisa que eu aprendi aqui, essa é ter compaixão. Morgan me ensinou isso. Não propositalmente, eu acho, pois ela é do tipo de pessoa que você olha e já percebe que há luz pacífica habitando nela. Uma mulher que se destaca. Não pela beleza, mas pela bondade. E foi pela bondade dela que consegui comida de verdade. Foi por ela que soube do meu diagnóstico, da minha situação, e de . Inclusive, ela quem me disse que devo ser liberada na primeira semana de janeiro... Um anjo. E vou sentir falta desse anjo. Principalmente porque não estou preparada pra encarar a vida novamente. Não sinto sequer vontade de dizer “quero voltar pra casa”. Não tenho casa. Aquela não pode mais ser minha casa. A dor volta. É por isso que ele me pôs lá. Nesse meio tempo, pude perceber que meu pai apenas me mandou para aquela casa com intuito de me ver sofrer o tanto que ele sofreu, porque talvez assim eu parasse pra pensar que a vida é curta. É sim, curta. Eu entendo isso, pai. E eu queria tanto poder entender tudo aquilo. Mas é justo? Não é! Ele esteve certo em me corrigir e falar as piores verdades durante minha adolescência, sim, mas isso... Isso é inaceitável. Bom, se ele queria ver meu sofrimento, conseguiu. Estou num hospital, internada há dois meses. Perdi dez quilos. Meus cabelos caem frequentemente por conta do nível do coquetel. Há ainda marcas da autoflagelação que sofri; meus braços, pescoço. “”. E eu até diria que não tenho ninguém, mas isso não posso porque Morgan esteve comigo. Apenas ela. Só ela. “”. Tudo se tornou em ruinas. “”. Pois é, pai, você conseguiu me destruir.
- ! Te chamei três vezes e você não me respondeu! – diz Morgan e senta ao meu lado na minha cama nova. – Perdida nos pensamentos novamente?
- Acho que sim – digo. – Normal né?
- Vindo de você, é sim, normal – ambas rimos. – Tenho uma surpresa pra você...
- E você não vai falar porque é surpresa, blá blá, já conheço essa história, Morg!
- Vejo que já me conhece bastante... Não mesmo, não vou falar. Você vai ver.
Adoro surpresas. Ainda mais quando elas começaram a vir de alguém que se importa comigo. Morgan tem os mesmos traços que minha mãe. Talvez eu não deva compará-las, mas é inevitável não pensar em como seria se fosse minha mãe no lugar dela. Aqui, comigo, cuidando de mim. É tão doloroso guardar isso, e garanto, não há remédio que me faça parar de sentir essa dor. E lá vem ela novamente pra me distrair desses pensamentos. Morgan percebe quando começo a pensar sobre minha mãe melhor que qualquer médico daqui. Isso nem é tão difícil de perceber. Lágrimas nos olhos, olhar fixo no nada, e braços cruzados, não sou indecifrável. Como eu dizia, lá vem ela pra me distrair, e vem com uma caixa. Morgan carrega a caixa retangular com uma mão e na outra há uma sacola verde.
Antes que pudesse abrir a boca para dar oi, ela diz:
- Sua surpresa...
Olho pra caixa e consigo ler o que há escrito nela.
- Não acredito! Sério?
- É sério minha linda, agora vem me ajudar a montar. Onde você quer colocar?
Dou uma olhada pelo quarto e vejo algumas opções. Mas nenhuma é tão boa quanto à pequena cômoda branca.
- Aqui.
- Pensei o mesmo... Pega. – diz Morgan e me joga a sacola verde.
- Posso?
- Claro que pode, é sua.
- Me ajuda?
- Claro querida... Vem, você coloca as bolinhas maiores enquanto eu coloco as menores.
Morgan para na frente da árvore e espera que eu reaja ao que ela disse. Mas ao invés disso volto a pensar nela.
- Ela costumava a fazer isso comigo...
- O quê? Enfeitar árvore de natal no dia do natal?
- Não, boboca – rio e pego três bolas. – Me deixar colocar as maiores enquanto ela colocava as menores.
- Típico de mãe.
Morgan tem filhos e eu não sei disso? Ela passou esse tempo todo comigo sendo que tem uma família em casa. Como pude deixar isso acontecer?
- Morg...
- Não. Não diz nada. – ela me olha, abaixa a cabeça e volta a colocar as bolinhas. – Ela tinha dezesseis anos apenas.
- O que aconteceu?
- Leucemia mielóide aguda.
- Você tem mais algum filho? – Tento mudar o assunto a fim de que ela não precise se lembrar do que aconteceu.
- Só a tive. , não precisa mudar o assunto. Eu gosto de falar dela. Você quer saber quem foi Katherine, minha filha? – aceito a oferta que ela se dispôs a dar. – Carinhosa. Conservadora. Sensível. Sociável. Calma. Espirituosa. Bondosa. Paciente. E principalmente, otimista. – Uma lágrima escorre. – Ela tinha um otimismo que impressionava. Mesmo após o divórcio com o pai da Kathy, o otimismo dela não ia embora. – Morgan senta na beirada da cama enquanto eu sento no chão, pronta pra ouvir. – Katherine tinha um dom. Ela não era boa com instrumentos musicais ou com dança. Mas ela cantava. Sua voz tinha um toque a mais de doçura e delicadeza, incrível como ela chegava às notas altas com facilidade. – As lágrimas começam a escorrer rapidamente e não hesito em levantar para abraça-la.
Como não tenho coragem de dizer nada, ela continua:
- Houve uma época em que vi toda aquela felicidade dela espairecer. Foi durante o começo da quimioterapia, quando ela preferiu raspar a cabeça a ver seu cabelo caindo cada vez mais. Kathy não ficou triste por causa do cabelo. – rio. – Ela ficou infeliz porque o garoto que namorava pediu pra dar um tempo a ele. – Morgan enxuga as lágrimas e continua a falar – Sabe por que eu cuido de você? – nego. – Porque eu não aguento mais ver alguém se cortando. Tentando se matar. Querendo perder a vida ao invés de encara-la – sinto uma flechada de culpa atravessando minha cabeça. – Kathy tentou se matar, entrou em depressão e a quimioterapia só a fazia ficar pior. Essa foi a pior parte da minha vida. Vê-la triste era a minha fraqueza. Mas ai é que uma força surgiu dentro de mim, e eu prometi a mim mesma que lutaria pela vida dela enquanto pudesse. E foi o que fiz. Após melhorar, sair da depressão e parar de se cortar, ela me disse: “Obrigada mãe. Agora mais do que nunca eu entendo aquela frase que diz que a vida é como andar de bicicleta: Pra manter o equilíbrio é preciso se manter em movimento”. Cinco dias depois ela faleceu. E eu quem tive de montar a bicicleta e me mantar equilibrada. Mantive me até encontrar você. , antes de você saber da minha existência eu já havia decidido que seria sua enfermeira de plantão. Quando vi os cortes, as cicatrizes; quando ouvi seu choro, seu desespero; numa fração de segundo entendi que essa é a minha missão agora: cuidar de você o quanto puder.
Novamente estou sem palavras, agora sou eu quem chora. Há um embrulho na minha mente, me sinto conturbada. Como um ato de desespero a abraço por 20, 40, 80 segundos e ali fico até determinado tempo. Não é necessário dizer nada. Nós duas nos entendemos como mãe e filha. Nós duas temos feridas. O diferente é que ela aprendeu a sobreviver, eu não. Vou precisar muito dela. Com toda certeza vou.
- , isso chegou pra você. – Entra o enfermeiro chefe – Que bela árvore de natal!
- Obrigada Jeremy, nós duas que enfeitamos... Quem deixou isso? – ele então olha pra Morgan e diz:
- Ele não deixou nome, apenas disse que era o presente de natal da nossa mocinha aqui...
- Admirador secreto, ?! Por que você não abre logo?
- Que admirador secreto o quê?! Enlouqueceu?! – digo.
- Bom, tenho que voltar ao meu posto. Beijinhos nas duas. – Mando beijo com a mão e Morg faz o mesmo.
Assim que Jeremy sai, pergunto:
- Desde quando ele se assumiu?
- Semana passada, não lembra? – Morgan diz e bate na minha perna – Agora abra porque eu estou curiosa.
Rasgo o embrulho da caixinha pra que Morg pare de me apressar. Um colar. Alguém me deu um colar com o símbolo do infinito.
- Morg, foi você?
- Por deus, eu juro que não fui eu.
Engraçado, ninguém sabe da importância que esse símbolo tem pra mim. A não ser que... Não, meu pai não me conhece tão bem assim. Passo a madrugada conversando com Morgan e comendo mais coisa proibida (que ninguém precisa saber). E esse é meu natal.
Seis dias após...
- Você jura que vai ficar bem?
- Juro sim, de mindinho até!
- Tudo bem então, me ligue por qualquer coisa. – Morgan me dá um beijo na testa e entra no carro.
Hoje é dia 31 de dezembro, e eu realmente estou desanimada. Todos estão de folga, inclusive Morgan. Não, ela não vai me deixar sozinha porque quer descansar na virada. Ela faz um tipo de ritual, ir pra casa da irmã e ficar no antigo quarto da filha dela. Eu não posso sair daqui, então, ficarei sozinha. Dessa vez, de verdade.
Estou sentada na minha cama, olhando a neve cair pelo vidro da janela. Ainda não anoiteceu e isso deixa a paisagem um pouco harmoniosa. Ao longo do passar do tempo, a imagem fica meio distorcida. O vidro fica embaçado e começo a desenhar nele. Rapidamente me levanto ao ver que Morgan está lá fora, sentada, na neve, chorando. Eu não tenho outro casaco, nem luvas. Não posso sair pela frente porque vão me barrar. Penso por um segundo e abro a janela sem me importar com o barulho ou sequer as câmeras. O espaço é pequeno, mas emagreci, passo fácil por aqui. Assim que chego no lado de fora a sirene do hospital toca e sou forçada a correr por pelo jardim e ir na direção do pátio. Ninguém me persegue, não há ninguém aqui. Não há sinal de Morgan. Ela estava bem aqui, onde estou parada, e agora não está mais. Será que ela foi ver se eu estava no meu quarto? Ela deve ter ido lá! Rastejo os pés na neve, já que não os sinto mais. Essa bota não protege nada, muito menos esquenta. Chego até o centro do pátio e sinto uma leve pancada na cabeça. Agacho me já sem forças e procuro por sinal de alguém. Não há ninguém. Minha cabeça começa a ser bombardeada por lembranças, meus olhos estão cegos e não sinto mais nada além da dor infernal que se instalou na minha cabeça. Não consigo gritar, não tenho voz pra isso. Está muito frio e já não sinto minha mão. Não consigo ver meu rosto, mas tenho certeza de que meus lábios estão roxos. Novamente sinto a pancada. Deve vez mais forte. Não resisto e caio na neve. Mesmo estando praticamente inconsciente, sinto dois braços me carregando. Não resisto novamente e tudo fica preto.
Abro os olhos lentamente, até acostumar com a luz do quarto. Passo a mão sobre o cobertor macio no qual estou enrolada. Sinto um frio anormal ainda, mas me recuso a continuar deitada. Há alguém no banheiro, deve ser a Morg. Me levanto sem fazer barulho. Preciso mostrar que estou bem. Que estou...
- ?
Recuo impulsivamente. Ele não diz nada. Sua expressão é de surpresa e a minha de espanto. A vermelhidão de sua face o denuncia, ele havia chorado. Mas por quê? Será que...?
- O quê...? – Sem que pudesse terminar a fala sou pressionada contra o corpo dele. Ele não me abraça num modo convencional, ele o faz como se estivesse me segurando caso eu fosse cair. Ouço alguns sussurros vindos dele, algo desconexo. Inesperadamente ele segura meu rosto e para por dez segundos. Seus olhos estão fixos aos meus, e eu ainda estou perplexa. – ...
REMEBERING:
“[...] Juro que por um segundo pensei que fosse ser beijada por . E ao contrário disso eu apenas o reconheci como desconhecido. Difícil de entender? Vou explicar: ele não me é estranho. O olhar dele. O sorriso. O modo de falar. A sobrancelha. Tudo, não é tão longe do comum, é parte de algo que eu já vi. E quando reparei de verdade, vi que tem algo a mais nele.”
Não. Paro de lembrar esses acontecimentos e volto a olhar ele. Uma lágrima solitária escorre pelo seu rosto e levo o dedo para enxugá-la. Apenas paro para pensar na consequência disso quando separa nossos lábios.
- Sempre achamos que vamos ter mais tempo, . Mas ai, o tempo acaba.
Não respondi. Não sei o que responder. E quando me aproximo novamente dele, tudo some. Novamente me vejo jogada no chão do pátio. Pequenos flashes de luz. Escuridão momentânea. Gelo cobrindo meu corpo. Praticamente morta. Os fogos começam a explodir pelo céu. E essa é a última imagem que vejo: O céu sendo colorido pela mão dos homens.
*Fim do especial de Ano novo*
Nota da autora: Yay! E aí, curiosa? Confira o andamento da fic também! Aproveite e comente aqui embaixo o que você achou do especial de ano novo :3 Espero que tenha gostado hahah. Agradeço a Carol Siqueira que me ajudou com isso, e agradeço a quem já está acompanhando. Obrigada mesmo! Xoxoxoxo
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