História por Mayara H. | Revisão por Gabriella


Há um tempo, eu gostava muito de caminhar nos dias nublados. Não que eu não gostasse de sol. Não, longe disso. Mas eu gostava da sensação que o ar causava, da coloração do céu. Os diversos tons de cinza me cativavam mais do que os raios de sol fortes que entravam por entre as frestas da minha cortina todas as manhãs.
Apesar de apreciar todas essas pequenas coisas da vida, eu me tornara apenas um pequeno pedaço de energia, do qual as pessoas nem se lembravam que havia existido um dia. Não que eu esteja reclamando, até porque é muito mais legal ficar sentada em cima de uma nuvem observando todos que passam abaixo de mim.
Não entendeu? Eu explico mais ou menos o que eu sou, de onde eu vim e no que me transformei.


Sou , no meu último aniversário, completei dezenove anos. Nasci em Wichita Falls, uma pequena cidade no condado de Wichita, Texas. Para algumas pessoas, pode parecer legal o fato de morar em um lugar em que as pessoas são apaixonadas por futebol, música country e carne, mas depois de um tempo você não aguenta mais conviver com essas miseras coisas que fazem aquelas pessoas tão felizes.
Desde pequena, sempre desejei coisas grandes, quis sair e conhecer o mundo, ver as coisas com os meus próprios olhos. Eu tinha curiosidade de entender o porquê das coisas, das pessoas, da vida. E esse conhecimento ninguém poderia me negar.
Por isso, desde o início da minha vida escolar sempre me esforcei muito para manter minhas médias altas e dar sempre o melhor de mim até nas pequenas coisas. Com isso, fui a melhor estudante de todas as turmas em que passei. Todavia, ainda sentia que falhava em algumas mínimas coisas, afinal, logo após o horário da escola, eu trabalhava em uma loja de conveniências para juntar dinheiro e investir no meu futuro.
Sentia-me lisonjeada em ter tanto conhecimento e, às vezes, pensava que talvez eu não tivesse absorvido tudo isso em tão pouco tempo. Eu tinha uma capacidade de aprendizagem muito acima da média. Tanto que nos dias de entrevistas para as faculdades, algumas me ofereceram mil e uma vantagens para que eu me tornasse sua aluna. Mas nada mudaria o fato de que eu queria muito ser física matemática. Talvez até a melhor que o mundo já viu.


De todas as entrevistas que eu fizera, passara em... todas. E como eu teria de escolher apenas uma, escolhi a que eu já tinha em vista, ou seja, a melhor faculdade nos ramos da física, Instituto de Tecnologia da Califórnia. Longe de casa? Sim, mas eu não estava me importando muito com isso. Tudo que eu teria de fazer era preparar minhas malas e evitar o choro de minha mãe dizendo o quanto sentiria falta de seu bebezinho em casa.
A primeira parte do plano não fora muito difícil. Só tive que aturar meu irmão mais novo dizendo que durante a faculdade eu iria ter muito contato físico com vários garotos diferentes e que torcia para que nenhuma dessas copulações humanas fizesse com que eu voltasse para casa mais cedo com um sobrinho nos braços. E depois teve o meu pai me dizendo o quão grande era o passo que eu estava dando, que isso era um orgulho para a família e que eu seria a primeira cientista na família.
Que eu seria a primeira cientista da minha família era fácil de descobrir. Era só olhar para cara de todos os meus primos e do meu irmão que todos saberiam que eram todos idiotas demais para seguirem tal carreira tão promissora, se iniciada no cérebro certo. Meus tios e avós... bom, meus tios apenas terminaram o ensino médio. Com exceção de meu pai, que se formara em arquitetura e tinha uma loja bem sucedida de materiais de construção. E os meus avós nem chegaram a terminar o fundamental.
— Tem certeza de que está pronta para fazer isso? Quer dizer, podemos esperar até o próximo ano, sem problema algum. — meu pai dizia enquanto andávamos pelo aeroporto tranquilamente.
— Não, pai. Eu quero fazer isso agora. Tenho certeza de que estou pronta e vai ficar tudo bem.
— É sério? — parou de frente para mim, encarando-me seriamente com as mãos em meus ombros.
— Sério. — tentei passar confiança para ele.
— É que eu e sua mãe não estávamos preparados para a maneira como tudo aconteceu, sabe? Até porque achávamos que você iria escolher uma faculdade um pouco mais próxima e tudo o mais.
— Eu sei, pai. — suspirei. — Mas sabe o quanto isso é importante para mim, sabe que em mim você pode confiar, não sabe? — sorri.
— É, eu sei. — abraçou-me. — Não esqueça que mesmo já tendo dezoito anos e indo para a faculdade, prestes a se tornar a melhor cientista que esse mundo já viu, você continua sendo a minha garotinha. — desvencilhou-se de mim. — Acho que já está na sua hora, garota.
Olhei o enorme relógio na parede e percebi que ele estava certo.
— Está na hora. — respirei fundo.
— Nunca se esqueça, . O mundo estará sempre pronto para te dar oportunidades e receber você, basta apenas você fazer isso por si própria, certo? — disse em um tom calmo, passando-me toda a sua confiança e dando um beijo no alto da minha cabeça.
— Até mais. — abracei-o novamente e fui em direção ao portão de embarque.
Enquanto parada na fila, fiz uma enorme força para não olhar para trás, pois eu não queria desistir e olhar para trás significa desistência.


Assim que cheguei a Los Angeles, peguei o primeiro táxi que vi em direção a Pasadena. Não que eu não pudesse dar um passeio antes de conhecer minha nova casa nos próximos anos, eu só não queria fazer isso.
E, chegando à faculdade, vi várias pessoas andando de um lado para o outro, com malas, gaiolas com seus pequenos bichos de estimação, instrumentos musicais e toda essa parafernália que se vê em filmes.
Procurei pelo meu dormitório em vários corredores diferente, até que consegui achá-lo. Por sorte, ele ficava de frente para o banheiro, o que tornava isso uma grande vantagem para as minhas necessidades urinárias noturnas.
— Olá. — uma garota sorridente, eu diria bonita demais para ser inteligente, surgira na minha frente.
— Oi. — tentei parecer tão agradável quanto, mas não fui bem sucedida.
Quer saber por quê? Simples, o preço da inteligência é: sem amigos, sem namorados. Isso é regra.
— Parece que seremos colegas de quarto. — aquele sorriso parecia colado na cara e eu não gostei nada disso, porque já estava me dando agonia olhá-la daquela forma.
— É, parece que sim.
— Você não parece muito feliz. — não sei como, mas ela parara de sorrir e, agora, exibia uma feição confusa.
— Só estou cansada. Foram muitas horas de viagem. — coloquei minha mala ao lado da cama que ainda estava vaga.
— De onde você vem?
— Wichita Falls, Texas. E você? — tentei parecer um pouco mais sociável enquanto me familiarizava com meu novo colchão.
— Isso é bem longe, não?
— Não sei exatamente quanto tempo deu de avião, afinal eu dormi no trajeto inteiro, porém uma viagem de carro demora cerca de vinte horas. — dei de ombros. — Ou seja, é meio longinho, sim.
Só então percebi que ela não havia respondido minha pergunta, sendo assim, insisti.
— E você? De onde vem?
— San Diego.
— Não é muito perto também. Calculando mais ou menos a velocidade de um veículo motorizado, em uma velocidade permitida pelo departamento de trânsito, isso dá mais ou menos duas horas e quinze minutos.
— Como sabe quanto tempo de viagem eu demorei até chegar aqui, hein?! — ela parecia meio assustada.
— Isso é física básica. Não é muito difícil considerando os dados que já temos. — dei de ombros.
— Estou achando você muito parecida com alguém que eu conheço. — fez uma feição de pensativa.
— Acabamos de nos conhecer, isso eu tenho certeza. — ajeitei os óculos em meu rosto.
— Como é seu nome?
. . — estendi a mão para ela e que cumprimentou-me meio desajeitada.
— Sou Baby. — sorriu.
— Baby? — franzi o cenho.
— Acho que meus pais não estavam com a criatividade muito aflorada quando resolveram me dar esse nome. — deu de ombros. — Desconfio que tenha sido uma maneira de continuar me chamando de bebê mesmo depois de crescida.
— Ainda bem que os meus pais não tiveram essa ideia. — ironizei.
Vamos e viemos, gente, Baby é um nome ridículo para uma garota de dezoito anos que acaba de entrar na faculdade, não é?


Mesmo que Baby não fosse à pessoa mais inteligente do mundo e fosse leiga em muitos assuntos — é até relevável levando em consideração o fato de que ela estava ali para cursar Horologia —, porém na falta do que fazer, era bom conversar com ela — lê-se: ouvi-la contando toda a história de sua infância enquanto morava em Michigan.
Depois de quase três horas ouvindo Baby, praticamente, conversar consigo mesma, resolvi dar uma volta pelo campus, quem sabe, comer alguma coisa ou ver se tinha alguém melhor para conversar e que, de preferência, não falasse apenas sobre a própria infância enquanto sua colega de quarto estava morrendo de cansaço na cama ao lado.
Andei por vários corredores e eles continuavam da mesma forma que horas atrás. Gente andando para todos os lados, bagagens no meio do caminho, alguns donos correndo atrás de seus porquinhos da Índia e assim por diante.
De repente trombei com alguém. Desculpei-me e tentei desviar, porém a pessoa bloqueara minha passagem. Tentei outra vez e a pessoa repetiu o ato novamente. Mais uma vez. Nada.
— Com licença, mas será que você poderia ter o mínimo de educação comigo e me deixar passar? — ajeitei os óculos no rosto, encarando o garoto a minha frente com firmeza.
— Só me disser seu nome e dormitório. — sorriu.
— Meu nome é . Por favor, pode sair da minha frente agora? — tentei parecer calma.
— Não disse o seu...
— Ah, por favor, eu não vou dizer qual é o meu dormitório, ok? Se estiver atrás de algum tipo de contato sexual com garotas, procure outra pessoa. — respondi perdendo a paciência, chegando ao meu limite.
— Vai dizer que joga no meu time?
— O que a minha sexualidade teria a ver com você? Por acaso mudaria alguma coisa no seu dia? — alterei um pouco o tom de voz.
— Na verdade, mudaria, sim. Mudaria o rostinho que eu veria deitado ao meu lado, amanhã de manhã. — o sorriso debochado e projétil de sedutor estava cada vez maior.
— Quantas imbecis já caíram nessa? — massageei minhas têmporas com os olhos fechados. — Meu Deus do céu, será que é tão difícil sair da frente de uma pessoa para que ela possa passar e seguir seu caminho em paz?
— Ok. — o sorriso sumira. — Entenda uma única coisa: um dia, você ainda irá me procurar e vai implorar pela minha atenção. E como eu não sou de recusar atenção a jovens mocinhas, irei lhe dar todo o apoio que precisar.
— Vai sonhando. — contornei-o pelo espaço que havia entre ele e a parede e prossegui meu caminho. — Aliás, o que está fazendo aqui se está à procura de copulação? — indaguei com um tom debochado e um pouco alterado.


Os primeiros dias teriam sido mais tranquilos se a criatura abominável dos corredores não ficasse me encarando com aquele olhar de cinismo e falta de vergonha na cara. Eu apenas tentava ignorar, de qualquer modo, nada parecia funcionar, já que ele continuava me olhando, bloqueando meus caminhos nos corredores e me seguindo durante o almoço.
E, dessa mesma forma, seguiu-se o primeiro mês. Depois, o primeiro ano. Nada parecia mudado, tudo estava na forma como era antes. O cara do corredor descobrira onde era meu dormitório e passara a me mandar flores, chocolates e cartões nos últimos seis meses.
As flores? Eu doava para o departamento de química. Eles precisavam de “figuras” inanimadas para testes. Os chocolates? Bem, esses eu comi durante as noites em que tinha que desenvolver minhas teses para as aulas teóricas, assim, eu não os jogava fora e aproveitava-os para um fim bem mais útil. Os cartões? Dei para as nossas vizinhas do quarto ao lado. Elas tinham um hamster que não estava se adaptando muito bem a serragem, por isso, precisaram substituir por papel.
A única coisa que eu não esperava é que minha vida fosse mudar tanto em tão pouco tempo.


Quando menos eu esperei, fui atropelada quando tentava atravessar a rua em frente ao campus. É isso que se ganha se tenta fazer bem ao seu vizinho que teve as correspondências entregues por engano.
A minha estadia no hospital fora longa. Longa até demais, eu diria.
, vamos lá, garota. Já lhe demos uma opção. — mais uma vez, Virginia me importunava.
— Já falei, Virginia, se pra voltar a minha vida normal e não ter todo esse negócio aí de morte precoce eu tenho que fazê-lo se apaixonar por mim e se declarar, eu prefiro morrer atropelada pelo menos mais umas dez vezes! — repeti isso pela quinquagésima sétima vez só naquele dia.
Caso você não esteja entendendo nada, todas aquelas coisas sobre “quase morte” e de estarmos fora do corpo quando estamos na total inércia do coma são verdades.
Nunca acreditei nisso. Até acontecer comigo.
— Qual é, ? Não é tão difícil assim considerando o fato de ele já ter uma atração sexual por você.
— Tecnicamente, o amor já é uma atração sexual, porque você se afeiçoará por uma pessoa do sexo oposto ou do mesmo devido ao que você vê por fora. — dei de ombros.
— Que seja. — revirou os olhos. — Não gosto muito de discutir com você. É muito cérebro em pouca cabeça.
— De qualquer forma, eu não irei meu envolver com aquele troglodita. Já olhou para ele? É um primata do século vinte e um! — alterei o tom de voz.
— Olha, quer saber? Faz o que você quiser. — suspirou. — Eu não vou ficar aqui me esforçando por alguém que está rejeitando o futuro promissor que poderá conquistar.
— Ainda bem, né? Achei que iria passar aquele maldito videozinho de novo. — revirei os olhos cruzando os braços.
— Irei ter com Ele agora, avisarei que você negou a ajuda e prefere morrer. — deu as costas e foi andando a passos lentos em direção à luz extremamente forte que estava no horizonte.
Por algum motivo, senti-me culpada por recusar a oferta. Por mais que fosse o cara mais retardado, débil mental, doentemente ridículo do mundo e dotado de uma imbecilidade que ninguém acredita, valeria a pena ter o mínimo de chance possível de ser o grande ícone científico que sempre sonhei.
— Espera. — levantei-me do gramado.
Virginia parou onde estava e aguardou ainda de costas.
— Sei que vou me arrepender disso futuramente, mas... — mudez, gagueira, tudo isso surgira de uma vez só, impedindo-me de dizer algo descente.
— Já entendi. Você vai, né? — seu sorriso era sugestivo.
Como a voz ainda não saía, apenas assenti.
— Ok. Deite-se. — veio em minha direção.
— O que?! — encarei-a confusa.
— Deite-se agora! — bradou e o fiz rapidamente. — Feche seus olhos e relaxe. Respire lentamente. — assim o fiz. — Espera! — alterou o tom de voz e eu sobressaltei, ficando sentada.
— O que foi agora?
— Tenho mais alguns avisos antes que vá. — respirou fundo. — Seu prazo é de apenas quinze dias.
— É sério isso? Eu vou ter que fazê-lo gostar de mim em quinze dias? — indaguei incrédula. — Quem é idiota suficiente para acreditar em um “amor” — fiz aspas no ar. — de quinze dias?
— Posso terminar? — dei de ombros. — Ótimo. Outra coisa, não sei se isso vai fazer você se sentir melhor, mas a partir de agora não poderá sentir mais nada.
— Como assim?
— Nenhum um tipo de afeto, gostos, sensações. Absolutamente nada.
— Então é como se eu fosse um zumbi?
— Não é bem isso. É apenas para evitar que você falhe na sua missão.
— E depois? Se eu conseguir, eu vou voltar a sentir? — engoli em seco.
— Sim. Mas só se conseguir. — alertou-me de maneira rígida.
— E se eu não conseguir? O que vai acontecer comigo?
— Você morre. — suspirou. — E agora será definitivamente.
Mais uma vez, engoli em seco e pensei em desistir, afinal tinha quase certeza de que não conseguiria.
Entretanto, me mantive firme. Era preciso que, ao menos, eu tentasse.
— Ainda quer ir? — encarou-me interrogativa.
— Sim. — respondi firme.
Depois disso, a única coisa que me lembro é de ter acordado no hospital, rodeada por minha família, meus dois professores preferidos, Baby e ele.


Cerca de duas semanas depois de despertar, fui liberada para voltar as minhas atividades normais. Meus pais queriam que eu voltasse a morar com eles e deixasse a faculdade para o ano seguinte, porém meus professores disseram que ficariam de olho em mim a partir daquele momento e que não podiam “perder uma mente brilhante por algo assim”.
Depois de muito discutir, teimar e bater o pé, consegui o que queria e meus pais partiram assim que me deixaram na faculdade, sã em salva de todos os perigos lá de fora.


As duas ou três noites seguintes eu passei em claro pensando em uma forma de me aproximar de sem que ele achasse estranho o fator “atração pós-acidente”. Nada me parecia bom ou acreditável o suficiente para ser posto em prática. Parecia que todos os planos eram infantis ou ridículos demais. Quem sabe até as duas coisas juntas.
Todavia, eu não tinha muita escolha. Primeiro: eu não tinha experiência alguma com garotos. Segundo: eu não tinha ideia do que poderia falar para ele sem parecer uma idiota. Sendo assim, o melhor plano que eu tinha era me aproximar aos poucos, começando com simples “oi” quando ele passasse por mim. Depois perguntar onde o professor tal costumava deixar tal objeto. E assim por diante.
Como eu não tinha nada mais para fazer e já tinha perdido cerca de três dias — o que fazia com que eu tivesse apenas doze dias disponíveis —, resolvi começar desde já. Saí de meu quarto e comecei vagar pelos corredores. Era hora do almoço, por isso não havia quase ninguém nos dormitórios ou em outros lugares que não fossem o refeitório.
Até que o enxerguei vindo em minha direção, então fingi não vê-lo apenas para ver se ele diria algo a mim.
— Oi, . — disse sorridente, fazendo com que eu parasse.
— Oi. — respondi tentando ao máximo ser simpática, mas essa nunca foi a minha maior qualidade ou facilidade.
— Não sei se o Sr. Smith já falou com você, mas ele não vai poder lhe passar a matéria nas próximas duas semanas. — franziu os lábios.
— O que aconteceu?
— Ele terá um congresso de professores em Orlando. Então ele me deixou encarregado de lhe passar todos os detalhes das aulas que perdeu.
— E você sabe a matéria? — gente, sei que eu tenho que conquistá-lo, mas não vou pôr meu incerto futuro nas mãos de um cara que pode saber menos que eu.
— Claro que sei. Antes de viajar, ele me dera umas aulas extras, reforçando bem tudo que eu teria de lhe ensinar. — sorriu.
— Quando começamos? — forcei um sorriso que pareceu ser bem sucedido, pois eu era mestre na encenação de festa de família.
— Nossa, foi mais fácil do que eu imaginei. — seu sorriso era meio surpreso. — Quando quiser.
— Pode ser hoje à noite? A Baby tem um encontro com um cara aí e o quarto vai estar livre, ou seja, poderemos estudar sem preocupações de explicar a ela tudo que não entender. — Hm. Ótimo. Por mim, tudo bem.
— Ótimo. — sorri. — Até mais, .
— Até. — acenou para mim.
Quando não estava agindo tão... tão... como ele mesmo, era até possível conversar com ele sem sentir vontade de vomitar o próprio suco gástrico. Não que ele fosse a melhor pessoa possível, mas... quem eu estou tentando enganar?! Apesar de ser um químico brilhante, sua personalidade tinha peculiaridades insuportáveis. E... ok, quem eu estou querendo enganar de novo? Estou insistindo em um ódio que não existe mais. Caso não se lembrem, eu não sinto nada. Desde as coisas que toco até sentimentos.


Assim como na primeira noite, todas as outras na companhia de foram agradáveis. Ele era um ótimo professor e sabia exatamente o que exemplificar em cada uma de minhas dúvidas claramente sem que um único resquício ficasse para trás.
— Entendeu? É bem simples.
— A genética ocular dos seus pais é ótima. — murmurei um pouco alto demais.
— O que? — indagou em um tom divertido.
— Desculpa, vamos voltar.
— É primeira garota que diz algo assim. — riu.
— O que a maioria diz? Seus olhos são lindos? — ri.
— A grande maioria não é muito inteligente.
— Em compensação, são bem mais bonitas. — falei bem baixinho.
— Ok, nós vamos entrar nesse negócio de depressão por causa do físico? — suspirou. — , sinceramente, eu acho você uma garota muito bonita e, além do mais, você é super inteligente. Quando entrou aqui, a única coisa que se falava em todos os outros departamentos era na garota inteligente que estava entrando em nossa faculdade, a qual eu devo pontuar que brigou por sua presença aqui.
— Eles não brigaram por mim, eu escolhi vir para cá.
— Você é a futura física matemática mais brilhante que essa faculdade já viu nesses últimos tempos. Você é a grande aposta deles, .
— Não é bem assim.
, tudo bem você não se achar bonita, ok? Mesmo eu achando que você é, mulheres nunca estão satisfeitas com seu corpo, mas dizer que você não é brilhante é o mesmo que dizer que estamos mandando toda a população de maníacas por Justin Bieber morarem na galáxia de Andrômeda.
— Se bem que isso não seria má ideia. — pensei um pouco sobre a possibilidade.
— Você não perde a oportunidade mesmo, né? — riu um pouco.
— Claro que não. — acompanhei-o nos risos.
Sabe aquele momento embaraçoso em que as risadas acabam? Ficamos por uns dois segundos assim até que ele aproximou-se de mim e quando me dei conta, já estávamos nos beijando.
A pior coisa era não poder sentir a sensação que isso causara em mim. Durante um ano inteiro ouvi Baby contar sobre suas experiências com os vários garotos com que havia saído e como alguns causavam efeitos incríveis nela. E mesmo que negasse, ainda assim, eu queria poder um dia sentir isso, saber como era essa coisa de estar apaixonada a ponto de sentir seu coração acelerar consideravelmente, suas pupilas dilatarem, as mãos suarem, as pernas tremerem e sentir medo ao pensar em viver sem o individuo causador de tudo isso.
Todavia, agora que estava tendo essa chance de talvez sentir todas essas coisas, eu simplesmente não sentia sensação alguma, gosto algum. Nenhum sentimento.
— Desculpe-me. — pigarreou. — Eu não deveria ter deixado que algo assim acontecesse. — tentou parecer sério.
— Tudo bem. — em minha mente, eu só pensava no fato de que isso teria me incomodado muito se tivesse acontecido algum tempo atrás.
— Eu acho melhor nós continuarmos isso outro dia. — levantou-se.
, eu já disse que tudo bem. Por mim, não há problema algum caso queira... ficar.
— Eu até ficaria, mas o ambiente tornou-se, hã, desconfortável, entende? — coçou a nuca. — Quem sabe, outro dia. — sorriu.
— Não me incomodei, ok? De verdade. — tentei parecer confortável com a situação, mas é difícil quando não se sente nada.
— Boa noite, .
— Boa noite. — retirou-se meio apressado.
Naquela noite, deitei em minha cama pensando no quão difícil aquilo seria.


Doze dias haviam se passado e ainda não tinha me dito as coisas que eu precisava para que pudesse voltar a minha vida e tocá-la como se nada disso tivesse realmente acontecido. Sem contar que nos últimos dias eu estava tendo sonhos com cobranças. Sim, Virginia andava vagando pelos meus sonhos me dizendo que o meu prazo estava acabando e que eu deveria me apressar se quisesse que meu esforço tivesse um verdadeiro valor.
E claro que meu desespero estava aumentando cada vez mais com essas “invasões” de sonhos alheios.
, eu estava mesmo procurando por você. — veio correndo em minha direção com um sorriso que eu jurava que poderia ver até se ele estivesse de costas.
— Oi. Como você está? — sorri.
Não era mais tão difícil ser simpática com ele. era bem menos nostálgico quando conversava comigo.
— Muito bem. E você?
— Bem, obrigado.
— Eu estava pensando em algo que poderíamos fazer juntos neste fim de semana e fiquei sabendo que sua banda preferida vai participar do Warped Tour.
— Como sabe qual é a minha banda preferida? — franzi o cenho.
— Não é muito difícil depois que se acha seu tumblr e vê milhares de fotos dos mesmos caras, com milhões de músicas da banda deles na sua playlist. — rimos um pouco. — Então o que acha?
— Acho do que?
— De ir comigo. — seu olhar era esperançoso.
— Espera. Deixa a fã enlouquecida que está presa dentro de mim raciocinar um pouco. — respirei fundo. — Você está me convidando para ir com você até San Diego, a duas horas e quinze minutos deste lugar, para ir ao Warped Tour, assistir ao show do Sleeping With Sirens? — encarei-o incrédula.
— Sim.
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH, CARA, VOCÊ NÃO SABE O QUANTO ME DEIXA FELIZ COM ISSO. SÉRIO MESMO! — berrei e pulei em cima dele.
Todos que passavam olhavam em nossa direção como se fossemos louco ou algo assim.
Você deve estar pensando que eu pirei de vez ou que a escritora dessa bodega ficou louca porque eu não sinto, né? Mas tem uma coisa: tenho lembranças do meu antigo eu. Ou seja, ainda me lembro das letras das músicas, de como me sentia ao ouvir a voz de Kellin Quinn e o quanto eu amava essa banda. Lembro também de que ir ao Warped Tour e ver Kellin Quinn cantando ao lado de Vic Fuentes era um grande sonho da minha vida.
— Pensei que garotas brilhantes como você ficassem assim ao serem convidadas para um simpósio. — riu um pouco.
— Cara, desde que eu me conheço por gente sou apaixonada por música. Se eu tivesse vocação para isso, talvez investisse em uma carreira musical. — dei de ombros.
— Isso é algo bem legal, sabe? Seus ídolos serem de uma área em que você não tem experiência alguma. Parece, sei lá, bem diferente.
— Desculpa mesmo, . Eu queria poder ficar aqui e te mostrar o quanto eu entendo de bandas de post-hardcore e o quanto eu gosto disso, mas não vai dar mesmo. — meu relógio apitara, avisando que era hora de comer.
— Ah, tudo bem. Falamos-nos mais tarde. — sorriu. — Não esqueça que temos de marcar como iremos para lá, ok?
— Não esquecerei nem por um decreto. — sorri e segui em direção ao refeitório.


Passei a noite inteira de sexta-feira pensando em como seria o show no dia seguinte, porém algo me dizia que não teria oportunidade de chegar lá, afinal meu prazo acabava justamente naquele dia e eu não havia conseguido fazer com que ele dissesse as palavras.
Depois de muito pensar nisso, adormeci e acordei por volta das dez da manhã seguinte. Meio cambaleante, levantei-me e segui em direção ao banheiro, joguei uma água no rosto, escovei os dentes e voltei para quarto para trocar de roupa.
Meu celular vibrava. Em seu visor mostrava uma mensagem de texto que havia acabado de chegar. Era de perguntando se estava tudo certo para aquela tarde. Sorri e respondi que sim.
Vesti minhas roupas e fui tomar meu café da manhã.
— Ansiosa? — Baby sentou-se a minha frente, colocando sua bandeja sobre a mesa.
— Com certeza. Essa é uma opor... — uma forte dor em meu peito fez com que eu não conseguisse mais falar. Pus a mão no peito e fechei os olhos, respirando fundo, esperando que a dor aliviasse.
— Que foi? — Baby segurou meu braço por cima da mesa, parecendo nervosa.
— Nada. — a dor passou e eu respirei fundo. — Só uma pontada. Nada demais.
— Não é melhor ir até a enfermaria?
— Não. Eu estou bem. — sorri.
— Tem certeza? — assenti com um sorriso.
Aos poucos, seus músculos pareceram relaxar e eu tentava fingir que estava tudo bem. Todavia, não estava. A fisgada ia e voltava a cada cinco minutos.


— Está pronta? — disse assim que eu abri a porta.
— Ainda não. Eu... — a pontada novamente e eu suspirei. — Eu ainda tenho algumas coisas para resolver. O diretor disse que quer conversar comigo e é importante. — menti. — Segundo ele, não pode ser adiado.
— Então você não vai? — sua feição murchou.
— Não, não é isso. Eu vou, sim. Mas não agora. — olhei no relógio, tentando disfarçar a dor e despistá-lo de uma vez por todas. — Ainda há seis horas e meia antes do início do show, tenho tempo de sobra para ir.
— Se quiser, posso ficar e esperar por você. — deu de ombros.
— Não! — quase berrei com ele. — É melhor ir na frente, sabe? Para guardar nossos lugares e tudo o mais.
— Tem certeza?
— Claro. Eu vou ficar bem e prometo que não vou furar com você. — sorri.
— Tudo bem. Eu vou indo, então. — selou nossos lábios e partiu.
Por que ele não disse as palavras antes de ir, hein?
— Você sabe que está quase na hora, não é? — olhei para trás assustada e vi Virginia sentada em minha cama.
— Você de novo. Não podia esperar até uma parada cardíaca para aparecer, não? — falei em, total desanimo.
— Não. Falta menos de uma hora, ele acabou de sair para fazer uma viagem de duas horas e quinze minutos e não disse as palavras. — seu semblante era triste. — Sabe o quanto ele gosta de você, não é?
— E por que não disse as palavras? — falei firme, deixando uma lágrima escapar dos meus olhos.
— Porque ele é homem, . Entenda, eles não tem tanta facilidade com sentimentos como mulheres. São quase como... você. — franziu as sobrancelhas.
— Ah, ótimo. Chamou-me de insensível. — senti a pontada outra vez e deitei-me na cama.
— Não é isso, . Algumas pessoas tem um bloqueio afetivo muito maior do que outras pessoas, por isso não conseguem se expressar, assim como você. — levantou-se e veio em minha direção. — , a vida é feita de altos e baixos e esse era o seu defeito principal, talvez um dos únicos. É pena que você nunca tenha aprendido a dar o devido valor aos sentimentos alheios. — deu de ombros.
Olhamos no relógio simultaneamente. Estava na hora. Eu não tinha mais como fugir.
— Está pronta?
— Quer mesmo saber a verdade? Não, eu não estou pronta. Estou deixando aqui pessoas que eu amei e não soube demonstrar. Pessoas que me amaram e cuidaram de mim desde sempre e demonstraram todo esse carinho até quando eu não merecia, o que fazia com que eu me sentisse culpada por tudo que eu fiz. — as lágrimas escorriam pelo meu rosto furiosamente. — Eu só não... queria deixar tudo dessa forma.
— Se quiser, eu posso fazer com que eles se esqueçam de você. — seu tom era solidário.
— Sério? — sequei as lágrimas e olhei-a curiosa.
— Sim. — assentiu enquanto falava. — Todavia, agora temos que ir. Não podemos ficar mais. — segurou minhas mãos firmemente. — Vamos? — assenti.
Aos poucos, meu corpo foi ficando cada vez mais mole, mais leve e tudo se apagou.

’s POV

Dê play aqui Eram seis da tarde, o sol estava terminando de se pôr. Olhei para o relógio uma última vez e os ponteiros estavam parados, poderia deduzir que estava quebrado se eu não tivesse visto que todos ao meu redor estavam parados. Borrões. Eu estava cercado de borrões. Não havia mais barulho. Apenas eu, o silêncio e eu.
? — uma garota morena, de olhos claros perguntou aproximando-se de mim sem dificuldade alguma.
— Sim? — franzi as sobrancelhas.
mandou um recado para você. — disse mantendo a feição congelada, como se fosse completamente apática.
— Ela não vem?
— Silêncio. — colocou o dedão na minha testa e fez uma leve pressão.
Minhas pálpebras ficaram pesadas e se fecharam por si. Uma confusão estava acontecendo na minha mente, como se muita coisa estivesse sumindo, memórias estivessem faltando.
Quando meus olhos se abriram, as pessoas pulavam e gritavam loucamente. Rapidamente percebi que estava assistindo ao show do Sleeping With Sirens, tanto que já até tocavam Postcards and Polaroids. Por algum motivo essa música me soava especial, como se algo nela me lembrasse algo ou alguém, porém eu não conseguia me lembrar o que poderia ser. Um aperto no coração era tudo que eu tinha como indicação de que algo nessa era diferente. De que algo na minha estava errado, fora do lugar.
Com certeza devia ter alguma coisa muito errada nessa história toda, afinal, o que eu estava fazendo em um show do Sleeping With Sirens? Nunca havia gostado dessa banda. Na verdade, nunca gostei de bandas cujo vocalista é homem e tem voz de mulher. Portanto, alguém havia me arrastado até ali, eu não podia ter chego ali com as minhas próprias pernas. É algo praticamente impossível para alguém como eu.
Olhei ao redor, observando a todos procurando alguém com algum tipo de olhar suspeitos sobre mim, alguém que pudesse me explicar toda essa confusão, mas nada. Todos pareciam normais demais. Pareciam simplesmente pessoas curtindo um show de uma banda de post-hardcore.
Até que, por motivo desconhecido, meus olhos foram atraídos para uma das entradas do backstage e pude perceber uma garota baixinha espiando o show de lá. Ela parecia estará escondida da multidão e, ao mesmo tempo, parecia estar me encarando. Um sorriso sapeca surgiu em seu rosto assim que percebeu meus olhos nos seus, sendo assim, não consegui evitar sorrir também. Algo nela me atraiu intensamente.
Os olhos da garota pareciam tristes, mas, ao mesmo tempo, tinham um brilho tão intenso e tão constante quanto mil sóis juntos. Não sabia exatamente como descrever, era como se a minha vida inteira tivesse tomado um sentido a partir daqueles olhos. E, apesar de muitas coisas nessa vida não fazerem o mínimo sentido, eu tinha certeza de que em breve veria aqueles olhos novamente em algum lugar.
Entretanto, em um piscar de olhos ela havia sumido, evaporado. E tudo que me restara fora uma foto de uma garota loira dos olhos claros. A fotografia parecia ter sido tirada em uma câmera antiga, daquelas analógicas. A imagem era tranquila, a garota tinha um leve sorriso adorável, olhos brilhantes, cabelos iluminados pela luz do sol. A virei e percebi a escritura atrás. “Não vá, querida, fique só mais um pouco. Ou pelo menos, antes de partir, poderia me amar um pouco mais?” Dei uma última olhada na banda que tocava no palco e sorri.
Mesmo que ela não se parecesse com a garota do backstage, eu procuraria por ela, afinal eu encontraria o que eu precisava no brilho mais profundo daqueles olhos, sem dúvida alguma.

FIM

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