A palavra equinócio vem do latim, aequus (igual) e nox (noite), e significa "noites iguais", ocasiões em que o dia e a noite duram o mesmo tempo.
As flores se abririam na próxima semana, toda a cidade ficaria linda outra vez, às pessoas voltariam a namorar na praça e ele continuaria a observá-los com um pouco de inveja no olhar. Observava pessoas felizes e acompanhadas, pessoas sorrindo com a leitura de algum livro novo e famoso que ele não podia comprar. Observava as pessoas e suas vidas perfeitas. E então pensava. Essa era talvez a única coisa que ainda podia fazer. Pensar sobre si mesmo. Quão triste poderia se a vida de um andarilho que vive para alegrar outras pessoas e esquece-se de si mesmo? Essa ele responderia sem nem mesmo pensar, e então irrompiam em sua mente muitas outras perguntas. Como poderia saber a diferença se sempre foi assim? Como ele poderia saber o que era uma vida normal com um emprego, família e estabilidade se ele nunca teve absolutamente nada? Era a vida de circo que ele nunca escolhera. Ele sonhava com oportunidades que nunca teve. Triste como a folha que no outono, sem opção se desprende da árvore que sempre foi a sua casa e parte para o nada. Como ele poderia entender esses sentimentos se nunca teve uma casa? Como poderia se nunca escolheu partir? Agora observava a triste primavera chegar com folhas cheias de esperanças novas mesmo sabendo que em um futuro próximo serão obrigadas a partir. Partir é a evolução, a continuidade da vida. Era assim que ele sempre tentava se convencer. E assim ele novamente partia, deixava mais uma cidade para trás e acompanhava o circo que ele chamava de casa, mas do qual nunca se sentiu parte. Ele era algo como um anexo indesejável. Foi assim com sua mãe, que o deixou na porta do circo quando ele nasceu, sequer sabia o nome dela, ou o próprio nome, era chamado de por aqueles que o acharam na porta do circo, o criaram e de certa forma o amaram. veio com os anos, apenas porque as pessoas perguntavam qual era o sobrenome do honorável palhaço que acompanhava aquela caravana. E foi assim que cresceu, e é assim que vive. Assiste o ir e vir das primaveras. Observa enquanto pode as folhas deixando as árvores no outono. Às vezes, depois do show, depois de fazer todas aquelas pessoas rirem, procura um lugar calmo e se deita para observar as estrelas, não são raras às vezes em que ele se pega pensando em quando vai encontrar o lugar ao qual pertence no universo. Às vezes, em uma cidade distante esquecida no tempo, uma garota se deitava no campo para observar as estrelas, ela reparava que mesmo naquela imensidão escura e opressora as estrelas teimavam em brilhar, isso de certa forma lhe dava forças. Quando acordava de manhã para ir à escola, ouvia a mãe falar da porta “O laço é para o lado esquerdo, , não se esqueça.” E todos os dias colocava o laço no lado direito da cabeça, apenas para poder dizer a si mesma que tinha controle sobre sua própria vida. Quando ela chegava à escola com o laço do lado errado, algumas amigas torciam o nariz, mas ela não se importava, era isso que queria, ser diferente, fazer diferente. era filha única da família mais rica da cidade. O pai era dono do banco, do mercado, do cinema e da maioria das coisas para qual ela olhava. Antes, quando era mais nova, não entendia porque não tinha irmãos. Hoje sabia que o casamento dos pais era um fracasso, que a mãe aceitava a condição de esposa esquecida dentro da mansão enorme em que viviam e que o pai vivia perdido pelos cabarés com seus casos esporádicos, toda cidade sabia, mesmo assim naquele dia ela sairia mais cedo da escola para tirar as fotos que seriam publicadas no jornal em comemoração ao aniversário do casamento de seus pais e da cidade. Quanta hipocrisia! Era a única coisa que conseguia pensar quando chegava em casa para o almoço e via os pais sentados na mesa, eles a olhavam e sorriam, ela se sentava e comia. Algumas vezes o pai perguntava, “E os estudos?”, analisava por um momento se ele realmente se importava ou se era apenas mais uma maneira de manter as aparências, e respondia “Bem”. Assim os dias passavam, assim desperdiçava sua juventude naquela cidade pequena, sem jamais ter alguma oportunidade de conhecer o mundo ou dar um passo a frente em direção aos seus verdadeiros sonhos. se lembrava do dia em que ousara pedir ao pai uma bicicleta e se arrependera depois de ouvir o discurso do mesmo ressoar em sua cabeça durante a noite “Perdeu o juízo, menina? Você tem mais é que estudar. Pode desistir dessa ideia.” Era por isso que gostava tanto das estrelas, ninguém podia domina-las, elas eram livres, não precisavam fingir, não precisavam sorrir quando não queriam. As estrelas eram tudo o que mais desejava ser. Foi na primeira noite de primavera que e se encontraram. Era aniversário da cidade esquecida no tempo, o pai de estava ocupado em milhares de tarefas e finalmente ela tinha um tempo sozinha para apreciar as atrações que eram oferecias naquele dia. A cidade estava linda, ela tinha que admitir, fazia tempo que não se deixava levar pela simplicidade das coisas. Ela sorriu analisando cada detalhe e imaginando o que fazer primeiro. Decidiu por fim ir ao circo, já que suas amigas estariam lá. O circo tinha acabado de chegar à cidade, não havia sido convidado. ficou animada com a notícia, finalmente saberia como é um circo. Quanto mais ela chegava perto, mais animada ficava, a lona vermelha com o nome “Artis Sole” piscando em luzes amarelas em cima chamava cada vez mais atenção, e os trailers ao redor do circo o deixavam com um ar mais cinematográfico ainda, se sentia dentro de um filme, como sempre imaginou. O show já havia começado há alguns minutos, sabia por que seria o próximo a entrar, logo após o domador de leões. Ele podia ouvir a plateia impressionada “Ohh!”, e pouco depois um rugido feroz e o estalar de um chicote. Ele sorriu, podia imaginar qual era a sensação daquelas pessoas, como estavam tensas e preocupadas, era aí que ele entrava. O rosto pintado, o cabelo bagunçado com um chapéu grande e esquisito de lado, os sapatos enormes e o andar desengonçado. A obrigação de fazer as pessoas sorrirem. O arsenal de piadas e palhaçadas preparadas. O botão de choque na mão, a flor que espirra água no peito, uma trupe de anões desajustados e escarrados pela sociedade para acompanhar, uma bela moça que ele escolheria na plateia apenas para ser repudiado e trazer mais alegria ao publico. Era assim que ele ganhava a vida, às custas das humilhações de uns e das risadas de outros. Era sua vez, colocou um sorriso no rosto e correu para arena.
, na primeira fila, notou antes mesmo de ele entrar. Quando o palhaço tropeçou e se estatelou no chão, ela quase se levantou e correu para vez se ele não havia se machucado, mas então se lembrou de onde estava, e apenas observou quando os anões entraram atrás dele e o levantaram. Ele deu um aperto de choque em cada anão, fez malabarismo, quebrou algumas coisas e tentou consertá-las em vão, logo depois de alguns minutos os anões estavam com o rosto molhado, o palhaço estava todo sujo de tanto cair no chão e a plateia em total delírio. sorria extasiada, aquilo era o que ela podia considerar chamar de verdadeira diversão. O palhaço agora olhava ávido para a plateia, não sabia o que ele procurava e se viu tentada a olhar para todos os lados só pra ver se encontrava alguma coisa diferente, mas sabia que o que quer que fosse o palhaço acharia e ela não queria estragar a surpresa ao saber o que ele estava planejando. A plateia, divertida e tensa ao mesmo tempo, fitava o palhaço na esperança de que ele logo se decidisse e que o show continuasse, e qual não foi a surpresa de todos, quando deu apenas alguns passos a frente, pulou a placa que dividia a arena das cadeiras, estendeu a mão para e soltou um brincalhão “Posso ter a honra, senhorita?”. já havia perdido as contas de quantas vezes havia feito isso, agora era só esperar a moça recusar e a plateia se deliciar com a tristeza de um palhaço recusado por um bela dama. Mas isso não aconteceu, sua mão ficou estendida no ar enquanto olhava pra ela. Ele levantou a cabeça e encarou a moça. jamais havia visto olhos tão tristes, o tão profundo a lembrava dos momentos em que ela saia de casa ao escurecer para observar as estrelas à procura da paz que nunca encontrou. A mão ainda pairava estendida a sua frente, ela sabia que devia recusar porque que era aí que estava à graça do show, mas não queria recusar, queria segurar aquela mão e descobrir para onde ela a levaria, queria se ariscar. Os murmúrios começavam a encher sua cabeça, ela via como o palhaço suplicava para que ela se decidisse logo, suas amigas seguravam risinhos cínicos e os anões a olhavam vidrados esperando o segundo em que ela se decidiria. Cada olho humano naquele local parecia olhar pra ela e cada um queria dizer uma coisa diferente, viu quando o pai adentrou as dependências do circo e a observou pasmo segurar a mão do palhaço e sorrir em resposta “Claro que sim.” não sabia o que fazer. Era a primeira vez que alguém aceitava participar. Enquanto caminhava de volta a arena ainda de mãos dadas com a moça que aceitou o pedido, ouvia os murmúrios da plateia e algumas risadas ocasionais, mas preferiu não se preocupar com esse comportamento estranho no momento, pois já sabia exatamente como lidar com aquela situação.
– Honorável publico, hoje vocês vão testemunhar algo raro e incomum – soltou a mão da garota e se curvou em reverencia – Um palhaço que faz mágica!
O publico exultou, palmas surgiram de todos os lados, mágica era sempre algo que agradava. olhava ao redor temerosa, estava quase se arrependendo de sua atitude impensada, procurava o pai incansavelmente entre a multidão ao mesmo tempo em que se preocupava com o tipo de mágica que o palhaço pensava em fazer, não via objetos ao redor nem caixas ou coisas que sabia que um mágico usava, percebeu o palhaço cochichando com o anão e entendeu que realmente não era para ter aceitado a proposta, sua recusa era parte do show. se sentiu estúpida e não havia nada a fazer além de continuar onde estava e esperar que o palhaço se virasse com a continuação do espetáculo. O palhaço andou em sua direção e agradeceu aos céus, quanto mais cedo terminasse mais cedo acabaria.
– Senhorita, poderia me emprestar o seu lenço? – havia colocado um lenço no pescoço devido ao frio ameno da noite e não se importou com o pedido, balançou a cabeça em afirmação ao palhaço. Mais uma vez ela observou aqueles olhos tristes em sua direção, as mãos dele rumo ao seu pescoço, desfazendo o nó do lenço e roçando em sua pele, ela sentiu como as mãos dele estavam frias e suadas, talvez ele estivesse nervoso, ou talvez fosse assim mesmo, os olhos continuavam a encara-la enquanto o corpo se afastava com o lenço em mãos. Foi quando ele sorriu verdadeiramente pela primeira vez durante o show e sabia exatamente porque tinha ficado com vontade de sorrir de volta para ele.
– Agora, telespectadores, eu vou demonstrar para vocês que em todo lenço mora um fantasma que gosta de moedas. – esticou o lenço sobre uma mesa que os anões haviam posicionado na arena, então tirou do bolso uma moeda e estendeu a mesma diante de – A gentil moça poderia testar a veracidade da moeda. – pegou a moeda e a analisou tentando encontrar qualquer tipo de falha, mas nada encontrou, então devolveu a moeda ao palhaço, no movimento fez questão de encostar a própria mão na dele, apenas para verificar que ela continuava fria. posicionou a moeda no meio do lenço e o dobrou em duas partes, de modo que o lenço se tornou um quadrado menor e começou a fazer movimentos esquisitos em cima do lenço, após alguns segundos parou com os movimentos, fechou os olhos e disse:
– Ohh, fantasma que mora no lenço da moça bonita da cidade esquecida, eu peço que você apareça, aqui e agora, e prove a estas pessoas que existe. – abriu os olhos e olhou para o lenço, então novamente estendeu a mão sobre o tecido dobrado e a movimentou para cima e para baixo, incrivelmente o centro do lenço acompanhou o movimento, subiu e desceu, assim sucessivamente mexia a mão e o lenço acompanhava. olhava estarrecida, nunca havia acompanhado uma mágica ao vivo, apenas nos filmes e nos livros que o pai a proibira de ler. Ela olhava atentamente o lenço tentando entender o que estava acontecendo e foi a única a perceber quando a moeda caiu entre os enormes sapatos do palhaço sem fazer barulho.
– Então respeitável publico, antes que pensem em tentar repetir isso em casa, lembrem-se que toda magia tem um preço. – abriu lentamente o lenço e se deliciou com o espanto da plateia ao perceber que a moeda havia sumido. Ele se virou para a moça a qual o lenço pertencia e sussurrou:
– Se me permite, Senhorita. – Ela acenou novamente com a cabeça e ele aproximou-se mais colocando o lenço de volta em seu pescoço. – Não se preocupe moça, o fantasma só responde quando o chamam e é claro, quando é pago antes. – estava pronta a responder quando viu os olhos do pai a encarando de longe, as faces vermelhas e os punhos cerrados. receosa deu um passo para trás e sorriu sem graça ao palhaço, o deixou sozinho na arena e voltou ao seu lugar. Enquanto caminhava, ouviu o palhaço agradecer.
– Obrigado pela participação moça que eu não sei o nome, me desculpe a grosseria. E agora, mais atrações para vocês! Confiram os trapezistas e seus arriscados números a metros de altura!
E assim o show continuou, foi elogiado pelos companheiros de circo pela mágica e por ter lidado tão bem com a situação. Já , teve que lidar com a fúria do pai, que durante alguns minutos esbravejou como ela poderia “ter acabado com a imagem social dele” e de como ela “deveria parar de se exibir tanto quando ele não estava por perto”. O sermão durou pouco, era uma noite agitada e o pai tinha muitos compromissos, se viu mais uma vez sozinha. Decidiu voltar ao circo e se desculpar com o palhaço, por ter sido tão rude quando se retirou da arena. Ao contrário do que ela pensou achar o trailer dele foi bem fácil, as pessoas que moravam no circo eram gentis e a apontaram onde ele estava sem demoras. Foi somente ao se posicionar na porta e bater que se lembrou de que não sabia o nome dele.
– Com licença, senhor... Palhaço, eu gostaria de uma palavra, se não for um incômodo para você. – ouviu uma movimentação dentro do trailer e se afastou um pouco da porta para não parecer ansiosa. Quando a porta se abriu, ela sorriu involuntariamente, jamais pensou que aquele homem estivesse por baixo das tintas e das roupas espalhafatosas.
– Me desculpe senhor... ehh, senhor... – . – Me desculpe, senhor , por incomodá-lo agora, mas eu gostaria de pedir desculpas pelo meu comportamento rude na arena, não foi a minha intenção, espero que eu não tenha estragado seu show. – Não se preocupe, senhorita, a sua atitude foi de muito proveito. As pessoas não costumam aceitar meu pedido, então, ao fazer isso você abriu espaço para algo novo no meu Show. Eu lhe agradeço por isso. A propósito, qual o seu nome? – . – Ela detestava seu sobrenome, detestava tudo o que aquele sobrenome ligava a ela. a olhava esperando que ela terminasse ou falasse mais alguma coisa, porém a moça ficou parada ali, na sua frente e ele decidiu falar:
– Você gostaria de entrar? Tomar um café ou algo assim? – Ah não, obrigado! Ainda tem atrações na cidade que eu gostaria de apreciar, de qualquer forma eu só vim para me desculpar, gostaria que você soubesse que eu não sou daquele jeito na maior parte do tempo. – Tudo bem então, , não se preocupe, não há com o que se desculpar. – Então até mais, senhor . – acenou e observou fazer o mesmo movimento, então ela virou as costas e dirigiu-se ao caminho de casa, já havia passado por emoções demais naquela noite, porém, antes que deixasse os limites do circo, ouviu chamar seu nome e parou olhando para trás.
– Eu pensei que talvez você pudesse me mostrar às atrações da cidade, se não for um incômodo e se você não tiver o que fazer, mas se você for se encontrar com uma pessoa ou fazer alguma coisa importante tudo bem eu posso ir sozinho ou voltar pra casa, não tem problema. Então, o que você acha? – falou rápido e sem pausas, parecia nervoso. Estava nervoso, não se lembrava da última vez que chamou alguém para sair assim, mesmo que talvez isso não fosse considerado sair, seriam apenas algumas voltas ou apenas caminhar pela cidade conhecendo o que ela tem a oferecer e a cabeça dele já estava embaralhada de pensamentos, como ele odiava essa mania de pensar em tudo. estava surpresa, não esperava por isso, tinha planejado ir para casa, mas porque recusar aquele convite? Seu pai apareceu repentinamente em sua cabeça, mas ela o reprimiu. Como ele poderia saber que aquele rapaz alto, bonito e educado era o palhaço do circo? Assim, e caminharam e se divertiram pela cidade na primeira noite de primavera. gostou da liberdade que passava, ele se apaixonou pela firmeza que ela demonstrava ao dizer que queria sair da cidade e escrever um livro de fantasia sobre viagens através do tempo. Juntos, em apenas uma noite, criaram um universo completamente deles, onde podiam ser tudo o que sonhavam. Quase ao amanhecer, os dois estavam parados na porta da casa de , ela havia reparado que os pais ainda não estavam em casa, mas nada disse, apenas se despediu de e o observou indo embora pela rua. Quando girou a chave na fechadura, teve uma ideia e voltou para rua gritando o nome do rapaz que já estava um pouco longe. Quando ele a ouviu, voltou correndo e escutou o que ela tinha a dizer.
– Eu pensei que já que o circo vai demorar um pouco a ir embora, talvez você queira ir ao cinema qualquer dia desses comigo, é bem legal. – disse encarando o chão, estava com vergonha, mas era exatamente o que queria fazer e se sentiu feliz por ter a coragem necessária. – Claro que eu gostaria, , que dia é melhor pra você? – Que tal na quinta-feira? É mais vazio, dá pra aproveitar melhor o filme. – Então até quinta-feira, , e dessa vez eu pago, já que hoje você me entupiu de guloseimas e me fez tentar acertar aquele pato idiota milhares de vezes até conseguir o urso que queria. – Não se preocupe com isso, , boa noite.
Mas ele se preocupou, observou a moça caminhar com o urso enorme nos braços e entrar na maior casa que ele vira na cidade. Ele também havia observado que todas as pessoas a conheciam e em como eles cochichavam quando passava. Ele também observou como os sapatos dela eram bonitos e em como ela comprava tudo que queria. sabia que não devia, mas já carregava no coração tão machucado uma estrela pequena que lutava pra brilhar e ganhar seu lugar em meio a toda aquela escuridão. Os dias se passaram e a quinta-feira finalmente chegou, havia se preparado o melhor que pode, juntou todas as suas economias, estava com as suas melhores roupas e sem poder mais esperar, foi em direção à casa de . ficou se perguntando se deveria bater na porta ou chamar por , e antes que tomasse alguma decisão a garota saiu da casa e andou em direção a ele.
– Eu vi você chegando pela janela, estava te esperando. – Está tudo bem, ? Você não parece muito feliz. – Não precisa se preocupar comigo, , as coisas vão ficar melhores agora que nós vamos ao cinema. – Se você quiser conversar ou desabafar pode falar, , não tem problema. – Não, , sério. Está tudo bem, eu só preciso assistir a um filme e relaxar.
sabia que seriam inúmeros os comentários quando chegasse ao cinema acompanhada, mas não se importava, o pai havia descoberto que ela passou o aniversário da cidade na companhia do palhaço do circo e a proibiu de sair de casa, mas como sempre, ele tinha muitas outras coisas a fazer além de vigiá-la. Tudo ocorreu perfeitamente bem, o filme era emocionante e segurou na mão do nos minutos finais, quando a personagem principal percebeu que ficaria para sempre sozinha. Quando os créditos finais começaram, se levantou, mas pediu que ela ficasse e esperasse um pouco.
– Eu queria te agradecer, , você tem sido muito legal comigo. – Não precisa, , você é que tem sido uma companhia maravilhosa nos meus dias.
ainda sentia a mão quente de sobre a sua, e de repente, sem pensar muito nas consequências, ele a beijou. Foi um beijo suave e sincero, ela correspondeu ao sentimento que nasceu e cresceu entre eles em tão pouco tempo, e os dois se viram felizes.
– Eu quero te mostrar um lugar especial, , é o lugar aonde eu vou quando não dá mais pra ficar dentro de casa e às vezes quando estou triste. Acho que poucas pessoas conhecem, já que foram raras às vezes em que eu vi alguém por lá. Você quer ir? – Claro que sim, , será um prazer.
Eles caminharam por um longo tempo ao redor da cidade, até chegar ao lugar preferido de . Era lindo, árvores estavam espalhadas por todos os lados e o gramado já estava verde e cheio de botões das flores que em breve mostrariam sua beleza ao mundo, não havia bancos nem sinal de que alguém passava por aquele lugar, parecia uma pequena floresta pessoal e imaculada. se dirigiu a um lugar onde o mato estava mais baixo e se deitou acompanhada por .
– Eu amo esse lugar, , é lindo. Nem parece que eu estou na minha cidade e que eu vivo a vida que eu vivo, parece que esse lugar me torna uma pessoa totalmente diferente. Eu amo estar aqui. – Eu já passei por muitos lugares, , e esse é um dos mais lindos que eu já vi. Obrigado por me mostrar. – Você precisa parar com essa mania de agradecer, .
Ela se afastou um pouco para o lado e encostou-se a ele, sorriu e se virou para ela, os dois ficaram frente a frente, se olhando e analisando quais eram as chances de tudo aquilo dar certo. percebeu os olhos tristes de e se perguntou se ele estaria pensando o mesmo que ela, se tudo aquilo daria certo, onde eles poderiam chegar juntos e muitas outras coisas, mas estava cansada de pensar, queria viver o momento e não se arrepender. Ela passou uma perna por cima de e se sentou sobre ele, que ficou surpreso com a ação dela. a beijou novamente, eles se encaram por um tempo sorrindo, sem analisar muito o futuro e então ali em meio aquele paraíso, e se amaram em um lindo entardecer de primavera. segurava uma pequena mecha do cabelo de entre os dedos, quando um vento passava por eles, o cheiro dela ia de encontro a suas narinas e ele sentia novamente a sensação inebriante de tê-la em seus braços. Havia algo que ele precisava falar com e sem saber como, iniciou o assunto da forma mais simples possível.
– O circo vai embora amanhã, . – sabia disso desde que chegara a cidade, mas não conseguia contar para ela, não queria estragar o que eles estavam vivendo, não queria que ela se afastasse ou que ficasse com ele o tempo inteiro, queria que as coisas fossem naturais, como o destino havia tramado para ser. – Porque você só me diz isso agora, ? Depois do que fizemos? – Eu não sei, , eu queria que as coisas fossem naturais sabe, eu queria que você ficasse comigo por querer e não por saber que eu teria que ir embora em algum momento. – Eu sempre soube que você teria que ir embora, , desde o primeiro dia em que você tropeçou ao entrar na arena. – Sabe, , eu sempre gostei das noites de primavera, não importa onde eu esteja elas são sempre iguais, então, você só precisa se lembrar que, enquanto for primavera nossas noites serão as mesmas, mesmo que eu esteja longe de você. Eu sei que tudo isso parece esquisito e muito rápido, mas é como eu me sinto, gostaria que você soubesse disso . – Agora a primavera é a minha estação preferida, , e independente disso eu sempre me lembrarei de você, porém eu pensei em algo e eu gostaria que você me ouvisse. – se sentou na relva e olhou ao redor, jamais se acostumaria com a beleza daquele lugar, não sabia se o passo que estava prestes a dar era correto, mas era o que seu coração queria fazer e ela iria segui-lo. – Será que eu poderia ir embora com você?
havia pensando muito nisso, havia contado a ele como era sua vida e como ela sonhava com o dia em que ela iria sair daquela cidade e seguir seus sonhos, jamais pensou em oferecer a ela a vida de um viajante, mas eles poderiam ficar em alguma cidade grande e finalmente ele descobriria como é ter uma família de verdade. É claro que se amaldiçoou veementemente quando pensou nisso, jamais achou que aceitaria algo assim e como poderia? Conheciam-se há tão pouco tempo, porque ela trocaria um futuro brilhante para viver com ele?
– Me responde, , o que você acha? Se for uma má ideia eu vou entender, mas eu realmente gostaria de ir com você. Eu sei que parece loucura, mas no meu coração parece certo. – Eu acho uma boa ideia, , eu não pensei que fosse algo que você gostaria de fazer, ir embora de vez e deixar para trás a cidade onde você cresceu, é um passo muito grande, eu até pensei em te chamar, mas não achei que você estivesse disposta a isso, e agora você propõe isso primeiro. – Eu quero ir com você, , eu quero conquistar o mundo ao seu lado sem medo de nada. Eu quero ser feliz. – Então seremos, , eu e você. – Nós seremos, . Nós.
Eles se beijaram contentes com suas próprias escolhas e satisfeitos com o caminho que tinham a frente.
– O circo sai amanhã bem cedo, , nós nos encontramos no fundo da sua casa ao amanhecer, pegue poucas coisas ok? Somente o essencial. – Ela sorriu assentindo, o coração pulsava de felicidade, eles se beijaram novamente e disse:
– A partir de agora todas as nossas noites serão iguais, , e a primavera será apenas uma parte gostosa das nossas vidas.
foi correndo para casa, toda a cidade parecia mais bonita, o céu escuro e recheado de estrelas parecia completamente diferente, as ruas estavam bem mais lindas e as flores que já haviam desabrochado pareciam bem mais coloridas. O mundo conspirava ao seu favor, sabia. Ao chegar em casa subiu as escadas correndo, não percebeu o olhar aflito da mãe sentada na sala de estar nem que os habituais empregados não estavam, os sentimentos no coração a faziam continuar em frente sem observar muitos detalhes. Ao abrir a porta do quarto viu sua felicidade diminuir, e aos poucos se sentar quietinha bem no fundo do coração para não despertar suspeitas. O pai a esperava sentado na cama.
– Onde você estava ? – Eu estava no cinema. – Eu te procurei no cinema e você não estava lá, eles me disseram que você saiu com o palhaço. Onde você estava, ? – Depois do cinema eu fui dar uma volta na cidade, não tem nada de mais nisso. O nome do palhaço é pai, e eu vou embora com ele. – estava decidida, não tinha mais nada a fazer naquela casa, tudo o que queria era viver com e ser feliz, ela começou a andar pelo quarto, pegando as coisas que achava necessário, mas foi interrompida pelo pai, que a segurou pelos braços e a jogou na cama.
– Se você sair deste quarto , vai realmente desejar nunca ter nascido.
ficou na cama, o pai saiu do quarto e trancou a porta. Ela esperou alguns minutos caso ele voltasse, então continuou com os movimentos frenéticos ao redor do quarto pegando tudo o que precisava e queria levar, enquanto arrumava a mala pensava em como sairia do quarto, vários planos mirabolantes surgiram em sua cabeça, mas ela teria a noite para pensar, nada poderia dar errado. O pai de percebeu assim que chegou nas dependências do circo que eles estavam levantando acampamento, foi difícil achar o tal palhaço, pessoas esquisitas e animais andavam para todos os lado recolhendo coisas e gritando ordens, algumas se prontificaram a responder suas perguntas e ele finalmente achou o trailer que pertencia a . Tudo ao redor já estava recolhido e arrumado, o trailer estava silencioso, mesmo assim ele decidiu bater, esperou alguns segundos e a porta abriu mostrando um jovem afobado e sorridente, que assim que percebeu quem era sua visita mostrou um semblante preocupado.
– Boa noite senhor, em que posso ajudá-lo? – Estou aqui para falar de minha filha , creio que você saiba muito bem quem ela é.
– Sim, senhor, nós fomos ao cinema hoje. é uma menina maravilhosa, o senhor tem sorte de tê-la como filha. – estava tenso, não sabia o que o pai de queria, mas com certeza não poderia ser boa coisa. – Será que eu posso entrar, ? – Não sei se seria uma boa ideia, é um trailer simples, o senhor pode se sentir incomodado aqui dentro. – Não se preocupe com isso, , só quero trocar algumas palavras com você. – Assim sendo, se afastou um pouco e deixou que o pai de entrasse fechando a porta atrás de si. O trailer era de fato simples, tinha uma cama no fundo com um pequeno armário em cima onde guardava suas poucas roupas, uma pia um pouco mais a frente ao lado do fogão e a geladeira que estava vazia, afora isso, haviam as janelas e os dois bancos da frente junto ao volante. se apoiou na porta e ficou quieto enquanto o pai de analisava seu trailer.
– Você acha mesmo que ela vai se sentir confortável aqui, ?
– Me desculpe, não entendi o que o senhor quis dizer.
– Eu já sei que ela pretende ir embora com você, , assim como também sei sobre o entardecer de vocês no parque, mas não estou aqui para impedi-los , quero apenas conversar com você. Acha mesmo que vai se sentir confortável dentro deste trailer? Acha mesmo que ela vai ser feliz com você?
– Eu não sei senhor, eu não vou saber se não tentar. – Você sabe que ela tem um futuro e que está tirando isso dela? – Desculpe, mas eu não vejo dessa forma. – Mas deveria. A sempre teve tudo que quis, ela vai estudar fora, conseguir uma carreira e uma família feliz. O que você tem a oferece para ela ? Uma vida de viajante? Ou você pretende abandonar o circo e morar em uma cidade e arranjar um emprego? E o que ela faria? Ficaria em casa cuidando dos filhos e morrendo por dentro cada vez mais? – Eu não pensei sobre isso.
– É claro que não, vocês são jovens e inconsequentes, só pensam no agora. tem uma chance na vida, , não é justo que você a deixe desperdiçar isso. Logo você que já andou tanto, sabe como a vida é de verdade. é como uma boneca de porcelana perdida nos devaneios e nas histórias fantasiosas dos livros que ela gostava de ler. Você não quer ser o responsável por quebrá-la não é mesmo, ?
– Não, senhor, mas também não quero ser o responsável por deixá-la nessa cidade esquecida, nem com a vida que você impõe a ela, eu quero que ela seja feliz. – Se você quer que ela seja feliz, , vá embora, deixe-a. Eu vou mandá-la para o exterior, para a vida que ela tanto sonha e que você não pode dar a ela. Continue a sua vida, esqueça que ela existiu, deixe que encontre a felicidade com alguém a altura dela. – chorava encostado na porta do trailer, sabia que cada palavra que o pai de havia falado era verdade, sabia que estava roubando o melhor da vida dela, e o pior de tudo era que no fundo sabia que não podia fazer isso.
– Eu não sei o que vocês combinaram, , mas eu conheço minha filha, sei que ela é impetuosa e não vai desistir, por isso eu vim falar com você. , se você realmente a ama como diz, deixe-a. Deixe que ela seja feliz. Não vá, não apareça, não a busque onde quer que vocês tenham combinado, e siga a sua vida para que ela possa seguir a dela. Eu preciso ir agora e espero que você faça a coisa certa. – O pai de foi embora e deixou com a cabeça a mil, ele sabia que não era certo, que estava sacrificando , mas será que era certo sacrificar a si próprio pela felicidade da pessoa amada? sabia exatamente o que fazer, só não sabia se era forte o bastante para isso.
já havia recolhido tudo o que precisava, sua mala estava pronta ao lado da porta, ela estava deitada, esperando que o pai voltasse de onde quer que tenha ido, ainda não sabia o que iria fazer para sair do quarto, enquanto a hora não chegava ela imaginava como seria sua vida dali para frente e tudo o que conseguia ver era felicidade, perdida em seus devaneios ela se assustou quando a porta do quarto abriu e seu pai entrou por ela. Ele deixou a porta aberta e depositou a chave em cima do criado mudo.
– Eu não quero que você vá, , mas não irei te impedir, se quiser ir a escolha é sua, mas quero que saiba de uma coisa, eu estive com agora pouco, ele parece ser um rapaz legal.
– Sim, papai, eu tenho certeza que ele é.
– Eu sei disso, querida, eu ofereci dinheiro a ele, para que ele te deixasse, fosse embora e nunca mais voltasse e ele aceitou, mas ele disse que se você realmente quiser ir, ele não precisara de dinheiro nenhum. – estava perplexa, sabia das coisas que o pai era capaz de fazer, mas jamais esperava que ele chegasse a tal ponto.
– Então nós vamos embora, e o senhor pode ficar com seu dinheiro.
– Mas você acha justo, ? Ver o homem que ama se esforçar todos os dias para realizar os seus sonhos de menina mimada? Agora ele pode fazer o que quiser, você acha justo roubar isso dele?
– Eu não estou roubando nada, papai, nós vamos ser felizes e o seu dinheiro não irá fazer diferença.
– Eu dei a ele uma oportunidade que sua felicidade não pode dar, , eu dei a ele um futuro que vocês nunca conseguirão juntos, será que você não consegue enxergar isso?
– Eu já tomei minha decisão pai. Eu não vou mudar de ideia.
– Pense bem, , vocês são jovens, a vida real não é fácil. Agora ele tem uma chance de seguir em frente, de viver a vida que você sempre teve, não estrague isso, . Se você realmente o ama, deixe-o ir. – estava confusa, entendia perfeitamente o jogo do pai e infelizmente conseguia sentir a verdade nas palavras dele, mas não queria desistir, sabia que se seguisse em frente e fosse forte seria capaz de conquistar seus sonhos.
– Eu não vou desistir, pai, eu sei o que eu quero, ele disse que nós seriamos felizes e eu acredito nele.
– Meu amor, nós dois sabemos que as noites foram feitas especialmente para dizer coisas que não se pode dizer no dia seguinte*. De qualquer forma, , ele pediu que você o encontrasse no parque no horário marcado antes. Tome a sua decisão filha, e conviva com ela para sempre.
O pai de saiu do quarto e a deixou sozinha pensando no que fazer. Ela amava e sabia que se ele seguisse com o dinheiro do pai ele seria feliz, mas ela não queria passar o resto da vida presa naquela casa. tinha na palma da mão a chave para própria felicidade, devia jogá-la fora e ver o amado ir embora, ou deveria usá-la e ir com ele?
Ao amanhecer, havia tomado sua decisão, sabia que jamais seria capaz de fornecer a o nível de vida ao qual ela estava acostumada, sabia que jamais seria bom o bastante para ela. não poderia levá-la com ele. Por que destruir tudo o que ela pode ter? Por que acabar com o futuro de levando-a para a vida que ele mesmo sempre odiou? Ele não podia ser tão egoísta, não podia fazer isso com ela. Preferia ver feliz com tudo o que ela pode ter do que infeliz ao seu lado. repetiu para si mesmo que essa decisão era melhor para e partiu com o circo, deixando para trás a amada, o amor e o coração.
estava sentada perto da janela do quarto olhando para os fundos da casa, já havia desfeito a mala, já havia enfiado a força no coração que aquilo era o melhor para , ele tinha dinheiro agora, poderia fazer o que quisesse, poderia ser quem quisesse. Quem era ela para atrapalhar isso? Quem era ela para condená-lo a uma vida pobre e infeliz? Ele poderia viajar e conhecer alguém melhor que ela, alguém que merecesse todo o amor que ele podia dar. Mesmo tendo tomado sua decisão, no fundo esperava que aparecesse nos fundos da casa e a levasse embora, e se imaginava com ele em um lugar diferente, brincando com as crianças em uma casa confortável, ela imaginava seus filhos chorando de rir com o pai fantasiado de palhaço e sorria animada quando eles se sentavam no chão da sala e pediam para que ela contasse de novo a história de como ela havia conhecido no circo, se deliciava vendo o filho aprendendo a fazer mágicas e a filha fazendo caretas e malabarismos. Mas a vida a puxou de volta a realidade, a mãe batia a porta, o rosto de sempre, a fala de sempre, hora de se arrumar para escola, “O laço é para o lado esquerdo , não se esqueça.”.
nunca mais fez mágicas, nem estendeu a mão a alguém da plateia, viveu sua vida como sempre, do começo ao fim, seu lugar no universo ficara para trás em uma cidade esquecida a qual ele prometera a si mesmo nunca mais voltar. Ao invés de fantasia, escreveu um romance. A história de um menino rico que ganhou o mundo fazendo mágicas. Nunca publicou, deixava o livro guardado no fundo de um baú e sempre relia quando sentia vontade de lembrar-se dos dias de primavera que viveu na juventude. As noites iguais nunca mais foram as mesmas.
Fim
*Arctic Monkeys – Do I wanna Know?
N/A: Perdoem-me por isso, tenho a péssima mania de deixar minha imaginação me levar e acaba nisso. A primeira coisa que escrevi dessa fiction foi o final, tenho um pequeno desvio por dramas e finais infelizes. O pai da principal foi inspirado em todas as pessoas manipuladoras e egoístas que já passaram na minha vida. Sigam-me no twitter @wilddeia Beijos meninas!
Nota da Beta: Qualquer erro de português e/ou html/script, me informe pelo e-mail.