As pessoas costumam te chamar de retardada se você está abraçada com um garoto — gostoso e lindo — que mal conhece, no meio da praça de alimentação de um Shopping Center. Ei, calma. Não sou nenhuma tarada, posso explicar!
Pela primeira vez, desde o começo daquele ano, minha mãe me deixou ir para o evento que ocorria todos os domingos. Fitty Shock — não me perguntem qual o significado daquele nome, ou o motivo de ter sido escolhido para ser o nome do evento, mas é legal de pronunciar — reúne vários jovens em um dos maiores parques da minha cidade. Conversam sobre séries, trilogias, filmes, sagas e várias outras coisas. Parece idiota, eu sei, mas era bem bacana. Não me deixavam ir pelo fato de ser longe, e que o caminho até lá era perigoso de noite. Depois de prometer que não voltaria tarde, que não iria sozinha e nem voltaria sozinha, eu consegui permissão. Foi mais difícil do que fazer meu cachorro, Pepo, parar de se esfregar na perna da minha avó, que era meio cega, logo achava que era um de seus netos fazendo aquilo. Vai entender.
Aliás, não riam do nome do meu cachorro, tem um significado, tá? Não, brincadeira, não tem. Só estava tentando dar uma desculpa. Bem, continuando a história.
No Fitty Shock, havia apresentações descontraídas. Pessoas cantando, dançando e tocando instrumentos musicais, gritos para cá, conversas diversas para lá. Adolescentes conhecendo outros adolescentes com gostos semelhantes aos seus.
Depois de irmos para o parque, de todos se apresentarem, de fazermos um piquenique no gramado perto do lago, conversas, brincadeiras, desafios, sorteios e mais comidas, todos nós seguimos para o shopping. Cantando, gritando e correndo no meio da rua como desesperados, claro. O shopping ficava longe, mas estávamos distraídos demais para nos importarmos com tal distância. Pergunto-me o que as pessoas acharam de ver mais de duzentos adolescentes (babuínos bobocas balbucdo em bando) barulhentos, bagunceiros e aparentemente loucos, andando juntos no meio da rua. Em um momento, passamos perto de um hospício, e eu pude ver a recepcionista nos olhar como se desejasse que todos nós entrássemos e ficássemos por lá mesmo, para nos tratarmos.
Então, depois de andar bastante na volta ao Shopping, eu estava ali de pé ao lado de uma das mesas, na praça de alimentação do shopping, abraçada com . era um rapaz que conheci na hora do piquenique. Ele era alto e não muito forte, mas bem (prolongue a letra “e”) atraente (gostoso pra cacete). Seus cabelos eram lisos e loiros, acima dos olhos castanhos e muito bonitos (socorro, cadê o ar?), daquele jeito que deixava qualquer garota vidrada (eu), apenas olhando para seus olhos. me envolvia em seu abraço quente, fazendo-me sentir em um filme de super-herói, onde eu era a donzela em perigo, e ele meu Batman, Homem-Aranha, Capitão América, Superman, Homem de... enfim, você entendeu!
, que estudava comigo e eu conhecia ia fazer um ano, estava sentado em uma das cadeiras, conversando animadamente com um rapaz que eu não tive a chance de conhecer direito (mas, mesmo assim, tinha uma foto com ele), acho que seu nome era John, ou Johnny, ou Josh. murmurava coisas com Matt, apontando para a tela do celular sem parar por um só segundo, ela era minha amiga há tanto tempo quanto , Matt eu conhecia ia fazer três semanas, graças a .
— É sério, ! — estava se segurando para não rir.
Porque, vamos concordar comigo, a risada dele poderia ser ouvida por todos no shopping. Não era bem... discreta. Então o nome do garoto era ! É, , bem parecido com John/Johnny/Josh.
— Eu quero sorvete. — Falei, do nada, me soltando um pouco do abraço de .
— Se for comprar, compra logo! Porque a gente tem que ir embora daqui a pouco. — Avisou , voltando a conversar com Matt em seguida.
Assenti, olhando para todos eles ali, até meu olhar pousar sobre o loiro ao meu lado.
— Ei... — Comecei, fazendo um biquinho — Vamos comprar sorvete comigo?
Ele fez uma careta.
— Mas eu tô com tanta preguiça... — Começou um argumento fajuto, mas eu cortei.
— Tava tentando ser educada, mas não cola, não tô pedindo, tô mandando. Bora! — Peguei a mão dele, puxando-o em direção a uma pequena sorveteria, que fazia parte do Bob’s.
Pude ouvir as risadas dos meus amigos, sendo a de a mais escandalosa, e do John-Johnny-Josh-. Depois de arrastar comigo, até chegar ao meio do caminho, ele desistiu de lutar e cedeu, andando ao meu lado.
Soltamos nossas mãos, e ele aproveitou para bagunçar meu cabelo castanho já bem bagunçado. Valeu, desgraçado.
Chegamos ao balcão, e havia uma fila enorme para fazer o pedido. Suspirei, entrando no fim dela, antes de um garotinho loiro que deu a língua para mim, me deixando chocada e fazendo rir. Depois de quase socar a crça, olhei para meu mais novo amigo — super — gato.
— E então, como você gosta do seu arroz? — Perguntei.
Era a minha pergunta favorita, que eu fazia sempre que ficava sem assunto. soltou uma gargalhada gostosa de ouvir, como aquelas de bebês, mas claro que mais madura e máscula. Enfim, péssima comparação. Depois de rir um pouco mais, ele respondeu:
— Comestível.
Eu ri, batendo de leve no braço dele.
Depois de mais perguntas aleatórias e respostas um pouco (talvez muito) retardadas, chegou minha vez na fila. Comprei um sorvete de casquinha, sabor creme, de R$2,50.
A moça do caixa me deu o troco dos meus R$10,00 e a nota fiscal, para pegar outra fila, entregar a nota, e finalmente poder ter meu precioso e tão esperado sorvete. Eu e entramos na fila ao lado, a que deveríamos estar. Entreguei minha nota fiscal para ele, enquanto guardava o troco no bolso na minha calça jeans.
— Eu preciso desse sorvete. — Murmurei, vendo as pessoas que estavam bem mais a frente saírem com seus deliciosos sorvetes em mãos.
sorriu.
— Eu sei, está me fazendo esperar. Quero ver você comer esse troço todo. — Seu sorriso se transformou em sorrisinho.
— Tomar. — Corrigi.
— Chupar. — Corrigiu ele.
Eu ri, levando na malícia. Meu Deus, eu preciso controlar minha mente pervertida.
— Tomar. — Insisti.
— Comer ou chupar! — Ele cruzou os braços, olhando-me em desafio.
Eu abri a boca, prestes a entrar em uma discussão completamente sem nexo sobre o que se fazia com um sorvete, quando um garoto apareceu. Ignorei totalmente seu rosto, corpo, e qualquer coisa. Meus olhos se fixaram em sua camisa. O escudo do Capitão América. Eu precisava de uma foto agarrando aquele garoto. Pra ontem, e com aquilo eu queria dizer o mais rápido possível. Mas, antes que eu pudesse dizer algo, ele abriu a boca.
— , o James tá querendo falar contigo — Falou, antes de se virar para mim e dar um sorrisinho, me abraçando em seguida.
O abracei de volta, já acostumada com o fato de que todos ali se abraçavam demais.
— James?! Achei que ele já tinha ido embora! Meu Deus, eu preciso falar com ele! — anunciou, então olhou para mim — Já venho, !
Não tive tempo de responder, pois ele saiu correndo — quase voando — com o Capitão América. Pude ver os dois descendo a escada rolante, um pouco longe de onde eu estava, e sumirem de vez. Suspirei, olhando para frente e vendo que apenas faltava uma mulher pegar seu sorvete, que já seria minha vez. Graças a Deus!
Com um sorriso no rosto, coloquei a mão no bolso do jeans, puxando para fora meu dinheiro. O espalhei pela palma de uma das minhas mãos.
Franzi a testa, colocando-o de volta no bolso e checando os outros. Entrei em desespero, procurando em todos os cantos onde ela poderia estar. O sorriso sumiu do meu rosto, e me lembrei. . A nota fiscal do meu sorvete estava com .
Olhei desesperada para a fila que seguia atrás de mim. Uma fila enorme! Eu iria atrás dele e depois teria que pegar toda aquela fila novamente. Com muito ódio da minha burrice e do desejo de de falar com James, sai da fila (depois de um ataque super dramático, fazendo todos olharem para mim, claro) e corri para a mesa dos meus amigos. No caminho, culpei até o Capitão América.
Um dos quinhentos fatos (que eu não sabia nem a metade) sobre mim: eu costumava me perder com facilidade, não importava onde fosse. Isso acontecia graças a minha lerdeza e meu problema de vista. Miopia. Quando eu ia à praia com minha família, era um inferno. Sempre que ia à barraca, ou mesmo ao mar, eu tinha que memorizar onde eles estavam, porque simplesmente não conseguia achar. Nunca conseguia memorizar, logo, não achava. Apenas quando acenavam para mim e gritavam meu nome. E quando eu chegava lá, todos estavam rindo. Minha família era tão amorosa que ficava me traumatizando, que belo exemplo de família feliz.
Depois de correr, passar por pessoas, quase cair algumas vezes, o cadarço do meu tênis desamarrar e eu olhar para todos os lados, encontrei a mesa onde meus amigos estavam.
— Onde está o ?! — Perguntei, olhando desesperada para todos eles.
Não tinha tempo para perguntas, eu queria uma resposta! Depois de alguns segundos calados, um deles resolveu se pronunciar.
— Uh... está com o James e o Danny. — Disse , olhando para mim — Naquela loja que eu não sei o nome.
Ele viu minha expressão de “COMO ASSIM VOCÊ NÃO SABE O NOME?”, e fez uma careta, como se tentasse lembrar.
— É aquela que tem um laço vermelho na porta. No térreo. — Ajudou .
Eu sorri rapidamente para ele e assenti.
— Beleza, obrigada, vamos.
Eles pararam.
— Vamos...? — Perguntou Matt, como se eu estivesse alucinando algo.
— Claro! Acham que vou sozinha? — Perguntei incrédula. — Vocês sabem que eu me perco fácil!
Todos eles, de repente, pareceram mais cansados que segundos antes. Todos bocejaram e coçaram os olhos (menos , já que estava com maquiagem). Preguiçosos filhos da mãe.
— Cara, o caminho é muito fácil! Você desce a escada rol... — Começou .
— Não! — Cortei, batendo o pé.
Mais um fato sobre mim. Quando eu estava irritada parecia uma crcinha. Eu fazia birra mesmo.
— Galera, por favor! É sério, eu tenho desespero em me perder e...
Vi algo que me fez parar, um garoto passou por trás de . Mas não era um garoto comum. Era o Capitão América. Deixei meus amigos ali mesmo e corri, parando ao lado dele e pegando-o de surpresa.
— está com a nota fiscal do meu sorvete, e eu preciso dela! — Comecei — Ele está com James, e eu não posso ir sozinha atrás deles porque me perco fácil. Vamos comigo.
Ele parou alguns segundos e assentiu um pouco. Eu sorri largamente, o puxando em direção as escadas rolantes, deixando meus amigos — ingratos! Até John/Johnny/Josh/ se saiu mais amigo que todos eles. — para trás.
Andamos até lá, esperando chegarmos lá embaixo. Então, Capitão América pegou minha mão. Não tive nem tempo de respirar, ele começou a correr. Se eu não corresse também, iria acabar caindo. Então, fiz o que uma pessoa totalmente normal faria, corri também. Descemos as escadas (que nem era mais rolante, porque estávamos correndo), e quando chegamos ao térreo, corremos. Capitão América corria rápido, muito rápido. Eu sabia que iria cair a qualquer segundo, ou que iríamos acabar machucando alguém, mas ele não parava de correr. Minhas pernas começaram a protestar depois de alguns minutos. Não que eu fosse fraca, mas nunca corri tanto antes. Ainda mais levando em conta o fato de que eu não estava controlando a velocidade com que corria, eu apenas estava acompanhando um louco com a camisa do Capitão América.
Eu poderia jurar que sentia meus pés e pernas virarem geléia, e eu estava suando. Se não fosse pelo ar-condicionado, eu já estaria quase derretendo totalmente. Digamos que eu estava quase lá. Eu sabia que o Capitão América sabia onde James estava, então deixei que ele me levasse, quer dizer, corri junto. Só percebi que eu e Capitão América já estávamos dentro da enorme loja quando quase bati de frente com uma moça. Corremos mais e mais, olhando para os lados, a procura dos garotos. Poderia parecer exagero, mas eu me sentia em um filme. Estava extremamente cansada, ofegante e suada, assim como nossas mãos, ainda juntas.
— Ali! — Exclamou Capitão América, apontando para algumas prateleiras depois.
Não consegui ver nada, graças ao meu problema de vista, mas fingi que vi e assenti. Achei que iríamos andar até lá. Andamos? Não! Capitão América começou a correr novamente, e era mais perigoso correr por ali. Se quebrássemos algo seria um terrível estrago. Desviamos de crças, mulheres, homens e idosos. Eu falava um “desculpe!” sempre que esbarrava ou quase trombava com alguém. Paramos na frente de um grupo de garotos, e eu mal conseguia respirar. Puxei a minha mão suada, passando-a por meus cabelos, tentando domá-los, sentindo o suor em meu couro cabeludo.
James se virou, e franziu a testa, surpreso. Não era todo dia que ele via um Capitão América e uma retardada. Suados, ofegantes e quase desmado. Eu não conhecia James muito bem, na realidade só tinha trocado umas três palavras com ele em todo o dia.
— ... — Comecei, testando respirar fundo — Nota... Nota Fiscal... ... Sorvete...
Pela expressão dele, James não entendeu nada. E todos seus amigos também não.
— Cadê o ? — Perguntou o Capitão América, e eu agradeci mentalmente por ele ter feito aquilo, pois eu não conseguiria.
— já foi embora — Disse James, enquanto eu olhava para seu rosto perfeito, que foi uma ótima forma de voltar a respirar como antes.
Só existiam garotos bonitos ali? Então, prestei atenção em suas palavras.
— MAS QUE MERDA! — Gritei, fazendo-os dar um pulo, e um chocolate que estava na mão de um dos amigos de James caiu no chão.
— Droga. — Resmungou o garoto, se abaixando e pegando o chocolate.
— NÃO É PIOR DO QUE PERDER SUA NOTA FISCAL! — Gritei, louca da vida e vendo o menino me olhar com medo. — R$2,50 JOGADOS FORA! EU VOU MATAR ALGUÉM!
Eles se afastaram como se estivessem com medo de alguém deles ser o tal alguém. Suspirei, já de volta com o ar em meus pulmões.
— Vamos para a entrada do shopping, talvez ele ainda esteja lá! — Resolveu Capitão América, pegando minha mão e me puxando novamente.
Como quase todos os momentos do dia, não tive tempo de dizer nada. Voltamos a correr como loucos, atraindo olhares irritados e curiosos. Depois de algum tempo correndo e suando, chegamos à frente do shopping. Senti o calor me invadir totalmente, já que ali não havia ar-condicionado, e percebi o quanto eu estava suada, realmente. Olhei para os lados, assim como Capitão América. Sem sinal de . Apoiei-me em uma árvore, tentando respirar fundo e controlar a raiva. Eu iria matar aquele loiro miserável, e depois iria me matar. Mas talvez eu nunca mais o visse, mesmo. Merda. Olhei para Capitão América, que estava com as mãos nos joelhos, ofegante.
— Vamos subir — Resolvi, entrando novamente dentro do shopping.
Ele me seguiu, pegando minha mão. Se um dia eu achasse o escudo dele, iria jogá-lo em sua cabeça, pois já estávamos correndo novamente. Subimos a escada rolante correndo, até que paramos no topo. Ele soltou minha mão, e eu olhei para ele, limpando o suor da minha testa e sentindo minha garganta seca. Ficamos calados por alguns minutos, apenas respirando calmamente o ar frio dali.
— Preciso ir embora agora. — Anunciou ele, se afastando e preparando-se para entrar no espaço em que havia a escada rolante para descida, que usamos pela primeira vez que descemos.
— Certo. E eu vou comprar outro sorvete. — Dei de ombros.
— Foi uma ótima aventura! — Ele começou a rir do nada, e eu acompanhei, mesmo estando com raiva de ter perdido meu sorvete e meu dinheiro. — Nunca corri tanto antes.
— Nem eu, Capitão América. — Confessei.
— Foi demais. Tão legal quanto quando eu perdi minha virgindade. — Contou, sonhador.
Fiquei olhando para a cara dele, com uma expressão de “isso foi desnecessário, cara”. Ele percebeu o que falou e começou a rir, eu novamente o acompanhei.
— Bem, até a próxima. — Sorri de lado, virando-me para voltar à mesa de meus amigos, que eu iria encontrar sozinha.
— Até! — Falou ele, começando a descer na escada rolante.
Quando eu quase não o via mais, lembrei-me de algo e me virei novamente.
— Sou ! — Gritei.
— Sou ! — Gritou de volta, quando eu não podia mais vê-lo.
Virei-me novamente, começando a andar e tentando arrumar meu visual, porque parecia que eu havia saído de uma guerra. Depois de alguns minutos rodando pela praça de alimentação, vi a mesa de meus amigos e me aproximei.
— Minha vida é uma merda e... — Comecei a me lamentar, sentando em uma das cadeiras vazias, até que parei totalmente, e meus olhos se arregalaram.
— Estava procurando por isso? — Uma voz debochada perguntou.
estava ali, sentado, na minha frente com um pequeno papel amarelo em sua mão e um sorriso maroto nos lábios.
Minha nota fiscal.