Olhei à minha volta no escuro. Nada além da luz que vinha de fora refletindo nos lençóis brancos. Conferi o radio-relógio na mesa de cabeceira, que indicava 23:36. Virei o rosto para o lado e observei o corpo que tomava o lado esquerdo da cama. O lado que sempre fora meu, porque ela não me deixava dormir do direito. E agora, ela não estava mais lá. E dormir do lado direito parecia tão errado. Era como dormir sozinho e acordar mais sozinho ainda – mesmo que a cama estivesse ocupada.
Descobri minhas pernas e me levantei, indo até a poltrona sobre a qual minhas calças estavam jogadas. Tirei do bolso o que estava procurando e prendi o cigarro entre meus lábios, mas não o acendi. Caminhei até a porta e saí do quarto, dirigindo-me até o armário de bebidas. Tirei de lá um copo e a garrafa de whisky que eu guardava para as noites em que ela parecia especialmente difícil de esquecer. Despejei o líquido dentro do copo, servindo-me de uma dose provavelmente três vezes maior do que qualquer outra pessoa faria. Mas eu não me importava. Guardei a garrafa de novo porque não queria que Georgia visse, e voltei para o quarto.
Andei até a poltrona de novo e me sentei sobre o encosto, observando as gotas de chuva escorrendo pela janela. Apoiei-me no parapeito, abri o vidro, tentando ser o mais silencioso possível, e senti o ar bater no meu rosto. Acendi o cigarro, tomei um gole da bebida, que desceu amarga pela minha garganta, e levei o cigarro à boca de novo. Não abri muito o vidro pra não molhar o quarto, mas não pude evitar algumas gotas. Não me importava em me molhar, mas sabia que Georgia ficaria puta se acordasse com o quarto cheio de fumaça.
Eu vinha fumando muito ultimamente. Nos últimos seis meses, pra ser mais exato. Era uma boa forma de manter minhas mãos ocupadas quando eu sentia aquela vontade absurda de pegar o celular e ligar para o número dela. Não precisaria nem procurar na agenda. Eu sabia de cor. Seria só digitar... Tão fácil. Tudo que eu queria era ligar pra ela. E talvez ligasse, mais tarde, depois que o álcool tivesse feito um pouco do seu trabalho. Aliás, nem adiantaria procurar na agenda. Georgia me fizera apagar o número depois de algumas semanas. Como se um número deletado da agenda pudesse afastar meus pensamentos dela.
A verdade é que nada podia. Tudo me lembrava ela. A chuva fria que respingava no meu rosto me lembrava a capa de chuva que ela usava, que era tão feia, mas nela ficava até bonitinha. O frio me lembrava de como ela gostava de ficar o dia todo assistindo televisão, até mesmo antes de estarmos juntos. Quero dizer, juntos como namorados. Porque eu e sempre estivemos juntos.
Assistir televisão me lembrava de como ela nunca reclamava de assistir futebol, como a maioria das garotas faria, e na verdade até se empolgava mais que eu. E futebol me lembrava a cara maliciosa que ela fazia sempre que mudava de assunto pra soltar comentários idiotas sobre o Casillas e o Matas, só pra ver minha reação. Afinal, o que é que as mulheres veem naqueles caras?
Um trovão ressoou mais forte e eu olhei pra trás pra conferir se Georgia não tinha acordado, mas ela não tinha sequer se mexido. Afastei o cigarro da boca e tomei mais um gole grande antes de olhar o relógio novamente. Vinte e três e cinquenta e quatro. Mais um gole. Aquela merda de dia não acabava. Mais um gole. Dezessete de julho. Mais um gole. Cento e oitenta dias. Exatamente seis meses desde o dia em que ela desligou o telefone sem se despedir. Pela última vez. “Então a gente acabou, ?” ela dissera com a voz fraca, e eu não tinha certeza se era uma pergunta ou uma afirmação. só me chamava pelo nome quando estava com vontade de chorar. Eu também estava. E o nó na minha garganta era tão grande, que eu só fiquei em silêncio, como o grande imbecil que sou, escutando a respiração cortada dela do outro lado da linha. E então ela desligou. E tudo que eu ouvi foi silêncio.
Silêncio esse que durava até agora. Exatos seis meses de silêncio. Silêncio da sua voz, do seu riso, da sua voz desafinada cantando no banho. E em menos de um mês seria aniversário dela, e eu não poderia nem ao menos ligar pra desejar que ela tivesse um dia legal. Seria a primeira vez desde a oitava série que eu não ligaria pra minha melhor amiga no dia do aniversário dela.
E menos de duas semanas depois seria nosso aniversário de namoro. Exceto que nós não tínhamos mais um aniversário de namoro. Olhei o relógio de novo. Onze e cinquenta e seis, e tudo que eu queria era que aquela droga de dia acabasse pra que eu pudesse pensar em outra coisa, em qualquer outra coisa. Pra que eu conseguisse dormir, ou trabalhar, ou dar comida para o cachorro, ou fazer qualquer coisa além de pensar nela e me segurar pra não tirar o celular do fundo do bolso. Onze e cinquenta e sete.
Constatei que o copo estava quase vazio e virei o resto do conteúdo, antes de deixá-lo no parapeito. Fechei a janela, e acho que dessa vez fiz muito mais barulho do que da primeira. Mas não me importei. O vento e a chuva estavam começando a me incomodar porque eu estava ficando com frio, e frio me lembrava moletom, e moletom me lembrava a porque ela adorava roubar meu moletom azul e, Deus, como eu queria abraçá-la naquele momento.
Levantei-me do encosto da poltrona, e admito que o caminho que meu pé fez do assento até o chão me pareceu maior do que eu lembrava. Caminhei de volta ao meu lado da cama. Tropecei no tapete no caminho. Chutei a cama com o mindinho do pé e, porra, doeu, pra caralho. Deixei escapar um palavrão. Georgia se moveu e resmungou alguma coisa soando insatisfeita, mas eu não me importei. Decidi abraçá-la.
Deitei-me na cama, desajeitado, e passei o braço por cima dela, apertando-a contra mim. Ela se remexeu um pouco e se virou, afastando os cabelos do rosto.
- O que é isso? – perguntou, erguendo o tronco um pouco pra me olhar.
- Shh. – eu falei, apertando os olhos e tentando puxá-la de volta pra mim. – Volta aqui. – pedi, com a boca bem próxima à dela, e assim que eu falei, ela afastou o rosto.
- Meu Deus, , você andou bebendo? – perguntou incrédula. Olhei pro seu rosto e seus cabelos loiros e me perguntei quais eram as chances de eu fechar os olhos e imaginar no lugar dela. Mas nem todo o whisky do mundo seria suficiente.
- Não. – menti. – Eu só quero te abraçar, porque hoje é hoje.
- Quê? Ah, que seja, . – ela se rendeu, jogando-se de volta no travesseiro, provavelmente percebendo que mais valia dormir e me deixar falar merda sozinho do que tentar entender qualquer coisa.
Mas não era aquilo que eu queria. Eu queria dormir do lado esquerdo de novo – não porque eu gostava, mas porque a não me deixaria dormir do lado dela. Eu queria abraçá-la, eu queria sentir o gosto que só sua boca tinha, eu queria levantar daquela cama fria, pegar meu celular no bolso da calça e ligar pra ela.
E foda-se tudo: por que não?
Desisti de Georgia e tirei meu braço de cima dela, e ela nem pareceu perceber. Caminhei de volta até a poltrona. Me senti tonto por me levantar rápido demais. Levei a mão até a cabeça. Esfreguei os olhos pra fazer sumir as manchas coloridas que impediam minha visão. Chutei a cama com o mindinho do pé. Dessa vez o outro. Deixei escapar mais um palavrão. E alcancei meu destino. Tirei o celular do bolso. Onze e cinquenta e nove. E digitei os números que nem o whisky conseguia tirar da minha cabeça.
Chamou uma, duas, três vezes. Andei até a sala, e no caminho passou pela minha cabeça o esporro que eu ia levar por acordá-la. Droga, ela ia ficar brava. Ela ia ficar muito brava! Porém, antes que eu tivesse tempo de me arrepender e desligar, ela atendeu.
- Alô? – a voz dela ressoou, e, droga, por que a voz dela tinha que ser tão linda? Fiz silêncio só pra ela ter de falar e novo, e deu certo. – Alô? – ela chamou mais uma vez.
- Oi. – respondi finalmente. – Sou eu... .
- Eu sei que é. – ela disse baixinho, como se estivesse envergonhada.
- Uh, em primeiro lugar, eu sei que já é meia noite, desculpa por te ligar a essa hora. – disse logo, antes do esporro.
- Ah, não, tudo bem. Em Chicago são seis da tarde. – ela disse indiferente, e todo o meu nervosismo fora à toa. E não é que essa coisa de fuso horário é mesmo intrigante? Mais intrigante ainda é esse aparelhinho menor que minha mão, possibilitando que eu ouvisse sua voz a mais de 6.363 quilômetros. Sim, eu havia pesquisado. Pensei em compartilhar tudo isso em voz alta, mas ela certamente não acharia aquilo tão fascinante quanto o meu cérebro de bêbado achava.
- Ah, certo. – ficamos em silêncio por um tempo, enquanto eu me dava conta de que não sabia o que falar. Só queria abraçá-la. Mas eu não podia dizer isso.
- Uh... Aconteceu alguma coisa? – ela perguntou, e eu pude ouvir que ela estava um pouco preocupada.
- Não. Não, não. – tranquilizei-a. – É só que... Como você tem passado? – perguntei abruptamente.
- Bem. – ela respondeu imediatamente, sem nem respirar. – E você?
- Bem... – repeti. – Você... Tem dormido bem? – perguntei.
- Hum, sim. – ela respondeu incerta. Então me dei conta do quanto aquilo soava estúpido.
- Quero dizer, você estava tendo problemas com insônia, e o remédio te fazia perder o apetite, e... – deixei a voz morrer.
- Ah sim. – soltou, finalmente entendendo do que eu estava falando. – Bom... Já faz alguns meses, né?
- É. – concordei, sentindo-me mais estúpido ainda. Fazia meses que não nos falávamos, é claro que ela já tinha resolvido a insônia. – Olha, eu... – suspirei.
- , agora não é uma hora muito boa.
- Não. – pedi desesperado. Não queria que ela me achasse um idiota e não quisesse conversar comigo. Apesar de eu ser um idiota. – Não desliga, me escuta. Só me escuta?
- Tá. – ela concordou baixo.
- , eu... – comecei com a voz embargada, mas eu não conseguia organizar as palavras na minha cabeça. Eu tinha tanta coisa pra falar, mas me sentia ridiculamente confuso e não sabia pôr meus pensamentos em ordem.
- Você tá bêbado? – ela indagou, e eu pude imaginar sua expressão.
- Não... Muito. “Não muito” eu quis dizer. E não “muito”. – tentei corrigir. – Você tá me entendendo?
- , o que você quer?
- Você. – soltei sem pensar. – Porque você foi embora e levou seu cheiro, sua voz, seu abraço e levou uma parte de mim. Você sabe disso, ? Uma porra de uma parte gigantesca de mim! Tudo parece tão fodido e tão incompleto sem você! – admiti amargurado, sem dar tempo pra que ela falasse. – Tão, tão errado... E hoje... Você sabe que dia é hoje?
Ela demorou um pouco a responder.
- Sei.
- Seis meses, . Você têm noção do quanto é isso? É meio ano. Isso são... Um inverno e uma primavera. – argumentei. - Quando você foi embora depois do ano novo tava nevando, você lembra? Eu me lembro da neve e do frio. Agora já é verão, tá sol lá fora, mas o frio continua aqui... – e eu não sabia se ela tinha entendido o que eu queria dizer. – Seis meses, porra... – tentei pensar em mais alguma coisa, mas nada me veio à cabeça. - Você podia ter tido, sei lá, um filho nesse tempo!
- Não, eu não podia, . Uma gestação leva 9 meses. – ela comentou, e eu pude ouvir um indício de risada em sua voz.
- Tá, eu sei, que seja. – me rendi. – Mas é muita coisa. A gente nunca ficou tanto tempo sem se falar. Meu aniversário passou e eu passei o dia inteiro torcendo pra você ligar. E agora o seu vai passar e eu não posso passar o dia inteiro me segurando pra não ligar, eu... Eu não quero fazer isso. – murmurei. – Eu sinto que perdi minha melhor amiga, a mulher que eu amo, meu futuro inteiro. Tudo de uma vez. E parece que tudo me lembra você! O conheceu essa garota, Gabriella, que você ia gostar. Ela também adora futebol, e outro dia ela estava gritando com o sobre ele ser um viadinho por não querer assistir ao jogo com ela, e eu estava rindo, mas então eu lembrei, no meio da risada, de como eu queria contar isso pra você. E aí eu fiquei triste de novo. Fico pensando nisso toda hora, e, droga, quando eu penso em você meu estômago dói. Literalmente dói. Eu sinto dor física, e, quero dizer, isso é normal? – falei sem pausa, franzindo o cenho.
- ... – ela chamou e sua voz tremeu um pouco. – Eu realmente não posso ter essa conversa agora.
- Não desliga! – pedi de novo. – Não foge agora, . Um de nós sempre faz isso, mas eu não quero mais. Fico aqui pensando em você e sentindo essa porra dessa dor no estômago, imaginando onde você tá e o que tá fazendo, e se você tá pensando em mim também. E eu tô com um medo fodido de você não estar pensando em mim... De nem sequer se lembrar de mim, de você estar com outra pessoa... Você tá com outro? – perguntei desesperado, a ideia me deixando zonzo. – Por favor, não esteja apaixonada por outra pessoa. Por favor. – implorei. Patético. – Eu tô tão sozinho sem você, tão, tão sozinho... – disse, frustrado, puxando meus cabelos com força. – Você também se sente assim? – sussurrei. – Você sente minha falta como eu sinto a sua?
E ela não respondeu nada. Eu ouvia sua respiração do outro lado, então sabia que ela estava lá. Mas não me deu a resposta que eu queria. Droga, como eu queria... Minhas mãos suavam e eu sentia meu peito apertado de um jeito tão desconfortável que me deixava tonto. Ou talvez isso fosse o whisky. Ou isso tudo, somado à saudade que eu sentia dela.
Ouvi algum barulho do outro lado da linha, uma voz no fundo, algo abafado, e tudo ficou mudo por um instante. Meu estômago afundou com o pensamento de que ela tinha desligado. Mas a voz dela voltou:
- Eu preciso desligar, . Boa noite.
E tudo que eu ouvi foi silêncio. Mais uma vez, o silêncio.
Flashback Julho 2012
- Eu não quero que você vá. – resmunguei, pela milésima vez, encostado contra a cabeceira da cama enquanto assistia arrumar sua mala. Ela suspirou.
- ... – ela choramingou, jogando uma blusa por cima do monte de roupas jogado desajeitadamente dentro da mala. Ela era boa em muitas coisas, mas aquela não era uma delas. caminhou até a cama e se sentou na beirada, ao meu lado. Ela pôs uma mão sobre o colchão, do outro lado do meu corpo, inclinando-se um pouco sobre mim. – Não fala assim, que fica mais difícil ainda juntar minhas coisas.
- Então se eu continuar fazendo birra você desiste de ir? – brinquei e ela balançou a cabeça pros lados, rindo. – Vamos lá, é só um emprego. – provoquei.
- Não é “só um emprego”, é o emprego. Mas se você parar, posso te recompensar depois. – sugeriu, aproximando o rosto do meu.
Ela me deu um beijo leve na boca, mas eu virei o rosto e cruzei o braço.
- Não quero. – falei simplesmente, e ela arqueou uma sobrancelha pra mim. – Esse é o meu protesto.
Ela riu e deu de ombros, virando o corpo pra se levantar da cama.
- Tá. Que seja. Depois não me venha... – e eu a interrompi, puxando-a de volta pra mim. Inclinei o peito sobre , deitando-me em cima dela.
- Mentira. Eu quero sim. – falei, rindo, e ela me acompanhou.
Encarei seus olhos escuros por um tempo. Ergui uma das mãos e a deixei passear pela lateral do seu rosto suavemente. fechou os olhos e, por um instante, eu apreciei a visão daquilo que mais me completava no mundo. Eu sentia seu peito se movimentar tranquilo sob mim, sentia seu perfume tão leve e tão dela. E então ela abriu os olhos de novo.
- Um ano não é nada, . – ela disse, e não sei quem ela estava tentando convencer: a mim ou a si própria.
Sorri sem humor.
- Nada?
- Nada pra gente. – ela disse. – Há quantos anos a gente se conhece?
Fiz uma careta, segurando o riso.
- Matemática não é o meu forte.
- Tá. Mais de dez anos. Um ano não é nada. – ela repetiu. – E eu volto pro Natal.
- E vai ser tudo a mesma coisa, certo?
- Desde que você não me troque por uma das loiras do seu trabalho. Aliás, nunca vi gente que gosta tanto de oferecer café! – ela falou, olhando pro outro lado.
Não resisti e soltei uma gargalhada, deixando a cabeça pender na curva do seu pescoço.
- Tava demorando pro seu lado dramático dar as caras. – provoquei, ainda rindo.
- Não enche, . – ela ralhou, mas eu levantei o rosto e vi que ela ria também.
Ficamos em silêncio por alguns segundos de novo, enquanto eu observava seu rosto atentamente, como se já não soubesse cada detalhe dele de cor.
- A gente vai ficar bem, né? – ela sussurrou com um sorriso fraco e eu assenti com a cabeça. Passei o nariz de leve pela sua bochecha antes de beijá-la.
- Vai. – prometi.
End of Flashback
Julho 2013
Abri os olhos devagar e não sei o que era pior: a cabeça pesada, a luz forte ou o gosto de ressaca na boca. Me mexi um pouco na cama e pude sentir que Georgia ainda estava deitada. O rádio-relógio indicava 11:15 da manhã. Uma coisa boa com a Georgia é que ela dormia tanto quanto eu. Talvez até mais. Então nunca acordava cedo inventando de fazer qualquer coisa, nem reclamava quando eu dormia o dia inteiro. Ela simplesmente buscava uma almofada na sala e vinha deitar do meu lado. Ela era uma garota legal.
Ergui o corpo com dificuldade. Minha cabeça doía e eu estava com preguiça de fazer qualquer coisa, mas parecia impossível encontrar uma posição confortável no colchão. Talvez uma aspirina, um copo de água e um cochilo no sofá da sala resolvessem meu problema.
Caminhei até a sala e pude ouvir um barulho vindo da cozinha. Talvez em outra ocasião eu tivesse feito alguma coisa, ou até me preocupado minimamente. Mas estava cansado demais pra qualquer coisa. Só que um minuto depois o saiu da minha cozinha carregando mais garrafas de cerveja nas mãos do que parecia possível pra uma pessoa do tamanho dele.
Ele me olhou de cima a baixo, constatando que eu estava só de boxers, e balançou a cabeça para os lados, como se houvesse algo errado com o fato de eu estar de cueca na minha casa.
- Porra, – ele começou – se é com essa cara que a Georgia acorda todos os dias, dá pra entender porque ela prefere dormir tanto.
- Cala a boca. – resmunguei, passando por ele em direção à cozinha. – Preciso de uma aspirina.
- Mas é uma bicha mesmo. – falou, sorrindo.
- Sou. – respondi indiferente. – E você é um filho da puta que invadiu minha casa pra roubar minha cerveja. É isso mesmo?
- Basicamente. – ele ponderou. – O tá aqui. Desce lá em casa depois que vestir uma roupa.
- Ah... – soltei, contorcendo o rosto numa careta.
- Se eu fosse você, eu iria. Tô roubando todas as suas cervejas mesmo. – falou, dirigindo-se até a porta do apartamento. Ouvi sua voz do corredor, antes de bater a porta: - Estamos esperando!
Passei as mãos pelo rosto com força pra ver se acordava melhor. e eu morávamos no mesmo prédio, e por causa disso eu passei a entender por que meu pai sempre dizia: “dá dinheiro, mas não dá intimidade”. Mas acho que já era.
Encontrei um remédio no armário e enchi um copo de água. Depois abri a torneira e joguei um pouco de água no rosto, antes de voltar pro quarto pra procurar uma calça qualquer pra descer até o apartamento do .
Coloquei uma calça de moletom sem fazer barulho, apesar de Georgia estar num sono ferrado, e desci. A porta do apartamento de estava destrancada, como sempre, porque ele aparentemente perdeu algumas lições importantes da vida, como sempre trancar a porta de casa, não roubar cerveja alheia e não falar sobre sexo na frente de velhinhos. Aquelas coisas que simplesmente não se faz. Exceto que faz.
E quando eu fechei a porta atrás de mim, lá estava ele mais uma vez fazendo coisas que ninguém mais faz, tentando empilhar as garrafas de cerveja numa torre que obviamente desabaria em um segundo.
- Essa é a teoria mais estúpida que eu já ouvi, . – falava quando eu entrei. – Não tem a menor chance de ainda existirem dinossauros.
Quando eu pegava as conversas desses dois pela metade, preferia sempre ignorar.
Sentei no sofá ao lado de e apoiei os pés na mesa de centro.
- Noite difícil? – ele perguntou. Eu dei de ombros. – Fez alguma coisa interessante ontem?
Olhei pra ele por um segundo antes de balançar a cabeça pros lados.
- Nada. – respondeu por mim, voltando da cozinha com uma cerveja em mãos. – Essas paredes são estúpidas de finas, e a Georgia esteve bem quietinha essa noite. – disse malicioso.
- Cara, tá na hora de você arranjar uma mulher. – aconselhei, rindo.
E então, do nada, como quem diz que almoçou lasanha, disparou:
A me ligou ontem, no meio da noite. – levantei os olhos pra ele rápido, mas voltei a olhar pra frente. Ninguém disse nada por um tempo, e ele completou: - Chorando. – me fazendo levantar o rosto de novo imediatamente. – Disse que tinha falando com você. – continuou, só então conseguindo uma resposta.
- Isso não é bem verdade. – eu me defendi, amargurado. – Quem falou fui só eu. – murmurei.
- E falou o quê? – perguntou.
Demorei um pouco a responder e ficamos todos em silêncio. Não era um assunto sobre o qual eu gostava de falar. Na verdade, não falávamos sobre há meses.
- Eu tinha bebido. – disse simplesmente.
- O álcool pode ter te dado coragem pra ligar, mas a vontade você já tinha há muito tempo. – ponderou.
- Não importa. – eu disse, dando de ombros. Não era como se estivesse interessada em qualquer coisa que eu tivesse a dizer, ela tinha deixado bem claro que não.
- É claro que importa, ... – discordou.
- Não, não importa. – eu repeti com mais firmeza, olhando sério pra eles. – Ela não quis me ouvir.
- Ela só não podia na hora. – defendeu.
- Ah, , que merda de desculpa é essa? – perguntei irritado. – E por que você tá do lado dela?
- Porque ninguém aguenta mais te ver desse jeito! – ele se justificou, apontando pra mim, o que na verdade não era muito justo, já que eu não estava no meu melhor dia. Ninguém acorda de ressaca pronto pra ir pro Oscar. – Você devia ligar pra ela.
- Eu liguei pra ela. – falei. – E ela desligou na minha cara.
Ninguém disse mais nada por uns minutos, e eu quis socar o por ter começado aquela conversa. Como se eu precisasse de ajuda pra manter a nos pensamentos. Não, isso minha cabeça fazia muito bem sozinha.
- Você sabe que ela vai voltar, não sabe? – quebrou o silêncio de novo. – Em três dias.
Eu não sei se isso é possível, mas acho mesmo que meu coração parou por um segundo. Demorei a falar porque não sabia o que dizer. E também porque minha voz pareceu sumir.
Pigarrei e pisquei algumas vezes antes de perguntar:
- Você tá falando sério?
- Sexta-feira, pouso previsto para as 19 horas. – disse com precisão. Então insinuou: - Eu fiquei de buscar ela, mas sabe que eu acabei de lembrar que não vou poder? – e sorriu cúmplice.
Balancei a cabeça para os lados.
- Ela não iria querer me ver.
- . – chamou, me olhando com uma seriedade atípica dele. – Eu já passei o inferno por causa de garotas – você sabe disso. – falou significativamente. – E nenhuma delas, nenhuma, nunca chegou nem perto de ser pra mim o que a é pra você. – então se levantou, passou por mim e, antes de entrar na cozinha, aconselhou: – Não abra mão disso.
Passei as mãos com força pelo rosto e soltei o ar pela boca. Deixei meu corpo afundar mais nas almofadas do sofá enquanto encarava o teto, sem saber o que pensar. Era muita informação pra pouco tempo, muita informação importante praquela hora da manhã.
- Eu não sei o que fazer. – admiti, por fim.
- Eu acho que você sabe exatamente o que fazer. – ponderou. – Só não é fácil.
- A Georgia tá dormindo lá em cima. Talvez eu deixe pra amanhã...
- Para de deixar pra depois. – disse, e mais uma vez eu quis socá-lo por ter razão. Esse filho da puta sempre tinha razão.
Levantei do sofá devagar e andei até a porta praticamente me arrastando, sem o menor ânimo pra fazer aquilo. Me despedi de e gritei pra que estava subindo. Subi até o meu apartamento, cada degrau me aproximando mais do meu objetivo, apesar da minha pouca vontade de fazer aquilo.
Abri a porta e, ao contrário do que eu esperava, Georgia estava acordada. Eu estivera na esperança de poder adiar aquilo um pouco mais, mas ali estava ela, em pé no meio da sala, adiantando o que eu tinha de fazer – e já vinha querendo há um tempo. Ela pegou sua bolsa do sofá e falou:
- Eu realmente preciso ir pra casa, tomar um banho e buscar umas roupas antes de voltar. – disse, sorrindo e prendendo os cabelos.
Eu sorri fraco pra ela e respirei fundo, finalmente colocando aquelas palavras pra fora.
- Talvez... Você não devesse voltar.
Georgia me olhou por um instante com o rosto vazio. Não dá pra dizer que tenha sido uma surpresa. Ela deu um passo pequeno pra trás e sentou no sofá. Então olhou pra mim com seus olhos azuis meio acinzentados, que eu sempre achei tão bonitos, e sorriu triste. Eu gostava dela. Mas o que era “gostar” comparado ao sentimento absurdo que eu tinha pela ?
Caminhei até o sofá e me sentei ao lado de Georgia pra terminar aquilo que, por mais chato que fosse, era necessário.
Flashback Janeiro 2013
- , pelo amor de Deus, quantas vezes eu vou ter que te dizer que a gente só foi almoçar? – repetiu, e eu podia ouvir que ela já estava ficando irritada de verdade. Foda-se. Não era como se eu estivesse meditando.
- Mas é toda hora agora? – perguntei exaltado.
- Olha, , eu já tô aqui há seis meses e vou ficar mais seis, então, bom, sim, eu ainda vou precisar comer muitas vezes. – ela disse irônica. Caralho, como eu detestava quando ela era irônica.
- Detesto quando você é sarcástica.
- E eu detesto quando você é um idiota paranoico e estupidamente ciumento. – ela rebateu, e eu não sei como eu ainda me surpreendia quando via como a habilidade que ela tinha de ser fofa era inversamente proporcional à habilidade de me fazer feliz.
- Mas por que você tem que ficar andando pra cima e pra baixo com esse cara? – insisti. E não era exagero. Desde que estava em Chicago, não fazia nada sem o tal Hunter.
- , você me conhece desde a sétima série. Quando foi que eu te dei motivo pra não confiar em mim? – ela perguntou séria. Fiquei em silêncio, ela também. Porque era verdade. Ela nunca tinha me dado motivo pra não confiar nela. Mas minha confiança também nunca tinha sido posta à prova como estava naquela época. Então ela suspirou pesado. – Poxa, , eu não conheço quase ninguém aqui, ele é meu melhor amigo.
E agora sim eu fiquei sem fala. “Meu melhor amigo”. E ela percebeu que tinha algo errado, porque quando eu ri baixinho, sem humor, perguntou:
- O que foi?
- Nada... É só que você costumava dizer isso sobre mim. – expliquei baixo, me sentindo decepcionado como poucas vezes antes.
- Quê? – ela perguntou, então disse rápido: - Ah, não, , não é isso. Você me entendeu.
- Entendi. Entendi muito bem. – concordei, mas não acho que estávamos falando da mesma coisa.
- Ah, ... – ela choramingou. – Eu não posso continuar tendo a mesma briga de novo e de novo. Todo dia é isso, tá insuportável...
- Eu não sei o que fazer. Parece que a gente tenta, tenta, tenta e as coisas continuam essa droga. – desabafei. – A gente briga todo dia, , que merda é essa? A gente não é assim!
Pude ouvi-la fungar do outro lado da linha, mas não tenho certeza se estava chorando porque ela não gostava de mostrar. Mas sua voz veio de novo, embargada, cansada – assim como eu.
- Você me conhece desde sempre. Você é meu melhor amigo há anos, a coisa mais importante que eu tenho. – ela disse e sua voz tremeu um pouco. - Você sabe melhor do que ninguém o que eu sou e no que eu acredito. E exatamente por isso a gente pensou que íamos dar certo juntos, então eu não entendo, simplesmente não entendo essa desconfiança agora!
- É... – ponderei, balançando a cabeça para os lados, me sentindo derrotado. – Bom, a gente também pensou que íamos conseguir mandar um relacionamento à distância, e olha só onde a gente tá.
Ela não respondeu. Eu também não teria, no lugar dela. Era verdade, o que não queria dizer que era simples. O que você pode fazer quando percebe que a coisa mais especial que você tem é também a coisa que tá fazendo da sua vida um inferno? Porque era o que a nossa relação estava sendo. Eu amava . Cara, como amava. E talvez por isso simplesmente não conseguisse lidar com a distância. Não conseguia lidar com o fato de ela ser minha, na teoria, mas talvez ser de outros, na prática. Não estou dizendo que ela faria isso, mas no dia em que alguém conseguir explicar isso pra minha cabeça ciumenta, a vida vai ser bem mais fácil... Pois toda vez que ela dizia que ia “almoçar” com um amigo, eu já tinha imaginado como seria o filho deles, antes mesmo que ela chegasse à sobremesa. Porque é assim que merda da minha imaginação trabalha: sempre empenhada em me foder.
E continuava em silêncio do outro lado da linha. Eu queria gritar, e ao mesmo tempo não queria. Queria abraçá-la e ao mesmo tempo desligar o telefone na cara dela e, merda, por que ela tinha que ser tão perfeita pra mim, mas também tão complicada? E por mais que eu quisesse que tudo voltasse ao normal, eu não sabia o que fazer em relação àquela porra toda, que já tinha atingido uma proporção que eu nem entendia.
Então quando ela falou, com a voz fraquinha:
- Então a gente acabou, ? – tudo que eu consegui fazer foi silêncio. Um bolo tão grande na minha garganta que eu levei a mão até ela e esfreguei a área. E continuei em silêncio, sem saber o que fazer pra consertar a situação, sem saber o que fazer pra impedir que ela desligasse. Porque eu sabia que ela desligaria e não ligaria de volta. E foi exatamente o que aconteceu. Um segundo depois, antes que minha voz voltasse pra garganta, ela desligou, e eu precisei piscar algumas vezes pra enxergar direito a cama vazia à minha frente, que continuaria vazia por um bom tempo.
End of Flashback
Julho 2013
Confirmado.
Pisquei algumas vezes antes de encarar mais uma vez as letras vermelhas que tinham acabado de mudar. Confirmado.
A voz irritante de uma mulher ainda ressoava pelo saguão, mas eu não ouvia. O vôo 08734 tinha pousado. O mundo desabava de chuva lá fora e eu deveria ter levado pelo menos uma jaqueta, mas a única coisa que eu conseguia pensar é que estava a poucos metros de mim. Mais perto do que estivera em seis meses.
Eu assistia as pessoas saírem pelo portão de desembarque com o coração na boca. Eu sabia que ela ainda tinha que buscar suas malas e toda aquela chatice, mas mesmo assim, toda vez que via uma sombra surgir por trás do vidro fosco eu vibrava, na esperança de ser ela, apenas pra ver outra pessoa qualquer surgindo. E vi cada uma delas sair e abraçar alguém com aquele sentimento de alegria e alívio estampado no rosto delas, e eu quis tanto, mas tanto, que ela reagisse assim também...
Imaginei saindo e percebendo que eu estava ali. Seus olhos se iluminariam e o sorriso que eu amo enfeitaria de novo o rosto dela, e ela correria pra me abraçar. Vi suas malas caindo no chão quando ela levantaria os braços pra me prender entre eles. Ela olharia nos meus olhos e, droga, os olhos dela...
Mas nada disso aconteceu.
O filme passou pela minha cabeça e, de repente, ela estava ali. Sem o menor aviso prévio, ela estava na minha frente de novo. Sem que nada me preparasse psicologicamente praquilo, lá estava ela, com essa habilidade maluca que ela tem de tirar meu chão. Pela primeira vez em mais de seis meses, nós nos encaramos. olhava nos meus olhos.
E então não olhava mais.
Momentaneamente perdido pela quebra do contato, eu ofeguei e pisque algumas vezes pra focalizar seu contorno, ainda a alguns metros de mim. E ela olhava pro lado. estava parada à minha frente deliberadamente olhando pro lado contrário.
Respirei fundo e caminhei até ela. Parei a poucos centímetros, esperei um pouco e finalmente olhou pra mim. Ao contrário do que eu tivera medo que acontecesse, seus olhos ainda eram os mesmos. E ainda falavam comigo, como sempre falaram, e ali eles me diziam que ela estava com medo. A vontade de abraçá-la voltou, forte como nunca antes, mas eu me segurei. Ela continuou me encarando, imóvel, e eu percebi que aquela era a minha hora de deixar de ser o bosta que eu vinha sendo nos últimos meses e tomar alguma atitude.
Sorri pra ela o mais tranquilo que pude e assoprei baixinho:
- Oi, .
Ela ofegou e respondeu em voz baixa, como se as palavras custassem a sair:
- Oi, .
Eu me abaixei e peguei suas malas. Pensei que ela fosse protestar, mas suas mãos cederam imediatamente, sem a menor resistência.
- Posso te levar pra casa? – pedi e ela demorou um pouco, mas depois de alguns segundos assentiu com a cabeça.
Comecei a andar em direção à saída com ela ao meu lado, e durante muito tempo, ficamos em silêncio.
Ah, o silêncio.
Que por tanto tempo me fizera companhia. Mas agora era diferente. O silêncio de antes era vazio, nada além da ausência dela. O silêncio de agora era expectativa. Era ansiedade, receio, era meu peito apertado de tanta vontade de tocar a pele dela, mas eu não podia.
Quando chegamos à porta, ela hesitou, olhando pro temporal que caía lá fora. O carro não estava longe, mas era o suficiente pra nos molharmos. Eu me arrependi mais uma vez por não ter levado uma jaqueta que eu pudesse emprestar pra ela. Eu sou um inútil mesmo. Mas um segundo depois, ela já andava na chuva, seguindo o corredor em direção aos carros, sem nem saber onde estava o meu. Me apressei pra ultrapassá-la, e quando alcancei o carro eu destravei o alarme e fui colocar a bagagem no porta-malas. Corri de volta ao lado do motorista e entrei.
E lá estava ele: o silêncio. Som nenhum além da chuva batendo forte no teto do carro.
mantinha o olhar perdido à frente, a expressão vazia e o corpo meio mole. Comecei a sentir medo de que a noite não terminasse como eu esperava. E se ela não estivesse disposta a esquecer tudo, como eu estava? E se ela já estivesse com outra pessoa e tivesse me dado o pior conselho da história dos conselhos? E se, droga, só o pensamento fez minhas mãos tremerem sobre o volante. E se ela não me amasse mais?
Dirigi com cuidado pelas ruas escuras e vazias, fazendo o caminho que eu não repetia há um ano, mas que não sairia da minha cabeça tão fácil. Eu olhava de relance pra às vezes, e ela mantinha o rosto encostado sobre o vidro embaçado da janela. Ainda quieta, ainda sem esboçar reação ou sentimento nenhum.
Quando estacionei em frente à casa dela, desliguei o carro e me virei pra ela, tomando coragem pra falar. Mas antes que eu tivesse tempo de pensar em qualquer coisa, se virou também, saindo da posição apática numa explosão que me pegou de surpresa.
- O que é que você tá fazendo? – ela perguntou alto.
Gaguejei um pouco pra responder.
- A gente chegou. – disse, com toda a minha eloquência, e apontei pra fora.
- Você pensa que pode aparecer sem aviso depois de seis meses e me oferecer uma carona? – perguntou um pouco alterada. – Uma carona? – repetiu. – E então faz silêncio? Você tem noção do que é isso, ? Seu silêncio dói. – ela falou, franzindo o cenho numa expressão machucada e eu vi que seus olhos estavam cheios de lágrimas. Um buraco abriu em mim.
E eu não sabia o que falar.
Eu nunca sabia o que falar quando ela me confrontava. Porque tudo que eu queria pedir era “volta pra mim”, mas eu não tinha esse direito. Não podia despejar aquele pedido nela sem mais nenhuma explicação. Eu não era bom com as palavras, sempre acabava falando alguma merda gigantesca e ali, a última coisa que eu queria era falar algo errado e estragar tudo de verdade.
Vi seu tronco se curvar um pouco, o choro fazendo todo seu corpo tremer. O rombo em mim cresceu, e vê-la chorando fez meu peito doer como se queimasse.
- , eu... Não chora assim. – implorei agoniado, e fiz menção de tocá-la. Eu queria falar alguma coisa, mas vê-la chorando daquele jeito me desestruturava completamente.
Quando eu ergui a mão na sua direção, se mexeu na cadeira, fazendo eu me afastar num movimento brusco e, antes que eu pudesse evitar, ela tinha aberto a porta e saído na chuva. Por um segundo eu ouvi o som das rajadas lá fora mais alto, e então a porta estava fechada de novo, me separando da chuva e, mais importante, me separando dela.
Mas ver suas costas se afastando de mim em meio às gotas grossas de chuva foi o empurrão que faltava. Como se recebesse uma descarga elétrica, eu soltei meu cinto e me joguei pra fora do carro, com pressa, e corri até ela. já tinha chegado a passos largos até as escadas da varanda e eu disparei até lá. Quando cheguei, ela já estava parada em frente à porta, pingando, e segurava a chave, tentando desajeitadamente encaixá-la na fechadura. Suas mãos tremiam. Não sei se pelo frio ou pelo choro.
Puxei-a pelo braço, segurando a manga molhada da sua blusa, fazendo com que ela se virasse pra mim, e tomei coragem pra falar.
- Eu tô perdido. Eu tô uma bagunça desde que a gente terminou. Parece que tudo que sou tá escorrendo pelas minhas mãos porque eu não sei o que fazer sem você aqui. – admiti. – E eu sei que parece ridículo e infantil que eu dependa tanto de você, mas... Tudo parece errado e nada é bom o suficiente se eu não puder compartilhar as coisas com você! Mas se você tá aqui... Olha só, , – argumentei, sorrindo bobo – não tem nem meia hora que você tá aqui e eu já não me sinto sozinho como antes... E eu preciso que você me dê outra chance. Eu não sei o que aconteceu com você nesses seis meses. Não sei se foram bons, se foram ruins, se você tava com outra pessoa ou se tava sozinha, como eu, mas...
- Você tá namorando. – ela me acusou baixinho e mais uma lágrima rolou pelo seu rosto. Eu tinha me esquecido de como ela era linda chorando.
- Eu tava. – corrigi, um pouco envergonhado. Respirei fundo. – Tudo que eu precisava era de algo que tirasse você da minha cabeça. – justifiquei. – E a verdade é que não ajudou, porque tudo nela era tão diferente, que só me fazia lembrar você e como eu sentia sua falta! Mas eu precisava te esquecer, porque não aguentava mais esse vazio, esse frio que tomava conta de mim e de tudo que eu fazia... Você foi embora e tem sido como um inverno infinito e você não faz ideia da merda que é isso! Se as pessoas já reclamam depois de dois meses, imagina isso... – sorri sem humor. – E eu sei que eu sou um idiota por nunca ter te ligado, mas quando você disse que acabou...
- Eu nunca disse que acabou. – ela se defendeu com a voz quebrada. – Eu perguntei, , pelo amor de Deus, eu perguntei se tinha acabado e sabe o que você respondeu? – abaixei a cabeça e ela finalizou: – Você ficou em silêncio.
- Eu não sabia o que falar pra te convencer.
- Qualquer coisa! – ela disse, como se fosse óbvio. – Eu fiz a pergunta e tudo que eu queria que você respondesse era que não tinha acabado. Eu só queria que você lutasse por mim, que me desse um motivo, um só pra continuar tentando! – ela falou, gesticulando energicamente.
- Eu te amo. – disparei. Sua expressão suavizou, assumiu um semblante surpreso, e eu continuei: - Eu te amo, isso é motivo suficiente. Eu te amo e quero te dar tudo que eu puder, porque eu sei que com você eu posso ser um homem melhor. Porque eu estive perdido por meses, mas aqui, com você, eu me encontro de novo. E eu sei que tudo pode estar uma merda, mas se você estiver aqui comigo, de manhã todos os meus medos vão ter ido embora, porque você é tudo que eu preciso. – falei, dando de ombros. – Eu te amo, e vou continuar amando, você querendo ou não. – desafiei, sorrindo triste. E voltei a soar pequeno: - Mas, se você quiser, eu vou te fazer sentir amada todos os dias da sua vida.
Finalmente, estendi as mãos e as levei até seu rosto, sentindo o toque pelo qual eu ansiara por tanto, tanto tempo. Sua pele macia ainda parecia ter sido feita pra ser tocada por mim. Ela estava molhada, fria, e tudo que eu queria era aquecê-la e amá-la.
Desci as mãos pelo seu rosto, pescoço, braços e alcancei suas mãos. De uma eu tirei a chave, a outra eu apertei entre a minha. Abri a porta e a puxei pra dentro do cômodo escuro e silencioso. Subimos a escada com calma, as palmas molhadas apertadas uma contra a outra. Quando chegamos ao seu quarto, parei em frente a ela novamente e encarei seus olhos, escuros como tudo à nossa volta. Mais uma vez eles falaram comigo, mas agora todo o medo tinha sumido. Coloque pra tocar
Settle down with me
Acalme-se comigo Cover me up, cuddle me in
Cubra-me, me abrace Lie down with me
Deite-se comigo Hold me in your arms
Me mantenha em seus braços
Levei as mãos aos seus ombros e comecei a tirar sua jaqueta molhada. Abaixei as alças do vestido e o puxei pra baixo, porque o tecido molhado estava todo grudado à pele dela. Tirei minha própria camisa e a calça, enquanto sua mão, ainda fria, acariciava a lateral do meu rosto e meu pescoço, me fazendo arrepiar.
Puxei a colcha da cama um pouco, só o suficiente pra que pudéssemos nos enfiar embaixo dela, e puxei comigo, fazendo-a deitar do meu lado. Passei a mão pelos seus braços, frios, tentando aquecê-los. Depois envolvi seu corpo, trazendo-a pra mais perto de mim.
Your heart's against my chest
Seu coração está contra meu peito Lips pressed to my neck
Seus lábios contra o meu pescoço I've fallen for your eyes
Eu me apaixonei pelos seus olhos But they don't know me yet
Mas eles ainda não me conhecem
Inclinei o rosto devagar, sentindo sua respiração contra minha boca, e tentei me controlar pra fazer minhas mãos pararem de tremer. Rocei os lábios sobre os dela e finalmente a beijei. Puxei-a pra mais perto ainda, colando nosso corpo inteiro, apertando-a contra meu peito. E lá estava eu, finalmente, realizando a vontade que me atormentava há tanto tempo: abraçando a e sentindo o gosto que só ela tem.
And with a feeling I'll forget
E com um sentimento que eu vou esquecer I'm in love now
Eu estou apaixonado agora
Separei o beijo e passei o dedo pelo seu rosto, afastando alguns fios de cabelo. Percebi que ela me observava atenta, passeando os olhos pelo meu rosto, como se não me conhecessem.
- Que foi? – perguntei baixinho.
- Eu tinha esquecido como você era bonito. – ela explicou, sorrindo, e aquele sorriso me fazia esquecer tudo, absolutamente tudo de ruim que eu tinha sentido naquele tempo todo. O frio, a solidão, a saudade, a tristeza. Tudo ia embora com aquele sorriso pelo qual eu era tão incrivelmente apaixonado.
Kiss me like you wanna be loved
Me beije como se quisesse ser amada Wanna be loved
Quisesse ser amada Wanna be loved
Quisesse ser amada
- Eu quero. – ela disse subitamente. "Se você quiser, eu vou te fazer sentir amada todos os dias da sua vida."
Ela queria.
Dessa vez, esticou o rosto até o meu e juntou nossos lábios, me beijando com uma vontade que não deixava dúvidas. Respirei fundo, sentindo seu cheiro, e me inclinei por cima dela, tentando tocar todo pedaço possível do corpo dela. Ela me beijava como só ela sabia fazer e eu poderia continuar assim a vida inteira. Porque, afinal, o que era aquilo, senão amor?
This feels like falling in love
Sinto que estou apaixonado Falling in love
Apaixonado We're falling in love
Estamos nos apaixonando
Ela separou nossos lábios mais uma vez e, olhando nos meus olhos, disse com a voz firme:
- Eu também te amo.
E assim, de uma hora pra outra, o inverno tinha ido embora e o verão estava lá mais uma vez. E tudo estava inteiro de novo.
Nota da autora: Oi, oi! A opinião de vocês é muito importante, então... O que acharam?
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