There’s a lady who’s sure
All that glitters is gold
And she’s buying a stairway to heaven…
— Ah! Eu odeio a primavera! — disse a pequena Rose, andando para dentro da casa batendo o pé. Seus cabelos loiros estavam trançados, e seus olhos castanho-esverdeados estavam opacos como sua avó raramente via. A senhora, Janet, fechou o livro que estava lendo e sentou-se no sofá perto da neta de sete anos.
— A primavera, Rose? Mas tudo fica tão lindo na primavera! — disse Janet, abraçando a neta de lado.
— Só que fica muito chato! Tudo muito colorido, e fica calor! Eu tenho que fazer mil trabalhos sobre flores, primavera é muito chata, não serve para nada!
— Ah, não fale assim, Rose. null não ia gostar de ouvir isso.
— null? — perguntou a menina — Quem é null, vovó?
Janet deu de ombros, sorrindo, percebendo que conquistara a neta. Abriu o livro em suas mãos e disse:
— Você não conhece a história do bravo cavaleiro null null?
— Não. Posso não gostar da primavera, mas amo histórias! Como é a história de null, vovó?
And when she gets there she knows
If the stores are all closed
With a word she can get what she came for
Oh, and she’s buying a stairway to heaven
null era um bravo cavaleiro da rainha Vittoria, um soldado que poderia gabar-se de sua coragem, porém, não o fazia. Era modesto, e um dos mais jovens dos cavaleiros. Tinha olhos null sonhadores, apesar de não se deixar enganar por moças do reino inglês. Ninguém satisfazia null, nenhuma delas era boa suficiente para ele. Até que um dia uma moça cruzou seu caminho.
null estava com seu cavalo nas terras da rainha, cavalgando com todos os outros cavaleiros, pelas ruas da cidade de Londres. Logo, um grupo de jovens se aproximou, não encantadas com o belo animal que null montava, mas também na beleza de quem cavalgava.
— Cavaleiro null! Sempre com Topázio, não? — perguntou uma moça de longos e ondulados cabelos loiros.
— Ele gosta dessas caminhadas. Gosta de ver moças bonitas.
O cavalo manso recebeu os carinhos das jovens com satisfação. Enquanto null estava destraído, olhando para o céu, que estava incrivelmente azul, Topázio se assustou com um rato que saiu de um esgoto. O cavalo se ergueu, e relichou, quase acertando uma das moças. null tentou domá-lo, mas Topázio já estava assustado demais para isso. Uma das crianças que também tinha se aproximado do belo animal estava imóvel, impressionada com a grandeza de Topázio, e colocou seus bracinhos na frente do rosto para não ser atacada. As patas dianteiras do cavalo estavam erguidas, prontas para abaixar-se em cima da criança.
— Ei, calma, amigão! — disse uma voz feminina que, assim que tocou Topázio, ele pareceu se acalmar — Você já é grande demais para esses vexames!
Começou a acariciar o rosto do animal, que pareceu relaxar. A criança sorriu, e abraçou a perna de sua salvadora, como um agradecimento. Todas as jovens que rodeavam null fizeram uma careta, enquanto o próprio cavaleiro estava quase boquiaberto.
Nunca tinha visto jovem mais bela em toda sua vida. Os olhos eram como se não tivessem fim, como se fossem entregues e filhos do próprio infinito, mas null não pôde ver suas cores. Encanto era pouco para o que ele tinha acabado de sentir.
— É um belo cavalo — ela comentou. Usava um vestido de camponesa azul, e tinha os cabelos protegidos por um pano azul mais escuro. Era difícil ver seus olhos.
— Deus salve a rainha — ele disse, com um sorriso. A moça o retribuiu, parecendo corar. Assim que null voltou a montar em Topázio, a moça sorriu torto e se retirou, voltando para a multidão que estava nas estreitas ruas de Londres. Ele não conseguiu tirar seu olhar dela. Era algo inevitável, era automático. null sabia que era cedo para dizer, mas aquela moça o tocara como nenhuma outra. Era como se ela não fosse real, como se fosse uma fada, uma ninfa, fruto de sua imaginação.
— Quem era ela? — perguntou, sem sequer saber se havia pessoas a sua volta para responder a pergunta.
— Ah. null. Chegou na cidade há alguns dias — respondeu uma ruiva que estava entre as jovens que elogiaram seu cavalo — Ela é estranha. Só sai de casa à luz do sol, e sempre retorna sozinha, sempre com flores em uma cesta. Ela gosta de andar no mato, e costuma proteger os cabelos com aquele pano.
— null? — perguntou null, para confirmar.
— null. Age como se fosse a própria rainha, com o mundo ao seu redor, apenas pronto para receber suas ordens. Além disso, vem para cá todos os anos, mas só fica três meses: quando a primavera começa, até o dia em que ela termina. Como aquele sorriso nos irrita!
Aquele tinha sido o mais belo sorriso que null já vira em toda sua vida.
There’s a sign on the wall
But she wants to be sure
‘Cause you know, sometimes words have two meanings
Com Topázio, o cavaleiro null foi cavalgando até sair da cidade, pelos campos. As pequenas e aconchegantes casas eram estranhas para ele, que sempre viveu entre a nobreza. null era acostumado à mordomia, e, mesmo assim, isso nunca o satisfez. Sempre se sentiu incompleto.
Uma das casas era de madeira, ao contrário de todas as outras, erguidas por pedras. Estava andando em direção à ela, uma moça de vestido azul claro, com uma pequena cesta de flores na mão direita. Apesar de pequena, a cesta parecia abarrotada das mais coloridas flores.
— Elas ficam lindas nessa época do ano! — comentou null, distante da moça.
Ela se virou, vaga.
— O quê? — ela perguntou, com a voz serena.
— As flores. A primavera acabou de começar.
O céu também parecia mais azul. As flores estavam mais coloridas. Ou era tudo ilusão dos olhos null de null.
Ele desceu de Topázio, deixando-o pastando. Andou até a moça, que estava parada, parecendo interessada no que ele fosse dizer.
— Eu sei. Cheguei no primeiro dia dela — comentou, virando-se totalmente para null. Tinha jeitos de menina, mas postura de mulher.
— Ouvi falar disso, null.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Que indelicado saber o nome de uma moça por fofoca. Sendo que nem ela mesma sabe o do cavaleiro.
Ele riu, o que levou ela a dar um pequeno sorriso torto.
— Sou null. null null.
Ela ergueu a mão e ele apertou.
— null.
— null de quê?
— Só null.
— Bem... Só null — ele falou, puxando o braço de volta para si — Nunca a vi na cidade. Acho que podemos nos conhecer melhor em uma caminhada.
Ela abaixou a cabeça e apontou os olhos para a cesta.
— Acho que tenho tempo para isso. Tenho que estar de volta ao entardecer.
Ele começou a andar pela propriedade, lentamente saindo dela e indo em direção ao campo novamente.
— Farei questão de vê-la entrar em sua casa. Seus pais fazem questão da hora?
null deu de ombros.
— Não tenho pais.
— Não? — ele se surpreendeu.
— Bem, tenho. Só mãe. Ela não está sempre aqui, mas acho que sempre pode me ver. O que, de certo modo, é bom. Me sinto segura.
— Nenhum irmão?
— Alguns muitos, todos por parte de mãe. E você, null? Tem família?
Ele estranhou. Não era comum uma mulher ter muitos filhos com muitos homens diferentes. Era, aliás, algo indigno.
— Meu pai é um dos maiores cavaleiros de nossa rainha Vittoria. Minha mãe tem uma linha de sucessão na nobreza digna de pecado. Sou filho único, e a única honra que posso proporcionar à minha família é tornar o mesmo que meu pai.
null ergueu a sobrancelha e comprimiu os lábios.
— O que foi? — perguntou null, temendo ter dito algo de errado. Normalmente, quando dizia aquelas palavras, as moças suspiravam.
— Você quer ser seu pai. Não quer ser null. O que há de tão errado em ser null?
— O que há de tão errado em ser meu pai?
Ela riu, dando de ombros.
— Nada. Só que não é você. É como se você fosse um espelho que reflete os outros.
— Você é camponesa?
Ela assentiu com a cabeça.
— É raro eu permanecer em um só lugar, null. Costumo ficar aqui por três meses, então vou embora. Em um ano, estou de volta.
Ele assentiu com a cabeça, entendendo.
— Não está na idade de procurar um marido, null?
— Você é mais velho do que eu! — ela riu como uma criança — Não está na idade de procurar uma esposa?
— Ok — ele disse, erguendo as mãos na altura da cabeça, rendendo-se — Você me pegou dessa vez.
— Vi que estava rodeado de mulheres.
— Nenhuma delas é boa. São todas cópias de uma mesma futilidade. Procuro algo que seja diferente, que me dê outro sabor à tudo isso. Algo como... O sal.
— Sal? Que metáfora! — ela sorriu.
— É! O sal é pequeno, normal, ninguém parece se lembrar dele. Mas a comida sem sal fica simplesmente terrível! O sal é o tempero principal, e ninguém se importa com ele.
— Então você procura o sal?
— Acho que sim — ele riu, com as mãos atrás do corpo. Conversar com null estava proporcionando algo inédito para ele: o riso espontâneo.
— Você é estranho. Gostei de você.
— Posso te ver novamente amanhã, null?
Ela mordeu o lábio. Parecia não querer que aquilo se repetisse, porém cedeu:
— Claro. Bem, o dia está indo embora. Vejo-o novamente amanhã, cavaleiro null.
Ele fez uma reverência.
— Até amanhã, null. Não vou esquecer.
In the tree by the brook
There’s a songbird who sings
Sometimes all of our thoughts are misgiving
E, assim, sucederam-se as semanas. Sem cessar, eles se encontravam todos os dias, e conversavam por horas. A cada dia, null sentia algo mais estranho no fundo do peito. Chegou a procurar um médico. Era algo que ardia, parecia doer. Ver null todos os dias lhe deixava assim, ferido sem marca. Vê-la parecia ser a cura e o que machucava. A medida que o tempo passava, null tinha mais certeza que era ela, aquela camponesa que não mostrava os olhos, que deveria ser a mãe de seus filhos.
No início do segundo mês, null foi até a casa de null com uma flor na mão. Ele a colocou no cabelo da moça, mas a pequena flor não ficava.
— Tire esse pano, null — ele pediu — Quero ver seus olhos, quero vê-los brilhando, sonhadores como sei que são!
Ela mordeu o lábio.
— Meu pano foi presente de minha mãe, null. Não posso me desfazer dele.
— Por favor, null. É só isso que lhe peço. Quero ver o fogo em seus olhos. Quero vê-la olhar para mim!
Derrotada, a moça abaixou a cabeça e tirou o pano que cobria seus cabelos. Eles caíram como cascatas em seus ombros, null. Quando ergueu o olhar, null encarou seus olhos amarelos.
— Deus — ele comentou.
Ela pareceu se entristecer.
— Essa é a reação normal. Minha visão é debilitada. Não posso enxergar tudo.
null levantou o rosto de null pelo queixo, usando o indicador. Quando a moça o olhou nos olhos, ele abaixou um pouco o rosto, fechou suas pálpebras e selou um delicado beijo em seus lábios. Os dois se encaixaram perfeitamente, simples, com um toque doce. Beijaram-se mais uma vez e pararam, sem se distanciar.
— Não precisa enxergar isso.
Ela voltou correndo para sua casa e trancou-se, só saindo de lá na manhã seguinte. Aquilo não poderia acontecer.
Oh, it makes me wonder
Oh, it makes me wonder
There’s a feeling I get when I look to the west
And my spirit is crying for leaving
No dia seguinte ao beijo, null se desculparia. Fora algo tolo a se fazer. Estava óbvio que null não era como as moças que ele conhecia: estava longe disso. Era como se ela fosse um anjo.
— null? — ele perguntou, batendo na porta.
— null, não posso sair.
— Perdoe-me. Não quis envergonhá-la, não foi minha intenção. Espero que possa me desculpar.
Ela abriu a porta. Seus olhos agora estavam quase alaranjados.
— Não tem problema. Qualquer moça normal ficaria grata.
Ele sorriu, considerando aquilo um elogio. A última coisa que queria era decepcionar null ou deixá-la envergonhada.
— Podemos fazer nossa caminhada.
Entristecida, ela concordou. Precisaria fazer um teste.
No caminho, nenhum dos dois se atreveu falar nada por cerca de dois minutos. null quebrou o silêncio:
— Desde quando você não pode ver?
— Eu posso ver. Não tudo. Só o que tiver muita luz.
— Como... O sol? O fogo?
— Não — ela riu docemente, como se ele fosse uma criança que respondeu algo errado — Não esse tipo de luz. Enxergo o que tiver iluminação. Vejo coisas puras, limpas e que merecem ser vistas. Vejo flores. Porque flores iluminam o dia, deixam seu aroma no ar, e nos deixam mais belas.
— Por isso colhe flores todos os dias?
Ela concordou com a cabeça.
— E onde deixa tantas flores?
null tropeçou e caiu nos braços de null. Quando ele a segurou, ela ergueu os olhos. Estava certa. Sua mãe nunca aprovaria algo daquele tipo. Os olhos null de null estavam vidrados nos dela.
Ela podia vê-lo. E isso era uma tragédia.
Ele se aproximou perigosamente. null não podia tocar seus lábios de novo. Aliás, não poderia tocá-los nunca mais. Pôs o indicador na frente dos lábios de null, fazendo-o parar.
O simples toque da pele dos dois era capaz de causar uma cadeira de catástrofes na mente dela. E aquilo não poderia acontecer.
— Perdão. Isso foi longe demais.
E voltou para sua casa caminhando. Chegando lá, cinco minutos depois, null bateu na porta.
— null! — ele gritou, parecendo impaciente — Por favor, me responda! Eu não aguento mais isso!
— null, não abra a porta.
— Conte-me seus segredos. Eu os ouvirei. Eu não quero seus segredos, null... Eu só quero você.
A porta se abriu, e null viu uma moça de costas e praticamente de ouro. Seu corpo todo brilhava em dourado, como um ser mitológico, muito além da imaginação de null. Se a própria null era quase isso, a null que ele viu era algo inimaginável.
— null... Eu não quero ter que explicar...
In my thoughts I have seen
Rings of smoke through the trees
And the voices of those who stand looking
Ele permaneceu imóvel, sem acreditar. Todo aquele tempo, ela não era de verdade? Tinha sido tudo sua imaginação, sua criação? null não podia ter criado uma mulher a quem amar. Não uma tão perfeita como acreditava que null fosse.
Mas toda perfeição tem cicatrizes de sua jornada, e ela tinha muitas.
null null amava null.
— Quem é você, afinal? — ele perguntou, baixo, quase balbuciando. Ela olhou para ele, entristecida.
— Isso não deveria acontecer. Nós não deveríamos acontecer, null.
— Por que não, null? Eu quero respostas. Me justifique por que não posso tê-la, e por que não posso ser seu. Eu quero saber o motivo.
Ela deixou uma pequena lágrima de ouro escorrer. Quando ela tocou o chão de madeira, desfez-se em pequenos flocos de luz.
— Minha mãe nunca aprovaria.
— Sua mãe? — ele segurou as mãos da menina e colocou as duas juntas, sentindo o calor que saía de sua pele — null, eu sou um cavaleiro real. Posso tentar insistir em pedir à sua família a permissão para...
— null, pare. Minha mãe nunca poderá ouvi-lo.
Ela fez uma pausa, respirando fundo. Dizer aquilo poderia ser sua pior maldição, ou ser sua maior salvação. Disse, enfim:
— null, minha mãe é Deméter, a deusa grega das estações. É por isso que só venho três meses ao ano. Fico em cada hemisfério na primavera, escolho um país e semeio a estação das cores. Colho flores e, a partir disso, nascem mais. É difícil, pois o ser humano é uma raça maldita, negativa e sem fé, nas palavras de minha mãe. Ele só vê o negro. Você só via o negro, null. Eu percebi isso quando te conheci. Como eu disse, só enxergo iluminados. Aos poucos, você se tornou iluminado. E agora eu vejo... Como o ser humano pode ser belo, só por ter falhas... — ela se aproximou mais dele, quase unindo seus corpos, e tocou o rosto do rapaz. Ele sentiu como se fosse o toque de um anjo, uma pena que lhe fazia cócegas.
— Você me deu a luz, null. Você me fez enxergar o mundo, eu vejo o mundo de verdade agora. Não como eu via antes: sem esperanças. O mundo era algo ruim que não merecia ser aventurado; devíamos seguir o que nos foi imposto desde sempre, independentemente, sem riscos e com algo planejado e certo. Com você, o mundo continua ruim, mas... Há como mudá-lo. Há um refúgio.
Ele levantou o rosto da moça para perto do seu, colocando uma mão em cada lado da face dela. Os traços da moça estavam aperfeiçoados. Estavam como de uma jovem deusa.
— Você é meu refúgio, você é meu mundo.
E beijou seus lábios com a ternura que nunca teve antes. Como todo ser humano, ele só percebeu o valor de seu maior amor quando estava prestes a perdê-lo.
Os beijos de null e null foram longos e sinceros. Para ele, é como se beijasse algo imaginário, um sonho que se tornou realidade. Para ela, ele era o sonho materializado, ele era além. E os dois eram tudo.
Oh, it makes me wonder
Oh, and it makes me wonder
And it’s whispered that soon
If we all called the tune
Then the piper will lead us to reason
— O que eu posso fazer, null? Eu preciso de você. Um dia sem você, sem nossas conversas bobas, é tempo perdido. Que se exploda a cavalaria, que se exploda a fofoca — ele fez uma pausa, passando os dedos pelos cabelos da moça — Eu quero passar o resto da minha medíocre vida com você. Quer ser minha esposa, null? Quer ser null null?
Ela não queria responder.
— Minha mãe nunca deixaria isso acontecer. Você não está se precipitando, null?
— null! — ele protestou — Nunca tive tanta certeza de algo. Pela primeira vez, estou fazendo a coisa errada, mas a que desejo fazer. Não estou seguindo uma regra.
Ela desenhou em seus próprios lábios um pequeno sorriso. Passou o indicador pelos lábios do amado, e ele segurou sua mão, beijando cada um de seus dedos.
— Para um casamento entre uma semideusa e um mortal... — começou null — Você teria que consegui o vestido mais puro possível. O vestido que representa sua esposa. O vestido feito com o que representa seu amor. O vestido perfeito. Pode fazer isso, null?
Ele pareceu pensar.
— Para quando?
And a new day will dawn
For those who stand long
And the forest will echo with laughter
Faltava uma semana para a ida de null, quando null finalmente levou o vestido de noiva para sua amada. Ele cavalgou em Topázio levando uma grande cesta, protegida por um pano — o pano de Deméter, azul-marinho. Ele andou vagamente até a casa de null, batendo na porta, que foi prontamente aberta. Os olhos da moça agora assumiam um tom mais avermelhado, e os cabelos perdiam a cor lentamente, ficando cada vez com menos movimento. null envelhecia em um ritmo anormal, parecendo se tornar fraca, perdendo sua fonte de energia.
— null! — ela tentou soar animada, abraçando-o pelo pescoço. Ele a ergueu no ar e logo depois a devolveu ao chão.
— Trouxe o que precisávamos.
No fundo da casinha, havia uma mulher de beleza invejável. Os cabelos eram castanhos, cor de folhas secas do outono, e seus olhos eram azuis como o céu no inverno. Já o vestido era amarelo como o sol do verão, e sua pele era rosada como pequenas flores na primavera. E não sorria. Era Deméter.
null não sabia como reagir. A mulher se levantou e foi até o rapaz, que permanecia boquiaberto. Ela estendeu a mão e ele se ajoelhou, beijando as costas da delicada mão da deusa.
— Cavaleiro null — disse em uma voz firme.
Ele ergueu os olhos null, confirmando com a cabeça. null indicou o caminho para que todos fossem para o lado de fora da pequena casa, e null pegou o cesto coberto pelo pano.
— Vossa grande e respeitosa majestade, senhora das colheitas, aceitaria esse presente de um modesto cavaleiro para que ele possa ter a mão de sua filha?
Ele se ajoelhou mais uma vez e ergueu o vestido coberto pelo pano. Lentamente, Deméter ergueu o tecido azul-marinho e viu o que tinha embaixo.
Era um vestido amarelo-claro, marfim, rodado com pequenas flores coloridas em cada camada de sua saia. O busto era delicado e com pequenas flores brancas, e a tiara com o véu era toda de pequenas rosas, cada uma de uma cor.
Woe, oh
If there’s a bustle in your hedgerow
Don’t be alarmed now
It’s just a spring clean for the May Queen
— Aceite meu amor em flores brancas, em representação da lealdade e da inocência, pois sua filha foi a única mulher que já amei em toda minha vida. Aceite-o em flores vermelhas, em razão à fidelidade e à paixão que nutri por ela desde o primeiro segundo. Aceite-o em flores azuis, a harmonia, amizade e fidelidade que eu e sua filha temos e sempre tivemos. Aceite-o em flores amarelas, a alegria e a felicidade presente em nós. Aceite-o em flores violetas, a dignidade e todo mistério que sempre nos cercou. Aceite-o em flores verdes, que são a sorte por ter conhecido tão maravilhosa jovem, a esperança que ainda nos une e a prosperidade que sempre nos unirá. Aceite-o em flores laranjas, o fascínio e respeito por uma moça tão pura e perfeita como ouso dizer que sua filha é. Aceite-o em flores cor-de-rosa, em razão à minha amada, minha delicada, bela, jovem null. Aceite esse arranjo de flores vermelhas e amarelas, nossa felicidade. De flores azuis e brancas, nossa amizade. De flores vermelhas e brancas, nossa união. E de flores rosas e vermelhas, nosso amor e felicidade.
E null colocou a tiara na cabeça de null, que a essa altura já quase chorava. Quando segurou o vestido, ele imediatamente vestiu-a e a jovem era a noiva de null. Era null null, e sempre seria.
Yes there are two paths you can go by
But in the long run
There’s still time to change the road you’re on
Não para Deméter.
And it makes me wonder, oh
Your head is humming and it won’t go
In case you don’t know
The piper’s calling you to join him
A deusa arrancou a tiara da cabeça de sua filha, e ergueu as mãos no ar. Um forte vento soprou e desceu dos céus um pégaso amarelo, o belo cavalo alado.
— Um mortal, null? Eu lhe dei o Olimpo, eu te levei aos céus, te pus entre os deuses, e você quer deixar isso tudo por um mortal?
null agarrou a mão de null.
— Não, mamãe. Eu estou deixando isso por algo.
— Algo clichê!
— Tão clichê que a senhora deve desconhecer. Não saio da Terra.
Deméter subiu no pégaso e null e null correram até chegar em Topázio. Quando ele tentou fazê-la montar, o vestido a atrapalhava, e com isso, Deméter ganhou.
Dear lady can you hear the wind blow
And did you know
Your stairway lies on the whisper wind
A deusa puxou sua própria filha pela cintura, mas esta não largou seu amado null. O pégaso alcançou voo em meio à ventania e subiu aos céus com Deméter e null montadas, e null pendurado do alto.
— null! Não me solte! — gritou null.
— Nunca! — ele retrucou.
Entretanto, null caiu.
And as we wind on down the road
Our shadows taller than our souls
There walks a lady we all know
Who shines white light and wants to show
A tiara estava na mão de Deméter. Quando o corpo de null se soltou da mão de null, e caiu de tão alto, ela compreendeu. null não era um mortal. Ele era além disso. Ele merecia o que queria, pois quis mudar, e conseguiu. Não quis seguir o que o mandaram seguir. null queria lutar pelo que queria, e lutou até o fim. Ele só queria uma coisa, algo muito além da compreensão humana, e divina.
Ele queria amar.
How everything still turns to gold
And if you listen very hard
The tune will come to you at last
When all are one and one is all, yeah
— E então, vovó? O que aconteceu com null? Ele morreu? — perguntou Rose, com os olhos brilhando.
Janet deu uma risadinha.
— Não. Deméter pediu para que sua alma fosse poupada, para que ele pudesse para sempre ficar com sua amada null, mas só em troca de um trabalho eterno. Para sempre, null deveria espalhar as flores pelo mundo. E null deveria colori-las, para que crianças pudessem colhê-las e semear as cores que representassem.
— Eles casaram?
Janet colocou o livro na estante e entregou uma pequena flor cor-de-rosa para a neta.
To be a rock and not to roll, oh
— Mais do que isso. Eles viraram luz. Para sempre, juntos. Para sempre, ela seria null null. E ele seria seu cavaleiro.
And she’s buying a stairway to heaven...
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