História por Hera Sullivan


Eu estava exausta naquele dia. Chegar tarde em casa, faculdade e estágio. Não era a vida que eu esperava para mim quando eu fiz dezoito anos, mas era o que estava rolando. Naquele dia, resolvi andar de escadas, estava cansada, mas dava pra subir vários e vários lances de escada desde a garagem até o quinto andar. Minha mente estava vagando para tão longe que eu nem, sequer, consegui sentir-me cansada enquanto andava rapidamente para cima, usando todas as forças que sobravam de meu pé. Quando eu puxei a portinha que dizia “5º andar”, não imaginaria que tal acaso poderia acontecer comigo. Havia um cara jogado contra a parede ao lado da porta do meu apartamento. Fumava um cigarro, que estava quase chegando ao filtro, e o ambiente, fechado do jeito que estava, fedia a nicotina. Suas mãos tremiam e seu nariz estava, terrivelmente, vermelho. Seus cabelos castanhos completamente bagunçados e revoltos. Em sua mão, uma garrafa vazia de cerveja; ele estava chorando.
Vestia um jeans e uma camisa preta. Na gola da mesma, se encontrava pendurado uns óculos aviadores. Ele parecia bêbado demais para estar na vida real. Aproximei-me, lentamente, mesmo que ele parecesse um ladrão ou um delinquente qualquer, eu não podia negar-lhe ajuda. Ele parecia tão fora da realidade quanto eu, uns minutos atrás. Mas meu caso era diferente.
Coloquei meus dedos sobre seu braço e seu corpo quente se estremeceu com meu toque. Ele virou rapidamente os olhos, parecia tão assustado como eu; seus olhos estavam tão vermelhos como seu nariz, mas ele não parecia ser usuário de maconha, ele parecia muito magoado, essa era verdade. Quis colocar a mão em seu rosto pálido, mas fiquei com vergonha...
- Mulheres... – ele resmungou, embolado, mas eu o ouvi. Ele agia como um bêbado desajeitado, mas era isso que ele era mesmo. – Umas putas de merda que só fodem com nosso coração. – O que ele dizia sobre as mulheres era a mesma opinião que eu tinha sobre homens, então eu não pude fazer nada que mulheres normais fariam como colocar as mãos na cintura e reclamar dos “absurdos” que aquele desconhecido me dizia.
- Homens fazem a mesma coisa. – Eu disse com o meu olhar sério. Finalmente, percebi que aquele desconhecido havia subido o olhar novamente. Ele moveu seu corpo lentamente, não teve sequer nenhuma força para se manter longe da parede. Ele jogou o filtro do cigarro no chão, desajeitado, e pisou em cima; ele tentou se mover novamente e apontou um dedo para minha cara.
- Não é verdade, você sabia que eu dei a merda do meu coração e mais um pouco para aquela puta? – Minha vontade agora era de perguntar onde ele morava e levá-lo para a casa dele. Não queria ficar ali, parada, ouvindo um bêbado contar sua vida pessoal para mim. – Ela me largou, como se eu fosse um pedaço de merda na porta da casa dela. – Ok, mas ele era um bêbado bonitinho, ok, muito bonito. E o pior, quando ele disse aquela frase foi algo que me fez querer ouvir o resto de sua história. Dei um leve toque em seu braço, novamente. - Onde você mora? Você precisa de um banho, e depois deitar e dormir. – Ele riu de lado. Soltando uma risada cínica e idiota. Colocou, com muito esforço, uma de suas mãos em meu ombro.
- Eu moro naquele ali ó, 505. – Ele apontou para o apartamento do outro lado do corredor, apartamento cujo nunca ouvi nada além de uma guitarra sendo tocada vinda de lá. Olhei pra porta com os números “505” presos sobre ela e pensei o quão difícil ia ser carregá-lo para lá.
- Acho melhor te levar para casa. – Ele se apoiou contra o meu ombro, o ouvi resmungar algumas coisas enquanto eu o ajudava a atravessar o corredor. O cheiro de bebida vindo dele era insuportável, era de dar nojo a qualquer um, mas prossegui em meu caminho de carregá-lo para dentro de casa.
- Você tem as chaves da sua casa? – Ele começou a rir igual um babaca, e eu podia jurar que a minha maior vontade era de jogar aquele rapaz no chão e deixar que ele ficasse de ressaca, sozinho ali. Mas como se ele percebesse o risco que ele corria de ser deixado ali sozinho, ele logo pescou umas chaves no bolso, por fim, junto dela, caiu a carteira e algumas libras. Abaixei-me, ainda mantendo seus braços apoiados em minhas costas, e peguei. Fiquei curiosa, e, aproveitando que a carteira do rapaz estava aberta, vi sua identidade. Seu nome era , e seu sobrenome era . Na foto da identidade, ele parecia ser mais novo. Recolhi as chaves e abri a porta, tentando empurrá-lo e empurrar a porta junto. Ele era bem maior do que eu e bem mais forte, foi complicado, mas consegui ajudá-lo a entrar. Ele se jogou para fora dos meus braços, caindo direto no sofá branco, que estava quase rente à porta, caindo de cara.
Observei seu apartamento; a sacada da sala dava direto para a rua de trás, percebi algo que nunca havia percebido, a rua que ficava atrás do prédio era incrivelmente iluminada e animada. Observei o local em que ele morava, a sala era ampla, vermelha, com várias guitarras expostas. Havia de vários modelos, semiacústica, Les Paul, Telecaster, Stratocaster... Caderninhos bagunçados e abertos com escrituras à caneta com letras ilegíveis. Respirei fundo enquanto me sentava ao seu lado no sofá e ligava o abajur. Observei seus cabelos completamente revoltos, e sua cara amassada contra o sofá... Ele não conseguia ficar feio.
- Você precisa de alguma coisa? – Saí de seu lado no sofá e abaixei em sua frente. Não demorou muito para que ele começasse a chorar novamente, chorar como um louco.
- Não. Pode me deixar sozinho? – A voz dele antes arrastada por causa da bebida estava ainda mais por causa do choro incontrolável. Fiz que sim com a cabeça, e me afastei, indo em direção a seu caderninho. Eu ia escrever meu número numa folha de papel e pedir para que ele me ligasse no dia seguinte, mas aí me dei de frente com uma poesia... Ou seria uma música?

I'm going back to 505 If it's a 7 hours flight
Or a 45 minute drive
In my imagination
You're waiting laying on your side
With your hands between your thighs

Ler aquela pequena e simples estrofe me fez soltar um belo suspiro. Imaginei aquela voz grossa e arrastada cantando pra mim. Respirei fundo, e corri pelas páginas daquele caderninho, procurando uma folha vazia, uma simples e pequena folha vazia... Ao chegar ao final do caderno, achei uma folha interessante. Eu quase caí para trás ao ler o que estava escrito ali. Meu nome estava ali, acompanhado do número do meu apartamento. , 501... Sua letra bagunçada, que devia ser igual à sua mente. Respirei fundo e, aproveitando aquela folha, a retirei, e pus meu número embaixo, escrevendo: “Aparece quando acordar.” Andar pelo corredor depois daquilo parecia bem mais cansativo e minhas pernas pareciam pesadas. Minha mente se focava naquele rosto, naqueles olhos e naquela voz arrasada grave. Seus cabelos desgrenhados e a forma cínica que ele ria. Eu devia odiá-lo, mas eu me sentia atraída. Principalmente por causa do seu verso... “In my imagination you’re lying on your side...” Ele devia ser realmente um cara bastante solitário. Realmente, muito solitário.
Abri a porta do meu apartamento. Naquele momento, eu não sentia fome, sede, calor, nada. Apenas uma vontade enorme de cair na cama. Caminhei pelo quarto escuro, mantendo meus olhos bem abertos para não esbarrar em nada. E assim que senti a borda da cama tocando em minha perna, me joguei, caí de qualquer maneira sobre o colchão macio da enorme cama de casal que eu dividia comigo mesma. Fechei meus olhos e senti um sono, um estranho sono derramar sobre meu corpo, me fazendo adormecer.
No dia seguinte, acordei ao som de batidas de campainha, estava tonta e com sono. Saí atropelando tudo pela minha frente, tropeçando em tudo, não escovei os dentes, não comi, embora minha barriga mostrasse que eu precisava urgentemente; muito menos penteei meus cabelos, eu devia estar parecendo uma medusa.
Com dificuldade pelo sono, abri a porta do apartamento, vendo que um na mesma situação que eu me olhava sem graça.
- ? – Ele perguntou, olhando para mim sem graça enquanto eu colocava as mãos na minha cintura, acenando positivamente com a cabeça. – Quero pedir desculpas por ontem, por ficar bêbado na porta do seu apartamento e por... Isso. – Ele tirou do bolso o papel da noite anterior. O , acompanhado do número do meu apartamento, nas letras dele.
- Ah, não. Tudo bem. Achei estranho, só isso... Aliás. Não faço nem ideia do seu nome. – Ele olhou para mim, sem graça, e começou a rir, estendeu a mão direita e se apresentou.
- Prazer, . . – Sorri e apertei sua mão em resposta.
- Ah, senhor , quer entrar? Não sei você, mas estou morrendo de fome. – Ele acenou com a cabeça, positivamente. Dei espaço e ele passou por mim. – Primeiramente, desculpa pela bagunça, tanto da minha pessoa quanto da minha casa.
Ele começou a rir, aquele riso irônico de novo, enquanto entrava na primeira porta à direita, a cozinha. Fiquei com vontade de jogar uma pedra na cabeça dele. Ele puxou um banquinho do balcão enquanto eu ia até a cafeteira e colocava o pó, filtro e a água nela. parecia me observar, olhei para trás e ele não desviou o olhar.
- Quero saber o que você viu na minha casa na noite anterior. – Olhei para ele e ergui uma sobrancelha em dúvida, algo me indicava que a casa dele era uma espécie de covil secreto para ele. Dei de ombros e fui direta.
- Umas guitarras... – comecei a listar e ele logo começou a rir novamente. Olhei para minha mão e vi que o saquinho de café compacto parecia uma arma bem válida.
- Sou músico. Tenho uma banda de rock, sou famoso, sabia? – Dei de ombros. Se era, eu nunca ouvi falar nele. Então continuei a listar tudo que sabia sobre ele e a casa dele.
- Uns cadernos e só. Ah, e uma música, ou poesia, não sei, só sei que eu achei muito bonita. – Ele ficou pensativo, acho que ele parecia ter muitas músicas que ele considerava bonita, pois passou um bom tempo pensando.
- Uma que citava você estar voltando para o seu apartamento. – ele abriu um sorriso presunçoso enquanto eu me concentrava em não olhá-lo.
- Ah, aquela... Realmente linda... — pude ver que essa era realmente a opinião dele sobre a música. Dei de ombros, esperando, talvez, que ele pedisse algo. Enquanto eu apenas me sentei ao seu lado e esperei o café ficar pronto. Lembrei então do papel cujo meu número eu havia escrito na noite anterior.
- Tinha um papel com meu nome escrito nele. Aquele que você me mostrou — Soltei, sem me importar muito com o que ele fosse dizer ou pensar. Ele olhou para mim e sorriu.
- É, eu vi que você viu. – Ele riu com certa ironia. Rindo de uma piada sem graça, algo como se fosse só dele. - Aposto que quer saber o motivo pelo qual seu belo nome estava lá, né? — fiz que sim com a cabeça, mesmo odiando a ironia que ele usava pra falar de mim. - Pedi para o porteiro, ouvi você discutindo com um cara no telefone, suas frases me inspiraram para escrever aquela música que você leu. — por isso eu estremeci. "Como eu queria chegar a casa e ver você deitada na cama me esperando, " a frase do ex-namorado tocou a mente de .
- Bom saber que você ouve minhas conversas. — começou a rir e me olhou nos olhos. Estremeci com o olhar terno dele.
- Você fala meio alto, ... - Levantei-me indo pegar o café na cafeteira e colocando, lentamente, o café sobre duas xícaras. Ele estava sabendo demais de mim. Eu queria saber como ele havia parado bêbado na minha porta.
- Quero saber sua história, . — Dei uma xícara para ele. Demorou um bom tempo para que ele tomasse um gole e se recuperasse.
- Namorei uma menina chamada Arielle. Ela era bonita, legal e tudo mais, mas era uma vadia. Do nada sumiu, do nada me largou... Ontem fui à casa dela pedir desculpas e conversar amigavelmente, ela foi fria, fechou a porta na minha cara... — parecia estar a ponto de prender o choro. Sentei-me ao seu lado e ele sorriu, mas era algo vazio, triste, quieto... Doeu-me no coração vê-lo daquela maneira. Mordi meu lábio inferior e me deixei levar pela vontade de tocá-lo, eu segurei seu rosto e o virei ao encontro do meu; seus olhos brilhavam cheios de lágrimas. Seu rosto era fino, lindo, seus lábios altamente sedutores, e o cabelo bagunçado lhe caía muito bem, é... Ele devia ser um rockstar famoso. — Tem outra mulher também... Mas ela nem me olha, não sei o que ela tem, parece que não me vê. Está sempre ocupada, preocupada. Mas, quando sorri, tem o sorriso mais lindo de Nova York. — Ele me olhava nos olhos. Seria eu aquela mulher? Revirei meus olhos internamente por aquilo. Claro que não. Não sei se era seu charme de estrela da música, mas, a forma na qual ele me olhava, era como se estivesse desesperado para dizer algo. Seus olhos se desviaram, tocando o teto. Ele ficou ali, olhando para o alto, então percebi que ele estava fungando. Finalmente entendi.Eele estava chorando... — Desculpe, — ele pediu sem graça. Seu olhar se encontrou de forma cautelosa com o meu, uma lágrima escapou de seu olhar e pude sentir meu rosto corar, ficando sem graça. Meu corpo estremeceu, minha vontade era de encher de beijos. — Eu tenho um show mais tarde, melhor eu ir... — Seus lábios perfeitos tocaram minha testa, e sua mão correu pelo meu cabelo. — Quero que você vá ao meu show hoje. Leve uma amiga, diga ao porteiro que você é — ele disse com um sorriso, o acréscimo do sobrenome dele ao meu nome fazia parecer que eu era esposa dele. Não sei se aquilo era uma piada ou era sério. — Que você vai entrar sem precisar de ingresso. — ele sorriu. Me levantei e o segui até a porta do apartamento, abrindo-a. Ele sorriu para mim uma última vez e seguiu novamente até a porta do 505, parando no meio do caminho para acender um cigarro e depois segui-lo novamente. Cansada de ficar olhando, tratei de ir até meu quarto e procurar no Google sobre . Ver-me de frente com fotos atrás de fotos dele era assustador. Fotos mais antigas, mostravam um de rosto infantil e com um sorriso bobo habitando seu rosto. Vi sem querer um sorriso parecido surgir em meu rosto, também. Certo calor correu sobre minha face, me fazendo tirar um fio de cabelo do rosto, então me deu uma vontade louca de correr e abraçá-lo, uma coisa tão maluca que me fez estremecer. Procurei por mais informações e percebi que era verdade, ele era famoso, tinha até uma página bem recheada sobre ele na Wikipédia, e a banda dele se apresentaria numa casa de shows perto daqui. Liguei para , minha melhor amiga. Ela conhecia tudo sobre a noite nova iorquina, e estava bem mais acostumada que eu a sair. E certamente ela conheceria a banda de .
Busquei meu celular na sala e digitei, um pouco trêmula pela recente visita de . O telefone começou a tocar e o encostei levemente na orelha enquanto ia até o quarto e colocava a faxina em dia. Deixando o computador de lado. Estava tudo uma bagunça. Roupas espalhadas sobre a escrivaninha, livros e cadernos soltos pelo chão, isso sem contar nas embalagens de Kit Kat, Hershey’s, M&M’s e qualquer outro tipo de chocolate que eu costumava comer enquanto assistia à minha sessão de filmes de menininhas semanal. A de anteontem havia sido 500 dias com ela, um filme que, levemente, lembrava meu ex-namorado...

Ele parecia completamente concentrado no celular enquanto eu estava sentada ao lado dele, completamente concentrada no volume de “Os Sofrimentos do jovem Werther” de Goethe, que havia em minhas mãos. Olhei para o lado e percebi o quanto sua barba estava para fazer, e o quanto ele parecia cansado. Retirei o livro do colo e pedi que ele deitasse sua cabeça sobre mim, e ele o fez. Observei seu rosto e não falei nada, apenas observei. Eu sentia realmente a falta dele, só nos víamos aos fins de semana e olhe lá. Aproximei meu rosto com a intenção de beijá-lo. - , não... – ele protestou, se afastando de mim. Ergui uma de minhas sobrancelhas, marquei a página que lia do meu livro e o deixei de lado, vendo que uma nova discussão iria começar. – Você fica me agarrando aí... Eu to cansado. – eu amava beijar os lábios dele. Quando nos encontrávamos, a única coisa que eu conseguia desejar era beijá-lo, recentemente ele me recebia sempre com muitas rejeições. Dizia que estava o agarrando.
Senti meus olhos se encherem de lágrimas enquanto ele fechava os olhos e dormia em meu colo.
Quando eu o chamava, eu gostava de passar um tempo com ele. Mas, recentemente, ele até vinha, mas dormia enquanto estava comigo, recusava meus beijos, e aparecia sempre reclamando de algo novo, seja dos meus filmes, meus livros, e até meu gosto musical. Ele tinha a péssima mania de achar que só havia Heavy Metal de música boa no mundo, fazendo com o que meu gosto musical que era uma mistura de pop dançante com rock clássico fosse constantemente criticado.
Naqueles dois últimos meses, eu comecei a ver que nosso namoro estava indo por água abaixo.


O telefone tocou até a nona chamada, e uma voz grogue e sonolenta atendeu.
- O que você quer, vadia? – perguntou do outro lado da linha enquanto eu reunia em uma só mão meia dúzia de camisetas e jeans.
- Você conhece um tal de ? – perguntei e em seguida ouvi um estrondo vindo do outro lado da linha. possivelmente tropeçou em algo.
- Estrela do rock, 20 e poucos anos, começou a carreira jovem, bonitão e blá, blá, blá? Sim, sou muito fã dele e da banda dele. – por fim, ouvi outro estrondo do outro lado da linha, enquanto eu jogava as roupas dentro da gaveta. Respirei fundo enquanto pensava em uma forma de explicar para a minha amiga de 23 anos na identidade e 12 na mente.
- Eu estou com dois ingressos para a área vip do show deles essa noite, você vem? – Perguntei, escutando a menina desmaiar, ou não, do outro lado da linha. Ela ficou em silêncio e pude ouvi-la gaguejar.
- Como!? – pronto, outra pergunta que eu não saberia responder. “Ah, eu só levei o tal do para casa depois que ele apareceu bêbado na minha porta!”
- Ah, o cara que organiza o show é meu vizinho. - pude ouvir gritinhos histéricos do outro lado da linha e comecei a rezar para que ela não fizesse o mesmo no show. Eu realmente ia ficar sem graça, afinal, eu não conhecia uma música sequer daqueles caras. A não ser, é claro, que eles tenham algum hit que todo mundo conheça. Aí facilita minha vida. Mas voz do não me pareceu muito familiar.
- EU VOU! EU VOU! QUANDO VOCÊ ME BUSCA? – Ela começou a gritar, agir igual uma retardada. Por outro lado, soava divertido eu sair com ela, seria uma distração para quem não conhecia uma música sequer. Olhei para o relógio digital perto da cama e pensei.
- Começa às nove. Vem aqui para casa umas sete horas da noite, que vamos pegar um táxi. – Ela começou a se recuperar da notícia inesperada e, pela sua respiração, percebi que ela estava voltando ao normal. – Ok, é só isso, se recupere em paz, adeus. – desliguei para não ouvir mais gritos nem ficar surda. Coloquei o celular sobre a escrivaninha enquanto catava o lixo que estava espalhando sobre a mesma e sobre o chão. Depois da limpeza, eu, certamente, teria que descansar.

***
O tempo passou muito rápido, oito horas em ponto eu e entrávamos num táxi.
- Soundland, por favor. – pedi, informando ao taxista, que logo puxou a marcha e saiu da frente do meu apartamento. Meu coração palpitava com força e eu não sabia se era da ansiedade do momento, ou se era o fato de que eu iria ver ... eu queria ouvi-lo cantar. Eu queria ver suas mãos em uma guitarra. Eu queria vê-lo novamente. não parava de tagarelar ao meu lado. Eu respondia a ela de forma educada, como sempre, mas eu estava, por algum motivo, completamente extasiada pela sensação. O rádio do táxi tocava What You Know do Two Door Cinema Club, era incrível como o ritmo acelerado da música combinava perfeitamente com a visão que a janela do táxi me proporcionava. Nova York e suas cores desfilavam de frente a meus olhos, me fazendo sorrir. Por incrível que pareça, não demorou muito para que eu chegasse ao meu destino. Tirei uma quantia generosa de minha carteira e paguei o cara.
Ele sorriu para mim, acho que era bem mais do que o taxímetro marcava. Mas o cara foi honesto e me passou o troco certo. Que, no caso, pedi que conferisse como forma de fazer com que eu não errasse a conta e perdesse meu dinheiro, também era uma forma de distraí-la e fazer com que ela calasse a boca.
Meus pés tremiam enquanto eu “furava” a fila e ia até o segurança. Eu estava começando a ficar com medo... e se eles se recusassem a chamar o e perguntar quem era a maluca que estava pedindo para entrar sem ingresso?
Minhas mãos e pés tremiam e comecei a ficar com medo de que meu salto derrapasse e que eu caísse de cara no chão. Seria lindo, perfeito, minha noite seria totalmente estragada. Cheguei perto do homem enorme, que, com toda certeza, era um irmão gêmeo bastardo do Terry Crews.
- Oi, meu nome é , e eu sou convidada do , o... O . – O grandalhão olhou para mim e pegou uma folha no bolso, consegui ler o reflexo da folha que ele lia “Lista de convidados, pista vip”. Ele analisou com cuidado, passando o dedo indicador nome por nome.
- ? Tem uma aqui, sim, mas é . – Ele olhou para mim com uma sobrancelha erguida. “Não acredito que aquele cretino do fez aquilo”. Revirei os olhos e comecei a fazer o maior esforço do mundo para não rir daquele desgraçado.
- Sou eu. – respondi com firmeza. Ele fez sinal para outro cara grandalhão, que tomou o lugar dele de frente à porta.
O segurança pediu que nós o acompanhássemos. Ele percebeu que a estava comigo, e então seguimos até os fundos da Soundland, passando por um caminho escuro, parando de frente a uma portinha. O homem pediu que nós entrássemos e nos levou até dentro do local. A casa de shows era enorme e já se encontrava cheia de gente. A tal “pista vip” era simplesmente a divisão entre o palco e a grade que separava o público do mesmo. se virou para mim, quando achamos um lugar bem na reta da banda. Ela parecia mais boquiaberta que eu.
- Olha, , eu não faço ideia de quem é esse cara, mas ele deve estar muito a fim de você. – Comecei a rir. Não, não estava muito a fim de mim, era impossível. – Não, sério, porque... Olha onde ele conseguiu que nós ficássemos! – Ela olhou o ambiente atrás de nós lotar, enquanto apenas apoiávamos na borda da grade esperando o show começar.
Meu corpo oscilava em sensações, eu me sentia ansiosa e animada ao mesmo tempo. Eu estava ansiosa por ver aquele monte de gente, um show de uma banda, e ...
E ver como estava animada e se achando por estar na “pista vip”. Ela não fazia para não arranjar confusão, mas sei que sua vontade era de olhar para trás e rir de todos as meninas que estavam coladas na grade, enquanto nós estávamos praticamente no palco.
Acho que essa foi a única parte que fez eu sentir mal por estar ali. Na frente de todo mundo, praticamente jogando na cara que éramos algo importante para banda, porque só alguém importante para a banda ficaria na cara do palco.

Então... Eu era importante para ? Algo como uma musa inspiradora? Só por causa daqueles versos baseados em uma conversa minha com meu ex-namorado... Aquilo não era grande coisa.
Fiquei tanto tempo filosofando naquilo que nem percebi quando as luzes se apagaram e as fortes luzes brancas brilhantes do palco se acenderam. O público entrou em êxtase, gritos e mãos levantadas se estenderam atrás de mim. Meu coração parecia que ia ter um colapso. Fechei os olhos e agradeci ao destino por aquele presente. subiu ao palco, com sua Les Paul preta nos braços, o que lhe causou certo charme. Soltei um forte suspiro. Ele ajeitou o instrumento e colocou sua mão esquerda sobre o microfone.
- Boa noite, New York City! – o público ficou elétrico novamente, e começou a gritar. Coloquei minhas mãos na cintura e olhei o homem que estava em pé na minha frente. É, ele era famoso, mesmo. – A nossa primeira da noite é para as ladies! Vários gritinhos femininos conseguiram serem ouvidos, eles começaram com uma música até bem animada. Observei os passos de . Perfeitos, uniformes, incríveis. Ele era um astro e sabia como fazer o público enlouquecer com cada pequeno acorde que ele soltava em sua guitarra, a forma que sua voz rouca tocava o microfone e como ele sorria. O público realmente gostava e era fiel à banda, isso era perceptível. E os caras... Os caras eram incríveis! Fiquei completamente impressionada. Fazia tempo que não ouvia uma música daquele gênero, e... acho que eles conseguiram uma nova fã naquela noite.
Então, a penúltima música que eles tocaram se tratava de uma música mais lenta, mais romântica. A voz de soava completamente profunda e, até por um lado, sexy. Por um momento soltei a mim mesma, coloquei meus braços para o ar e comecei a mexer meu corpo ao som daquela música lenta, romântica. Fechei meus olhos e me dediquei completamente a absorver o som e a voz do homem que estava acompanhado de sua banda. Num momento, no último verso antes do solo, acho que ele deveria dizer “Ooh...” porque foi isso que cantou ao meu lado, mas eu podia jurar que o ouvi dizer: “”. Abri meus olhos e percebi que seus olhos desceram rapidamente até os meus e depois voltaram para o braço de sua guitarra enquanto ele se aprofundava no solo. olhou para mim de lado, e me senti corar.
- ELE DISSE O SEU NOME, ! – Ela começou a gritar, querendo lutar contra o som do show. Fiz que não com a cabeça e um sinal de desdém, tentando disfarçar, tentando não contar para ela, ainda não, que eu me envolvia com aquele homem. A última música foi tocada logo após aquela. Era bem mais animada, até mesmo que a primeira, e finalmente era uma música que eu conhecia, mas não sabia o nome. Conhecê-la daquela maneira foi completamente inesperado, mas perfeitamente bom. A forma na qual eles tocaram tinha um certo tom de despedida, mas não me abalou nem um pouco. Sorri por ter tido aquela oportunidade incrível.

Foi bem legal da parte do ter me convidado, aliás.
Ao final do show, quando eu achei que o clone do Terry Crews estivesse me guiando para fora do ambiente, ele me guiou para dentro de um van. E levando para esperar um táxi. Separá-la de mim foi, com certeza, mais difícil do que separar dois irmãos siameses.
- O senhor pediu que esperasse aqui. – Sentei-me e cruzei as pernas, esperando o meu vizinho me causar problemas novamente. Fiquei olhando o leve movimento de carros do outro lado da rua enquanto tamborilava meus dedos no banco ao som da última música do show, que ainda estava na minha mente.
Me surpreendi quando a pessoa que entrou no veículo não era , e sim um dos membros da banda. Não o reconheci de primeira, na verdade, não reconheceria, afinal, meus olhos estavam presos no .
- Oi, eu sou, , sou o baterista da banda e tudo mais. pediu que eu te entregasse isso. – o menino tirou de trás do corpo um buquê de rosas, bem simples, não era um buquê enorme, era compacto, e eu poderia levá-lo para qualquer canto com facilidade. Percebi que, dentro dele, havia uma carta e uma fita cassete cuja a fichinha estava escrita a mão com o nome: “505”. Abri a cartinha. A letra estava até mais caprichadinha, e legível.
Você é a mulher, você é a pessoa na qual eu me referia hoje pela manhã. Por todos aqueles momentos que a vi triste, ocupada, sorrindo, eu estava sempre ali ao seu lado, convivendo com você no seu dia a dia, mas você nunca me viu. Ontem, além de querer chamar sua atenção, eu queria sentir seu cheiro, ficar parado na porta de sua casa, mesmo bêbado me fez muito bem. Eu não estava chorando porque sentia falta de Arielle, eu estava chorando porque amava alguém que jamais iria reparar em mim. Uma mulher que perdia seu valioso tempo com um babaca. A verdade é que eu te amo. Escute a fita, depois conversamos. Com amor, muito amor. ” Fiquei estática lendo e relendo a carta. me observava enquanto eu fazia aquilo. Respirei fundo e encarei o cara que me olhava com certo olhar de preocupação.
- Onde eu vou conseguir escutar isso? Ninguém usa mais fita cassete! – deu de ombros e saiu da van, me deixando sem resposta, e com medo.
O veículo começou a andar, obviamente iria me deixar em casa, não hesitei em pensar besteiras quanto aquilo. Ninguém iria me sequestrar.
Fechei os olhos para pensar, e, quando percebi, havia adormecido. Acordei com alguém me arrastando para dentro do elevador, depois para dentro de casa. Me deitando sobre a cama e depois indo embora. Ouvi a porta sendo trancada, mas, depois disso tudo, escureceu e eu adormeci.

Acordei ao lado do cassete, e pronta para escutá-lo. No dia seguinte, acordei com a solução para o problema e uma resposta para . Tomei um banho e vesti uma roupa decente e peguei a fita. Pegando a chave que havia sido deixada no chão na noite anterior.
Segui para o apartamento 505, dei leves batidas na porta. Pouco me importava se eu iria acordar ou não , eu estava disposta a ouvir. Para minha surpresa, a porta se abriu.
- Onde posso escutar isso? – Perguntei. riu, dando espaço para que eu entrasse.
– É a música que você gostou. Você pode colocá-la naquele radinho ali, mas pode ouvi-la... – ele me pegou pelo pulso e repousou minha mão sobre o lado esquerdo de seu peito, me fazendo ouvir os batimentos acelerados de seu coração. –... Aqui. Meus olhos se pregaram em onde minhas mãos se encontravam, depois, lentamente, subiram até o rosto dele. Ele me olhava nos olhos. Com seus olhos calorosos. Sorri sem graça, sua mão, que antes estava em meu pulso, correu até meu maxilar, acariciando meu rosto com leveza. O que me fez sorrir. Seus dedos correram até minha nuca, tirei minhas mãos de seu peito e aproximei meu corpo do dele.
Seus lábios macios tocaram os meus e fechamos nossos olhos em conjunto. Senti seu perfume tocar minhas narinas e nossos lábios se tocarem numa melodia intensa e perfeita. Eu não precisava ouvir mais nada, seu beijo era como se ele cantasse uma música para mim, que só poderia ser cantada para mim, e de uma maneira única. Era melhor que qualquer verso, qualquer coisa. Eu comecei a reparar nele, no meu vizinho do 505. E o melhor, eu comecei a amá-lo.

FIM

comments powered by Disqus