Fic by: Lêh Barros | Beta: Ste Pacheco



Um

“Essa distância me faz ter a certeza que posso te amar,
mesmo sem ter você pertinho de mim.”



Não deu tempo do professor de biologia terminar a frase, dizendo que todos os alunos já poderiam se retirar da sala. Joguei, literalmente, todos os meus pertences dentro da minha velha mochila e saí em retirada do local. Acho que pude ouvir minhas amigas chamarem pelo meu nome, porém decidi ignorar. Se ficasse esperando por elas, ia demorar mais ainda até chegar em casa.
Desci as escadas com rapidez, saltando sobre alguns degraus, e pelo meio do caminho até a porta de saída, esbarrei com os milhares de alunos que começavam a sair das salas e lotarem o corredor estreito. Todos andavam, lentamente, aos risos. Sentia vontade de sair andando por cima de todos eles. Precisava ir para casa, naquele instante.
Dando graças aos céus por meu corpo passar em qualquer buraco entre os estudantes, voei até o lado de fora do colégio e segui para a estação de metrô de São Cristóvão. Assim que entrei na estação, pude ver o veículo chegando. Corri e consegui entrar. Me sentei em um dos poucos bancos vagos e verifiquei as horas no celular. Dali a algumas estações chegaria ao meu destino, então dei play na lista de reprodução de músicas, e por pura doçura do destino, a primeira música aleatória era aquela que me fazia lembrar dele. Apoiei minha cabeça no vidro e fechei os olhos, sorrindo. Seu sotaque era o mais perfeito, suas manias as mais engraçadas e o sorriso o mais lindo. Meu coração palpitava quando lembrava as várias noites inteiras em que passamos acordados olhando para a tela azul, conversando sobre qualquer coisa e tentando controlar nossos risos para não acordarmos quem estivesse dormindo. Eu não sabia o quanto gostava dele até que percebi que os quilômetros que nos separavam faziam com que um buraco se abrisse no lado esquerdo do meu peito.
“Próxima estação: Flamengo.” A voz mecânica do vagão disse. Despertei dos meus pensamentos e me preparei para saltar. Meus passos continuavam rápidos. Levei apenas dez minutos até chegar em frente ao prédio em que eu morava, o que, normalmente, levaria uns vinte. Esperei, impacientemente, o porteiro abrir a porta e corri para o elevador que me levou até o quarto andar. Ninguém em casa, como sempre. Nem me dei o trabalho de trocar de roupa e logo fui ligando o notebook, me sentando no sofá da sala. Facilmente, fiz o login no Skype. Meus olhos percorreram toda a minha lista de contatos até o localizar. Fui chamá-lo, porém ele foi mais rápido. Logo um pequeno ícone ao lado de seu nome brilhou. Sorri e com o coração pulando cliquei no ícone.
: “Já chegou?”
: “Consegui chegar mais rápido.”
: “Que bom! Aceita o vídeo!”
Não precisava nem falar. Logo que ele me mandou a solicitação, aceitei.
A imagem do seu rosto preencheu toda a tela do computador e em seguida esboçou o seu lindo sorriso.
– Olá. – Ouvi ele dizer, com sotaque gaúcho. Aquele típico de interior mesmo.
– Oi. – Respondi, com um sorriso largo. – O que você quer falar comigo? – Falei logo, não agüentando a ansiedade.
– Nossa... calma. – Ele riu.
– Calma nada. Eu quase não dormi essa noite. Por que você foi me dizer ontem à noite que precisava falar comigo? E por que não falou logo?
... – Seu tom de voz ficou mais sério do que o normal. – Nós precisamos conversar sobre uma coisa.
– Que coisa? – Perguntei, sentindo um tremor em minhas mãos.
– Você sabe que gosto muito de você.
– E eu de você.
– E você também sabe que hoje eu posso afirmar que... bom, que eu te amo. Muito.
Por instantes, senti que meu corpo poderia flutuar. Adorava ouvir sua voz dizendo isso.
– Eu também te amo muito! Não tem dimensão.
Ele deu um breve sorriso, porém este logo desapareceu.
– Bom, é sobre isso mesmo que precisamos conversar. Nós nos amamos e isso não poderia ter acontecido.
Senti calafrios descendo por toda a minha espinha cervical. Não estava gostando daquela conversa.
– Por que você está dizendo isso? – Perguntei, aflita.
– Você sabe. Nas nossas condições, gostar um do outro só causa transtorno.
– Você está dizendo que é ruim me amar? – Senti meus olhos marejarem.
– Não! Não é isso. É que... bem, eu vim pensando esses dias e cheguei à conclusão de que nos manter presos um ao outro só irá nos fazer mal. ... nós vivemos a quilômetros de distância um do outro. Você no Rio de Janeiro e eu aqui no Rio Grande do Sul.
– Eu sei. Mas até agora isso não parecia tão ruim. – Sabia que estava mentindo para mim mesma. Aquilo era a pior coisa do mundo, chegava a ser injusto.
– Você sabe que é. E eu não queria te ver sofrendo por isso. Não queria sofrer por isso também, mas é impossível. A cada dia em que converso com você, tenho mais vontade ainda de largar tudo e ir para o Rio apenas para poder te abraçar, sentir seu cheiro...
Aquele não era um bom momento para eu chorar, mas estava sendo quase impossível segurar. Eu sentia todas as mesmas coisas, daria tudo para estar perto dele ao menos uma vez. Mas aquilo tudo sempre me pareceu um sonho quase impossível de acontecer. Por mais que nós já tivéssemos dezoito anos, tudo dependia de tudo.
– Aonde você quer chegar com isso, ? – Perguntei, mas não queria ouvir a resposta.
– A questão é... acho que deveríamos parar de nos falar.
Meu coração quis pular pela minha boca. Minha respiração correu para tentar acalmá-lo, mas era impossível. Uma onda de dor e mágoa inundou meu corpo e tudo o que eu queria era entrar dentro da tela e que, de alguma maneira, pudesse sair do outro lado para poder abraçá-lo e dizer que nunca iria querer parar de falar com ele, que queria sempre ouvir sua voz e seu riso, não importava quantas milhas nos separassem.
Mas era impossível. O nosso amor parecia ser impossível.
? – Ele me chamou. Percebi que estava olhando estaticamente para a tela.
– S-sim?
– Você entendeu o que falei? – Ele olhava para o quadrado onde mostrava o meu pálido rosto, completamente chocado. – Você está bem?
– E-estou. – Tentei responder com mais segurança possível, mas sabia que a qualquer momento poderia desabar. – E se... é isso que você quer.
– Por Deus! Não é o que eu quero. É o que precisamos fazer. Eu te amo muito para poder ser egoísta e continuar alimentando um amor que é praticamente improvável de dar certo. Por favor, não entenda mal.
Eu não estava entendo mal. Eu queria era não entender. Queria que aquilo tudo não passasse de uma brincadeira.
Provavelmente, não era.
– Tudo bem. – Respirei fundo e soltei um ar pesado de melancolia. – Se é o melhor para nós dois, o faremos.
– Ok... Por favor, não fique com raiva de mim. Eu só estou pensando em nós dois.
– Não vou ficar com raiva. Pode deixar. – Um tom de seriedade se instalou na minha voz. Vi passar a mão no cabelo. Ele era muito importante para mim para ficar com raiva.
– Tudo bem. – Suspirou. – Tchau, .
– Tchau, .
Antes que eu fechasse o vídeo para acabar logo com aquela dor, pude ouvi-lo pela última vez:
– Eu te amo muito.
– E-eu também te a-amoo muito. – Minha voz vacilou.
E assim o rosto do gaúcho sumiu. Tentei pensar em desligar o notebook, mas um tsunami de lágrimas me atingiu prontamente. Joguei o aparelho para o lado e tudo o que pude fazer pelas horas seguidas era chorar. Chorei até que a dor de cabeça me fizesse cair em um sono profundo e melancólico.

Dois

“O amor é um sentimento sublime;
supera os problemas e diferenças, resiste ao tempo e se fortalece com a distância.
Difícil fugir, impossível esquecer.”



Já passava das duas da manhã quando coloquei os pés para dentro do apartamento. Cuidadosamente, tirei os sapatos de salto alto e tentei ir, na ponta dos pés, até o quarto dos meus pais. Olhei pela brecha da fechadura e parecia que os dois dormiam. Já não me esperavam mais. Aliás, por que os pais de uma mulher de vinte e cinco anos a esperariam chegar de uma noitada? Já não era mais uma adolescente. Eu já trabalhava e ganhava dinheiro, só não mudava de apartamento por falta de vergonha na cara.
Novamente, com todo o cuidado, fui para o meu quarto. Tirei a roupa suada e procurei alguma coisa suave para vestir depois do banho. As noites do Rio de Janeiro estavam mais quentes, mais vazias.
Depois do banho, deitei na cama. Me virei de lado e esperei o sono chegar. O que não aconteceu. Talvez fosse a bebida alcoólica que ainda estivesse fazendo efeito no meu sangue. Virei para o outro lado da cama e nada. Tentei, novamente, mudar de posição, na esperança de dormir, mas também não funcionou. Fiquei fitando o espaço escuro do quarto, tentando pensar em alguma coisa que me fizesse dormir. Entre os devaneios da minha mente, focalizei um objeto prata embaixo de uma montoeira de antigos livros da faculdade que já tinha terminado há um ano. O reconheci. Um velho amigo. Um velho vilão.
Como o sono não chegava, não havia mal em tentar distrair minha mente por uns instantes. Me levantei e caminhei em direção ao objeto. Tirei tudo que estava por cima do pobre e o tomei em minhas mãos. O meu velho notebook, presente que tinha ganho no meu aniversário de quinze anos. Era bem velho mesmo. Tinha o esquecido já, pois tinha ganhado outro. Abri o ancião e o liguei. Esperei o que parecia uma eternidade para ligar, então a primeira coisa que me deparei era uma foto minha com as minhas amigas do último ano do colegial. A saudade me afogou por inteira. Aquele foi um dos melhores anos. Comecei a vasculhar todo o computador atrás de velhas fotos e vídeos, sentindo uma tremenda nostalgia. Vi fotos de todas as festas surpresas que fizemos, todos os passeios, todas as palhaçadas. Velhas amizades que hoje seguem seu próprio caminho.
Pulei da pasta das fotos para a das conversas salvas. Ri muito com o que encontrei por lá. Muita babaquice minha com as meninas, muitos desabafos, muitas fofocas e... algo a mais. Cliquei em uma subpasta sem nome. Nela, havia várias conversas e vídeos. Cliquei em uma conversa que estava nomeada como “Saturday Night”. Pensei que era algo parecido com as conversas anteriores, porém, um nome me surpreendeu. Logo na primeira linha, li um nome que fazia anos que não via.
. – Li em voz alta. Senti uma pontada no coração. Aquele nome havia me trazido muita alegria, e também me fez chorar por praticamente um ano. Sem nenhum esforço e sem vontade, lembrei a fisionomia do garoto. A mais linda que eu já tinha visto, e continuou sendo. Rolei as páginas de conversas. Tanta conversa falando sobre nada, mas lembrei que queria apenas estar conversando com ele, não importava sobre o que fosse. Fechei a conversa e corri até os vídeos. Com certa ansiedade, cliquei no primeiro. A tela se abriu e lá estava. aparecia fazendo careta e rindo. Vê-lo assim, novamente, fez com que tudo o que eu havia conseguido enterrar há anos voltasse aos poucos. Visualizei mais dois vídeos e decidi desligar o notebook. Aquilo era passado, nada mais. Coloquei o aparelho no chão e fechei os olhos. As lembranças vinham como chuviscos de uma tempestade, cada vez mais forte. Felizmente, adormeci pensando nas velhas madrugadas que, em vez de sair e beber com os amigos, como fazia agora, eu ficava de frente para a tela conversando com alguém que nunca chegaria a ver.

Três

“A ausência aguça o amor, a presença fortalece.”
Thomas Fuller



Depois de uma manhã conturbada, estava morta de fome. Só naquela manhã, fiz duas operações. Uma de retirada de baço de um Yorkshire e outra de retirada de um tumor de um Pastor Alemão.
Tirei o jaleco e fui andando até o restaurante de sempre. Como o dia estava muito quente, me sentei em uma mesa de frente para a janela, que recebia todo o vento que vinha da praia de Copacabana. Peguei o cardápio e pensei em algo diferente para comer. Estava lendo, atrás de algo que me chamasse atenção, até que percebi que alguém estava de pé em minha frente, provavelmente um garçom. Levantei meu olhar e o reconheci.
– Olá, Felipe! Como está o movimento hoje?
– Está maravilhoso! Nada como um dia de sol quente para as pessoas se animarem a vir comer fora. – O velho amigo garçom me respondeu, com um sorriso largo no rosto.
Pedi meu almoço e comi olhando o movimento da rua lá fora. Tudo corria como sempre.
Após terminar a comida, fiquei sentada ali observando as pessoas lá fora quando Felipe interrompeu meus pensamentos.
– Com licença, senhora , posso retirar o prato e os talheres?
– Pode sim. – Respondi, sorrindo.
– É... a senhora me permite fazer um comentário? – Felipe perguntou.
– Hã... claro. Diga o que é. – Falei, curiosa.
– Acho que tem um rapaz aqui que deseja conhecê-la.
Minhas sobrancelhas se ergueram.
– Por que diz isso?
– Porque desde que ele entrou aqui, não para de lhe olhar.
Senti um pequeno arrepio.
– E quem é? – Perguntei, em um tom mais baixo.
– É aquele que está sentado do outro lado do salão.
Assim que obtive a resposta, quis olhar diretamente para o tal, porém decidi ser discreta. Felipe saiu da mesa e eu continuei a olhar para a janela do restaurante. Depois de uns instantes, virei minha cabeça na direção indicada pelo homem. O salão estava cheio, então tentei localizar o tal rapaz. Entre muitas pessoas focalizei um homem sentado sozinho em uma mesa, bebendo uma taça de vinho. Forcei a vista para tentar enxergar melhor sua fisionomia. No momento em que olhei em seus olhos, seu olhar cruzou o meu.
Ficamos os dois estáticos, um encarando o outro. Aquele olhar... seguido de um lindo sorriso.
Não podia acreditar. Aquele rosto me era familiar. Um rosto o qual nunca esquecerei.
Senti que se levantasse, minhas pernas iriam desabar. O homem continuou com seu sorriso, cada vez mais largo. Então, após vários minutos tentando compreender se aquilo era real, tomei coragem, levantei da cadeira, e sem hesitar, o rapaz fez o mesmo. Como em um filme, fomos caminhando um em direção ao outro. Tive que me conter para não sair em pique de corrida. Ao ficarmos frente à frente, lágrimas inundaram meu rosto facilmente.
... – Ele disse.
.
Em seguida, o impossível se tornou possível. Nossas peles se encontraram.

“Todos os sentimentos cansam e “desistem”, menos o amor. Sentimento algum é tão teimoso! Até quando passa, não acaba. Posto de lado, jamais se conforma. Mesmo se afogando na impossibilidade, não morre.”


FIM


Nota da Autora: Olá, meninas! Espero que tenham gostado dessa short. Escrevi há algum tempo e confesso que a minha realidade me inspirou a fazê-la. ><
Enfim, qualquer coisa fala lá no tt (@lhb_leticia) e se quiserem, podem ver sobre a minha fic que está em andamento chamada Chuva em Charlotte. Até a próxima! Beijos :*

Nota da Beta: Encontrou algum erro de português e/ou html/script? Me informe pelo e-mail. Obrigada xx.


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