Escrita por: Lan
Betada por: Van




Março de 2013


- Ai, porra. – ela disse, observando os degraus de granito a sua frente.
Ela jurava que as escadas do seu apartamento eram menores. Jurava que existiam menos degraus do que aquela escadaria interminável dos infernos.
null, apoiando-se ao corrimão, tirou os sapatos de salto. Aquelas porcarias não iam servir para mais nada mesmo. Quer dizer, olha só para aqueles scarpins! Ela os tinha comprado no dia anterior, pelo preço de dois braços e uma perna, e agora eles estavam arruinados.
Totalmente sujos de lama e um dos saltos quebrado. Brilhante! null não poderia se sentir mais magnífica.
Olhou para as escadas novamente e pensou que aquele seria mais um desafio. E ela nunca corria de desafios. Pelo contrário. null se sentia um exemplo de perseverança e força de vontade. Desde que beijara Billy Bafo de Alho, no jogo da garrafa da sexta série, null acreditava que podia fazer qualquer coisa.
Respirando fundo, enroscou os scarpins em uma mão, ajoelhou-se e começou a rastejar escada acima.
Que humilhação. Talvez, se tivesse bebido um pouquinho menos, ela seria capaz de subir as escadas como uma pessoa normal. Quase ouvia a voz do seu finado pai em seu subconsciente: “Que vergonha, null. Bem que eu soube que você tinha vocação para quadrúpede quando se recusava a parar de engatinhar”. “Hahaha, engraçadinho”, ela teria respondido, observando-o por trás dos béqueres, pipetas e outras bugigangas científicas.
Agora ele era só uma lembrança, no entanto. Uma lembrança guardada carinhosamente em seu baú de memórias, assim como a sua mãe.
Naquela noite, null havia comemorado seu aniversário de vinte e um anos. Vinte e um anos de puro desajeito e momentos bizarros. Continuou a se arrastar para cima enquanto se lembrava da boate em que esteve.
A música alta e alucinante; as bebidas coloridas que piscavam como enfeites de natal; os colares de neon e a risada escandalosa das suas amigas durante as danças. Lembrou-se também do beijo molhado que recebeu do barman. Ainda podia sentir a sensação da sua língua na dele, o gosto de uísque barato, o piercing redondo acariciando seu céu da boca.
Chegou, finalmente, ao andar desejado. Colocou-se de pé, ajeitou o vestido tubinho no corpo e cambaleou até a porta do apartamento. Adentrou o imóvel e deixou seu corpo se arrastar pela parede até se estrebuchar no chão.
Wow. Aquela tinha sido uma noite e tanto. Tinha tomado tanto da bebida colorida, que sua cabeça ainda parecia estar em uma dimensão vertiginosa e psicodélica.
- My anaconda don’t, my anaconda don’t, my anaconda don’t… - cantarolava por entre os lábios frouxos, derrotada demais para erguer algo além de seu dedo indicador.
Quando estava prestes a se deixar embalar pelo sono, observou um movimento anormal na sua sala de estar. Imediatamente, forçou seu pescoço para manter a cabeça erguida. Estreitou os olhos – não que isso fosse de muita ajuda, estava enxergando dois sofás, dois vasos de planta, dois telefones -, e tentou entender o que se passava.
E foi então que seus olhos focalizaram... Ele. Os cabelos avacalhados e jogados pelo rosto, os olhos sonolentos e confusos. O peitoral largo, incrível e desnudo.
Ela logo o reconheceu. Como seria diferente? Quem mais estaria na sua casa às três da madrugada usando nada além de, bom... Nada? Ele só podia ser, só podia ser...
O ESTUPRADOR DO BAIRRO!
null deu um berro escandaloso, enquanto, com um dos últimos resquícios de força de que tinha no corpo, arremessou o scarpin preto na direção do indivíduo. O sapato o atingiu no peito e ele deteve seus passos por alguns segundos. Soltou um resmungo de dor e, antes que pudesse se recuperar do impacto, o outro scarpin já estava atingindo a sua orelha.
- SOCORRO, MEU DEUS! O ESTUPRADOR DO BAIRRO! – null esgoelou, enquanto tentava se colocar de pé para alcançar a maçaneta.
- O quê? – o homem perguntou. Seu tom era desorientado e confuso.
- AI, MERDA! EU TRANQUEI A PORTA. – null gritou, alcançando sua bolsa e vasculhando desesperada em busca da chave.
Batom, carteira, absorvente, absorvente, meias. Cadê a chave? Cadê a porcaria da chave?
- Eu... – o sujeito começou, aproximando-se receoso e devagar. Ele estendia a mão para frente, como se para se proteger dos ataques de null. – Eu preciso de ajuda.
- COM CERTEZA! – ela continuava a berrar, jogando todo o conteúdo da bolsa para fora. Pelo amor de Deus. Cadê a chave?
Ele deu mais um passo em direção à garota. Apesar do seu físico atlético, o rapaz parecia acanhado e desamparado como uma criança indefesa.
Mas null não era boba. Ela conhecia bem o tipinho. Esses psicopatas de uma figa! Sempre querendo enganar para depois dar o bote.
- Não se aproxime de mim! – ela ordenou, agora com a bolsa empunhada. Ele piscou algumas vezes, protegeu o rosto e deu outro passo, fazendo com que ela arremessasse tudo o que estava a seu alcance: bolsa, batom, absorvente, spray de cabelo...
E ao arremessar o spray, null o viu levantar o braço para cobrir o rosto. Seria uma atitude comum e esperada, se não fosse pelo que ela enxergou logo a seguir. O coração da menina gelou, sua saliva sumiu e ela teve que piscar várias vezes, para ter certeza de que não estava vendo uma miragem.
Na lateral do tronco do rapaz, havia uma tatuagem. Uma tatuagem não. Uma etiqueta. Uma etiqueta que ela conhecia perfeitamente bem e seria capaz de reconhecer em qualquer lugar:
null.


Abril de 2013


- Tem certeza que isso é uma boa ideia? – ele perguntou, seguindo-a para dentro do quarto.
- Claro. – null disse animada, jogando algumas roupas para o rapaz.
Ele as pegou no ar, analisou-as, depois voltou a fitar a garota. null estava envolta por uma toalha verde de patinhos. Seus cabelos estavam presos no topo da cabeça, com uma piranha de cabelos, e seu pescoço ainda estava molhado e com alguns resquícios de espuma.
Ao observá-la, ele engoliu a seco. Às vezes, quando estava com null, sentia coisas estranhas em seu sistema interno. Era como se seu coração de lata batesse mais depressa. Que tipo de defeito era aquele?
Tudo seria tão mais fácil se George null tivesse deixado um manual de instruções...
Mas parece que, quando se presenteia a filha com um androide particular, manuais de instruções são desnecessários. O senhor null o tinha criado para que quando ele morresse, quando null estivesse sozinha no mundo, ela ainda tivesse uma família.
Viu a menina soltar os cabelos – prendê-los nem era tão necessário assim, eles mal batiam nos ombros -, e começar a desenrolar a toalha. O rapaz engoliu a seco mais duas vezes, estudando as panturrilhas de null, suas coxas.
Enquanto ela se desfazia do tecido, as reações estranhas se agravavam em seu sistema. Ele sentia frio na boca do estômago, calor abaixo do umbigo e seu coração continuava a pleno vapor, como se fizesse parte da maquinaria de um vagão.
Já tinha visto em filmes e lido em alguns livros personagens que achavam que “entrariam em combustão” quando passavam por situações assim. Talvez, no caso dele, isso realmente fosse possível.
- null! – null repreendeu, agarrando-se à toalha. – Para de olhar, seu taradão. Pensei que já estivesse no banho.
Ele chacoalhou a cabeça, acordando de seus devaneios.
- Eu... Eu... Me desculpe. Eu só não sei se seria adequado...
- Deixa de bobagem. – ela deu de ombros e abriu um sorriso amplo. O tipo de sorriso que fazia o sistema de null se acalmar um pouco. – Eu sempre quis ir a um encontro em grupo. Já tinha um tempo que eu não andava com esses amigos, sabe como é. Todos tinham um parceiro e eu não queria ficar segurando vela. – Deu de ombros. – Mas agora eu tenho você! Vamos fazer assim, null. Você finge que é meu namorado só por essa noite e eu te compro os livros que faltam da saga Harry Potter. O que me diz?
- Pode ser, eu só... – encarou o chão, incerto por alguns segundos. – Eu só não quero te envergonhar.
- Nhááá! Que nada. Cê tá louco? – ela abanou a mão, em descaso. – Você passou o último mês inteiro enfurnado em casa, assistindo filmes e lendo livros. Tenho certeza que você sabe o que fazer. É só agir como os caras dos filmes!
null observou as roupas que null tinha comprado para ele. Encarou o tecido por algum tempo, perdendo-se em sua linha de pensamento eletrônica e tecnológica, e então sorriu.
- Você tem razão.

- Boa noite, pessoal. – null cantarolou, chegando ao lado de uma mesa de restaurante. O sorriso no seu rosto estava enorme e satisfeito, para não dizer triunfante. – Esse é null null, meu namorado.
Os queixos de Betsy e Kristy, as duas outras mulheres na mesa, caíram ao observá-lo. Pelo amor de todos os anjos! O que aquele homão estava fazendo com null null?
Ele possuía o corpo másculo e atlético, o maxilar quadrado e olhos profundos e marcantes de tirar o fôlego de qualquer desavisada. Seus movimentos eram tão calculados e sedutores que ele nem parecia... Caramba, o cara nem parecia humano!
Por que, em sã consciência, ele estava desfilando por aí com a null?
Não que ela não fosse bonitinha. Betsy até acreditava que ela dava para o gasto – Kristy não, Kristy achava null um lixo completo -, mas ela era uma total desajustada. Desastrada, esquisita.
null foi uma tomboy a vida inteira. Usava roupas largas, jogava futebol com os meninos na lama e gostava de desafiá-los para campeonatos de videogame. Até os cabelos dela nunca passaram dos ombros!
null era tudo, menos feminina. Ela vivia fazendo coisas estranhas tipo doar sangue e ir à biblioteca... Não era à toa que mal teve amigas durante todo o Ensino Médio. Quem gostaria de andar com a menina que, antes de tomar o iogurte, conferia o prazo de validade?
- Pequena null! – Max, namorado de Betsy, disse animado, levantando-se para abraçá-la.
Ah, bem. null tinha sido convidada pelos rapazes, não pelas namoradas. Não que aquilo já não fosse óbvio àquela altura.
- Vamos ver quem é a “pequena” da próxima vez que eu chutar a sua bunda no Call Of Duty! – ela respondeu, retribuindo o abraço.
Nesse momento, e para a surpresa de Betsy e Kristy, null apertou ainda mais sua mão na manga do vestido de null.
Ele devia gostar mesmo da menina.
- MMA ainda está de pé na sexta? – Will, o outro homem sentado na mesa, perguntou empolgado.
- Claro. Eu não perderia Sonen contra Silva por nada nesse mundo!
null, visivelmente desconfortável, ergueu a mão para cumprimentar Max. O rapaz aceitou seu cumprimento, mas logo fez careta ao sentir seus dedos serem esmagados pelo estranho à sua frente.
- Menos força. – null sussurrou para ele, e null, constrangido por sua falta de jeito, obedeceu.

Sentaram-se do lado oposto aos outros casais e logo fizeram os pedidos.
null pediu somente uma água, a única coisa que tinham descoberto que não prejudicava seu sistema.
null deu uma olhada nas outras duas mulheres da mesa. As duas tinham o cabelo arrumado, a maquiagem impecável e vestidos apertados que mostravam mais do que deveriam. Pelo menos, era o que null achava.
Nem em um milhão de séculos ela usaria um vestido que faria seus seios parecerem uma bola. Até mesmo porque, nem se seu sutiã tivesse formato de bola seus seios pareceriam uma bola. Eles eram dois morrinhos tímidos que mal chamavam a atenção masculina. Talvez por isso ela nunca tivesse tido um namorado.
Ao pensar no assunto, voltou sua atenção para null. Suas roupas e seu olhar falsamente interessado – como se estivesse, realmente, escutando o papo de Betsy -, tornavam-no quase um cara normal.
Ele era para lá de bonito, sem sombra de dúvidas. Seu físico era invejável e seu sorriso torto vivia arrancando suspiros por aí. Para quem via de longe, ele era só um bonitão comum e, por mais que quisesse acreditar nisso, para null, era impossível.
Ela sabia quase todas as falhas e acertos no funcionamento do androide.
Ao programar null, seu pai havia se lembrado de colocar algumas informações importantes e se esquecido de outras. A primeira coisa que o rapaz sabia, claro, era o nome de null e seu endereço. Ele foi criado exclusivamente para ela, para que ela tivesse um amigo e não se sentisse só, então null sabia de várias coisas que a menina gostava.
“Grease... É seu filme favorito, não?”, ele dissera. “Ei, vamos lá para fora construir um boneco de neve? Algo me diz que você gostava disso quando criança”.
O robô sabia desses detalhes, mas desconhecia várias coisas básicas. Às vezes, null se pegava xingando o pai em pensamento: “Porra, pai! Como você esqueceu de colocar ESSA informação?”.
Um exemplo desses pequenos errinhos foi quando ela estava embaixo do chuveiro, em um dos primeiros dias de convivência. Sabia que null era uma das criações do seu pai, então resolveu abrigá-lo até decidir melhor o que fazer com ele. Inventou aquele nome com carinho e já estava até começando a gostar do seu hóspede.
Tudo ia às mil maravilhas, até que ele abriu a porta do mesmo banheiro, com um xampu na mão e completamente nu. null deu um grito esganiçado, tampou suas partes e observou a feição atônita do rapaz.
Ele olhou para o próprio corpo, depois para o dela e, com inocência, disse:
- Por que o meu é diferente do seu?
Ela quis esganar seu finado pai naquele instante. Talvez até tenha se imaginado tocando bateria com seus ossos.
Relacionamento humano também estava longe da lista de conhecimentos de null, então ele se aventurou em dezenas de filmes e livros para entender melhor o mundo. Em um dos filmes, numa das cenas de beijo do casal, ele se voltou para null, que lia uma revista:
- O que é isso? – perguntou.
- Isso? Ah, hm... Se chama beijo.
Ele piscou os olhos, encarando a tela novamente. Ficou alguns segundos em silêncio, e depois voltou a falar:
- Eu sei. Mas por que vocês fazem isso?
null estava com as pernas dobradas no sofá e a barriga para cima. Seus óculos estavam meio tortos no rosto, então ela ficou extremamente engraçada e bonitinha quando fez careta.
- Para mostrar que gostamos de alguém. Nós beijamos quando amamos muito uma pessoa.
null ficou pensativo. Ele usava as roupas folgadas que a menina havia comprado quando decidiu ficar com ele.
- E o que é amor?
Ela largou a revista de lado, percebendo que aquele assunto não terminaria tão cedo. Aconchegou-se ainda mais no sofá e torceu os lábios, pensando em uma resposta.
- Amor é quando o coração da gente aquece ao ver uma pessoa, sabe?
- Não. Se meu coração aquecer, eu entro em curto-circuito.
Ela deu algumas gargalhadas, achando aquela a reação mais gracinha do planeta. Depois, tomou fôlego para continuar:
- Okay, talvez não tenha sido a melhor metáfora. – ela levava um sorriso no rosto. – Amor é quando a gente quer estar com uma pessoa o tempo todo. Quando essa pessoa faz a gente feliz. Que tal essa resposta?
Ele deu de ombros, voltando-se para o filme. Agora, o casal seguia para um quarto e começava a tirar as roupas.
Oh, boy. null engoliu a seco, prevendo a pergunta que viria a seguir:
- E isso? O que é?
Ela respirou fundo:
- Se chama sexo. – respondeu e observou-o com os olhinhos brilhando, esperando por mais detalhes. – É quando aquilo que você tem, e eu não tenho, se encontra com aquilo que eu tenho e você não tem.
- Hmmm... – ele abraçou os joelhos, interessado. – Acho que entendi. Por que as pessoas fazem isso?
Ela coçou o queixo. Nunca tinha parado para tentar entender os porquês de amor e sexo. Eles simplesmente existiam, pronto, não precisavam de motivos.
Mas, ali, olhando para null, ela se pôs a pensar. Aquele rapaz, de certo modo, fazia com que ela se lembrasse da Pequena Sereia: sempre colecionando artefatos humanos e tentando entendê-los.
- Hm... – ela começou. – Eu diria que basicamente por três motivos. Elas podem estar tentando fazer um bebê; podem dizer com isso que querem ficar com a outra pessoa para sempre ou fazem simplesmente por prazer.
- Prazer?
- É uma coisa... Hm, boa... Que a gente sente.
- E você já fez? Sexo? – ele se virou totalmente para ela. null parecia uma criança na hora de dormir, ansiosa por uma nova história.
null corou e tirou os óculos do rosto. Era difícil pensar na resposta quando um cara tão lindo estava fazendo perguntas tão íntimas. Mas ela tinha que se lembrar de que ele não era humano. Ele era uma máquina, um robô criado pela cabeça engenhosa e lunática de seu pai.
- Não. Não fiz. Nunca encontrei alguém com quem eu quisesse ficar para sempre.
- Mas e prazer? – ele entortou um pouquinho a cabeça. – Você não gostaria de sentir?
Os óculos que ainda estavam na sua mão caíram naquele instante. O queixo de null despencou e ela se perguntou se ele sabia o quão errada aquela frase tinha soado.
Céus! null era ridiculamente gostoso. A camisa branca e folgada caía perfeitamente bem no seu corpo malhado. Desenhava os músculos de forma ideal, fantástica, fazendo com que ela custasse a se concentrar quando ele estava por perto.
O que seu pai tinha na cabeça? Que pai no mundo presentearia a filha com um deus grego particular?
Bom, George null, com certeza. Talvez aquela só fizesse parte de mais uma das suas experiências. Mesmo morto, ele ainda voltava para assombrar null.
“Hahaha, papai. Como o senhor é legal.”.
Engolindo em seco, a menina tentou manter o foco:
- Não é tão fácil quanto parece. Eu ainda não encontrei alguém com quem eu quisesse...
- E o Dale do apartamento ao lado? – ele sugeriu inocente e ela o observou estarrecida. – Você parece feliz quando está perto dele.
Dale era sua paixonite secreta havia anos. Ele cursava medicina e, quando seu pai estava vivo, ele sempre entrava em contato para fazer perguntas sobre a empresa e enviar seu currículo.
- Dale... – ela olhou para baixo, para as próprias mãos, e sentiu seu rosto ficar ainda mais vermelho. – Dale só me vê como amiga.
- Por quê? – null juntou as sobrancelhas, como se não visse sentido. – Eu te acho uma mulher para lá de interessante.
null fez cara de paisagem.
- Eu sou a única mulher que você conhece.
Ele sorriu. Aquele sorriso torto e secreto. Aquele sorriso charmoso de fazer suspiros ficarem presos na garganta.
- Ainda assim, não deixa de ser verdade.

null sorriu perdida em lembranças, olhando para null. Ele estava tão comportadinho. Estava realmente incrível nas roupas que ela havia comprado para ele e, caramba, null estava feliz por ele estar ali.
Sempre foi a solteira da turma. Colocava a culpa disso no fato de não ser mais feminina. E ela estava tentando começar a ser. Passava esmalte, aplicava um pouco de maquiagem. Até vestidos ela tinha aprendido a usar, de alguns anos para cá, e se sentia até bonita quando se produzia para uma festa.
Com null ali ao seu lado, sendo lindo e agradável, ela sentia que todo esforço tinha valido a pena.
- E então, null – começou Max, remexendo a comida com o garfo. – Do que você gosta?
null olhou para o seu acompanhante. Ele estreitou os olhos por alguns segundos, depois relaxou a face. Era como se ele fosse um aluno diante de uma questão difícil, para a qual ele tinha acabado de descobrir a resposta.
- Eu adoro o cheiro de napalm pela manhã. – o rapaz respondeu e Kristy cuspiu todo o suco na mesa.
Os olhos de null se arregalaram e ela estava prestes a soltar uma exclamação de choque, quando Max começou a rir. O homem jogou o corpo na cadeira e gargalhou, fazendo com que null soltasse um suspiro de alívio.
- Onde você achou esse cara, null? – Max quis saber, agora se debruçando sobre o prato. – Ele é ótimo!
- Sabe como é... – ela disse sem graça. – Uma baladinha aqui, outra ali.
- Tantos bares em tantas cidades de todo o mundo, ela tinha que entrar logo no meu.
Max e Will gargalharam mais uma vez. Suas companheiras apenas deram risadinhas sem graça.
null encarou null por algum tempo, tentando decifrar de onde vinham aquelas respostas, quando ela se lembrou:
“É só agir como os caras dos filmes!”
Merda. Ele estava CITANDO os filmes que assistiu!
- E o que você faz para viver, null? – dessa vez foi Will. Ele cruzou a mão por baixo do queixo, apoiou os cotovelos na mesa e observou o rapaz com interesse.
- Eu sou o rei do mundo.
Nesse instante, a garçonete chegou, apoiando a bandeja na cintura. Sorriu para todos da mesa, perguntou se estavam “okay” e se tinham mais algum pedido.
- Um martini. Batido, não mexido.null disse.
null virou seu whisky de uma vez, tentando tirar a mente daquele lugar. Talvez null estivesse certo o tempo todo. Talvez ele a envergonharia.
Droga. Ele era tão inocente naquilo tudo. Ela tinha pedido que ele se inspirasse nos caras dos filmes, mas esqueceu que a memória do rapaz era como a de um computador. Ele devia estar simplesmente revendo as cenas na sua cabeça, buscando pela citação que mais se adequava ao momento.
Mas nada se adequava. Estava tudo esquisito pra cacete.
- De onde você disse que era mesmo, null? – perguntou Betsy, com uma sobrancelha erguida. Embora ela parecesse enojada e desconfiada, null podia jurar que viu seu pezinho acariciando a canela de null durante o jantar.
- Nova York! – null mesma respondeu, em um berro alto para impedir que o rapaz falasse a próxima merda. – Sabe como é. Cheia de gente que fala estranho, sobre assuntos estranhos. Acho que até algumas drogas são legalizadas lá. Não são?
Betsy mordeu o lábio e sorriu, ignorando a tentativa de null de normalizar as coisas.
- Nova York, é? – ela falou, o tom de voz sensual e sorrateiro. – Sempre quis conhecer Nova York, a cidade que nunca dorme.
Nesse momento, null viu o pé da mulher acariciar, novamente, a canela e a panturrilha de null.
null ficou alguns breves instantes calado, como se estivesse escolhendo o quote na sua biblioteca particular de filmes. null apertou a mão contra o guardanapo, esperando ansiosa por uma resposta, e ela foi melhor que a encomenda:
- Quando estivermos lá, você dirá olá para o meu amiguinho.

null colocou a chave em cima da mesa, ainda dando risadas altas e escandalosas. Chutou os scarpins para longe, largou o corpo no sofá e tomou fôlego para rir mais um pouco.
“Ai, meu Deus. Ai, meu Deus, essa vida é muito boa!”, era o que ela pensava, enquanto se contorcia nas almofadas. Sua risada ficava cada vez mais alta toda vez que se lembrava daquele momento na mesa de jantar.
“Você dirá ‘olá’ para o meu amiguinho!” PUTA MERDA, FOI A PIOR ESCOLHA QUE ELE PODERIA TER FEITO! Ai, socorro. E a cara que Max tinha feito? Ela não conseguia reproduzir em sua mente sem gargalhar mais um pouco.
- Você ri porque não foi você que apanhou. – falou null, emburrado.
Ela puxou o ar, tentando normalizar a respiração.
- Desculpa, eu só... “ ‘olá’ para o meu amiguinho”. – ela espremeu os olhos e começou a rir tudo de novo. Algumas lágrimas estavam se acumulando nos cantos das pálpebras, prontas para rolar pelas bochechas.
Ah. Há quanto tempo ela não tinha lágrimas de alegria?
O rapaz, chateado, sentou-se do outro lado do sofá. Olhou para os sapatos durante um largo momento, até dizer baixinho:
- Eu sou mesmo uma vergonha. Desculpe pelo que te fiz passar, eu só... Eu só não sei como agir quando as pessoas estão por perto.
- O quê? – ela parou de rir e arregalou os olhos. – Você está louco? null, esse foi o melhor final de noite que eu já tive em anos. – null engatinhou pelas almofadas, abraçando-o carinhosamente de lado.
O rapaz virou a cabeça para admirá-la. Os olhos dos dois estavam pertinho. Tão pertinho que ele pôde analisar suas pupilas, suas íris... Observou as perfeições e imperfeições do rosto de null, e se deixou embriagar pelo cheiro que ela exalava. Uma mistura doce e hipnótica de perfume e pêssegos.
- Você daria um excelente namorado, null null. – ela beijou sua bochecha, depois se levantou cambaleante para fazer seu caminho até o banheiro.
null encarou o vazio por alguns segundos. Levou a mão à sua bochecha, para o lugar em que os lábios de null haviam tocado, e sentiu seu coração esquentar.
Talvez ele estivesse mesmo entrando em curto-circuito.

Setembro de 2013


Nem parecia que já havia seis meses que null havia aparecido em sua vida. null estava cada vez mais próxima do seu hóspede, sempre dividindo brincadeiras e confidências, e podia dizer, com toda certeza do mundo, que ele era um dos melhores amigos que já tivera.
Não tinha como ser diferente. null sempre estava lá para ela. Sempre levando um sorriso no rosto, interessado pelo que ela fez no dia e compartilhando suas descobertas divertidas sobre o mundo.
Quando percebeu que não podia escondê-lo para sempre, em um dos meses anteriores, null decidiu que arrumaria um emprego para null. Eles vasculharam em várias páginas de classificados, nos jornais, mas o emprego dos sonhos estava logo abaixo de seus narizes.
O tio Horatio da livraria, um senhorzinho rabugento que espantava crianças com uma bengala, precisava de um funcionário que ajudasse a organizar os livros. Pronto, era isso! O trabalho perfeito para null. Ele adorava livros, adorava pessoas – mesmo sendo um completo esquisitão perto delas – e ninguém melhor para organizar qualquer coisa do que um computador humano. Horatio pareceu gostar do garotão também, pois logo lhe entregou o uniforme e exigiu sua presença no dia seguinte.
Fazia quase cinco meses que null estava trabalhando na livraria, e suas histórias de lá eram as melhores. Os olhinhos de null brilhavam toda vez que ele contava das suas confusões. Das pessoas que frequentavam a loja, das sobremesas que tinham no cardápio da cafeteria que ficava no andar de cima.
null parecia especialmente feliz quando contava sobre a “rodinha de histórias”. Uma vez por semana, nas noites da livraria, eles liam pequenos contos para as crianças. O androide gostava tanto dessa parte que era ele quem lia a maior parte das vezes. E as crianças o adoravam! Claro. Elas sabiam reconhecer um “igual”.
null acreditava que corações puros atraíam corações puros, e era por isso que null e os pequenos se davam tão bem.
Em uma dessas noites, quando a rua parecia uma avenida dos sonhos - colorida pelas flores que a primavera trouxera, null parou do lado de fora da loja. Aproximou-se da vitrine que dava uma ampla visão do estabelecimento e observou null. O rapaz estava sentado em um banquinho, no centro, rodeado por aproximadamente quinze crianças.
Todos levavam sorrisos bobos no rosto, e o coração de null se aqueceu ao perceber o quão realizado ele estava.
Entrou na loja, ouvindo o sininho soar de cima da porta, e escorou-se no canto, para não atrapalhar a leitura. Fechou os olhos e se perdeu na voz de null, até que chegou a parte em que Pinóquio e Gepeto viviam felizes para sempre.
- Ora, ora. Quem é aquela mocinha? – perguntou Horatio, referindo-se a ela.
Todos na livraria se viraram para olhar.
Quando null a encontrou ali, parada no canto, abriu um sorriso de orelha a orelha, antes de responder:
- É a minha namorada.

- Tchau. – null e null se despediram dos outros funcionários, enquanto eles fechavam a porta do estabelecimento.
Viraram-se para andar e seguiram lado a lado na rua, em direção ao carro de null. A menina, desconfortável, passava a mão para cima e para baixo na alça da bolsa.
- null?
- Oi.
- Você não pode sair por aí falando que eu sou sua namorada.
Ele juntou as sobrancelhas, confuso.
- Por que não?
- Porque não é verdade.
null colocou as mãos nos bolsos e encolheu os ombros. Sentiu uma dorzinha profunda no seu coração de lata, e se perguntou que tipo de erro havia no sistema. Olhou para null mais uma vez, suspirou, e respondeu:
- Tudo bem, eu entendo.

Poucas semanas depois, Ruby – melhor amiga de null – insistiu que ela tinha que sair para se divertir. Qual é! null era uma mulher encantadora e jovem, em plena flor da idade, e passava seus dias assistindo filmes e brincando com o robô que seu pai criara.
Tudo bem que aquele era um robô extremamente gato. Tudo bem também que ele parecia caidinho por sua amiga... Mas e daí? Ele era um androide. Ele nem tinha, sei lá, órgãos normais. Nunca poderia ser o homem que ela precisava.
Ou poderia?
O quão bem o senhor null havia criado aquele robô? Será que ele vinha com o pacote completo? null tinha gengiva, dentes, língua e saliva, como qualquer ser humano normal – Ruby era dentista e tinha conferido -, ele podia beijar, com certeza, mas e...?
Então, nesse segundo, null se colocou para fora do quarto.
- E aí? Como eu estou?
Ruby estava sentada no sofá da sala. null, que lia um livro encostado na bancada da cozinha, apenas levantou seu olhar.
- Fiu-fiu! – a amiga disse, fingindo o som de assobio. – Que arraso! Você está incrivelmente gata. Todos os caras da balada vão se jogar aos seus pés.
null deu uma risadinha e null enrijeceu a mandíbula.
- Caras?
- É. – Ruby disse, remexendo os peitos, como em um passo de salsa. – Vamos sair para beijar na boca. Ou você achou que só iríamos dançar?
Ele balançou a cabeça.
- Eu não achei nada, eu só... Quando você volta para casa, null?
Ela deu de ombros, segurando a bolsa.
- Não sei, mas não tem problema. Já liguei para o Bob, seu amigo da livraria, e você pode dormir na casa dele.
null largou o livro de lado, fechando o rosto.
- Eu não sou uma criança.
- Claro que não. – ela moveu os dedos, em sinal de descaso. – Eu só pensei que talvez fosse melhor que, hm... Você... Não ficasse aqui esta noite.
Ruby olhava concentrada por entre as persianas da janela. Por fim, fez um barulhinho de animação e virou-se para a amiga:
- null, a carona chegou. Precisamos ir.
- Certo. – a menina sorriu, enquanto via Ruby se despedir de null e se colocar para fora.
Pegou o casaco, acenou brevemente com a mão e saiu pela porta. null caminhou até o batente.
- Pode deixar a luz da varanda acesa? Você volta logo? – gritou, mas null já estava longe demais para escutá-lo. O androide suspirou, olhou para baixo e disse, em meio a um sussurro: - Você está linda, null.

null já tinha assistido dois filmes e lido alguns capítulos. Seu coração de lata batia doído, então ele pensou em ir até a internet para procurar explicações.
Não estava com muita vontade de se levantar, no entanto. Continuava suspirando, inalando e expirando o ar – não que para ele isso fosse necessário -, e não conseguia tirar sua mente daquela balada. O que null estava fazendo? Por que estava demorando tanto?
Como se tivesse sido atraída pela força de seus pensamentos, null ouviu o barulho da chave contra a fechadura. Apertou a mão contra a outra, em expectativa, e observou a porta ser aberta em um rompante.
null entrou desequilibrada e teve que se apoiar nos ombros do homem que a acompanhava, para não cair. Ele, com os cabelos muito pretos e a jaqueta de camurça, não parou de beijá-la nem um segundo enquanto a empurrava para dentro do apartamento.
Era possível que um coração se afundasse em tristeza? Mesmo que esse coração fosse de lata? null sentiu seu rosto cair, seu peito apertar e sua alegria ir embora. Olhou para baixo, para os próprios pés.
O homem prensou null contra a bancada da cozinha. Os dois se beijavam em desespero, cheios de línguas, dentes e mãos. A menina puxava os cabelos de seu acompanhante e ele explorava livremente seu tronco, sem vergonha ou qualquer pudor.
Quando ele partiu o beijo, para colocá-la sentada na bancada, null virou seu rosto e encontrou null. Ele estava sentado na poltrona, no canto da sala, e tinha os ombros largados e derrotados.
Seus olhos pareciam vermelhos, cheios de lágrimas, e null jurou que nunca o tinha visto tão mal. Depois quis rir. Lágrimas? Ela devia estar louca mesmo. Ele era um robô. Sua inteligência era completamente artificial. null não era capaz de sentir qualquer coisa.
O homem continuou a beijar seu pescoço, sua mandíbula, até perceber que não tinha mais a sua atenção. Ergueu o rosto do pescoço de null e acompanhou o seu olhar.
- Quem é esse? – o sujeito perguntou, ríspido e confuso.
null se levantou da poltrona e caminhou até estar próximo dos dois. Ele só queria ver a sua null... Só queria ver a sua null de perto.
- É o meu, hm... – ela começou, pensando em uma justificativa plausível. – Meu ex-namorado... Que não deveria estar aqui.
O moreno empurrou bruscamente o peito de null, fazendo com que ele se desequilibrasse e ficasse sem reação.
- Você ouviu a moça, cara. Dá o fora! – gritou agressivo. – Vaza, desaparece! – Empurrou mais uma vez, fazendo com que o androide se chocasse contra a parede.
null, rapidamente, colocou-se entre os dois.
- Não! Para com isso. Ele já sabe que tem que sair.
null olhou mais uma vez para o homem, que o encarava furioso, depois deixou seus olhos caírem em null. Ouch! Como o seu coração doía. Como ele queria estar em qualquer outro lugar que não fosse ali.
null encarou null por alguns segundos. Ele parecia, mais uma vez, estar segurando o choro. Mas... Não, não era impressão. Havia lágrimas. Verdadeiras lágrimas querendo escorrer pelo rosto de null.
Antes que ela pudesse falar qualquer coisa, ele saiu e desapareceu por entre as escadas do prédio.

Droga.
null se sentia dolorosamente errada. Seu coração batia pequeno e mal podia acreditar que tinha magoado tanto seu amigo.
Assim que null foi embora, null acreditava que poderiam continuar de onde pararam. Achava que continuaria sendo embalada pelos beijos e pelos toques, mas se concentrar em seu companheiro estava sendo impossível. Não conseguia tirar da cabeça os olhos tristonhos de null.
Esforçou-se, por mais alguns minutos, para ser envolta no momento. Ela tinha vinte e um anos, era dona de um dos maiores impérios científicos do mundo e nunca, jamais, tinha passado da segunda base. Ela dificilmente tinha intimidades com homens e achava que já estava na hora de deixar de ser a virgem do grupo.
Mas... Não seria daquela vez. Ela estava tão aflita e perturbada que teve que impedir o rapaz de continuar o que estava fazendo. null não seria capaz de ir em frente, então se desculpou e pediu para que ele se retirasse.
Merda. Merda. Ela precisava encontrar null e se desculpar imediatamente. Mas se desculparia pelo quê? Ela disse para ele dormir na casa do amigo! O que mais null poderia ter feito? Que desculpa mais ela poderia ter inventado?
O problema era que os olhos de null pareciam tristes demais. Ele se sentiu humilhado com aquela situação toda, null sabia, e agora deveria estar vagando a esmo do lado de fora.
Assim que o homem foi embora, null trocou os saltos por pantufas e desceu correndo as escadas. Saiu em um rompante pelo portão do prédio e olhou para os dois lados, para encontrar vazio e tranquilidade nas redondezas.
O parquinho, do outro lado da rua, também parecia deserto.
null correu por alguns minutos pelos quarteirões vizinhos, chamando o nome de null, mas ninguém respondeu. Ele já parecia distante e inalcançável. Com a decepção e o arrependimento entalados na garganta, a menina voltou para o prédio, subiu para o seu apartamento e enterrou o rosto no travesseiro até dormir.

O despertador tocou no horário de sempre. Duas horas antes do início da aula da faculdade, para que ela tivesse tempo de se arrumar e seguir até lá de bicicleta.
A cabeça de null doía, mas não tanto quanto o seu coração. Ela sentia como se uma parte importante do seu corpo tivesse sido tirada. Como se ela tivesse perdido algo muito valioso.
E talvez tivesse, mesmo. null, naqueles seis meses de convivência, tinha se tornado seu grande parceiro. Era ele quem curava suas feridas; era ele quem escutava todas as suas vitórias e derrotas. null vibrava junto com ela, se entristecia junto com ela, e agora ele havia partido... Para onde?
null esperava que o robô estivesse na casa de Bob.
Pensando nisso, levantou-se à contragosto, fez sua higiene matinal e se enrolou em um roupão fino. Uma parte de seu cérebro, a mais inocente, ainda tinha esperança de encontrá-lo na sala, deitado no sofá.
Assim que viu o apartamento completamente vazio, deu um muxoxo desanimado.
Foi até a cozinha, serviu-se do café do dia anterior e remexeu a xícara para resfriar o líquido, enquanto se escorava na janela. Seus olhos vislumbraram a luz esbranquiçada matinal. Observou o orvalho sobre o verde das plantas do parquinho e então... Então, sentado num banco a poucos metros da entrada do prédio, ela o encontrou.
Sem pensar duas vezes, null largou a xícara de lado e desceu as escadas esbaforida. Abriu o portão do prédio, olhou mais uma vez – para ter certeza de que ele continuava lá -, e atravessou a rua, sem tirar seus olhos de null.
null estava com os braços largados em cima das pernas. Sua expressão estava vazia, inflexível, e null abraçou o roupão ao se aproximar.
- Ei. – falou e o viu mover os olhos para encará-la. O semblante do androide continuou em branco. – Pensei que tivesse passado a noite na casa do Bob.
- Não. – ele balançou levemente a cabeça, ainda sem deixar escapar o que sentia. – Eu fiquei aqui o tempo todo.
- Mas eu... Como eu não te vi? Eu saí para te procurar e...
- Eu me escondi. Não queria ver você.
- Por que não?
- ... Eu não sei. – os ventos batiam constantes e gelados. Uma fina fumaça acompanhava a respiração de null e ela voltou a analisar null.
Ele estava tão pálido. Parecia tão triste!
- Olha, null, me desculpe por ontem à noite. – ela falou, coçando atrás da nuca, sem jeito. – Eu não esperava que ele fosse te empurrar daquela forma...
Ele piscou os olhos. Sua falta de reação quase fazia null entrar em desespero.
“Por favor, por favor, null. Me dá alguma coisa”.
- Tudo bem. – ele repuxou levemente o lábio, em um sorriso sem vontade. – Você me disse para não ficar em casa. Eu deveria ter obedecido.
null cruzou as mãos na frente do corpo, olhando para o parquinho. Observou a gangorra e o escorregador, que sempre estavam cheios de crianças sorridentes durante as tardes. null adorava passar por ali e observar a alegria dos pequenos.
Embora fosse um robô, ele parecia muito real. null não deveria ter sentimentos ou sensações. Deveria só reproduzir ordens e fingir que a ouvia, enquanto ela desabafava sobre a vida. Era isso o que a maioria dos androides fazia, não é? Muitos até vinham com manual de instruções e controle remoto...
Mas por que null era tão diferente? Ele tinha um repertório próprio de palavras, vontade própria. O rapaz às vezes aparentava tristeza, satisfação ou alegria. null jurava que aquilo era só uma simulação... Tipo a carinha que um Tamaguchi fazia quando estava com fome. Entretanto, na noite anterior, sua tristeza parecia tão genuína.
Por quê? Por quê?
- Aquele rapaz... – ele começou.
- Brian.
- Brian. – ele consentiu, ainda inexpressivo. – Vocês fizeram? ... Sexo?
Ela abriu um pequeno sorriso.
- Não.
- Por que não? – seus olhos estavam fixos nela, transparecendo alguns respingos de confusão. – Pensei que você quisesse sentir prazer.
null deixou uma risada baixa escapar. Mesmo que o ar frio da manhã estivesse alcançando sua pele por baixo do roupão, ela não sairia dali. Queria estar perto de null e, naquele instante, a presença do rapaz era capaz de combater todo o frio do ambiente.
- E eu quero. Mas eu estava enganada, no fim das contas. – null falou e null inclinou o rosto, sem entender. - Às vezes, só prazer não basta.
Ele relaxou um pouco as costas no banco.
- Entendo.
A menina se aproximou de null, mordeu o lábio inferior e estendeu a mão direita.
- Ei, null, vamos lá para cima. Aqui em baixo está um gelo!
Ele sorriu, entrelaçando seus dedos nos de null. O androide se levantou, desajeitado, e começou a seguir atrás de null para dentro do prédio.
Seu coração de lata parecia menos ferido, um pouco mais alegre, e ele aproveitou o momento para sussurrar:
- null?
- Hm?
- Posso continuar segurando a sua mão?
Ela abriu um sorriso caloroso, que ia de orelha a orelha.
- Por quanto tempo você quiser.

Dezembro de 2013


Eles tinham passado o Natal com as crianças do orfanato. Era isso o que null queria fazer e, como null não tinha com quem passar a data, não tardou em concordar.
null tinha pesquisado tudo sobre o orfanato. Sabia quantos meninos e quantas meninas havia, então se ocupou de comprar presentes que agradassem a todos. Vestiu-se de Papai Noel, em uma tentativa clara de fazer a alegria das crianças, e matou null de rir quando deixou o travesseiro escorregar da barriga antes que completasse a frase: “Ho Ho Ho, Feliz Na...”.
Levou CDs e histórias para contar, e passou parte da noite sentado em uma poltrona próxima à lareira, lendo contos de fadas para os pequenos. null, enquanto mastigava os biscoitos de natal, tentava decifrar o que estava sentindo.
Poucas coisas a faziam mais feliz do que ver o sorriso de null. Ele parecia tão satisfeito ali! Quando estava no meio das crianças, o androide parecia estar em casa. Era como se ele recarregasse a bateria a cada sorriso que roubava, e null ficava loucamente, estupidamente e absurdamente derretida por isso.
Como não ficaria? null era tão inocente. Tão doce.
A menina amava quando chegava em casa, depois de um dia puxado na faculdade, e podia simplesmente deitar a cabeça no colo do rapaz. Ele acariciaria seus cabelos, cantaria uma música boba, e então contaria sobre o seu dia, para fazê-la sorrir.
null amava quando ele era carinhoso, quando ele a fazia se sentir especial. Em uma das madrugadas anteriores, o androide tinha entrado inquieto no seu quarto. Disse que não conseguia dormir e que queria um pouco de companhia.
null o convidou para se deitar junto com ela e, depois de alguns minutos, quando ela já estava quase embalada pelo sono, null sussurrou:
- null?
- Hm?
- Posso escutar seu coração?
Ela piscou por alguns segundos, sem saber se tinha ouvido direito. Quando se virou para null e viu seus olhos ingênuos e sinceros, soube que não era uma alucinação. Gentilmente, segurou o rosto do rapaz e conduziu-o até que ele estivesse deitado sobre seu seio esquerdo. Ele estremeceu e soltou um pequeno suspiro, antes de envolvê-la em um abraço.
null olhou para o teto do quarto, acariciando os cabelos de null, e se perguntou se ele tinha reparado na velocidade dos seus batimentos cardíacos. Ela esperava que não.
Dormiram assim, abraçados, e null acordou com null velando seu sono.
Só de se lembrar disso, a menina já tinha que dar mais algumas goladas no copo de leite. Droga, estava se deixando levar por muito pouco. Ele era só um robô. Só uma criação artificial do seu engenhoso pai, ela tinha que se lembrar.
null não era capaz de sentir. null não era humano, não era capaz de ser o homem que ela queria.
Infelizmente, ele parecia real demais. George null tinha construído aquele androide de forma perfeita, lembrando-se de cada detalhe e fazendo com que o rapaz fosse cruelmente igual à realidade. Isso, às vezes, enganava o cérebro de null, mas ela estava se policiando melhor.
Já tinha até criado coragem para chamar Dale para sair, imagina. Passou anos apaixonada pelo cara e só com a chegada de null fora capaz de dar o primeiro passo.
O robô é que, por algum motivo estranho, não pareceu nada, nada satisfeito.
Assim que as crianças foram dormir, enroladas nos cobertores sobre o tapete, perto da lareira, null se aproximou de null. Deu seu sorriso torto fascinante, então levantou o dedo, chamando a atenção da menina para a música.
Era uma música lenta que passeava pelo ambiente sob a voz de um tenor.
- Peguei de um filme. – ele falou triunfante, com um sorriso enorme no rosto. null deu uma risada baixa, ajeitando os botões da fantasia de Papai Noel. – Os protagonistas dançavam essa música em determinada cena... – Ele olhou para baixo, inseguro por um momento. – Eu não entendo. As mulheres gostam de dançar abraçado?
Ela riu mais um pouco, achando-o uma gracinha. As freiras e funcionárias do orfanato olhavam para os dois com sorrisos bobos no rosto.
- Adoram.
- Por quê?
- Não sei. – ela torceu o lábio. – Acho que elas só... Se sentem desejadas.
null colocou as mãos nos bolsos da calça excessivamente larga. Olhou para o fogo que bruxuleava na lareira, para as sombras dançantes das crianças que dormiam, então se voltou para null:
- Você gosta?
- Eu... – ela estreitou os olhos. – Na verdade, nunca fui convidada para dançar.
- Você gostaria de ser?
- Não sei. – deu uma risada baixa. Por que ele fazia perguntas tão difíceis? – Acho que sim.
O rapaz, então, deu um pequeno passo para trás. Estendeu a mão para null, convidando-a para uma dança, e ela sorriu, dando risadas sem jeito. Colocou as mãos nas bochechas, cogitando recusar por alguns segundos, mas depois resolveu seguir seus instintos.
Juntou seu corpo ao de null, fechou os olhos e, pelo menos naquela noite, resolveu fingir que ele era um homem de verdade. Que ele estava realmente ali e podia senti-la... Resolveu fingir que null podia amá-la.
Depois de alguns minutos naquela dança lenta e carinhosa, na qual os dois mal se moviam – só se abraçavam -, o androide cortou o silêncio:
- Melhor natal de todos.
null riu.
- Esse foi o seu único natal.
- E já estou louco para os próximos.

XX

- null, você não vai acreditar! – disse null, entrando correndo em casa.
Ela vestia um vestido fofo de bolinhas, estilo anos sessenta, e esboçava um sorriso enorme. A maquiagem que passara para aquele dia ainda estava intacta. Ela, que sempre fora uma tomboy, nunca tinha se sentido tão linda e feminina antes na vida.
Tinha acabado de voltar do seu encontro com Dale e...
- Adivinha! Adivinha! – ela falava histérica, tentando atrair a atenção de null.
O rapaz estava sentado em um dos banquinhos da cozinha. À sua frente, uma revista de palavras cruzadas, para a qual ele olhava inexpressivo. Quando se virou para null, ela percebeu que ele parecia aborrecido e mal humorado.
- O que foi? – ele falou, meio por entre os dentes.
- null! Aconteceu o que eu sempre sonhei. O Dale... O Dale me beijou!
E então, sem mais, nem menos, null varreu a mão no balcão, derrubando todos os objetos que ali estavam. O saleiro se espatifou em mil pedaços, os talheres fizeram barulhos metálicos e a revista de palavras cruzadas soltou algumas folhas.
null conteve um engasgo, olhando atônita para null.
- Mas o qu-?
- VOCÊ AMA ESSE CARA? – ele gritou, o rosto vermelho de desespero e cólera.
- E-eu... E-eu...
- EU QUERO SABER SE VOCÊ AMA ESSE CARA, PORRA! – ele passou as mãos por entre os cabelos, exasperado.
- Eu... Eu não sei. – null respondeu confusa e sem jeito. – null, o que você está fazendo?
Ele caminhou até estar de frente para ela, encurralando-a contra a parede. null engoliu a seco, sentindo o coração explodir em batidas descontroladas e as pernas perderem a força.
- Você queria beijar o Dale?
- O qu-?
- SIM OU NÃO?
- Sim. – ela respondeu baixinho, quase em um fiapo de voz.
O rosto de null se entristeceu e ele deixou os ombros caírem.
- Porque eu não sou o bastante. – murmurou, como se essa realização o estivesse atingindo como um tsunami.
null ofegou, negando com a cabeça.
- null, é claro que você é o bastante.
Ele deu uma gargalhada. Uma gargalhada que poderia ser facilmente confundida com um gemido sofrido.
- Não, eu não sou. Se eu fosse, você não ficaria em dúvida quando eu te pergunto se você ama o Dale. Se eu fosse, você não precisaria sair para beijar outros caras.
- Do que você está falando?
null continuou com cada mão de um lado do pescoço de null. Abaixou a cabeça por um momento, tentando retomar a sua lucidez, e se voltou para ela. Seus olhares se encontraram e o que null demonstrava era claro e poderoso. Ele nem precisava dizer para que ela soubesse.
- Lembra quando você disse que amor é quando o coração da gente se aquece ao ver outra pessoa? – perguntou e ela, temerosa, fez que “sim” com a cabeça. – Eu sinto, null. Eu sinto o calor. Eu amo você. Eu amo você e quero ser seu namorado.
Ela olhou para ele durante alguns segundos, horrorizada. Antes que percebesse, já estava verbalizando aquilo que tinha em mente:
- Você não pode.
Os olhos de null se encheram d’água.
- Por que não?
- Porque você não é um homem de verdade, null. Você não tem sentimentos. – a voz dela continuava a sair, como se tivesse vida própria. Como se, naquele instante, estivesse externando tudo o que ela pensou ao longo daqueles meses. – Você é um robô e eu nunca... Nunca poderia amar você.
Aquilo pareceu desferir o golpe final. null deu um rugido de ódio, descontrolado, e socou a parede. null abraçou o próprio corpo, para se proteger, e viu quando ele saiu pela porta, batendo-a com tanta força que alguns dos quadros da sala foram ao chão.
null sentiu um soluço subir pela garganta. Tentou suprimi-lo, mas logo veio outro e mais outro. Antes que percebesse, a garota já estava aos prantos. Lágrimas jorravam quentes de seus olhos, seu coração estava vazio e tudo o que vinha a sua mente era ele.
null. Seu null null.

Já eram duas horas da manhã. Fazia exatamente oito horas que null havia saído de casa, e null ainda estava com as mesmas roupas. Ela mal conseguira fazer alguma coisa durante o dia, para ser sincera.
Simplesmente ficou parada olhando para a parede. Sentia o coração apertar e as lágrimas rolarem enquanto se lembrava do rosto dele.
“Eu amo você e quero ser seu namorado”.
“Eu sinto, null. Eu sinto o calor”.
Aquilo não era possível. Ele era um objeto. Um objeto programado para agradar... Então, por que ele parecia ter tanta vontade própria? Que loucura era aquela?
Ele era capaz de sentir? Era capaz de senti-la?
De repente, o celular de null tocou e ela atendeu no mesmo instante. Seu coração batia na goela e a vista estava turva.
- Alô?
- Boa noite, desculpe o horário. Aqui é da loja de conveniência Koala Express. Tem um homem aqui fora... Ele não me parece muito bem. Vi que ele levava o número do seu telefone na mochila e...
Antes que o senhor terminasse de falar, null já havia desligado. Pegou seu sobretudo, a chave do carro e desceu em disparada para a garagem.
Depois de alguns minutos, estacionou o carro de qualquer jeito em frente à loja de conveniência. Olhou para os lados e encontrou null sentado em um dos bancos de madeira, do lado de fora. Deu um suspiro que misturava tristeza e alívio, e então correu até ele.
- Merda, null. – ela falou, aproximando-se e abraçando o próprio corpo. – No que você estava pensando?
O garoto estava jogado, derrotado, com os olhos virados para o céu. Quando chegou ao seu lado foi que null percebeu... Percebeu que ele estava chorando.
O coração da menina congelou no peito. O ar ficou estranhamente difícil de puxar por alguns segundos, e ela continuou a observá-lo enquanto lágrimas rolavam deliberadamente.
Os olhos dele estavam vermelhos, seus ombros subiam e desciam com os soluços e o mundo inteiro de null pareceu se estilhaçar como pedaços de vidro. Não era ilusão. Ao ver a tristeza jorrar explícita dos olhos de null, null soube que esteve enganada o tempo todo. Ele podia sentir. Céus! null tinha sentimentos. Tinha sentimentos como qualquer ser humano, e ela havia sido tão cruel... Tão dolorosamente cruel.
- Oh, null.
- Eles disseram... – ele começou, com a voz algumas oitavas mais alta e aos prantos. Seus olhos eram dois poços vermelhos de dor, e seu nariz estava molhado. – Eles disseram que a Fada Azul não existe. Eles riram de mim, null. Me chamaram de louco. – A menina, ao vê-lo tão infeliz e frágil, quis entrar na loja de conveniência e socar quem tinha dito aquilo a ele. – Eles disseram... Disseram que ela não existe. Se ela não existir, null, eu nunca poderei me tornar um homem de verdade. Eu nunca vou poder ser seu namorado. – Ele tentava se fazer entender por entre as lágrimas e os soluços. – Me ajuda, null. Por favor.
null abraçou-a pela cintura e null ficou alguns segundos sem reação. Fada Azul? Ele tinha saído de casa para procurar a fada que ajudou o Pinóquio?
Oh, céus. Oh, não.
Com o próprio choro entalado na garganta, null envolveu null com os braços.
- Por que a Fada Azul não me escuta? Eu quero ser um homem de verdade. – falou por entre as roupas de null.
- Shhhh, shhh. Não chora, null. – ela acariciou seus cabelos, pensando no quão precioso aquele androide era. – Nós vamos procurá-la juntos.

Março de 2014


null estava fazendo algumas anotações no caderno, de costas para a porta de entrada, quando null chegou. Já era noite e ele tinha acabado de sair do serviço.
Observou a menina lá, concentrada, sem nem perceber sua presença e se aproximou sorrateiramente. Tascou um beijo em sua bochecha, tomando-a de surpresa, e assim que ela se virou, levantou o seu presente.
- null! – os olhos dela eram puros e alegres. – O que é isso?
- Hoje foi noite dos origamis na livraria. – respondeu. – Fizemos uma oficina para as crianças. Eu aprendi a fazer esse e trouxe para você.
null colocou o cabelo para trás da orelha. Suas bochechas coraram levemente enquanto ela segurava o presente.
- É lindo, null. Obrigada.
- Pensei que, como você já tinha um coração de lata, gostaria também de um de papel. – sorriu inocente, ingênuo, e ela abraçou o origami.

Era madrugada quando null se levantou. Tinha passado horas na cama, virando-se de um lado para o outro sem conseguir pegar no sono.
Seus pensamentos estavam inquietos. Sua mente não parava de projetar imagens e lembranças, então se levantou para pegar um copo de água.
Entrou vagarosamente na sala de visitas e, assim que o fez, encontrou null deitado no sofá. Era ali onde o robô dormia, o lugar onde ele recarregava sua bateria, e null estava pacífico e tranquilo enrolado nas cobertas. Engolindo em seco, null se aproximou para observá-lo melhor.
Pronto. Estava ali o motivo da sua insônia.
Desde que o androide se declarara, três meses antes, a menina jurava que não tivera uma noite digna de sono. Constantemente se pegava pensando sobre ele. Constantemente suspirava ao observá-lo e imaginava como suas vidas poderiam ser diferentes se ele fosse um homem de verdade.
Mas ele não era e isso nunca mudaria.
null havia parado de se encontrar com Dale. Apesar de parecer compreensivo, o rapaz ainda fuzilava null com os olhos todas as vezes que se encontravam pelos corredores. Dale, assim como Ruby, era um dos únicos que sabiam a verdadeira identidade de null, e agora ele se sentia péssimo por ter sido trocado por uma máquina.
Mas não era uma máquina qualquer, null pensava. Era uma máquina com um coração incrível. Com o Coração de Lata mais bonito que ela já havia conhecido.
Observou, mais uma vez, a feição serena de null e sorriu.

Em um dia de faxina, null se deparou com uma caixa jogada no fundo do armário. Sabia que ali estavam os antigos pertences do seu pai, mas nunca tinha parado para lê-los ou saber do que se tratavam. Embora George null tivesse morrido há quase três anos, ela ainda sentia que violaria sua privacidade se lesse aqueles cadernos.
Talvez estivesse na hora de mudar seus pensamentos. Curiosa, abriu a caixinha e observou os diários do pai. Quando... Quando será que ele criou null? Será que ele havia registrado em seu diário?
null se sentou no chão e começou a folhear os cadernos em busca de alguma informação. Depois de passar horas lendo fórmulas e conclusões sobre as quais ela não sabia nada – e nem dava a mínima -, null encontrou alguma coisa. Leu e releu várias vezes, sabendo que havia encontrado ali o seu null null.

“Criei-o como um amigo... Um guarda-costas para a minha filha. O experimento 4007 foi inventado para amparar null quando eu não estiver mais aqui. Para protegê-la e ouvi-la quando ela precisar de uma família.
Construí-o para ser um androide normal, sem sentimentos, mas algo deu errado. Assim que acordou, 4007 começou a chorar...”

Maio de 2014


A “rodinha de histórias” tinha terminado mais tarde naquela noite. Por esse motivo, null ainda estava na livraria, separando os livros por títulos e assuntos para colocá-los nas estantes.
Soraya, sua companheira de trabalho, também havia permanecido. Já havia alguns minutos que ela parara de varrer o chão e agora estava ali, à sua frente, debruçada sobre o balcão e observando-o com afinco.
A menina parecia gostar mesmo dele, era o que null achava. Sempre estava por perto para ajudá-lo, sempre perguntava como havia sido o seu dia e lhe trazia pequenos presentes de casa. Os favoritos de null eram o livro da Menina dos Fósforos e a medalha de escoteiro, que, por algum motivo, Soraya achou que fosse agradá-lo. Agradou mesmo.
- Já está tarde. – ela começou. – Tem certeza que está tudo bem para você ficar aqui até essa hora? Quero dizer... Sozinho comigo?
- Por que não estaria? – ele perguntou alienado, conferindo alguns títulos.
Ela mordeu o lábio e se debruçou ainda mais sobre o balcão.
- Não sei. Sua namorada pode não gostar.
Augusto Cury é autoajuda. Agatha Christie é suspense. Byron é... Espera. O que Soraya tinha dito?
null ergueu os olhos dos livros por um segundo, para encontrar a menina empoçada em curiosidade.
- Namorada?
- É. – deu de ombros. - Aquela menina que vem aqui de vez em quando. Qual o nome dela? null?
Ele abriu um sorriso pequeno, desanimado.
- A null não é minha namorada.
Colocou os livros dos autores iniciados com “A” e “B” no lugar. Quando voltou a admirar Soraya, percebeu que ela piscava mais depressa.
- Não? Por que não?
Ele afundou o pescoço entre os ombros, envergonhado.
“Porque eu não sou um homem de verdade”, quis responder. “Porque ela nunca poderia me amar”.
O que disse, no entanto, foi:
- Porque eu não sou o tipo de homem que ela quer.
- Hmmm, entendo. – Soraya falou, pegando uma caneta e revirando-a nos dedos. Seu olhar estava interessado e sua postura levemente insinuante. – E suas ex-namoradas? Como eram?
ARTHUR CONAN DOYLE! Droga. Esse ficou para trás.
null pegou o livro e começou a se dirigir para a seção de suspense. Seu coração de lata batia como se tivesse diminuído de tamanho.
- Eu não tenho ex-namoradas.
- O quê? – a garota perguntou, em choque. – null null, você está me dizendo que nunca namorou?
Para ela, isso não fazia o menor sentido. Como um homem lindo daquele tinha ficado solteiro por tanto tempo? Quantos anos ele deveria ter? Vinte e cinco, vinte e seis? null ser solteiro deveria ser contra as leis da natureza!
- Não. Nunca namorei.
- Mas, null, você já... Você nunca... – ele voltou para trás do balcão, enquanto ela engolia em seco para continuar. – Você já beijou na boca, não é?
Ele olhou para a menina de soslaio, depois deixou a mágoa transparecer em sua feição. Seus olhos estavam baixos, tristonhos, e a voz saiu como um sussurro:
- Não, nunca beijei.
O queixo da garota despencou.
- M-m-mas... Mas você não tem curiosidade de saber como é?
Ele deu de ombros.
- Tenho, mas a gente só deve beijar quem a gente ama muito.
- O quê? – ela debochou. – Quem te disse isso?
A null. A null tinha dito. Mas se pensasse sobre aquilo, naquele momento, o robô veria que talvez aquela tivesse sido só mais uma rejeição. Talvez desde aquele dia, há quase um ano, ela estivesse tentando dizer a ele que nunca ficariam juntos. Ele deveria ter lido os sinais, pouparia muito sofrimento.
Ao observar a feição desolada de null, Soraya abriu um dos botões da blusa, cruzou as pernas e falou:
- Se você quiser, eu posso te mostrar como é.
Ele ergueu a cabeça, interessado.
- Um beijo?
- Uhum. Você não quer aprender?
null abriu um sorriso vasto e sincero.
- Você faria isso por mim?
Ela abanou a mão, em descaso:
- Claro, null. Para que servem os amigos?

- I got a pocket, got a pocketful of sunshine. I got a love and I know that’s all mine, oh. – null cantava, enquanto preparava sua comida.
Maldito filme Easy A. Aquela música realmente ficava presa na cabeça para sempre! Já tinha se pegado cantarolando, assobiando e até dançando espalhafatosamente o refrão no chuveiro.
- TAKE ME AWAY, A SECRET PLACE, A SWEET ESCA... - parou de cantar assim que viu a hora.
Dez e meia da noite. Onde, diabos, estava null? Ele nunca se atrasava para o jantar. Por mais que não precisasse comer, o androide adorava aquele momento. Era quando os dois podiam se reunir e contar das suas aventuras diárias.
E ele ia adorar as histórias que ela tinha daquele dia! Quem diria que a mulher da cantina se engasgaria com a própria almôndega? Foi o maior rebuliço. Todos acharam que estava tudo perdido, até que um menino do terceiro período, com os braços enormes como se tivessem sido inflados, apertou o diafragma da mulher e a almôndega voou mais de um metro! null ia adorar isso, mas por que ele estava demorando tanto?
Preocupada, null pegou sua bolsa, seu casaco e resolveu fazer seu caminho até a livraria.

Enquanto seguia para lá, null passou por uma loja de artigos infantis. Deu uma breve olhada nos objetos e encontrou um que null iria adorar! Era um coração de balão.
Eles já tinham um de lata, um de papel... Que tal um de borracha?
Comprou o brinquedo e saiu de lá radiante. Quase podia ver o sorriso no rosto de null. Ele ia adorar o presente, null sabia que sim.
Chegou à frente da livraria e sentiu um calor agradável no coração antes de se aproximar. Caminhou até a porta e resolveu dar uma olhada na vitrine, para ver se encontrava null, quando seu corpo congelou.
null arregalou os olhos, recusando-se a acreditar no que estava vendo, mas era... Era verdade.
null estava escorado em uma das prateleiras. Seu tronco estava relaxado enquanto puxava uma garota pela cintura. Sua mão estava emaranhada nos cabelos ruivos da menina e seus lábios nos dela, em um beijo voraz e molhado. A ruiva estava agarrada a ele e parecia aproveitar ao máximo cada segundo.
null piscou algumas vezes, engoliu em seco e pensou em voltar para casa. Seu estômago estava embrulhado, suas mãos tremiam... Mas tinha que haver uma explicação. null estava chegando atrasado em casa por isso? Sem nem mesmo dar um aviso?

“- Você queria beijar o Dale?
- O qu...?
- SIM OU NÃO?
- Sim. – ela respondeu baixinho, quase em um fiapo de voz.
- ... Porque eu não sou o bastante.”


Não podia ser o mesmo homem. Não podia.
Estarrecida, null nem viu quando seus pés a levaram para dentro da loja. O sininho fez seu barulho típico, a porta se fechou por trás dela, mas null e a menina fingiram que nem perceberam. Continuaram em seu beijo concentrado quando, por fim, null desceu uma de suas mãos e apertou a bunda da garota.
null deu um pigarro.
- Estamos fechados. – ele murmurou, sem olhá-la, e ela se sentiu profundamente ofendida.
- Estou vendo.
Ao ouvir a voz de null, null uniu as sobrancelhas e se separou de Soraya. Afastou o rosto do da colega para encontrar null completamente estarrecida. Seus lábios estavam entreabertos e os olhos vermelhos, enquanto segurava um balão de coração.
- Ei, null! – ele falou sorrindo. – Que surpresa ver você por aqui.
null sentiu um tremor de ódio se espalhar pelo seu corpo. Ele só podia estar de brincadeira! HA HA HA, como ele era engraçado! Será que ele não percebia que estava beijando uma menina na frente DELA? Será que ele não via o quão errado isso era?
Espera. Errado por quê? Nem namorados eles eram. null tinha deixado muito claro que eles nunca poderiam ficar juntos, mas ela achava que... Achava que alguma coisa tivesse mudado.

“- Pensei que, como você já tinha um coração de lata, gostaria também de um de papel.”

- Desculpe, eu não queria atrapalhar. – null falou, com a voz fraca. – Eu só estava preocupada. Mas vejo que não tinha motivo algum, não é? – Seus olhos se encheram de chateação. – Eu vou embora.
- Espera! – ele falou, feliz e inocente. – Eu vou também! Soraya, será que você podia fechar a loja? – A menina, confusa, consentiu com a cabeça. – Tchau! – null se apressava para seguir null. – Obrigado pelo beijo.

O robô correu até alcançar null. A garota andava com passos fortes e determinados pela rua. Olhava apenas para frente, nunca para os lados, e nem se preocupou em esperá-lo.
- null? – ele chamou, ingênuo e sem jeito. – null? Por que você está com tanta pressa?
null parou de andar subitamente. Fechou os olhos e respirou fundo, como se estivesse tentando reunir paciência, e então voltou a olhar para null. Sua expressão estava magoada e furiosa.
- O que você estava fazendo?
- Eu? – null apontou para o próprio peito, surpreso. – Hm... Er... Eu estava beijando a Soraya? – Arriscou.
- Por quê?
- Porque ela disse que ia me ensinar a beijar. – ele coçou a cabeça, confuso.
null deu uma risada amarga, colocando as mãos na cintura.
- E você foi escolher logo ela? Logo ela para dar o seu primeiro beijo? – sua voz estava alta e esganiçada.
- É... Eu não tinha muitas opções.
null, ainda com as mãos na cintura, deixou a cabeça pender para baixo. Seus olhos estavam quentes, nublados e, no instante seguinte, lágrimas gordas já começavam a rolar por sua bochecha. Levantou o rosto em um rompante e empurrou os ombros de null.
- VOCÊ É UM IDIOTA! – gritou, e ele perdeu o equilíbrio por um momento.
Os olhos do robô estavam confusos, suas sobrancelhas juntas na testa e seu coração de lata disparado.
- null, você está chorando? – perguntou atônito. Mal conseguia acreditar no que via. – Por que eu beijei a Soraya? Mas eu pensei... Eu pensei que você não gostasse de mim.
- E EU NÃO GOSTO! – ela socou seu peito com as duas mãos. Se ele fosse humano, aquilo teria doído. – EU TE ACHO UM PEDAÇO DE LATA VELHA E INÚTIL!
Ele piscou os olhos, sem entender.
- Mas você está chorando. – murmurou, enquanto a sentia se enroscar nos seus braços. A menina ainda chorava quando ele a abraçou. – Você queria que eu te beijasse?
- Não. Sabe por quê? Porque você é um robô, null, e eu nunca vou amar você.
Ele consentiu, inexpressivo. Embora null falasse todas aquelas coisas, em sua voz não havia nenhuma convicção. Quanto mais ela dizia que não gostava dele, quanto mais ela dizia que não o queria por perto, mais ela se espremia em seu abraço.
O coração vermelho de balão, que null havia comprado para ele, havia caído e estava preso no bueiro.
null apertava null ainda mais no seu abraço, até ela gritar, chorosa:
- EU ODEIO HOMENS! ELES SÃO TODOS IGUAIS!
Ele sorriu contra os seus cabelos, afastou-se para olhá-la nos olhos e disse:
- Sorte a minha que eu sou um robô, então.
Ao terminar a fala, null puxou gentilmente o rosto de null. Colou seus lábios nos dela e sentiu imediatamente todas as engrenagens do seu corpo trabalharem em velocidade máxima.
Percebeu a relutância inicial da garota e depois sua aprovação. Assim que null segurou a sua mão – que a acariciava gentilmente -, o interior de null faltou explodir. Tomou-a pela cintura, colando ainda mais seus corpos, e sentiu borboletas no estômago quando ela tomou a iniciativa de aprofundar o beijo.
Gemeu contra os lábios de null ao sentir sua língua na dele. Ao senti-la mover a boca em um ritmo ideal, fantástico, que null parecia seguir com insegurança. Após alguns segundos, seu sistema já tinha analisado todos os padrões daquele beijo, fazendo com que ele fosse capaz de reproduzir com perfeição.
Segurou a nuca de null e sentiu-a puxá-lo pela blusa, como se precisasse dele... Como se quisesse colá-los ainda mais. null sorriu, emaranhou as mãos nos cabelos da garota e intensificou o ritmo. Intensificou o uso da língua, dos dentes, e ouviu null arfar, extasiada.
A menina estava certa, no fim das contas. Aquele calor, aquela vertigem... null não havia sentido nada disso com Soraya. Por mais que tivesse sido agradável beijá-la, com null ele sentia fogos de artifício, calor e... O que era aquilo? Desejo? Prazer? Ele não sabia, mas fazia seu coração de lata pipocar tanto que quase saía do lugar.
“A gente tem que beijar quem a gente ama muito”. Ela estava certa. Esteve certa o tempo todo.
Sua null estava ali, nos seus braços, e ele sentia como se estivesse em um sonho. Como se fosse, de fato, o rei do mundo.
Quando se afastaram, a garota colou a testa na dele, para buscar o fôlego. null acariciou os lábios vermelhos da menina, e então sussurrou:
- Eu te amo, null null, e eu sei que você tem nojo de mim. Sei que me acha uma lata velha e inútil. Mas um dia eu não serei mais. Vou me tornar um homem de verdade e aí... Aí você vai ser toda minha.

Junho de 2014


- Ruby? – null disse em um gemido baixo. Estava com o telefone apertado contra a orelha, sentada e encolhida no fundo do seu quarto. Seu rosto estava molhado de choro, e ela sussurrava para não chamar a atenção do seu hóspede.
- null? – a amiga perguntou do outro lado da linha, alarmada. – Que tom de voz é esse? Você está chorando?
- E-estou, e-eu...
- O que aconteceu? – ela perguntou em desespero. – Você precisa que eu vá para aí? Precis...
- Ruby... – null interrompeu. Seu nariz estava entupido e mal conseguia manter os olhos abertos. – Acho que estou me apaixonando por um homem que nunca existiu.

Agosto de 2014


Embora os meteorologistas tivessem alertado sobre o tornado, null e null não quiseram adiar sua viagem. Tinham combinado de passar o final de semana na fazenda que o tio Horatio – aquele da livraria – tinha emprestado a eles com muito prazer.
null não conhecia os animais. Era louco para tirar leite de vacas, andar a cavalo e colher os ovos de galinhas. Ele estava tão empolgado que passou as últimas semanas inteiras falando sobre isso.
null, queria um local de paz. Queria ficar afastada da cidade grande por um tempo para colocar as ideias no lugar. Seu coração estava uma bagunça, sua cabeça estava uma bagunça, então esperava que a tranquilidade rural ajudasse em alguma coisa.
Passou dois dias observando null brincar com os porcos e correr atrás dos bezerros. Ele estava tão feliz ali!
Estavam afastados da civilização. Só os dois.
Eles faziam experiências culinárias, cavalgavam e, à noite, null sempre inventava a desculpa que estava com medo do escuro para que dormissem abraçados. Ter o robô por perto já tinha se tornado uma necessidade. Ter a pele artificial contra a dela, senti-lo passar o nariz no seu pescoço... Isso fazia com que o sangue corresse mais quente pelas veias de null.
Naquele dia, quando o tornado passaria pela cidade, a instrução das autoridades locais era clara. Eles deveriam se proteger dentro do estábulo. A estrutura era firme o bastante para aguentar a tempestade e estava fora da rota dos ventos mais fortes.
null já estava lá dentro com suas botas de plástico e capa de chuva. Seu queixo batia de frio e ela escutava o relincho dos cavalos, agitados, enquanto as janelas de madeira batiam e o mundo parecia acabar.
Onde estava null? Já estava quase na hora de o tornado passar e ele ainda não estava lá dentro. A tempestade estava perigosa do lado de fora.
Por mais que ele fosse um androide perfeito, à prova d’água, nem a maior tecnologia da mundo poderia sair ilesa dali.
Pensando nisso, null abriu a porta do estábulo. Por trás da cortina de gotas grossas, viu árvores totalmente retorcidas para a direita, relâmpagos e pedaços da cerca da fazenda se renderem e tombarem. Quando apurou melhor seu olhar, viu que perto dessas cercas estava null.
Sem pensar duas vezes, firmou suas pernas e caminhou em sua direção.
O que ele estava fazendo? Se achava que null o deixaria ali sozinho, o robô estava muito enganado. Ele já tinha se tornado a parte mais importante da vida da menina.
- ! – ela gritou, fazendo-se ouvir por cima dos assobios dos ventos. – Vamos lá para dentro. Aqui não é seguro!
- Não posso! – ele gritou de volta. Sua feição estava serena e os braços abertos.
- VOCÊ TÁ LOUCO? Esse tornado vai te partir em pedaços!
- Não vai não, null. – null levava um sorriso no rosto. – Me disseram que a Fada Azul está no tornado.
- O QUÊ? – ela curvou o corpo para frente, para manter o equilíbrio. – Quem te disse isso?
- O livro de histórias. – ele respondeu. Seus olhinhos brilhavam e os braços continuavam abertos. Sua expressão estava cheia de fé, inocência e esperança.
- Mas se ela não estiver, você vai morrer!
Ele inclinou levemente o pescoço para admirar null. Seu rosto, naquele instante, era uma página em branco.
- Já é como se eu não existisse, de qualquer forma. Ninguém pode me amar porque eu não sou de verdade. E se eu não puder ser amado, null, eu prefiro nem estar aqui.
- Você não sabe o que está falando! – ela berrou. Agora, null estava toda curvada para frente. A tempestade mal permitia que seus olhos ficassem abertos. Seus cabelos iam e voltavam, ricocheteando em suas bochechas, e seu corpo tremia de frio. – Vamos para dentro do estábulo, null! A Fada... A FADA AZUL NÃO EXISTE! Você está me escutando? Não existe! Vamos lá para dentro.
- Eu prefiro pagar para ver.
De repente, um cano que voava desgovernado pela tempestade atingiu a testa de null. Ela deu um pequeno grito de surpresa, então se agachou ao sentir os filetes quentes de sangue começarem a rolar.
- null? – null perguntou atônito, preocupado, ao se virar para trás. O formato turvo e escuro do tornado já era visível a alguns metros de distância. – null?
Ele correu até ela. A menina se enroscava de dor, incapaz de se colocar de pé, então, sem pestanejar, null a jogou nos braços. Correu desesperado e inabalável pela tempestade, até que os dois estivessem no calor e na segurança do estábulo.
Fechou a porta por trás de si, aconchegou null em cima de alguns blocos de feno e rasgou um pedaço da blusa. Enrolou o tecido e usou-o para apertar, com firmeza, o machucado da menina. O rosto de null estava sujo de uma longa linha de sangue, e null sentiu seu coração de lata murchar.
Trovões ribombavam no céu e relâmpagos vez ou outra iluminavam o ambiente. O estábulo estava escuro, os cavalos se moviam inquietos e as tábuas de madeira, que faziam parte da construção, sacolejavam como se fossem ceder.
Em momento algum, null e null ficaram com medo, no entanto. Eles mantiveram os olhos fixos um no outro por diversos minutos. As íris inocentes dele estavam presas nas dela, enquanto ele estancava o sangue de sua testa.
Assim continuaram, decorando as feições um do outro, até que null adormeceu.

null acordou quando uma gota d’água explodiu bem próxima do seu rosto. Mais de uma hora devia ter se passado depois da chegada do tornado, e a tempestade, agora, parecia mais contínua e controlada.
null estava encostado próximo à porta, observando o lado de fora por uma fresta que ele havia aberto. Seus olhos estavam vagos, perdidos, e a expressão desolada.
Ao observá-lo com atenção, a menina jurou que podia ler seus pensamentos. Podia ver o quão triste ele estava por ter deixado o tornado passar. null preferia desaparecer em uma tempestade violenta a viver em um mundo sem amor. A viver em um mundo em que ninguém o amava.
Mas não era verdade. Ele era muito querido. Ele era a parte mais importante da vida de null. A garota não conseguia nem pensar sobre aquilo sem que seu coração doesse. O robô estava guardado no fundo do seu afeto, mas ela não conseguia dizer a ele. Por que não?
null suspirou. Mesmo de longe, null pôde ver que seus olhos estavam lustrosos. Ele devia estar pensando na Fada Azul. Devia ter se arrependido por ter ficado com null. null não queria mais estar vivo.
Pensando nisso, a menina se levantou do feno. O sangue da sua testa tinha parado de sair, embora ainda sentisse o rastro seco grudado no rosto.
Sem conseguir controlar suas vontades, null se colocou na frente de null. O androide encarou-a por alguns segundos, confuso, quando ela puxou seu rosto e colou seus lábios nos dele. null sentiu null estremecer sob a sua investida, então não demorou a aprofundar o beijo.
Aquele toque, que começou tímido e carinhoso, foi se intensificando aos poucos. null, que antes segurava a garota levemente pela cintura, agora a prensava na parede do estábulo. Ouviu-a grunhir enquanto puxava os cabelos dele com fervor.
Merda, ele só podia estar em um sonho. Talvez aquelas últimas horas tivessem sido apenas invenção. Talvez ele realmente tivesse entrado no tornado e agora estava no paraíso.
Existiria redenção para os robôs? Sempre ouviu que androides não tinham alma, então como tinha ido parar no Céu?
null não o via como nada além de uma máquina. Ela já havia o chamado de inútil, já tinha deixado claro que tinha nojo dele. Aquilo não podia ser real, por mais que null gostaria que fosse.
Mas quando ela abriu a boca novamente, para continuar a movimentação daquele beijo inesquecível e gostoso, null percebeu que era verdade. Seu coração de lata disparou como nunca, enquanto deixava uma das mãos explorar o corpo de null. Ouviu-a gemer em êxtase e, quando seu sistema estava a todo vapor, quando ele achava que suas engrenagens estavam prestes a entrar em pane, ela se afastou.
null olhou para baixo, desconcertada e envergonhada. Voltou seus olhos incertos para null e murmurou:
- S-sinto muito. Eu não devia. Não sei o que deu em mim. – empurrou o androide levemente para trás. Ele sentiu sua felicidade quebrar em decepção. Seu peito artificial apertou e, no fundo, ele soube que aquilo nunca poderia ser verdade. – Eu não faria isso se estivesse no meu estado normal. Me desculpe.
- Tudo bem. Eu sou só uma máquina, no fim das contas. – deu um sorriso murcho.
null se afastou, voltando a se sentar no feno. null se encostou, mais uma vez, no canto da porta e deixou seu olhar se perder na tempestade. Daquele ângulo, esperava que null não pudesse ver a lágrima solitária que desceu por sua bochecha.

Início de Setembro de 2014


- Você é uma bagunça. – disse Ruby, sentada no pufe colorido que ficava no canto do quarto. A mulher enchia a boca com pequenos biscoitos de chocolate.
- Eu sei! – null gemeu, com a voz abafada pelo travesseiro. Seu corpo estava derramado na cama e ela se sentia completamente derrotada.
- Você ama o null. Por que é tão difícil deixá-lo saber disso?
null se virou para o lado no colchão e ficou na posição fetal.
- Porque, se eu disser em voz alta, não tem como voltar atrás. Ele é um robô, Ruby. Como eu posso lidar com isso? Como eu posso lidar com o fato de que o homem que eu amo não é um homem? Eu só não quero... Só não quero sofrer. E é isso o que eu estou tentando evitar. Mais sofrimento.
- Você não iria sofrer. – Ruby debochou, mastigando alguns dos biscoitos. – O cara já deu o coração de lata dele para você. Aliás, não só o de lata como o de papel, o de plástico, o de pelúcia – listou, olhando para todos os corações guardados carinhosamente na estante do quarto. –, o de borracha. Afinal, o que são todas essas coisas?
- É uma brincadeira interna. – null respondeu emburrada. – E o de borracha fui eu que dei. De qualquer forma, Ruby, eu sou uma covarde. Não consigo dizer a ele. Não consigo, porque eu não aguentaria mais uma perda na minha vida. Já estou até indo ao psicólogo para resolver minha covardia crônica. Pelo menos, o doutor Lewis é incrível e sabe o que faz.
- Oliver Lewis? – a amiga perguntou e null fez que “sim”. – Não estou certa que ele pode resolver o problema, mas sei de uma coisa que com certeza vai. – null levantou a cabeça do travesseiro, desafiando-a a falar. – Em vez de dar a null corações de borracha, argila e porcelana... Dê a ele um de verdade.

Final de Setembro de 2014


- null? Cheguei em casa! – null gritou, após um dia longo de trabalho.
Quando observou o apartamento escuro, percebeu que a menina ainda deveria estar na faculdade. As provas do meio do semestre se aproximavam e null estava passando incontáveis horas na biblioteca do campus, tentando se inteirar nas matérias o melhor possível.
O robô respirou fundo e decidiu tomar um banho. Sua pele artificial também suava, então ele gostava de se manter sempre limpo e cheiroso.
Entrou no quarto de null para pegar uma toalha e, quando se virou para ir embora, seus olhos se fixaram na estante de corações. Abriu um sorriso frágil e ferido, lembrando-se de como a menina estava agindo estranho nos últimos dias.
null, desde que voltaram da fazenda, parecia desconfortável perto dele. Sempre falava frases rápidas, às vezes sem sentido, e corava com frequência. Quando ia à livraria, dirigia respostas rudes à Soraya e não disfarçava que não gostava quando null era gentil com a colega.
Em uma das noites anteriores, quando null se preparava para dormir, null apareceu de pijamas na sala.
- Posso dormir com você? – ela perguntou com as bochechas vermelhas.
- O que foi? Está com medo de novo?
- Não. Eu só... – ela cruzou as mãos na frente do corpo. – Eu posso?
- Claro. Mas acho que se formos para o seu quarto, teremos mais espaço. – null começou a se levantar do sofá, quando null interrompeu:
- Não. Eu quero aqui. Não tem problema.
Ele a admirou por alguns segundos, sem saber interpretar suas ações, e chegou para o canto, para que ela também pudesse se deitar. Rapidamente, null se aconchegou nas almofadas, embaixo dos edredons, e colou seu corpo ao de null. Abraçou-o por baixo dos braços, cheirou seu pescoço – inalando o cheiro de banho recém-tomado - e encostou a orelha ao peito do rapaz para ouvir seu coração.
Ficaram vários minutos em silêncio. As pernas dos dois estavam entrelaçadas e null acariciava os cabelos de null, quando ela sussurrou:
- Seu coração bate tão rápido. Tão forte. – havia fascínio em seu tom de voz. – Como pode ser real?
- Não é.
...
- Você tem razão.

Colocou a toalha na pia do banheiro, tirou a camisa e foi para a sala de estar, onde tinha deixado algumas compras de supermercado. O sabonete novo estava em uma das sacolas, e null já estava com ele em mãos, pronto para tomar seu banho, quando chegou uma mensagem na secretária eletrônica.
- null? Quem fala é o Oliver. Oliver Lewis. Estou ligando porque você deixou seu cachecol aqui. Está sendo um prazer ver você com tanta frequência. Espero que não se atrase para o nosso encontro de amanhã. Até logo!
null deixou a embalagem do sabonete escorregar da sua mão. Encarou o telefone fixamente por alguns segundos, tentando fazer seus pensamentos se acalmarem. Talvez, naqueles últimos dias, ele tivesse acreditado que null o amava. Por algum motivo que null agora julgava tolo, ele tivesse acreditado que era importante para a menina de alguma forma.
Ledo engano. null null era só um brinquedo. O robô idiota que o papai fez. Uma máquina que não sabia, e nem merecia, ser amada.

Outubro de 2014


- null? ... null? – null chamou, encontrando o apartamento escuro após voltar da faculdade.
Onde ele poderia estar? O robô sempre estava em casa quando ela chegava.
Naquele dia em particular, ela estava ansiosa para vê-lo. Passou parte da tarde tendo uma conversa franca com o doutor Lewis, seu psicólogo, e chegaram à conclusão de que o melhor a fazer era se declarar para null.
null merecia a possibilidade de ser feliz e, só de se imaginar como namorada do seu null, seu estômago já se embrulhava de borboletas.
Encheu um copo de suco e se escorou ao lado do telefone, para conferir a secretária eletrônica.
“Ei, null, é a Ruby. Achhhho que eu tô bebâ... ICH...”, null mudou de mensagem, rolando os olhos.
“Oi, null. Aqui é o Oliver. Oliver Lewis...”, ah, essa mensagem ela já tinha escutado.
“Senhor null, aqui é do Hospital null, bom dia”. Hospital null? O que, diabos, ele estava querendo no hospital do pai dela? null uniu as sobrancelhas na testa, com medo do que viria a seguir. “O procedimento foi marcado para o dia oito, às sete da noite. Teria algum problema para o senhor? Reafirmamos que a remoção de sentimentos ainda está em fase experimental, e agradecemos por ter aceitado ser nossa cobaia. Esperamos vê-lo em breve. Até mais”.
O calendário marcava dia oito de outubro.

XX

- null. – um dos médicos que estava na sala falou. – Tem certeza que gostaria de ir adiante? Ainda não testamos essa máquina em ninguém. Não estamos certos dos seus efeitos.
- Tenho certeza, doutor. Eu estou pronto.
- A descarga elétrica que sai do aparelho é muito forte. Claro que podemos chegar ao ponto desejado, mas se não der certo, null...
- Eu morro. Eu sei. Estou disposto a correr o risco.
- Muito bem, então. – o médico pediu para que seus auxiliares conectassem em null os fios necessários. Colocou um capacete de ferro em sua cabeça, observou o androide deitar obstinado na cama, e então disse: - Vamos começar.

XX

null entrou no hospital em um rompante. Nem podia acreditar que estava ali novamente, encarando as portas brancas, o piso de vinílico e o glorioso nome “null” cravado em cada parede do ambiente.
Seu pai era um homem brilhante, genial. Não era à toa que empresários do mundo todo investiam bilhões em suas pesquisas. O homem era engenhoso, ambicioso, e utilizou parte do dinheiro que recebia para construir aquele lugar. Para construir um hospital que atendia seres humanos, ciborgues e androides, revolucionando o campo da microbiologia e da genética.
null já tinha visto aqueles cientistas, sob a marca “null”, definirem as características de um bebê, assistirem sonhos humanos pelo computador e regenerarem pequenas partes do corpo. Mas remoção de sentimentos? O que, diabos, era isso? Para quê alguém quereria isso?
Ah. Seu null queria. E era tudo culpa dela.
- null null. – null falou ofegante, batendo a mão no balcão e passando na frente de alguns pacientes. – Onde ele está?
A recepcionista ergueu uma sobrancelha.
- Essa informação é confidencial, senhorita null.
- Não me interessa. Eu sou a herdeira desse hospital. Eu quero saber.
- Mas é contra as normas...
- FODAM-SE AS NORMAS! EU CRIO AS NORMAS! Ele é meu robô, este é meu hospital e eu quero saber onde ele está!
A mulher olhou para ela por alguns segundos, incerta. Afrouxou a blusa social, engoliu a seco e respondeu:
- Bloco cirúrgico número três.

XX

Assim que os médicos ligaram a máquina, uma dor aguda tomou o corpo do androide. Ele sentia seus músculos chacoalharem por causa da descarga elétrica, e tudo que passava diante dos seus olhos eram seus momentos com null.

“Sabe, null, você até que é bonitinho. – falou, sorrindo sapeca”.

“Você daria um excelente namorado, null null”.

“Você é um robô e eu nunca... Nunca poderia amar você.”

“Eu não faria isso se estivesse no meu estado normal. Me desculpe.”


Se não podia ser um homem de verdade, ele queria esquecer. Queria esquecer tudo aquilo. Queria esquecer o cheiro de null, o quanto amava seu sorriso bobo pela manhã, o sabor e o movimento dos lábios da menina contra os seus.
null queria esquecer que já achou que seu amor fosse correspondido. Ele tinha sido tão tolo, tão ingênuo! Como ele, um pedaço de lata velha e inútil, que a fazia sentir tanto nojo, podia ser o homem que ela queria?
Não podia. Nunca seria.
Seus olhos se encheram d’água e lágrimas começaram a jorrar enquanto todas aquelas imagens vinham à sua mente.
“Me faça esquecer, me faça esquecer, me faça esquecer”.

XX

null vislumbrou null pela janela que dava para o quarto, e então abriu a porta em um rompante. Todos os médicos do aposento pularam de susto e olharam para a menina.
- Senhorita null, a senhorita não deveria...
- DESLIGA A MÁQUINA! – ela gritou aos prantos, observando o corpo de null saltar na cama em função dos espasmos. – DESLIGA A PORRA DA MÁQUINA!
- Senhorita, este é um experimento sério. Ele concordou em...
- NÃO IMPORTA O QUE ELE QUER. DESLIGA-A-MÁQUINA! DESLIGA AGORA! – quando viu que nenhum dos homens presentes moveria um músculo, ela mesma se apressou para abaixar a alavanca que desligava tudo.
A luz do hospital inteiro piscou e, aos poucos, o corpo de null foi parando de saltar e ficando estável. Trêmula, chorosa e desesperada, null começou a desconectar todos os fios ligados a ele. Tirou dos seus dedos, do seu braço e, por fim, ergueu a nuca do androide para retirar o capacete.
O olhar do robô estava atônito e confuso, e ele se sentou no colchão, de frente para null.
A menina, sem nem pensar, segurou o rosto de null e grudou seus lábios. Beijou-o profundamente, com rapidez e ansiedade, antes de voltar a olhá-lo.
- Você está louco? – ela gritou, enquanto lágrimas rolavam deliberadamente. – Por que você fez isso, null?
A expressão dele saiu da surpresa para a ilegível.
- Porque eu não encontrei a Fada Azul. Eu não sou um homem de verdade e você nunca poderia...
- Você não precisa da Fada Azul para eu amar você. – interrompeu, dando um sorriso fraco e segurando as mãos do androide.
Ele, ainda inflexível, negou com a cabeça.
- Não é verdade, null. Se fosse, você não sairia com outros homens.
- Outros homens? Do que você está falando?
- Eu ouvi a mensagem na secretária eletrônica. Sei que você está se encontrando com um cara chamado Oliver Lewis. E eu simplesmente cansei... Cansei de tentar ser o bastante quando eu não sou.
- Oliver Lewis é meu psicólogo. – ela falou horrorizada. Como ele poderia pensar uma coisa dessas?
Um breve lampejo de confusão cruzou os olhos de null.
- Psicólogo? – falou, a voz engasgada. – Por que você precisaria de um psicólogo?
- Para deixar de ser covarde. – ela respondeu, apertando ainda mais as mãos do androide. – Para superar meu medo de sofrer e admitir o que eu quero.
- E o que é?
Ela deixou o silêncio segurar alguns segundos. Suas bochechas coraram, ela tomou fôlego e disse:
- Eu amo você, null null. Eu estou apaixonada por você. – null não esboçou nenhuma reação, então os olhos de null voltaram a se encher d’água. Ela enterrou o rosto no peito do robô e prosseguiu: - Era o que faltava para a nossa coleção, não é? Um coração de verdade. E eu estou dando o meu para você. – Quando voltou a ficar sem resposta, os soluços começaram a vir aos poucos. Oh, não. Essa não. Era tarde demais? Ela o tinha perdido para sempre? – Por favor, por favor, null, me diga que seus sentimentos não foram embora. Por favor, diz que você ainda me ama.
Os instantes seguintes foram os mais longos da vida de null. Ela não aguentaria ter perdido mais alguém. O amor de null, muitas vezes, era o que a fazia forte. Era o que a deixava de pé.
Por que não tinha se declarado antes? Por que não tinha aproveitado todas as oportunidades que teve?
Agora ele tinha ido embora. Agora ele era só mais um robô qualquer. Será que ele tinha se esquecido de todos os momentos que tiveram juntos? Dos beijos? Das confidências?
Os joelhos de null estavam prestes a ceder quando null enrolou os braços ao redor dela. null ergueu o rosto para encontrar um sorriso sincero e emocionado nos lábios do robô:
- Eu ainda amo você, null null, e ainda quero ser seu namorado.
Ela o abraçou pela nuca, mergulhando no beijo pelo qual tanto esperara. O beijo apaixonado depois da confissão amorosa.
Afundou nos lábios de null e sentiu-o puxá-la para mais perto. Suas línguas se tocavam com paixão e carinho, suas bocas se moviam em sintonia e null só sentiu necessidade de puxar o ar quando o último médico saiu da sala, fechando a porta.
- Nada me faria mais feliz que namorar você.
- Mesmo que eu não seja real?
Ela sorriu, colocando a mão sobre o lado esquerdo do peito de null.
- Você é real. Seu coração é real e o que nós temos é único. Eu amo você, meu Coração de Lata.


FIM



Nota da autora: Margaridas, essa é para vocês.
Muito obrigada pela leitura, pessoal, e espero que tenha gostado!
Um enorme abraço,
Lan;

Ps1. Meus agradecimentos à equipe do FFOBS pelo convite. Foi uma honra voltar a escrever para o site!
Ps2. Agradeço à Letícia Black e minha amiga Mariana por terem me ajudado com a capa. Vocês são demais!

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