One night, two years
Autora: Bruh Fernandes | Beta-reader: Andy



A amizade desenvolve a felicidade e reduz o sofrimento, duplicando a nossa alegria e dividindo a nossa dor. (Joseph Addison)

Ouvir: Die Young – Ke$ha

- Vodka! – gritou, erguendo a garrafa quase vazia e gargalhando com o som de sua própria voz.
- Pra que eu quero o Wade quando eu tenho a companhia da minha melhor amiga? - exclamou, sorrindo abobalhada.
- Ah, obrigada , também te amo. – joguei meu corpo contra o dela, caindo em cima da mesma.
- Ei, sai pra lá. – ela me empurrou pra trás e eu, meio grogue, flutuei até bater minhas costas no tapete do chão.
- Estou sendo excluída – reclamou , ciumenta, chiando as palavras.
- Otárias, não estou falando de vocês, vadias. Estou falando de bebida alcoólica, esse milagre que Deus inventou...
- Não faz sentido Deus ter inventado uma droga legalizada que mata e vicia milhares de pessoas só em nosso país. – retrucou e, embora com sua voz embargada, ela passava a informação como uma jornalista. Até mesmo bêbada ela fazia seu trabalho.
- Bler... whatever... eu não me importo se foi Deus ou Jack Daniels que inventou a porra da Vodka, gatas, só sei que ela é maravilhosa!
Você com o coração destruído é a pior coisa que existe, ! Eu queria falar pra ela, mas era uma frase bem complexa para uma bêbada.
- Whiskey, cara, o Jack Daniels inventou um Whiskey aí. – corrigi.
- Chataaaaaas! – ela respondeu, prologando o último “a” e nos dando língua. Tão extremamente infantil essa minha amiga.
Era uma sexta-feira, dia em que normalmente nós saíamos e disputávamos quem pegava mais caras. Brincadeirinha! A gente só torrava nosso dinheiro nas boates ou nos barzinhos bebendo, paquerando e dançando. Só que hoje, 10 de dezembro de 2011, nós estávamos em casa, pois era uma ocasião especial.
Ok, nem tão especial assim. Pelo menos uma vez por mês ligava para mim e para desesperada, dizendo que Wade era o pior cara do mundo. O que eu simplesmente não posso discordar. Ele é aquele tipo de cara que os pais odeiam. Cueca aparecendo, roupas dois números maiores que o necessário, sem emprego, sem faculdade, sem força de vontade.
Agora, vai entender por que continuava com ele. Nós já tínhamos desistido de convencê-la a deixá-lo. Era sempre assim: eu o amo, eu o odeio. Ok, tem louco pra tudo neste mundo. Ah, esqueci-me de mencionar que ele dirige uma moto alucinadamente pela cidade e acho que ele só não tem tatuagem no rosto e bem... lá. Ou até tem, será?
- , o Wade tem tatuagem lá no...
A campainha do meu telefone celular tocou, fazendo meus peitos tremerem. Sim, eu guardo celular entre os seios, culpada. É o lugar mais fácil de achar, já que eu sempre tivera uma tendência de perder meu celular – aliás, não só o celular – e, bem, nesse frio cortante de Londres, ele sempre está quentinho na hora de cumprir sua função e encostar-se a minha orelha.
Grotesco, fazer o que. Ame-me do jeito que eu sou. Ou não.
- TRIM, TRIM, tem um telefone irritante tocando... – cantarolava, mexendo o corpo pra lá e pra cá. Ela fica meio piradinha mesmo quando bebe. Aliás, desde quando ela precisa de álcool pra ficar daquele jeito?
era a de nós três ali “a mais”. A mais inteligente, a mais dedicada, a mais bonita, a mais compreensiva, e, vai, a mais fraca pra bebidas. Mas, acredite, ela não sofria bullying por nossa parte por causa disso. Somos pessoas boas demais!
De fato, a era a mais nova (olhe, mais um “a mais”) e ainda assim era a mãezona de nós duas. Ela cuidou do irmão desde pequeno, o dava de comer, o levava pra escola, o ajudava nas lições. E apesar de uns dez anos separar eu e do Roger, irmão dela, ela fazia praticamente as mesmas coisas com a gente. “Não esqueça de jogar o lixo”; “Não esqueça de tirar o frango da geladeira”; “Não esqueça de tomar banho”. Ok, exagerei! Ou talvez não. Nunca saberá!
Ah, o telefone!
- Alô? - falei, assim que coloquei o celular no ouvido. Aí, quentinho, eu falei!
- Oi, . É o George.
Ah, esse é meu cunhado, gente. Na verdade, ex-cunhado, o que não me deixa outra escolha além de afirmar pra vocês que minha irmã é maluca! Olhos verdes, alto, praticante de vela (imaginem os músculos!) e simpático, pelo pouco que já convivi com ele. Então por que, querida irmãzinha, você o largou?
Uma palavra: filho. Minha mãe que já dizia há muito tempo que o casamento é ótimo até que se tenha o primeiro filho. Não que filho seja ruim, longe disso, é uma benção, a melhor coisa que pode acontecer com uma pessoa, seja ela homem ou mulher. - Até porque esse lance de que é sonho só da mulher é tão old. Desde quando homens são tão fortes a ponto de não se deliciarem com o fato de ter uma mini criatura sua pela casa?
Mas que traz problemas, isso traz. É muito dinheiro gasto. A criança esperneia, chora, reclama que quer mamar. O cansaço dos pais transborda. Depois de meses, o bom e selvagem sexo de reconciliação não funciona mais.
Gente, eu me esqueci do telefone de novo!
- Ge-or-ge. Oi. – repeti sílaba por sílaba. Coisas de bêbada. Eu já ia soltar uma risada, se as palavras dele não me escandalizassem.
- , . A ... morreu.

§

Não espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida. (Platão)

Ouvir: Because you loved me – Celine Dion

Quando meu pai tirou as rodinhas da minha bicicleta, com sete anos de idade, eu fui correndo até a bicicleta e comecei a pedalá-la com força, querendo mostrar que eu sabia fazer aquilo. Minha irmã, cinco anos mais velha, andava com sua bicicleta rosa de primeira mão totalmente desinibida e... sem rodinhas.
Eu queria mostrar pra todos da minha família e meus amigos: “eu também sei fazer isso, eu consigo ser tão boa quanto ela”. Só que, claro, tudo que aconteceu foi que eu caí no chão com tudo. Toda a minha perna esquerda e o braço do mesmo lado ficaram arranhados, algumas partes até mesmo sangrando.
Fora ali que eu percebi que eu nunca seria como ela. E aquilo realmente se concretizou. Ela tirava as melhores notas, tinha os melhores namorados, fazia tudo de bom e eu... era só eu. Sempre pressionada pra ser como ela. E nunca conseguindo. Mas como ter inveja dela, quando ela sorria pra mim e me dava a mão? Como qualquer boa irmã mais velha me levava ao parquinho ou, depois, para uma festa; Chamava-me para a sessão de filmes com os amigos, me contava todos os seus segredos.
era maravilhosa. Extremamente divertida, bonita, inteligente, sincera, companheira, amiga, era qualidades que eu nunca obteria. E era por isso que eu admirava. Ela se tornara uma verdadeira ídola pra mim. E eu lutava para me tornar um décimo do que ela sempre fora.
Não... não consigo acreditar. Eu saí do apartamento correndo, pegando minha bolsa de qualquer jeito.
- Ei, vadia, aonde vai? - a voz da ressoou e eu ignorei.
Eu não olhei para trás ao fechar a porta. Peguei a chave da casa que a gente dividia, trancando-as lá dentro. Elas, claro, tinham suas chaves, mas só iam encontrá-las no dia seguinte, já seguras. Eu não queria que elas me seguissem, bêbadas, por Londres inteira.
Desci as escadas correndo, apoiando-me na parede e nem cumprimentei o zelador antes de embarcar no sereno característico londrino. O frio me abraçou e os pêlos dos meus braços se atiçaram, fazendo-me arrepender de ter esquecido o casaco lá em cima.
Eu desci a rua correndo, acompanhando o ritmo dos carros. As lágrimas escorriam pelas minhas bochechas e chegavam ao meu pescoço. Minha cabeça doía mais a cada chocalho que eu a acometia. Os ventos me balançavam, lembrando-me que eu estava alta pelo álcool em minhas veias.
Mas nada daquilo importava. Minha irmã. Minha pequena grande irmã. Aquela que me segurou quando bebê, que me emprestava suas bonecas e batons, que dividia o último pedaço de pizza de pepperoni comigo. Formara-se na universidade com mérito, dedicara-se a carreira de psicologia. Conhecera George. Amara-o loucamente, como nunca, era o que me dizia todos os dias no telefone, enquanto eu ainda não passava de uma recém-adulta. E, de repente, a notícia: estava grávida!
Oito meses depois, nascera , um lindo garotinho de olhos grandes castanhos que vivia sorrindo e adorava bichinhos de pelúcia. Agora, com somente um ano, sofrera a perda da mãe. Oh, o que será dele?
O que será de mim?
Olhei para a rua e vi que o carro mais próximo ainda estava distante o suficiente para que eu atravessasse. Reforcei a corrida, agora no meio da rua, e vi a luminosidade dos faróis me atingir em cheio. O motorista tentou frear ao máximo e eu acelerei ainda mais, quase tropeçando em meus próprios sapatos.
Suspirei assim que pisei na calçada. Ainda no ritmo da corrida, não vi o poste a minha frente. Bati minha testa fortemente no pedaço frio de metal. Tudo ficou escuro.

§

Imagine uma nova história para sua vida e acredite nela. (Paulo Coelho)

Ouvir:
Last Friday Night – Katy Perry

Droga, que dor de cabeça. Recusei-me a abrir os olhos, sentindo que a claridade da manhã podia funcionar como uma bomba para o meu cérebro. Tateei o lugar onde eu estava, descobrindo ser uma cama de casal bem fofinha. Ah, minha cama...
Ei, desde quando eu tinha uma cama de casal? Arregalei os olhos de surpresa e a luz atingiu com tudo minha vista, como eu previa.
- MERDA! – gritei, girando até ficar com a cara coberta pelo travesseiro.
Cheirei o travesseiro, tentando captar algum cheiro conhecido. Eu era extremamente boa em cheiros. Quando mamãe tentou me fazer um bolo surpresa, eu a surpreendi pedindo um pedaço do bolo de laranja com cobertura de chocolate antes mesmo que ele asasse no forno.
Tinha o meu cheiro ali misturado com um perfume que eu desconhecia. Vasculhei meu cérebro a procura de qualquer evidência que provasse que aquele perfume era familiar e me desesperei em seguida, pensando que dormi com qualquer cara que conheci. Qual era o nome dele mesmo? A primeira letra? Como ele era, loiro, moreno, magro, gordo?
O pensamento latente dominou minha cabeça: EU DORMI COM UM CARA E EU NÃO SEI SEU NOME.
De repente, eu comecei a escutar o choro anasalado de uma criança. E o pensamento se completou: EU DORMI COM UM CARA E EU NÃO SEI SEU NOME E ELE TEM UMA CRIANÇA NO APARTAMENTO.
Aliás, onde está escrito que foi um cara, não?
Não que eu durma com mulheres, mas eu mal sei meu nome, quanto mais o que eu fiz ontem à noite nesta cama desconhecida. E o bebê continua chorando. Será que eu assassinei o dono do apartamento e a criança simplesmente está esperando o único ser vivo na casa, o que se traduziria em mim mesma? Ok, lá estou eu exagerando!
Eu espero.
§
Finalmente a criança parou. Eu escuto a voz de um homem falando com ela. Homem, yeah, ponto pra você, . Espero que ele não tenha 50 anos, ou... oh, meu Deus, e se ele tiver corcunda? Sem dentes? São tantas opções ruins!
Decidi levantar e enfrentar o bicho papão. Vai que é um cara gostosão que adorou a transa da noite passada? Não, , não exagere. Tirei o cobertor de cima de mim e olhei para minha roupa. Uma grande blusa da universidade de Stanford. Oh, cara inteligente! Eu gosto de caras inteligentes...
Levantei levemente, com medo de minha cabeça girar. E não só no sentido metafórico. O chão parecia gelado, mas eu calçava meias, então meus pés estavam protegidos. Gente, será que eu fiz sexo com meias? Que vergonha!
Andei devagar, tentando pentear os fios rebeldes de meu cabelo com os dedos. Cheguei à divisão da sala depois de um pequeno corredor, antes que eu estivesse preparada. Mas eu me conhecia: um minuto a mais de hesitação e eu desistiria.
- Bom dia. – exclamei cuidadosa, com toda a educação que mamãe me deu. O grande cara (yeah, ele era musculoso e bonito!) estava alimentando a criancinha com a mamadeira, os dois de frente a TV, de costas para mim.
- Mamãe! – o garotinho virou seu rosto para mim com um belo sorriso no rosto. Demorou um segundo e então eu o reconheci.

§

A esperança seria a maior das forças humanas, se não existisse o desespero. (Victor Hugo)

Ouvir:
Real World – Matchbox Twenty

. Apesar de maiorzinho, com os cabelos maiores e todos os dentinhos na boca, ainda se podia reconhecer os grandes olhos e aquele sorriso. , meu sobrinho. Mas por que raios ele estava me chamando de mãe?
- O que? - foi a única coisa que consegui exclamar.
Completamente confusa eu vi o garoto pular do colo do grande cara e vir correndo até mim. Levantou os bracinhos para que eu o pegasse no colo, e o fiz.
- Ei, carinha, por que você sempre me troca pela sua mãe? - a voz do homem soou divertida e eu tremi.
Eu conhecia aquela voz. E, pensando bem, eu conhecia aquele cabelo cacheado. Então ele virou, olhando pra mim e sorrindo. Eu gelei. Era George. George. Agora, me expliquem, por que ele me denominou mãe do ? Qual o problema com ele?
Ele, que está vindo em minha direção com um sorriso como se tudo estivesse bem. Como se não tivesse acabado de morrer! Como se eu realmente fosse a mãe de . E, pensando bem, desde quando crescia tanto em algumas poucas semanas que não o via? Quer dizer, ele não parecia um bebê de um ano, mas uma criança de pelo menos dois...
O selinho que George me deu fez meu cérebro entrar em dano permanente. Como se eu não tivesse confusa o suficiente. Mas que merda foi isso? Ele pode estar carente e sentindo falta dela, mas desde quando beijar a irmã estava no pacote?
Eu queria explodir em perguntar e expressar minha confusão, mas simplesmente disse:
- George.
Ele me olhou, por um instante confuso, e então passou uma de suas mãos por meu braço, arrepiando aquela área. Uau. Corpo, não reaja assim. Lembre, ex-cunhado é igual irmãozinho... Mas beijar não estava no manual de boas maneiras, ou estava?
- Você não me chama assim desde, bom, você sabe, . Agora você usa meu primeiro nome, .
Acho que minha cara estava tão lívida, como se eu tivesse acabado de ver um fantasma, que ele logo perguntou:
- Você está bem? - eu assenti levemente com a cabeça, engolindo em seco, tentando manter minha mente sã em todo aquele turbilhão. – Com dor de cabeça? - ele inquiriu e eu assenti novamente, sem entender como ele sabia da dor. – A batida na geladeira foi forte ontem, tem até um galinho aqui.
Ele estendeu a mão para encostar-se a minha cabeça e eu recuei um passo.
- Ainda nisso? Eu achava que você tinha me perdoado. – ele deu de ombros. – Sabe, depois da discussão você bateu a cabeça e começou a se sentir meio tonta e eu te disse coisas bonitas, eu achava... deixa pra lá.
Ele suspirou e pegou meu pulso, me conduzindo até o sofá e sentando-se ali. Pegou de meu colo e o despejou no chão, não sem antes lhe dar um beijo na bochecha.
- Encha um copo bem grandão com água pra mamãe, superman? - eu vi o garoto assentir e correr para a cozinha.
- Sem correr! – eu gritei, antes que pudesse sinalizar para meu cérebro que eu era uma intrusa ali. Que, apesar de tudo, eu não era a mãe dele. Mas George me olhou, sorrindo.
- Então, madame, me perdoe por não ter comparecido à reunião da escolinha de ontem, sim? - ele pegou uma das minhas mãos e a beijou. – Eu sei que tinha prometido e, bem, eu esqueci e fui tomar cerveja com os colegas de trabalho. – ele fez uma careta com os lábios.
- Mas, George...
- , amor, . Você só me chama de George quando está com raiva de mim. Você está com raiva de mim? - eu neguei.
- ... eu estou confusa. Eu... minha cabeça dói e eu não estou entendendo nada. E e... – fechei os olhos, sentindo lágrimas inundarem meu rosto.
Senti os braços fortes de George, , ou sei lá, em meu corpo, me reconfortando. Ele despejava beijinhos em meu pescoço e afagava meu cabelo. Ele era ex-marido de minha recém-falecida irmã, estava tudo estranho, mas ainda assim aquele contato íntimo parecia tão certo, nossos corpos se encaixavam tão bem.
- O que aconteceu com a mamãe, pai? - perguntou, visivelmente preocupado.
- Nada, meu querido. – nós nos distanciamos e ele bagunçou os cabelos do filho. – Ela só está com dodói.
- Por isso você estava beijando ela, pra sarar. – não pude deixar de sorrir pela conclusão do pequeno.
O observei. Os cabelos maiores, os dentes feitos, o andar já normal...
- Quantos anos tem, ?
- Como assim, ? - ele me encarou, confuso. – Você me disse ontem mesmo que começaria a organizar a festa de quatro anos dele!

§

Tô correndo atrás do prejuízo, mas parece que ele é Queniano. (Desconhecido)

Ouvir:
Wake me up – Avicii Feat. Aloe Blacc

OH. MEU. DEUS.
OH. MY. GOD.
OH. MON. DIEU.
OH. MEIN. GOTT.
Em quantas mais línguas eu posso expressar o meu estado de choque?
É simplesmente impossível ter 3 anos. TRÊS. Quando morreu, ele tinha um ano e sete meses, aproximadamente. Como, de repente, passam-se dois anos?
Será que é um mestiço, meio vampiro, meio humano? Eu sei, burrice. Mas como então se explica esse grande pulo na idade?
- , acho melhor você se deitar. – entregou-me a aspirina e eu a tomei com o copo do Ben10 cheio de água.
- Há algo muito errado, ... morreu ontem... você me ligou ontem...
- Eu sei, - ele se sentou no chão, ao lado do sofá onde eu estava apoiada – às vezes também tenho a sensação de que foi ontem que ela nos deixou.
- Você não entende, , foi realmente ontem pra mim! Eu não me lembro do enterro, não sei de que ela morreu! Como foi? - o encarei, desesperada, segurando-me para não puxar meu cabelo pra cima. Eu era dessas.
- Acho melhor não falarmos disso, não é um assunto muito legal. Além disso, está aqui.
Eu desviei o olhar para o menino e lhe estendi a mão. Tinha algo muito confuso em tudo aquilo, mas certamente aquele garotinho lindo e simpático não tinha culpa nenhuma. Ele sorriu pra mim.
- Suba aqui, meu querido, quero um abraço bem apertado.
Ele subiu no sofá com ajuda das minhas pernas e se ajoelhou sobre as mesmas, abrindo os bracinhos e me abraçando pelo pescoço. Circundei sua barriga e lhe apertei contra mim. Abri os olhos e vi sorrindo.
Atrás dele, entretanto, um objeto chamou minha atenção. De repente, eu tive uma ideia. E meu cérebro nem precisou derreter pra isso.

§

A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é, ou melhor, apesar daquilo que você é. (Victor Hugo)


O jornal em minhas mãos demonstrou o que já se tornara até um pouco óbvio. Mas que assustou, assustou. O BBC estava em minha mão e sua data na primeira página era a resposta para tudo. Ou, o começo de todas as dúvidas.
28 de dezembro de 2013.
2013.

E o último dia que eu me lembro de foi em 2011.
- O quer isso quer dizer? - perguntou depois de eu lhe explicar basicamente o que está acontecendo.
- Quer dizer o que eu te falei. A última coisa que eu me lembro é de você me ligando falando sobre... a morte de . E então eu saí de meu apartamento correndo, deixando as meninas lá, e... nada.
- ... isso foi há mais de dois anos. Eu – ele suspirou – Você não se lembra de nada depois? Absolutamente nada? De nós dois?
Neguei com a cabeça.
- Desde que eu pisei aqui hoje de manhã, estou tentando não pirar com o fato de o me chamar de mãe. Não faz sentido nenhum!
- Claro que faz. – ele respondeu, elevando um pouco sua voz. – Você o cria, , desde a morte de você o cria.
- Então eu moro aqui? - ele assente. – Ainda assim, por que não me chamar de tia? Ele tem que saber sobre a mãe dele!
- Ele ainda é muito novo. É estranho pra ele. Seus colegas tem mãe e pai e ele... como ele explicaria uma tia em sua casa beijando seu pai...
Engasguei com as palavras. Beijando. Beijando. Eu beijando George. Esse homem lindo a minha frente? Esse homem que, por acaso, é meu ex-cunhado, pai do meu sobrinho?
- Nós?
- Sim. Nós. No começo, não rolava nada, claro. E mesmo depois de eu admitir estar apaixonado por você, você não queria se permitir. Em respeito a moral e os bons costumes, você dizia. Mas, uma noite, eu conquistei você.
- Você me seduziu?
Ele me encarou por um momento e abriu um sorriso.
- Você chegou do trabalho cansada e eu fiz o jantar, deixei na casa dos meus pais, e então coloquei uma música lenta e lhe fiz massagem. Elogiei lhe. Disse o quanto estava agradecido e que você era linda. As coisas esquentaram. – ele deu de ombros. - Eu fui o cara que você precisava.
- Você se aproveitou da garotinha indefesa – havia um fingido tom de repreensão em minha voz. Ele não se deixou levar.
- Você não parecia uma garotinha indefesa enquanto estava na cama. – eu abri minha boca, em espanto. – Enquanto ficava por cima. – acrescentou.
Senti meu rosto corar e eu o protegi com as mãos.
- Ei, nós já passamos dessa parte da vergonha. Agora você é mais como a garota safada sem pudor.
Soltei um gritinho de surpresa, ainda escondendo minha face. Recuperada, o olhei e respondi finalmente:
- Não mais, . Pra mim, eu sou só a sua ex-cunhada, cuja irmã acaba de morrer. Voltamos à estaca zero, baby.

§

Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre. (Albert Einstein)

Ouvir:
Someday – Nickelback

Era sábado, mas a emergência do hospital era 24 horas. E o meu caso era certamente uma emergência. Eu fiz tomografia, raios-X e todos os possíveis exames. Ao fim, um neurologista nos levou até a sua sala e despejou o temível relatório da situação:
- Você está com amnésia. Você perdeu os seus últimos dois anos e alguns dias, provavelmente pela batida que deu ontem na geladeira.
me explicara que eu vinha apressada pela cozinha enquanto estava raivosa com ele e na hora de puxar a porta simplesmente bati minha cabeça na ponta da porta. Estabanada como só eu. E eu comecei a me sentir mal e perdi um pouco os sentidos.
- Será que pode ser por beber um pouco demais? Minha mãe sempre diz que eu vou virar uma viciada qualquer dia desses...
- , você não bebe desde a morte de . – me interrompeu com a revelação e eu o olhei surpresa.
- Ok. Preciso me acostumar com o fato de que não sei de nada mais sobre mim. – O médico sorriu afetuoso.
- Vai voltar, certo? As lembranças desses dois anos? - perguntou, ansioso.
- Nós esperemos que sim. Nesses casos nunca se têm certeza. É possível que volte amanhã, mês que vem, em 2015 ou, bem, nunca. – ele suspirou. – Sinto muito.
saiu de lá cabisbaixo e eu o entendo. Imagine o que é ter uma namorada ou, bem, não sei exatamente em que ponto de relacionamento nós estamos, embora moremos juntos; que de repente não se lembra de nenhum momento dos dois juntos, nem seus sentimentos por ele, sendo tudo novo pra ela. Deve ser desesperador.
Mas é desesperador pra mim também. Ter aquela sensação de que você não sabe mais nada sobre você mesma. Você não sabe qual foi seu último livro lido, quando foi ao dentista, se ainda trabalha no mesmo lugar, se ganha a mesma coisa, quando foi sua última menstruação!
- Estava pensando – interrompeu meus pensamentos, enquanto dirigia até seu apartamento. Nosso apartamento. – Que tal chamarmos as garotas para nossa casa e então elas podem dividir as novidades desses dois anos com você?
- Com amigas você quer dizer a e a , não? - ele assentiu. – ótima ideia!
- E eu poderia cozinhar sua comida preferida para jantar. – comentou ele, me fazendo olhar para ele.
- E qual seria essa comida?
- Marrarão com almondegas. – ele soltou relaxadamente e eu afundei em meu banco, rendida. – , eu sei exatamente como te deixar feliz.
Eu não pude evitar corar.

§

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento. (Clarice Lispector)


Logo que chegamos em casa, ligou para as garotas. estava na casa dos pais de e então eu pude tomar um banho tranquilo. Olhei meu corpo pelo espelho, tentando encontrar alguma diferença. Os cabelos estavam meio ressecados, mas ainda era o mesmo. O corpo um pouco mais magro, mas ainda sim meu.
Olhando minha arcada dentária, percebi um dente um pouco mais esbranquiçado que os outros. Era bem leve, já que eu sempre escovara bastante os dentes, mas quando se olhava com um olhar atento, percebia-se.
Procurei meu antigo suéter do gato de botas, que me deixaria aquecida e protegida das lembranças do qual eu esquecera. Não o encontrei. Vesti então uma blusa de manga comprida qualquer e uma calça jeans que estava fora do armário. Calcei meus chinelos e caminhei pela casa, encontrando na cozinha americana, na beira do fogão.
Agora, imaginem a cena. Um grande cara, de quase 1.90 metros, com braços e costas trabalhados, em frente ao fogão, cozinhando, com um avental de um tórax musculoso desnudo. Ei, é quase um pleonasmo!
Queria dizer pra ele: ei, tire esse avental, mostre sua verdadeira essência. Ou, ao menos, seu verdadeiro abdômen. Mas, claro, não falei. Eu ainda tenho alguma vergonha na cara.
- Elas estão vindo. – ele avisou, sentindo minha presença.
Eu assenti, mesmo sabendo que ele não veria o gesto. Apoiei minhas mãos na bancada que nos separava e suspirei.
- Ei, você sabe por que eu tenho um dente mais claro que os outros?
- Uhum. – ele respondeu, sem me olhar. – Há uns meses, você estava brincando com e a bola atingiu seu dente. Você teve que fazer um implante.
Arregalei os olhos, levando minha mão para meus dentes.
- Eu morro de medo de dentista.
- E eu não sei? Você quase arrancou a minha mão por apertá-la tanto. Mas você é mais corajosa do que acredita. – ele deu de ombros.
- Sou? - inquiri, desacreditada.
- É. – ele virou-se para mim e me deu um sorriso rápido. – Ah, convidei também nossos vizinhos, eles são bem legais. E já conversei com todos sobre o seu... problema.
Concordei.
- Você quer ajuda?
Ele sorriu e apontou para a geladeira.
- Você pode fazer o suco. Como nos velhos tempos.

§

A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, e sim em ter novos olhos. (Marcel Proust)

Ouvir:
Feel this Moment – Pitbull e Christina Aguilera

- , o que você fez com o seu cabelo? - foi a primeira coisa que eu exclamei, antes mesmo que elas conseguissem entrar no apartamento.
- Eu descolori. E me arrependi no dia seguinte, claro, mas estou tentando conviver com o loiro por algum tempo. Pelo menos eu não preciso ficar escondendo os cabelos brancos. – ela deu de ombros.
- Cabelos brancos?
Elas se sentaram no sofá e eu na poltrona da frente, cruzando as pernas, ansiosa e nervosa para saber de tudo.
- É. Você sabe, minha família sempre foi precoce nesse quesito. Ano passado apareceu o primeiro fio, eu fiquei desesperada.
- Você está ficando velha. – exclamei, ainda assustada.
- Nope. Nós estamos ficando velhas. Pode parecer que você ainda tem 26, mas você já tem 28!
- Ok. Conte-me as novidades! – pedi. – Eu fui ao médico mais cedo e esperava que o carro voasse, mas ele continua andando. A gente já pode visitar a Lua? Eu sempre quis passar a lua de mel lá... Embora que, agora, eu nem sei se, bem – olhei para o corredor, vendo a porta do quarto fechada, com dentro. – Meninas, eu por acaso estou casada?
- Vamos com calma, sim? Não, você não está formalmente casada, mas, na prática, vocês vivem juntos e se consideram casados. Você não quer realmente entrar na igreja sendo que , bom, é seu ex-cunhado. – concordei. Faz sentido. – E sobre a lua: não! , você se esqueceu dos dois últimos anos, não dos últimos 20!
Bufei.
- Ok. Contem-me então as novidades. – subitamente, me lembrei de uma das últimas notícias de que eu me lembrava. – A Beyonce teve uma menina, não? - elas assentiram. – Eu sabia! – exclamei. – Notícias, garotas, notícias.
- Hm... Friends acabou! – contou com tristeza.
- Eu sei, , isso foi em 2004!
- Ah, verdade. Ainda é duro pra mim acreditar. – disse a fã convicta. - A Miley Cyrus ficou rebelde e agora sua melhor amiga é uma bola demolidora!
- Oi?
- Tudo bem, me empolguei!
Levantei-me, rindo, e fui até a geladeira pegar cervejas para as garotas. Eu tinha uma tremenda vontade de dividir a garrafa com elas, como nos velhos tempos. Por que eu parara de beber?
- Meninas, vocês sabem por que eu parei de beber?
Elas subitamente ficaram tensas e olharam uma pra outra.
- Acho que... você tem que perguntar isso ao . – falou, temerosa.
Eu sabia que elas estavam escondendo algo de mim, mas deixei pra lá. Não queria logo no primeiro dia confrontá-las. E o assunto parecia sério.
- O nosso apê? Aquele apartamento que a gente dividia, o que aconteceu?
- Bom, morreu, você se mudou pra cá pra cuidar do . A viajou para Los Angeles por um tempo, pra tentar a carreira e eu não conseguia pagar o apartamento sozinha. – deu de ombros. – Voltei para os meus pais.
- E o Wade? - lembrei-me, já que ela citara os pais, que o odiavam.
- Wade? - ela parou um instante, tentando buscar na memória. - Ah, sim. Eu terminei com ele há bastante tempo. Estou noiva do vizinho dos meus pais.
- Aquele NERD gordinho que era fascinado por você desde criança? - perguntei, surpresa.
- Ele emagreceu, ok? Está muito bonito, não é, ?
A garota ponderou, brincando com a amiga.
- É sério, ele está melhor. – finalmente assentiu, concordando – Não está assim mais tão fascinado por mim, só me ama. Nós vamos casar! – exibiu o anel em seu dedo anular direito, toda sorridente.
- Parabéns, amiga! – a abracei, feliz por ela. – Sabe, eu me perguntei na última noite que me recordo, de 2011, se o Wade... , o Wade tem tatuagem nas partes íntimas?
A engasgou com sua cerveja, cuspindo boa parte dela pra fora. E começou a rir, acompanhada pela . Neste instante, a campainha tocou. Eu me levantei e gritei para que iria atender. Logo que abri a porta, uma ruiva se jogou em cima de mim, me abraçando fortemente.
- Olá. – foi a única coisa que consegui exclamar.
- Que saudades! Sinto muito pela sua cabeça. Lembra-se de nós, não? - ela apontou para si e para um rapaz ao seu lado. – De mim, pelo menos, né?
Eu a encarei sem reação. Quem eram essas pessoas? A moça começou a fazer uma careta com o rosto, percebendo que eu não responderia. Felizmente, chegou a porta e interviu:
- Deb, Eric, bem-vindos! Entrem, entrem. – escancarou a porta, permitindo-lhes a entrada. – Eu disse-lhes ao telefone que ela não se lembra de nada nos últimos dois anos!
- Ah, sim. Mas eu pensava que ela lembraria... – a mulher começou, mas o marido a interrompeu.
- Oi, , tudo bem? Me chamo Eric – estendeu a mão, eu a apertei. – Essa é Deb, minha mulher e nós somos seus vizinhos. Todo sábado nós saímos juntos para um bar qualquer, enquanto passa a noite na casa dos pais de .
Assenti, recebendo a informação. Quer dizer que eu não saía mais com as garotas no fim de semana, mas sim com um casal de amigos?
Eles acompanharam até a cozinha, depois de acenarem para minhas amigas no sofá. Eu voltei a me sentar perto delas.
- Nós não saímos mais sexta e sábado juntas?
- Não, . Você agora tem um cara fixo, sabe. Que tem outros amigos. – explicou. – A tem o cara fixo dela e eles têm os amigos dele. Eu viajei por um tempo pra trabalhar e estou solteira, então saio com minhas próprias amigas de carreira.
- Você está viajando para fazer reportagens, ? - perguntei, feliz por ela.
- Não. Eu virei modelo.
Ok. Pausa essa nave louca aí que chamam de mundo que eu quero descer. Dizer-me que a pintou os lindos cabelos negros pra ficar loura, ok, eu até aceito. Dizer que eu estou pegando o ex da minha irmã, bom, parece possível. Mas , “a mais”, sendo modelo? Era a última profissão que eu daria a ela!
- Como?
- Ah, me encontraram na rua. Eu fiz uns testes, viajei e essas coisas. – deu de ombros. – É bem legal.
O rádio da casa foi ligado e tocou uma música natalina qualquer. E eu me dei conta:
- Eu perdi o Natal! Eu perdi três Natais! Logo meu feriado preferido. – afirmei, emburrada.
- Pior, . Você perdeu a estreia de Sherlock Holmes: o Jogo das Sombras!

§

A espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é. E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, e quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo. (Fernando Pessoa)

Ouvir:
Te Devoro – Djavan

O jantar discorreu com novas descobertas. Pelo menos o primeiro-ministro eu ainda conhecia: continuava sendo o David Cameron. A rainha continuava firme e forte, mas o herdeiro do título havia tido um filho. Barack Obama havia sido reeleito.
As horas passaram rapidamente e logo eles foram embora. lavou a louça enquanto eu a sequei. Já era quase domingo quando eu sentei na bancada da cozinha e o vi abrir uma garrafa de cerveja.
- A comida estava deliciosa, . Obrigada. – ele assentiu, sorrindo. – Será que eu posso beber um pouco dessa gelada aí?
Ele me encarou e suspirou, estendendo a garrafa.
- Ou você pode me explicar o porquê de eu decidir não beber. – dei de ombros.
- Ok, . – ele se aproximou, segurando minha mão. - Tem a ver com a . Com o jeito em que morreu. Ela havia bebido demais e então... se jogara do terraço do prédio do nosso antigo apartamento.
Eu estanquei, desviando o olhar do dele. Meus olhos inundaram de água e as lágrimas caíram. se matara. , o exemplo a seguir, a mulher independente, feliz, realizada, se matara.
- Por quê? - eu perguntei a ele.
- Segundo ela mesma disse uma vez pra mim, depressão. Ela estava tentando se tratar, mas começou a beber e então tudo desregulou. Eu acho que, no fim, foi um acidente. Nada aconteceria se ela não bebesse. E você concorda com isso, por isso decidiu parar de beber.
Assenti, tentando entender tudo aquilo. Era informação demais e eu estava despreparada para aquele baque. O meu choro ficou mais evidente: eu agora soluçava, minha respiração ficara entrecortada, meu corpo pulsava.
deslizou sua mão pelo meu braço em um carinho reconfortante. Minha boca entreabriu e eu respirei descompassada. Meu coração já estava acelerado antes ou foi que fez isso?
Com sua outra mão, ele limpou minhas lágrimas salgadas. Sua mão passava por meu rosto delicadamente. Ele me tratava como uma bonequinha de porcelana, frágil, que a qualquer momento poderia quebrar.
- Sinto muito, . – ele exclamou, dando um pequeno beijo em minha bochecha.
- Eu também sinto, .
Ele me encarou e deu um pequeno sorriso forçado. Mexeu em meus cabelos rebeldes e deu um beijo em minha testa. Não se afastou. Ficou ali, com uma distância ridícula até o meu rosto, eu sentindo o ar da sua respiração.
Antes que eu pudesse me deter, coloquei minha mão em seu braço forte e o apertei. A boca dele escorregou um pouco até o osso do meu nariz e então ele despejou um beijo lá. Como antes, ele não ousara se afastar.
- Eu posso? - ele inquiriu, suas palavras soltando um ar quentinho em meu rosto.
Eu tinha muitas dúvidas quanto aquilo, afinal, eu esquecera os dois anos. Eu me lembrava dele como o ex-marido da minha irmã. Mas eu aprendera naquele dia que ele era muito mais que isso. E tudo parecia se encaixar à teoria dele. E ele era extremamente bonito e gentil.
Ao invés de responder, eu subi meu rosto e choquei minha boca contra a dele. Sua mão pulou para minha coxa e eu abri minhas pernas, permitindo que ele se encostasse-se à bancada da cozinha e ficasse mais próximo de mim. O beijo era intenso, nada cauteloso. Era possessivo e diria até que ansioso.
Enquanto nossas línguas ainda trabalhavam ferozmente, sua mão subira ainda mais e um apito dentro de meu cérebro ecoou. Eu não podia fazer aquilo, não hoje, pelo menos. Beijo tudo bem, sexo já é totalmente diferente.
Afastei nossos rostos e ele precisou de menos de um minuto pra compreender. respirava rapidamente, tentando recuperar o fôlego, quando deixou seu rosto cair sobre meu colo. Tirou sua mão de minha coxa e a apoiou na bancada.
Pegou a garrafa de cerveja, largada pouco tempo antes e bebeu um gole. Apontei para a cerveja e exclamei:
- Me dê um gole disso. Estou precisando.

§

É impossível para um homem ser enganado por outra pessoa que não seja ele próprio. (Ralph Waldo Emerson)

Ouvir:
1+1 – Beyoncé

- Então, você é minha tia? - perguntou, confuso.
- Isso. – assenti. – Essa aqui – eu lhe mostrei a fotografia – é , sua verdadeira mãe. Ela agora é uma estrelinha lá no céu. E eu sou a irmã dela e cuido de você e do seu papai.
Ele encarou o pai, preocupado. sorriu pra ele e lhe pegou no colo. O girou no ar, tentando animá-lo, mas não conseguiu.
- Então eu não posso chamar você de mãe?
- Pode, meu querido. – o puxei para mim e lhe dei um beijo na bochecha. Só quero que nunca se esqueça de , sua mãe também, ok?

§

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
(Fernando Pessoa)


Último Dia do ano de 2013. Nossa, como o ano passou rápido! Ok, não pude evitar essa piadinha.
Me encarei no espelho, vestida com um vestido branco, com os cabelos soltos e hidratados depois de uma manhã no salão e um bota de cano curto nos pés.
- Está linda. – elogiou, me pegando de surpresa.
Sorri pra ele e recebi um beijo na bochecha. Não trocamos mais beijos desde aquele dia, mas ele sempre faz questão de despejar um beijo em minha bochecha como cumprimento.
- Obrigada. – corei. Eu nunca consegui evitar corar.
- Não acha que está muito... aberto este vestido? - ele se referiu ao decote na altura do colo e no comprimento da vestimenta. – Estamos no inverno.
Dei língua.
- Vamos pra casa ao lado da nossa, eu acho que consigo sobreviver à hipotermia.
- Tudo bem, acho que consigo sobreviver com uma sunga também, não?
O olhei e sorri.
- Você é um bobão, .

§

Admiro a terra, quero-a, sempre gostei dela. Sempre me senti feliz por estar vivo: apesar da guerra, das más notícias, não sou capaz de matar em mim a simples alegria de viver. (Julien Green)

Ouvir:
Undiscovered - James Morrison

- , me deixe pentear seu cabelo. – o chamei, já que ele insistia em correr pela sala com seu brinquedo novo de Natal.
- Eu não gosto, mãe. – ele reclamou, emburrado.
- Não disse que era pra gostar. Ande, vem aqui.
A campainha tocou e eu gritei para atender. Logo ele apareceu e entrelaçou sua mão com a do filho, conduzindo-o até a porta.
- Ei, eu preciso pentear o cabelo dele, !
Já era tarde. A porta foi aberta e um tornado entrou. Na verdade, era só um garotinho agitado do tamanho do que corria pela casa. Mais atrás, estavam e seu namorado, o tal de David, e com um amigo (ela dissera que ia ficar de vela com tantos casais).
Eu me levantei, desistindo do pente.
- Olá, gente! – exclamei, beijando cada uma das pessoas em seguida.
David realmente estava bonito. Havia emagrecido, esticado um pouco e vestia-se bem agora. estava com seu cabelo preto novamente e uma calça jeans com uma bata rosa. Ela não acreditava nesses lances de ter que usar branco. estava com uma meia calça preta toda furada, uma saia branca e uma blusa preta brilhante. Seu amigo era um cara alto, loiro, extremamente bonito. Devia ser modelo também.
- De quem é esse pestinha? - inquiri, lembrando-me da criança com qual agora dividia seus brinquedos.
- Meu. – exclamou, me fazendo arregalar os olhos. Ela havia adotado uma criança? - Na verdade, - ela tratou de se explicar – é primo do David. Os pais dele estão viajando e os deixaram com ele.
- Ah, sim.
Procurei com o olhar e o encontrei pela cozinha. Pedi licença às pessoas e andei até lá, não sem antes quase ser atropelada pelas duas crianças. Ele estava pegando o vinho e a comida que antes houvera preparado. Ele sorriu pra mim assim que me avistou.
- Oi – exclamei, sem saber o que mais falar.
- Oi – ele respondeu somente.
Suspirei. Segurei uma das suas mãos e o puxei para olhar pra mim.
- Obrigada por tudo, sim? Eu sei que deve ser extremamente difícil pra você o fato de eu não me lembrar de nada.
- Está tudo bem, . Mesmo – ele forçou um sorriso.
Aproximei-me dele e lhe dei um selinho. Ele não pareceu nem um pouco surpreso. Passou seus braços pela minha cintura e encostou meu corpo no seu. O beijo que dividimos foi leve, lento, cada um de nós apreciando o momento, o gosto do outro. Nós nos afastamos levemente, sorrimos um para o outro e nos beijamos novamente.
A áurea estava maravilhosa. Estar ali nos braços dele era uma sensação inexplicavelmente boa. Eu me sentia protegida e feliz. Minha boca na sua parecia algo tão simples e certo.
Um pigarro fez com que o momento se quebrasse. Nós dois olhamos para a sala, encarando os convidados com sorrisinhos safados e envergonhados.
- Vamos parar com a putaria, sim? - falou. – Tem crianças na sala.
Ela apontou para o e o visitante. olhava pra nós com uma carinha de nojo, mas podia-se ver o sorriso por trás. Ele estava feliz.

§

Tenho a impressão de que algumas coisas são difíceis de se esquecer, porém a certeza de que muitas são simplesmente inesquecíveis.(Antônio Tecco Jorge)

Ouvir:
I Won’t give up – Jason Mraz

- Falta um minuto! – Deb exclamou, sorridente.
Todos nós estávamos na casa dos nossos vizinhos, Deb e Eric, comemorando a passagem de ano. Depois de jantarmos, conversamos um pouco e agora nos dirigíamos à varanda para ouvir as badaladas do Big Bem à meia noite e observar os fogos da London Eye.
- Está vendo aquela grande torre ali, meu amor? - eu conversava com em meu colo.
- 20 segundos. – sussurrou em meu ouvido.
Ele me abraçou por trás, segurando minha cintura e colocando o queixo sobre meu ombro, sorrindo para seu filho.
- Eu falei para você colocar um casaco – voltou a falar. – Você está toda arrepiada.
- Não é pelo frio, – respondi-lhe, corando.
O resto das pessoas na varanda começaram a contagem regressiva. Eu dei um beijão na bochecha de e o disse para olhar em direção ao rio Tâmisa. Então virei para , que olhava para mim.
Sorri para ele. Nós nos beijamos.
3.
2.
1.
Os fogos começaram a soar. mexia-se em meus braços, animado pelos fogos, presumia eu. Mas eu estava ocupada demais beijando para olhar.
Nós rimos, nossos rostos encostados, e voltamos a nos beijar. Ele apertou gentilmente minha cintura. E sussurrou em meu ouvido:
- Eu te amo, .
Eu não podia responder-lhe naquele instante que o amava. Ainda era muito cedo para mim. Mas ele estava ciente disso e entendia. Aquilo não significava que eu não o queria. Eu o queria, muito. Como nada antes.
Minhas lembranças podem voltar amanhã, ou podem nunca mais voltar. Mas não importa, porque eu sei o quanto isso aqui, cada beijo, cada palavra, é real. Eu simplesmente sinto que o amei esses dois anos. Sinto também que ainda o amarei pelo o resto da vida.


Não acredite em algo simplesmente porque ouviu. Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito. Não acredite em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos. Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade. Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração. Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que conduz ao bem e beneficio de todos, aceite-o e viva-o.
(Buda)



Nota da autora:
Olá! Espero que tenham gostado de ONTY. Depois de ler Lembra de mim?, da Sophie Kinsella, livro em que foi baseado a fic, eu fiquei muito inspirada pra escrever. E o especial estava rolando. E, pronto, surgiu ONTY.
Queria agradecer porque, como sempre, minhas fics nunca sairiam com ajuda de outras pessoas. Então, obrigada a todas minhas amigas que leram e opinaram. Um beijão especial pra Lu Katto e pra Nanda Sardinha, já que elas me inspiraram na hora de escrever as maravilhosas amigas da principal na fic.
Acho que é só isso. Tenho várias outras fics: Factory Girl; Two Sides of The Law; Uma Linda Mulher; Quebrando Meus princípios; Immortal; Prazer, Primavera; e outras. Se você curta alguma delas ou gostou de ONTY, entre lá no grupo das minhas fics no Facebook.
Feliz Natal atrasado, galera e Feliz 2014!
Xx
Bruh Fernandes.



Nota da Beta: Caso encontre algum erro nessa fanfic, entre em contato comigo por email.

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