Disney World, Orlando, Flórida, 02:10 p.m.
Embaixo de um sol de quase 35ºC - ou mais, provavalmente -, andávamos distraidamente pelos parques da Disney. mostrava cada cantinho de tudo para Heaven, enquanto eu encarava o parque maravilhada. Caminhávamos desde a hora do almoço sem parar, claro, brincamos em alguns lugares e tiramos algumas fotos na casa do Mickey. Mas não conseguia fingir que não havia nenhum problema comigo.
Deixar Londres não fez meus problemas diminuirem.
- Quer tomar um sorvete? - virou-se de repente, me dando um susto.
- Ahn... Claro. - foi o máximo que consegui responder. Um caminho curto foi percorrido e logo estavamos em uma barraquinha em formato de casca de sorvete, passou a pequena para meu colo e pegou sua carteira. Tinham alguns personagens circulando pelo parque e isso fez Heaven se mexer inquietantemente no meu colo.
- Boa tarde, vão querer de qual sabor? - o moço soou gentil, ele usava um daqueles chapéuzinhos de sorveteiros que parecem um barquinho de papel. O uniforme continha o emblema da Disney e Mickeys estampados em sua camiseta.
- Duas bolas de flocos para mim e... , qual você quer? - perguntou.
- Chocolate com amendoim. - aproveitei o momento para pedir o meu favorito, fazia algum tempo que eu não provava, e levando em consideração o quanto a Disney é grande, com certeza deve ter.
- Prontinho. - o moço estendeu as duas casquinhas para - Bom passeio com sua família.
- Obrigado. - se limitou a responder, mal abrindo um sorriso. Demos alguns passos a frente e deixamos Heaven 'correr' junto a Cinderela. tirou a máquina fotográfica do bolso, para marcar o momento dela falando com a princesa.
- Somos uma família? - arqueou as sobrancelhas, enquanto achava a posição certa para tirar a foto.
- Talvez. - falei - Se for contar com o fato de todos acharem isso, então sim.
- E isso é bom?
- Ainda não sei.
Silêncio.
Nosso passeio continuou regado a risadas de e Heaven. Às vezes, eu até me dava ao luxo de rir, era impressionante como aquele contato nos fez bem. Eu me sentia... mais próxima de , vê-lo sorrindo durante o dia inteiro fez uma brechinha de esperança surgir em mim. Talvez o fato de estar sendo contratada para agir como uma namorada, não seja de fato, tão ruim. Talvez, eu pudesse pedir para ele repetir a dose e tocar aquela música para mim, novamente. Sorri com o pensamento.
No fim do dia, já estavamos usando nossas orelhinhas do Mickey. Heaven tinha uma fantasia cheia de bolinhas idêntica a da Minnie e juntamente com , eu carregava todos os ursinhos e brinquedos que ela escolhia quando passávamos perto das lojas. Eram quase 5 sacolas em meu braço quando se pronunciou.
- Acho que já podemos ir para o hotel, certo? - escondeu um sorriso divertido, as sacolas dele com certeza eram as mais pesadas, contando também com Heaven, que hora ficava em meu colo e hora ficava no dele. Concordei e aproveitamos para pegar carona em um trenzinho que passava ao nosso lado.
-----x-----
A viagem de volta à New York parecia demorar o dobro do tempo que a viagem de ida até a Flórida tinha nos custado. O tédio me preenchia e eu não tinha nada para fazer. Podia sentir o perfume amadeirado e viciante de ao meu lado, mas não conseguia conversar. Podia ouvir a risada de Heaven cantando uma música infantil, mas não era capaz de sorrir junto a pequena.
Eu queria desistir.
Queria poder sair correndo daquilo e me esconder em meu apartamento, com uma dose de café de um lado e Fiona me fazendo companhia do outro. Encontrava-me assim desde que saímos do hotel e pegamos o caminho até o aeroporto. parecia uma criança mostrando os recém-comprados ursinhos para Heaven, enquanto eu me sentia uma intrusa. A temperatura quase gelada da aeronave permitia-me afundar mais nesses pensamentos ridículos que minha consciência me fazia ter, discutir com após um tempo surtiu o efeito gelo em mim.
Queria tanto ter ficado em casa... Eu me diverti, confesso, foi uma das melhores viagens que fiz. Única para tão longe, na verdade. Mas a briga que tivemos antes de sair foi pior do que eu já esperava de .
Eu e ele estávamos tão bem. Parecia obra do destino tudo acabar em merda.
- Já estamos chegando... - ouvi a sua voz grave dizer, provavelmente para Heaven. Quase como se me chamasse, virei meu rosto a tempo de encarar por míseros segundos suas íris . O contato foi intenso, mas durou pouco. É, com certeza o destino estava conspirando contra mim.
Sempre contra mim.
- Senhor, gostaria de algum petisco? - a aeromoça apareceu com uma bandeja. Nela, se encontravam alguns queijos, enfim, coisa de gente rica. apenas murmurou um "não, obrigado" - Senhora?
- Não, obrigada. - sorri sem mostrar os dentes, a mulher lançou um último olhar para , podia sentir a mente dela trabalhando em arranjar um adjetivo bom o suficiente para defini-lo.
Tentava enforcá-la mentalmente enquanto também lançou-lhe um olhar. Eu estou ficando louca ou isso foi um flerte?
- Você não faz o tipo ciumenta, . - disse quando virou-se e deu de cara com uma careta.
- E você não faz o tipo que trai, . - não lhe dirigi olhar algum, mas sabia que seus olhos estavam em mim.
- Você quer que eu faça o quê? Peça perdão pra você? - cuspiu com sarcasmo.
- Seria bom. - suspirei fechando meus olhos, abrindo-os logo em seguida e encarando a tela que ficava a minha frente. Estávamos na segunda fileira de poltronas da Primeira Classe. Isso adicionava aos luxos: uma mini televisão onde passava algumas séries, cadeiras fofas ao extremo - minha coluna agradecia a todo segundo por isso -, e, finalmente, o ar condicionado. Agora dava uma sensação gostosa, depois de passar quase cinco horas andando por metade dos parques da Disney, nada é melhor do que um merecido descanso.
Flashback ON
Observava uma foto de e sua ex-mulher, provavelmente no início de sua gravidez. sorria de forma radiante, fui obrigada a imaginar se um dia ele teria aquele sorriso novamente. Pelo que eu percebi, nem Heaven recebia esse sorriso.
- Onde achou essa foto? - o susto me fez guardar a foto de qualquer jeito, como se quisesse escondê-la.
- Estava no chão, estava embaixo da... Embaixo da cama. - apontei para a sua cama, que felizmente ou não, eu não dividia com ele.
- Pode me devolver? - o tom ríspido entregava o quanto ele havia odiado minha atitude.
- Claro. - entreguei-lhe a fotografia. a segurou com um pouco de raiva, e voltou a me olhar esperando mais alguma coisa - Me desculpe...
- Tudo bem... Eu só... só queria saber onde essa foto estava, ela é...
- Importante? - sugeri.
- Sim.
- Entendi.
- Eu era feliz... - o olhar dele caiu para o pedaço de papel. Pude perceber que seu semblante se tornara tenso. Eu queria poder abraçá-lo, de algum modo. Mesmo que o conforto que eu o trouxesse fosse mínimo.
- Queria poder te ajudar a conseguir superar... - não havia malícia, ou qualquer coisa que ele pudesse considerar ofensiva. De verdade, eu queria ajudá-lo. Queria que ele fosse pelo menos um pouco feliz, mesmo que seja tão difícil em todas as circunstâncias.
- Você sabe que não consegue. - ele suspirou. As palavras foram um corte suficiente para calar a boca. Eu queria falar, mas entre me defender e ficar quieta, decidi permanecer calada - Você entende isso? Entende? Me responde, merda! - me chacoalhou pelos ombros - Além de iludida é surda?! - Fechei os olhos e respirei fundo.
- Só comentei uma foto, qual é o mal nisso?! - respondi em mesmo tom, tentando me livrar de sua força.
- Você tem que parar de se meter na minha vida, ! - segurou meu braço com força, apertando-o - Você não me conhece!
- Me tire dela, então! Inclusive, faço questão de rasgar e queimar aquele contrato assim que pisar em Londres! - falei em um tom mais alto. Lembrei-me de Heaven assim que terminei a frase, por sorte, a pequena não acordou.
Em compensação, praticamente me jogou para o lado. Vi quando ele passou a mão por seus cabelos, em um ato nervoso. Consegui deixá-lo puto mais uma vez.
Nada pode dar certo. Ele estava radiante durante o passeio, provavelmente é o efeito que a Disney tem nas pessoas, e como sempre, o monstrinho que se escondia sob essa cara de anjo resolveu aparecer.
Abaixei meu olhar virando-me de costas. Tentei inutilmente normalizar a respiração e ao fazer um movimento, notei a dor em meu ombro. A manga curta facilitou para que eu pudesse ver a vermelhidão em que meu braço se encontrava. Vindo de , podia esperar qualquer coisa... E isso me deixava definitivamente puta. Eu não deveria ter saído daquela porra de cidade.
Abandonei Fiona por mais de 3 semanas, apenas com os cuidados de um pet shop qualquer para vir nessa merda. Foi só falar dela e se transformou no capeta, sempre está aparecendo como um fantasma e acabando com tudo. Sempre por culpa dela.
- Alô? - ouvi dizer, me dando conta de que ele falava ao telefone - Preciso que deixe um papel em minha casa... Sim, entregue à empregada... Não abra sobre hipótese alguma... É um envelope branco, está em cima da minha mesa... Obrigado. - desligou. Soltei um suspiro cansado, ele iria desistir? Virei-me para sua frente novamente.
Seu olhar caiu sobre o meu. Agi como um cachorro coagido e me encolhi quase que automaticamente, abaixando minha cabeça. Seus passos apressados e fortes indicaram o caminho até a porta de saída, a bateu com força, assustando Heaven e fazendo-a acordar aos prantos.
- Hey, meu amor, não chora... - a bebê soluçava em meu colo. Seus bracinhos enlaçaram meu pescoço e sua cabeça repousou em meu ombro. Deixei com que minhas mãos a sustentassem, alisando suas costas e tentando acalmá-la.
Flashback Off
- , acorda! - abri os olhos devagar, reparando que já tínhamos pousado. Após duas semanas, percebi que gostava de ser um dos últimos a sair para o saguão - Você dormiu praticamente a viagem inteira, poderia ter acordado antes. - o tom frio e direto me fez lembrar do flashback de minutos atrás.
e sua dupla personalidade.
Cocei meus olhos me levantando e pegando Heaven no colo. Ela pesava um pouco mais por estar praticamente dormindo, o que fez eu redobrar o cuidado para não deixá-la cair. A pequena deitou a cabeça em meu ombro me fazendo sentir seu perfume, aquele cheirinho delicioso de bebê.
Quem visse de fora, com certeza, pensaria que eu era sua mãe. Claro, os cabelos, traços e os olhos mostravam totalmente o contrário, mas quem se importa?
Heaven é um dos bebês que eu desejo de todo coração ver crescer, fazer amigos, entrar na adolescência, fazer faculdade... Daria tudo para poder acompanhá-la. Se depender da beleza dos pais dela, vai ser tão linda quanto os dois.
- Vamos? - me chamou. Recuei para trás, ainda estava meio... desligada.
- Claro... - balancei a cabeça, espantando qualquer pensamento. Tentei me convencer que estava tudo bem, e o segui para o saguão de desembarque. Nossas malas eram uma das últimas nos dando facilidade de pegá-las na esteira.
Passaríamos mais um dia em Nova York e logo depois voltaríamos para nossas rotinas em Londres.
Emocionante, não?
É, eu sei que não.
-----x-----
- Maria, chegamos! - disse alto. Após fecharmos a porta, a senhora apareceu em questão de segundos.
- Senhor , señorita , fico feliz que chegaram bem! - o alívio de nos ver estava estampada em seu rosto - Especialmente você, Heaven. - pegou a bebê do meu colo com cuidado - Querem comer algo? Fiz bolo de chocolate para quando vocês chegassem...
- Não, obrigada... Já estou indo, só vim acompanhá-los até aqui. - sorri sem jeito, Maria me olhou maternalmente e desatou a falar.
- Está magra demais, precisa se alimentar. Fique mais um pouco, só vou levar Heaven para o quarto, e vocês dois podem ir para a cozinha... - a última frase foi perdendo o volume gradativamente. O silêncio que ficou após Maria subir as escadas gerou um incomodo tão grande. Sempre que entrava aqui após alguma briga entre eu e , me sentia desconfortável, e com razão.
- Er, vamos? - foi andando até a passagem até a cozinha, esperando minha resposta.
- Vou colocar minhas roupas, já volto. - ele apenas assentiu, meio confuso, e eu guiei minha bagagem até o banheiro. Fechei a porta e encarei meu rosto no espelho enorme.
Meu rosto parecia mais velho, as olheiras se tornaram monstruosas, talvez por ter passado a viagem inteira de volta ao Reino Unido perdida em pensamentos, não fechei os olhos nem uma vez. Tratei de tirar meus saltos, colocando o All Star mais surrado que eu tinha levado comigo. A camiseta de marca deu lugar à uma simples com estampa do Rolling Stones. Ficaria com a calça jeans, única peça que eu não havia ganhado de Suzan. Afinal, após saber que eu e iriamos viajar juntos, ela fez questão de comprar sem a minha presença centenas de roupas. Parecia que eu iria passar um ano no EUA, invés de três semanas.
Bom, comparando que se fosse assim, eu ainda estaria em NY, e sem a companhia de , talvez não fosse uma má ideia...
Arrumei meu cabelo, lavando minha mão e jogando uma água no rosto em seguida. Concentrei meus pensamentos em sono, já que eu precisava dormir urgentemente.
Abri a porta do banheiro, levando a mala comigo para fora colocando-a em um canto da sala. Se fosse pela minha vontade, eu deitava no sofá e só acordava semana que vem, mas precisava ir para casa.
Precisava ficar sozinha, para ser bem sincera.
Travei uma batalha comigo mesma entre:
a) sair dali e talvez com sorte pegar um ônibus;
b) deitar no sofá e no dia seguinte fingir que acabei adormecendo inocentemente.
O relógio digital em cima da mesinha indicava que era mais do que 9:20 p.m., e eu sabia que um ônibus passava por perto daqui exatamente trinta minutos, só não sei se meu Oyster Card ainda estava comigo.
Aproveitei os minutos livres e fui até a cozinha, amo os bolos de Maria.
- Eu... - falei antes de entrar no recinto. Esperava encontrar ali dentro, mas diferente disso ninguém estava ali. A casa ficou num silêncio incomôdo enquanto eu voltava para a sala. Antes de completar meu caminho duas mãos me puxaram. As íris do meu sequestrador eram inconfundíveis, o sorriso ladino porém deu lugar a algo maníaco assim que me preensou na parede. O jeito como se apoderou de minha cintura me fez tremer, encarei seus olhos vendo seus olhos mudarem de cor, nossas respirações se cruzaram e senti minha base tremer. grudou nossos lábios com verocidade, correspondi o beijo até sentir alguém me observar, tentei olhar para os lados e conferir se era Maria, para minha surpresa não tinha ninguém.
Em um momento me abracei a , e no outro minhas mãos começavam a suar. Enquanto eu lutava para sair daquilo, o empurrão em foi forte me dando a chance de sair correndo até a porta de saída. Virei a fechadura com desespero. O ar gelado me pegara desprevenida assim que meus pés encontraram o asfalto. A medida que meus passos aumentavam, meus braços totalmente sem proteção começavam a me incomodar. O coração acelerado deu-me a impressão de estar sendo perseguida por mais olhares novamente, meus passos aumentaram ainda mais. Já não conseguia correr. Eu queria desistir.
Minha garganta ardia como se estivesse sendo queimada viva, a confusão em que meu corpo se encontrou quando percebi o quanto estava perdida, quase me sufocava. De maneira alguma conseguia enxergar o condomínio de , via o escuro me cercando em todas as direções me assustando cada vez mais. Tentei recuar meus passos para achar o caminho de volta, mas a dor que o frio me causava me deixava ainda mais impotente. O tropeço que antecedeu minha queda fez-me sentir a atmosfera gelada me envolver. Era como se todos os meus ossos tivessem desistido de me sustentar. O gelo me engolia fazendo-me perder entre sussurros que nem eu mesma entendia. Sabia que de alguma forma eu chamava por , pensava que ele poderia estar me observando arder sem fazer nada, o simples pensamento fez minha agonia se transformar em ânsia. Minha mente clamava por por socorro de todas as formas, e mais uma vez me vi perdida na confusão em que se preenchia meu corpo e cabeça. Vozes tentavam entrar no isolamento em que eu, mentalmente, me cercava.
- Saiam daqui! - consegui me ouvir gritar. Abracei meus joelhos ficando as unhas em meu jeans e fechei meus olhos desejando por um minuto estar em casa. Meus lábios tremiam com força, mas, ainda submersa em escuridão, conseguia ouvir o bater que meus dentes faziam. Meus lábios pararam de se mexer e de alguma forma eu não me sentia tão gelada. Simplesmente, tudo parou.
-----x-----
Senti alguém me chacoalhando, e quando dei por mim, meu olhar encontrou olhos , observando-me com preocupação.
- Nunca... Nunca mais faça isso! - seus dedos ásperos tocavam minha pele me fazendo sentir pequenos choques. A atmosfera gelada deu lugar à uma temperatura quente demais. Conseguia sentir o sangue queimar por minhas veias, o coração bombear de forma dolorosa parecendo querer explodir a todo e qualquer momento. Eu queria falar, tentar dizer algo que fizesse sentido mas tudo que eu pensava era completamente desconexo.
- Água... - consegui sussurrar com a voz totalmente falha. Senti sua pele se afastar e praguejei de todas as formas possíveis. Porém, logo senti seus braços me sustentarem para cima e algo gelado se aproximar de meus lábios, derramando o líquido por entre eles. Meus braços finalmente corresponderam ao meu comando e consegui pegar o copo, ainda com um pouco de dificuldade. O conteúdo chegou ao fim e Danny tirou o vidro de minha mão.
- ), você está bem? - o tom cauteloso demais me fez despertar. Sua mão ergueu meu queixo e eu encontrei seus olhos esperando alguma reação.
- Eu... - desisti da fala, abaixando minha cabeça. Não conseguia formar algo que fizesse sentido. Olhei o relógio percebendo que seu ponteiro estacionou no onze, me recordei de que horas (que mais pareciam minutos atrás), eu havia tentado começar uma frase com aquele mesmo pronome. O soluço escapou de meus lábios quase automaticamente.
- Se acalma. Você está bem agora, ok? ? - me chamou novamente, agora tendo minha total atenção. Assenti confusa e respirei fundo antes de começar a falar.
- O que... aconteceu? - minha voz fraca e totalmente falha conseguiu dizer. Pude reparar no esforço em que se colocou para ouvir.
- Amanhã conversaremos melhor, agora você precisa descansar. - passou a mão pelos meus cabelos e saiu de perto de mim, apagando a luz - Boa noite, .
Fechei meus olhos e consegui sentir a escuridão me sucumbir novamente, meus membros agora relaxados e um pouco doloridos se deram ao prazer do descanso.
-----x-----
- Maria, por favor, traga o café da manhã para . Estou atrasado para o trabalho... - os sons baixos foram se tornando audíveis. Pareciam vir da escada.
- Claro, claro... O senhor não vai comer mais nada? - Maria perguntou. Ouvi alguns passos no corredor e me adiantei para levantar o mais rápido possível. O colchão fofo não me ajudou muito, muito menos as cobertas. Senti meu corpo arder um pouco ao levantar, parte de mim gostaria de passar o dia inteiro sobre mimos.
Tentei ser silenciosa, mas assim que cheguei na metade do caminho, uma sequência de espiros tomaram conta de mim. Peguei alguns lenços que ficavam em cima da escrivaninha e fui em direção a porta.
Para minha surpresa, a mesma se abriu, revelando um impecável. Seu terno perfeitamente alinhado entregavam-o a pose séria e respeitável de um patrão. Ele estava tão...
- ? Está melhor? - interrompeu meus pensamentos. Seu tom preocupado fez me sorrir um pouco.
- Estou! - falei no automático. Ele ia falar algo, mas eu continuei - Quer dizer, provavelmente estou com gripe, mas fora isso tudo bem.
- Melhoras... - murmurei um 'obrigada' e ele continuou - Nossa conversa terá que ficar para mais tarde, mas espero que fique bem aqui. Sobre seu rato...
- Fiona. - corrigi e Danny riu. E sim, ele deveria rir sempre.
- Sobre Fiona, - frisou seu nome, minha vez de rir - Vou passar para pegá-la no pet shop, não se preocupe com isso.
- Obrigada.
- Por nada. Se quiser descer... O café da manhã está na mesa, suas malas estão no canto. - fez um gesto com a cabeça indicando o canto do quarto - Maria vai levar Heaven no pediatra durante a tarde, então provavelmente você irá ficar sozinha.
- O que Heaven tem?
- Alguma consequência de ter voltado de Orlando para esse Polo Norte. - riu minimamente.
- Sobre o trabalho...
- Oh, não se preocupe. Está dispensada. - deu um sorriso - Tenho que ir, bom dia.
- Bom dia... - falei quando a porta foi fechada - .
Pude ouvir seus passos pela escada e a porta de entrada batendo. Quase que no mesmo instante, me joguei na cama esperando a coragem chegar para sair desse quarto.
Já estava mais relaxada com o contrato. Sabia que ele não iria desfazê-lo e isso alegrou-me um pouco mais. Coloquei outra calça e troquei a camiseta. O cheiro de café chegou até meu quarto e eu tive que descer ainda pensando no que iria fazer. Por um momento me senti em casa, era como se o tratamento de tivesse feito total diferença sobre meu dia. Infelizmente, eu sabia que iria demorar até tudo se tornar normal. Ele com certeza iria voltar com um humor totalmente diferente do que o que ele me ofereceu agora cedo.
- Señorita ? - Maria me chamou, acordando-me dos devaneios. Quase cai da escada com o susto.
- Estou indo! - desci rápido, chegando ao andar debaixo e me deparando com uma mesa farta.
- Bom dia, señorita! - seu sorriso me contagiou.
Achei até estranho, sorrir demasiadamente nos últimos dias, se me esforçasse, daqui um tempo conseguiria ouvir minhas bochechas gritarem 'help me'.
Assim que terminei, peguei minhas coisas e deixei-as no mesmo canto, levando apenas as coisas necessárias. Tinha roupas em casa e aquelas eram praticamente todas da compra (maluca) de Suzan. Disse tchau para Heaven e Maria, que insistiu para que eu almoçasse com elas, e guiei-me até ao ponto de ônibus mais próximo. Milagrosamente era um dia ensolarado. Embarquei no ônibus, passando meu Oyster Card, e sentei-me no banco do meio.
O sol batia em meu rosto, e eu via algumas pessoas em seus carros, seguindo suas vidas corridas. Observei alguns me perguntando como deveriam ser suas vidas. Perguntei-me, principalmente, se algum deles dividiam a mesma vontade que eu tinha há algum tempo.
Ficar sozinha.
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