O conto “O Véu” é uma fanfic concebida por A. M. Narciso e inspirada no livro “Redes Sensuais” de L. Midas, o qual colaborou com a adaptação e revisão final. “Redes Sensuais” está disponível gratuitamente no seguinte link: aqui. Maiores informações na fan-page.
‘Quando o elemento de insatisfação adentra em si, o natural é buscar preenchê-lo, seja o tempo, o sentimento ou o contato. Os interesses que se sobrepõem acima de todas as circunstâncias são verdadeiros véus’. Miriam fecha o livro “O Véu de Vênus”, não sem antes pensar se o que estava para acontecer não a transformava em uma das personagens desta que era sua obra predileta. Levanta-se de sua aconchegante poltrona e faz um check-list mental. Constata que ainda tem tempo e abre o laptop. Spam, e-mail da sua irmã reclamando da vida. Abre o Facebook. Conforme noticiou na grande rede social, estava na Europa participando de um Congresso de Artes. “Sim, será uma breve temporada que promete muitas aventuras.” A mais importante delas, minuciosamente planejada: um encontro com uma paquera do Facebook. Um homem, brasileiro, super sensual, que a conquistou no primeiro “inbox”.
Ele devia saber que ela estava pelas terras medievais (afinal, estava “anunciado” no Facebook para quem quisesse ver), mas a Europa é grande. O cara, da última vez, perguntou se poderiam se encontrar, porém a mulher explicou que a agenda seria muito movimentada, com diversas exposições e palestras. E que, como curadora de arte, não poderia faltar. Afinal, haviam pagado a passagem e hotel de primeira classe exatamente pela sua presença. O que ele não sabia é que Miriam adorava o elemento surpresa. No dia anterior, havia feito o check-in no aclamado hotel londrino, visto de perto o Big Ben, passeado no London Eye – caminhadas que lhe inspiraram lembranças, como se dantes já conhecesse aquela paisagem de forma tão nítida. Como se já tivesse esperado antes por um amante desconhecido. Era tudo fácil. Afinal, há muito sabia, através dos e-mails trocados quando o Facebook não dava vazão aos sentimentos devido ao fuso horário, a assinatura com contatos profissionais: Carlos E. Souza, “Chief Information Officer, British Telecom”, telefone +44 32 4567689. Horas antes, teclara esse número e do outro lado uma voz masculina adentrara por seus ouvidos. De imediato, sentiu um arrepio na espinha e na barriga, como o primeiro beijo de adolescente. Procurou ser curta. Ele queria muitas explicações, mas se desculpou, dizendo que não podia falar no momento. Ela sabia que o homem abriria o espaço na agenda custe o que custasse.
Horário, data e local acertados, na verdade, Miriam confere o relógio: faltam cinco minutos. Fecha o laptop. O virtual é um mundo paralelo, uma realidade paralela, uma inexistência real, uma simulação, um simulacro talvez, um sonho... É a conta de conferir os últimos detalhes e o telefone do quarto toca, avisando da chegada do visitante. Carlos se depara com a porta do quarto, toca a campainha e ouve uma voz feminina pedindo que entrasse, trancasse a porta e se acomodasse no divã da sala do apart. Adentra e se depara com luzes apagadas, velas acesas por todos os lados. O coração bate acelerado. Ainda tenta se acostumar com a penumbra do quarto. Vislumbra em cima do mezanino o livro “O Véu de Vênus”, de Anita Iset, que foi “a causa” do contato inicial no Facebook. Não consegue visualizar a presença de sua conquista virtual, quando vê ao longe uma sombra saindo de um canto da suíte com um robe vermelho transparente. Sua visão parece embaçada pelas fumaças das velas e pelo choque da iluminação forte do corredor em contraste com a penumbra da suíte. Sabe que há muito desejava estar neste lugar. Havia meses que sonhava com este momento.
Viu o contorno de curvas de uma mulher de salto alto usando um corpete e cinta-liga vermelhos, pele branca e cabelos ruivos e reluzentes. A boca vermelha complementa o conjunto que reluz sob o treme-treme das luzes das velas. Ela é direta e lhe pede que não mova um dedo sequer e fique em silêncio, apenas a observando de pé ao lado do mezanino... E assim ele obedece, deslumbrado com a cena. Novamente o sonho... Conforme uma vez haviam virtualmente combinado que assim seria. “Tudo tão surpreendente, inesperado, inacreditável. Sonhos às vezes se tornam realidade”. Custa a acreditar na sua sorte, mas, miragem ou não, sente algo dentro de suas calças latejando violentamente, como que querendo saltar para fora da cueca que agora lhe apertava, chegando a provocar uma dor deliciosa. A mulher vai se aproximando e o cumprimenta com o olhar de entendimento mútuo que diz “Essa era a nossa fantasia”. Ela percorre seu rosto e sua respiração por toda a face dele e o deixa ainda mais louco com aquela troca de calor sem poder sequer se mexer e ou tocá-la. Afinal, a moça é uma desconhecida. Ambos são na realidade desconhecidos um para o outro.
A mulher o mantém dominado pelo olhar, percorre a mão por cima da camisa branca e começa a desabotoá-la. Descortina um peito branco e macio. Ele sentiu aquele primeiro toque tão desejado. Em um reflexo, tenta mexer a mão e é repreendido de imediato. “Carlos, lembra o que combinamos?”, diz ela. A voz é sedosa e sensual, mas não deixa dúvidas de que aquilo era uma ordem. As pernas nuas dela deslizam entre as suas, a mão dela desliza cada vez mais embaixo e vai de encontro com seu mastro já latejante e rubro. Sem a menor sombra de pudor e sem dizer uma palavra, Miriam apenas sorri um sorriso sedutor que o deixa mais louco. A esta altura, ela desabotoa o cinto da calça e a protuberância de macho se aloja entre as pernas de ambos. A deusa de vermelho se senta em cima do mezanino e o puxa, entrelaçando entre as suas coxas e o prendendo a si fisicamente. Ambos sabem que é o sinal para a realização física das ideias virtuais que trocaram por meses a fio. Ele traz para perto de seu rosto a sua boca vermelha e quente. A moça contorna suas mãos no pescoço dele e ambos se puxam reciprocamente no beijo ardente que faz os dois entenderem que as preliminares já estavam feitas.
Num movimento rápido, o rapaz desenlaça o robe que a envolve e a olha fundo, como se a conhecesse de outras vidas, de outras encarnações. Ali no mezanino eles se atracam, enlaçam-se e se penetram... Jogam as roupas ainda por tirar ao lado e, nus, transam rápido, frenéticos e desesperadamente. Toda uma volúpia de desejo e paixão se exala dos corpos que se envolvem durante horas, no mezanino, no divã e na cama... Molhados de paixão, suores se misturam em meio ao êxtase e rastros por toda parte. Ele a penetra devagar, sentindo-a a cada palmo de seu interior, de seu calor vaginal. Como ela é quente, apertada e deliciosa. Carlos geme e a beija demasiadamente, como se matasse naqueles beijos alucinados a sede da água e do sabor daquele néctar feminino exalando dentro de si. Mais uma, outra e mais outra estocada e ele novamente expelindo o desejo guardado. De todas as posições, a inicial do encontro ainda reinava soberana, pois essa havia sido capaz de imobilizá-lo só pelo poder sexual emanado dos seus olhos, da mente... De imaginar que estaria por realizar seus desejos virtuais. Os corpos, estes sim, reais, agora se esfregam frêmitos de gozo, prazer e tesão. Gritos e gemidos de prazer real ecoam em seus ouvidos e líquidos jorram entre os lençóis. Suas mãos deslizam por entre as pernas dela, descortinam seus segredos, sua púbis, seu prazer. Ela o olha, ainda mais sedutora que nunca, estendendo-lhe uma taça de champanhe para lhe molhar a garganta seca de tanto lamber, chupar, beijar. Estava suado, cansado, mas ainda desfrutaria muito daquela mulher. Tinham muito tempo ainda.
No balde de gelo, vislumbrou ainda uma segunda garrafa. Entendeu a mensagem dessa: “Não foi à toa que ela disse que adorava servir de copo...”.
Miriam o vê acordar, subitamente, de um tranco. Parece atordoado. Nota o olhar, inicialmente turvo, desanuviar. Ele parece não entender por que está ali. Ou quem ela é. Nota-o lentamente recobrando os sentidos, tentando colocar juntas as lembranças que lhe chegam faltando pedaços.
“Oi”, o rapaz diz por fim.
“Olá”, a mulher retruca com um grande sorriso.
“Você tem ideia que horas são?”, ele pergunta.
“São 22h30min.”
“Quê? Como? Por quanto tempo dormi? Nossa, o que aconteceu? Tenho uma dor de cabeça terrível.”
“Querido, deve ter sido o champanhe. Você bebeu quase duas garrafas”, e aponta para o balde de gelo. Duas garrafas vazias comprovavam o fato. “Você não se lembra?”
“Na verdade... Hummm... Preciso ir ao banheiro. Acho que estou passando mal.”
Ele se levanta, atordoado, quase perdendo o equilíbrio. Nem sabe onde é o banheiro, mas obviamente era para o lado direito. Devia ser para lá. Corre nu, segurando-se nas paredes. Miriam ouve a porta bater e um barulho de vômito. “Pobrezinho,” ela pensa.
Ouve o chuveiro. O homem sai de lá lívido. Parece um pouco recuperado. Tem uma toalha envolta na cintura. Vai ao casaco e checa o celular. Pelo visto, estava cheio de mensagens. Ele parece mexer no aparelho por alguns minutos. A moça o nota a observando de soslaio, estudando-a. Ela finge estar concentrada na TV, porém também o segue com os olhos discretamente. Vê-o retirar a carteira da jaqueta, abrir e discretamente conferir o conteúdo. Abre a maleta com a desculpa de procurar um cartão ou algo semelhante, contudo na verdade está observando se o laptop está lá dentro. Parece satisfeito com o exercício, porque dá meia volta e vem ao seu encontro na cama. Tem a toalha envolta na cintura, mas ela nota que por baixo está nu.
“Desculpe, querida. Eu me senti muito mal. Acho que foi o champanhe. Isto nunca me aconteceu”.
“Você vomitou? Ouvi um barulho.”
“Sim, mas já estou bem melhor. Bebi água e escovei os dentes com a escova gratuita do hotel. Espero não estar com gosto ruim.”
“Só vou saber testando”, a mulher sorri, oferecendo a boca. Beijam-se. Ela desliza a mão por entre a toalha, pegando no membro flácido.
“Querida, está tarde. Perdi tanto tempo dormindo...”
A mão dela já acaricia o membro. Ela lhe cala com um beijo, enquanto trabalha com a mão. Com a outra, usa o controle remoto para desligar a TV e, num ato contínuo, abaixa a cabeça e engole todo o membro. Durante a tarde, antes do sono profundo, mal aguentou engolir um terço dele. Agora, a boca dela se encostava às suas bolas, quase as engolindo. A língua mexe de um lado para o outro. Ele geme, gosta. Sorve o membro em toda a sua extensão que continuava flácido. Sentiu que o tempo passava e o homem começou a dar sinais de impaciência...
“Querida, isso nunca me aconteceu... Quer dizer, acontece, sim, se bebo muito. Acho que não vou conseguir mais... E estou preocupado, porque já é tarde... Não avisei em casa...”
Nitidamente enrubescido e envergonhado, ele se levanta da cama. “Desculpe. Quando você vai embora mesmo?”
“Amanhã cedo.”
“Ah, que pena. Olhe, eu tenho de ir...”
Carlos começa a se vestir. Está envergonhado. Ainda mais ele, que se gabava de ser incansável em suas conversas pela internet, que dizia que gozava muitas vezes seguidas. Tudo mentira... Ou seria mesmo o efeito do champanhe... “Querida, quando bebo muito, isso acontece... Que diabos. Como bebi tanto assim?”
Despedem-se com um longo beijo na porta do quarto.
“Na próxima... Sem bebidas. Tá?”, diz para ela, sorrindo.
“Querido... Você provou que tudo que disse era verdade... Antes de dormir... Não se preocupe... Eu adorei! Espero revê-lo em breve...”. Manda-lhe um beijo, enquanto o vê sumir elevador adentro.
Fecha a porta e o sorriso se esvai. Tem de sair dali rápido. Pelo sim, pelo não, arriscar é bobagem. Existe software que não evita, mas pode alertar o que aconteceu. Talvez ele descubra ao chegar a casa. Talvez nunca.
Recolhe as coisas rapidamente. A esta altura, Carlos já deve estar razoavelmente longe. Telefona para a recepção, pede que fechem a conta e solicitem um táxi. “Para onde?”, pergunta o recepcionista. “Enxerido”, ela pensa. “Aeroporto!”.
“Qual?”, ele insiste.
“Ai, que merda... Que cara chato”. “Stansted”.
Vê-se nua no espelho. As pernas são lindas, a pele branca, sem varizes, sem rugas na face. Tem trinta e cinco anos, mas passa por menos de trinta. O rosto, a boca, os olhos... Todos perfeitos. Porém, os seios são ainda seu maior diferencial. Obviamente siliconados, são grandes e firmes. Duros. O tamanho, relativamente desproporcional ao seu corpo, embora sem grandes exageros, prova que se trata de uma intervenção artificial na natureza. O único problema é que, quando um homem toca aqueles dois montes voluptuosos, ele entende que aquilo tudo é carne. Não há cicatriz. Nunca existiu mão de cirurgião. Ali quem operou foi somente a mãe natureza. Ela pondera quanto tempo ainda tem em que eles continuarão a desafiar a gravidade. “Bem, já que todo mundo acha que sou siliconada, se caírem e eu colocar silicone, ninguém nem vai saber mesmo, hahahaha”, sorri para si e pensa que um dia se aproveitará dos avanços tecnológicos da ciência que fazem da mulher cada vez mais atemporal. “Um caso típico de profecia autorrealizadora”, ri para si mesma.
Vai ao banheiro e abre um potinho de metal. Pega cuidadosamente uma pequena pílula branca. Abre aquele que é o seu grande mimo: um anel com uma pedra azul que carrega no dedo médio. A pedra se destaca e revela um interior oco. Coloca cuidadosamente uma pílula no anel, fechando-o novamente. Cada pílula comprada no mercado negro custa cinquenta dólares. Garantem um sono profundo de no mínimo duas horas e no máximo quatro, com pouca ou nenhuma ressaca ou um efeito colateral. Nada mais do que o que seria causado por duas garrafas de champanhe. Sempre sente um pouco de tristeza ao jogar fora o resto da bebida, da qual consumiram apenas dois cálices. Mais ainda ao abrir e imediatamente esvaziar uma garrafa inteira na privada. Ainda mais ela que adora champanhe. Mas hora de beber, beber... Hora de trabalhar, trabalhar...
Já está pronta. Desce, puxando uma pequena mala marrom com emblemas das letras L e V estilizados atrás de si. No ombro, uma bolsa grande. O check-out é rápido e eficiente. O táxi a espera.
“Madam, it is the airport of Stansted. Right?”, pergunta o motorista apenas por cortesia.
“No, not really. Eurostar terminal”, retruca de forma firme e decidida.
Com um pouco de sorte, ainda pegaria o último trem. Sempre existem lugares vagos na primeira classe. Amanhã de manhã já estaria na França, pensou, enquanto o típico táxi preto londrino deslizava nas ruas com pouco movimento. Ao seu lado, dentro da bolsa, estava o seu laptop. Quando estivesse no hotel, em Paris, faria o upload da cópia dos dados do notebook de Carlos que havia criado no seu próprio computador. Na cidade-luz, não teria outro encontro até o fim da semana. Poderia passear e se distrair um pouco. Rever o Louvre, subir a torre Eiffel a pé relendo os inúmeros pôsteres explicativos ao longo do percurso de centenas de degraus. O próximo amante “virtu-real” seria Bernt Kone, um suíço figurão do mundo dos negócios, estando no conselho de administração não apenas do conglomerado ABB, o qual presidiu por vários anos, mas também de outras quatro multinacionais dos mais diversos setores. Quais segredos industriais estariam no laptop deste senhor certamente nem os próprios compradores, que pagavam fortunas por esse material, saberiam em detalhes. Para Miriam, era tudo um jogo, era tudo virtual. Não se envolvia.
Fechou os olhos. Lembrou-se da hora que ele a penetrou profundamente. O orgasmo dela não foi virtual. Foi real. “Bem, pelo menos não precisei fingir”, pensou absorta, vendo a paisagem se movimentar ante aos seus belos olhos azuis. Ainda manteria contato com o Carlos pela rede social, até para saber se ele descobriu algo ou não. “Sempre é bom mantê-los por perto”, já dizia Sun Tzu, mas sabia que nunca mais iria vê-lo. Assoprou um beijo mental para o amante daquela tarde, enquanto saía do táxi. “E adeus para você também, Londres”.
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A. M. Narciso