Penumbra
História por Nina Sebastiana | Revisão por Gabriella


1 – Despertando.

Eu ouvi alguma coisa, o que foi isso? Um murmúrio...
- Você venceu, Nessie...
Jake? Tenho certeza que é o Jacob. Onde ele está? O que é isso na minha boca? O que estou fazendo?
Pisquei duas vezes. Ouvi um gemido e abri os meus olhos.
Eu estava sugando algo que era bom, na verdade era maravilhoso... Eu estava caçando?
Ouvi de novo um gemido baixo e parei com muito custo, me afastando. Um ombro? Afastei mais... Sim, era um ombro. Pisquei de novo. O cheiro, eu conheço esse cheiro...
Mas...
- Jacob?!
Jacob estava deitado embaixo de mim, seu rosto abatido. Na verdade meus joelhos estavam apoiados em seu peito e minhas mãos estavam segurando o seu pescoço e um dos braços.
- É, sou eu. O que restou de mim. – sussurrou.
Contemplei seu rosto, chocada.
“Que merda?”
- Jake? Merda! Eu fiz isso?
- Ei. Pirralhas não podem xingar. – o sussurro quase não permitia a repreensão se manifestar.
Coloquei minha mão sobre a ferida dele, tentando estancar o sangue.
- Para de brincar! Eu fiz isso?
- O que você acha? – a voz dele estava sem humor.
Olhei em volta. Era noite, eu estava na margem de um lago enorme, grandes montanhas se estendiam à minha esquerda e eu não fazia ideia de que lugar era aquele.
- Caralho, onde a gente tá?
Ele fez uma careta, mas não falou nada do meu linguajar de novo.
- Alaska.
- Alaska?
- Yep.
Minha mente começou a trabalhar e me senti meio quente. O que diabos eu tava fazendo no Alaska?
Então eu me lembrei.
A Impressão. Jacob e Bella. Eu fugindo e caindo na floresta com a dor e depois o nada.
Ainda segurando a ferida dele, olhei para baixo, para mim mesma. Eu usava o que foi uma bermuda um dia, estava toda suja e rasgada. Havia muito sangue nela, muito mesmo. O tecido que era jeans estava praticamente marrom-avermelhada. O pior é que eu sabia que todo o sangue era meu.
Minha menarca havia chegado.
“Eba!”, uma parte da minha mente exultou sarcástica.
Também usava uma camiseta de manga comprida que estava em estado de calamidade. Mas o mais impressionante era que eu estava vestindo uma espécie de pele de algum animal preso nas costas, como uma capa. Eu sabia também que eu tinha feito isso: matado um animal e tirado a pele.
“Quanto tempo deve ter passado?”, eu recordava desse período como flashes de imagens. Este meu cérebro tinha feito um excelente trabalho para anular minha dor – mesmo que para isso eu tenha perdido a consciência.
Percebi que eu estava fedendo pra caramba também. Passei uma das mãos em um gesto involuntário na minha cabeça. Meus cabelos estavam totalmente indomáveis, cheios de objetos não identificados.
Soltei um suspiro exasperado e, embaixo de mim, Jacob riu baixo.
- Você teve um chamado da selva ou algo assim? – ele perguntou.
Eu o encarei por um instante ainda em cima dele, finalmente compreendendo sua presença...
Eu soltei a ferida, já estava cicatrizando.
Ignorando o comentário, suspirei um pouco aliviada.
- O que você veio fazer aqui? – perguntei, fixando novamente em seus olhos. Claro que eu já sabia a resposta.
- Vim arrastar você de volta para casa. – respondeu, sorrindo.
“Ele ainda está fraco”, ponderei. Não havia movimento perto de nós.
- Onde estão os outros?
- Você só vai ficar me fazendo perguntas? - agora ele parecia magoado.
Continuei encarando seu rosto, esperando a resposta. Ele desviou o olhar.
- Somos só eu, Leah e Brady.
“Isso é bom”, meu raciocínio foi rápido, apenas um alívio momentâneo pelos Cullen não estarem com ele.
“Edward os impediu”, pensei. Assim que assimilei isso, vi que era verdade. Não me senti grata, porém.
Percebi que Jacob analisava meu rosto e voltei a olhar para ele.
- Você tá tão diferente...
Continuei com a expressão impassível, enquanto a emoção tomava o meu corpo. Eu tinha que fazer alguma coisa... Talvez... Era isso! Eu ia fazê-lo se esquecer de que tinha me encontrado, como tinha feito com Leah antes. *1
Abaixei-me em sua direção e toquei seus ombros, ele parecia curioso, mas não disse nada.
Concentrei-me, então, no que tinha que fazer: “Você não me viu aqui”.
Repeti a imagem dele parado, sozinho, no lago em minha mente e senti o calor costumeiro passar por minhas mãos em direção a ele. Vi que não deu certo, porque ele continuou a me olhar, só que agora intrigado.
- O que foi isso? – balbuciou.
“Merda”.
Meio desesperada, tentei então substituir a memória por uma falsa. “Você foi atacado por um urso”. Tudo bem, eu sabia que a imagem era ridícula, mas era a única que tinha aparecido na minha cabeça naquele momento.
Repeti o método e senti de novo a memória correr de mim para ele. Dessa vez eu quase consegui acompanhar o procedimento, como se pudesse sentir a memória atingir o seu cérebro.

*1: Para mais informações, favor, consultarem “Umbra: 27 – Choque do Passado”

Jacob piscou.
- Não! – ele gritou e me afastou com um empurrão.
Saí de cima dele com raiva, me levantando.
Ficamos em silêncio por um momento, eu de costas para onde ele continuava deitado.
- Foi isso que você fez com a Leah, não é? - adivinhou.
Virei pra ele, chispas em meus olhos. Ele sorriu pra mim parecendo estar se divertindo de verdade.
- Tá achando engraçado, é?
- Tô sim. – ele então pareceu cansado, como se rir tivesse tirado as suas forças.
Fui para junto dele, como se tivesse sido puxada.
- Como diabos eu consegui fazer isso com você?
- Me pegou desprevenido.
“O ho ho ho ho!”, o grande Jacob Black, lobo Alpha, pego desprevenido. Dessa vez fui eu que não pude deixar de rir.
Ele fechou a cara, ofendido. O que me fez rir mais.
- Sabia que você fica muito bizarra rindo com o rosto todo sujo do meu sangue?
Ele disse isso como se tivesse comentando o clima que faria no dia seguinte, com apenas um leve acento de ironia.
- Opa. Foi mal.
Caminhei até o lago para me lavar e então tomei um susto. Uma criatura alienígena estava refletida na superfície sem ondulações. Ajoelhei-me e encarei atenta. Eu, positivamente, parecia assustadora.
Os meus cabelos estavam como uma juba gigantesca, envolvendo a minha cabeça em um capacete natural, folhas e pedaços de outras coisas que eu agora não queria observar saia do emaranhado de fios. O formato da minha cara tinha mudado, já que as bochechas flácidas agora estavam menos aparentes e a linha do meu maxilar melhor delineada. O meu olhar era um pouco duro.
O meu rosto estava sujo até o nariz, de sangue do Jacob, como uma pintura vermelha de guerra.
Algo estranho me tomou quanto vi seu sangue. Senti uma coisa em meu baixo ventre, um tipo de arrepio gostoso. Ergui a minha mão molhando os dedos no líquido ainda fresco e o cheirei. A essência dele estava ali, algo como uma mistura de madeira e um toque de alguma coisa picante. Parece loucura, mas aquilo era inebriante.
Lambi com um prazer que me fez tremer.
- Nessie? – ouvi a sua voz baixa, atrás de mim.
Olhei de novo para o reflexo antes de me lavar. Eu gostava daquela criatura muito mais do que da que tinha visto, meses atrás, no espelho de Rosalie *2. E não sentia nenhuma culpa por isso.
Voltei a caminhar em direção a Jake, um pouco risonha. Quando o alcancei, me sentei ao lado do seu corpo ainda estendido, enquanto sentia o calor natural dele na minha pele. Tentei respirar o mais vagarosamente possível e desviei o olhar do peito nu, para a cara dele.
- Espero que você não esteja fazendo isso sempre.
- Isso o que?
- Atacando humanos. – ele estava sério, as sobrancelhas unidas em reprovação.
- Não, eu saberia.
- Como? Você quase me matou agora pouco!
Eu não gostei disso. Desviei o olhar para longe.
- Eu nunca tinha me sentido assim antes, saberia se já tivesse acontecido.
Ele bufou para o ar vazio em reprovação evidente, mas eu sabia que acreditava em mim.
- Onde está o resto do bando? – voltei a olhá-lo.
Aquilo era ruim, a cada segundo ao lado dele, eu me sentia mais e mais atraída. Os meus sentidos estavam se preenchendo com sua essência – cheiro, sangue, gosto, toque, voz... tudo junto flutuando pra dentro de mim.
- Eu pedi pra eles não virem comigo.
Fiquei surpresa, sabia que isso queria dizer que ele usara a voz de Alpha.
- Isso foi estupidez. – declarei um pouco ríspida demais.
- Eu não acho. Se eles tivessem vindo teriam atacado você.
- Leah teria me atacado. – consertei.
Ele suspirou.

*2: Para mais informações, favor, consultarem “Umbra: 19 -Consciência Desperta”.

- É.
- Afinal, por que ela me odeia tanto?
- Ela não odeia você... Ela odeia a Impressão.
“Somos duas”, pensei, mas continuei esperando o resto. Ele entendeu a minha curiosidade - como sempre entendia - e voltou a falar.
- Ela e Sam eram namorados e então Sam teve a Impressão por Emily.
- Puta merda! – soltei, ele não gostou e franziu as sobrancelhas.
- Quem mais? – questionei.
- Quem mais o quê? – ele estava se fazendo de desentendido.
- Quem mais teve a Impressão? – fiz entre dentes.
Ele desviou o olhar para o céu.
- Quill teve por Claire, Jared por Kim, Embry teve por Joyce *3 e Paul por Rachel. – citou de má vontade.
Senti um calafrio involuntário.
Conforme ele nomeava aquelas pessoas, pude identificar a Impressão fazendo seu papel para uni-los.
- E você por mim. – completei laconicamente.
Ele não disse nada e atravessamos mais um minuto de silêncio.
Comecei a sentir as suas forças retornando pelo seu tom de voz.
“Preciso agir”. Aproximei-me dele lentamente.
Os meus sentidos estavam umas mil vezes mais latentes, todo o meu corpo retinindo de energia. Fiquei surpresa de não soltar raios pela pele.
- Você vai voltar comigo. – ele disse em tom de declaração, enquanto apontava em minha direção. Fiquei dura de raiva.
- Não. Eu não vou.
Encaramos-nos diretamente, a raiva e frustração dele quase me atingiram fisicamente.
- Por quê? – finalmente ele quebrou a corrente de olhares malvados.
- Se você está perguntando é por que não entende. São muitos motivos.

*3 Personagem inventado pelas autoras. Para mais informações, favor, consultarem “Umbra: 10 – O Velho Quil”.

“Inclusive o de manter as minhas mãos afastadas de você”, completou uma voz na minha mente.
Eu chacoalhei a minha cabeça, como se pudesse apagar a frase. Eu não podia fazer nada quanto a isso.
Decidi que aquela era à hora. Me agachei em sua direção rapidamente e segurei a sua cabeça com ambas às mãos. Minha respiração acelerou com a proximidade, mas ele apenas pareceu surpreso.
- Desculpe, Jacob... – sussurrei. Então levantei a sua cabeça quase ao alcance do meu rosto e depois, antes que ele pudesse perceber a minha intenção, lancei seu crânio contra o chão com força.
Ele desmaiou na hora.
Sufoquei um soluço de culpa, eu sabia que minha energia vinha do sangue dele, nunca teria essa força natural para nocauteá-lo. Verifiquei a sua cabeça, mas não tinha sinal de sangue em nenhum lugar onde eu tinha batido.
Provavelmente ele iria acordar em pouco tempo, completamente furioso comigo.
Encarei o seu lindo rosto e lentamente me abaixei, os lábios dele estavam entreabertos como se estivesse dormindo. Absorvi o seu hálito como uma droga por um segundo, não tinha ideia de quando o veria de novo.
- Eu amo você. – declarei calorosamente para seu corpo desacordado. Isso eu agora sabia com toda a certeza.
Então me ergui e dei exatos cinco passos para me distanciar dele. Fechei os meus olhos e me concentrei na vegetação ao redor. Os meus sentidos estavam maravilhosamente ampliados, captando toda a sorte de ruídos ao redor.
Consegui escutar uma movimentação constante de algo correndo em volta do lago. “Leah”.
Aspirei e confirmei a minha opinião pelo olfato. Brady estava diretamente a alguns metros à minha frente.
Esperei Leah atingir um ponto em sua corrida circular em que não pudesse me alcançar e, quando ela estava longe o suficiente, eu corri na direção de Brady.
Felicitei-me pela velocidade, nunca tinha corrido tão rápido em minha vida (poderia ter apostado com Edward). Quando alcancei o grande lobo cor de areia imóvel, eu o contemplei um segundo.
- Se transforme. – ordenei.
Ele hesitou e depois estava nu na minha frente. Eu nunca tinha visto um homem nu antes, então me permiti um olhar curioso e rápido em suas particularidades (apenas para checar se era igual aos desenhos, ok? Eu estava cu-ri-o-sa!).
Voltei então ao “modo frio”.
- Os Cullen vêm atrás de mim?
- Edward os convenceu a não virem. – ele respondeu de má vontade.
Eu assenti, era como eu pensava.
- Ele e Bella pediram para te entregar isso. – ele pegou algo no chão e identifiquei a bolsa que Alice me dera. Não olhei para ver o que tinha, estava sintonizada na corrida de Leah cada vez mais próxima.
- Que dia é hoje? – perguntei, enquanto colocava a alça da bolsa por dentro do braço.
- Três de novembro. – fez de forma automática, ele não parecia nem um pouco à vontade comigo.
“Tenho dois anos agora”.
Haviam se passado quase três meses desde que eu tinha saído de casa, já que foi no dia onze de agosto, um tempo que eu não guardava nenhuma memória...
Conseguia perceber que tinha crescido, porque estava mais próxima do queixo de Brady.
- O que você vai fazer Renesmee?
Então, quando ele me perguntou isso, a coisa mais estranha do mundo aconteceu. Como se estivesse armazenado há tempos no meu cérebro, a resposta que eu tanto procurava apareceu.
A resposta para o significado da Profecia que o velho Quil Ateara tivera para uma criança de fora da tribo *4;
A resposta para o problema que era eu não conseguir mais ficar perto de quem eu amava sem machucá-los;
A resposta para o que o meu futuro reservava.
Meu motivo, minha missão, minha justificativa.
Assim que ela me veio, a soltei:
- Eu vou destruir os Volturi antes de eles virem atrás de nós.
Um alívio tomou conta de mim, era bom ter um propósito. Podia captar todas as implicações envolvidas naquilo vagamente.
“Agora não”, forcei contra meu entusiasmo. Tinha muito o que pensar e aquele momento não era exatamente apropriado.
O rosto de Brady foi tomado pelo choque, sua pele avermelhada ficou tão pálida pela descrença que pude percebê-lo mesmo no escuro.
- Você o quê?
Ignorei completamente a sua reação.
- Brady... Sabe por que eu não posso alcançar a mente de Jacob? Por que não posso mudar as suas memórias?

*4: Para mais informações, favor, consultarem “Umbra: 10 – O Velho Quil”.

Leah estava quase perto agora. O ruído de suas patas cada vez mais alto, ela era realmente muito rápida.
Eu sabia que estava perdendo tempo, mas provavelmente era a última vez que conversava com alguém familiar e uma parte indomável de mim queria aproveitar.
Brady não tinha ideia do que eu estava falando.
Aproximei-me dele, ainda naquela velocidade estonteante.
- Por causa da maldita Impressão. – declarei e sabia que era verdade. Por isso ergui apenas um dedo para tocar a sua testa e fazê-lo se esquecer completamente aquela conversa antes de partir.

2 – Velho Mundo, Novo Mundo.

O mundo real pode ser duro para uma garota de sete anos, isso eu posso dizer. Os meios que utilizei para alcançar à Europa aparentando essa idade são fáceis de descrever, no entanto. Porque eu não tinha sete anos, apesar de aparentar essa idade, e não era uma garota. E tinha poderes que se mostravam cada vez mais úteis, conforme aprendia como poderia utilizá-los.
Aprendi, por exemplo, que criando uma memória falsa poderia ir a uma Central de Ajuda a crianças de uma cidade e fazer um funcionário de alto cargo pensar que eu era órfã e tinha parentes em outro continente, sem eu ter documento algum para prová-lo. Podia também fazer essa pessoa convenientemente esquecer-se disso depois de ela providenciar uma viagem para essa órfã chamada Vanessa Wolfe. Da mesma forma, poderia pegar um trem e atravessar alguns países até me estabelecer na Irlanda.
Larguei os meus documentos em meio à viagem e decidi parar de usar esse nome antes que os Cullen me rastreassem demais.
Apresentei-me em um Orfanato na Irlanda apenas um mês depois de encontrar os Lobos no Alaska, antes disso, logicamente, percorri alguns países com o fim de despistar qualquer um que me seguisse.
Como órfã, decidi ser melhor fingir uma deficiência física e inventei que era muda para não correr o risco de parecer muito estranha aos humanos, soando avançada demais para minha idade.
O oficial que alterei a memória para me levar ao Orfanato declarou me achar nas ruas sem nenhum registro. Perguntaram-me meu nome e demonstrei com os sinais que me chamava Scarlett (E O Vento Levou era realmente um dos meus favoritos).
O Orfanato Saint Patrick era um prédio anexo a uma igreja católica, sendo dirigido por freiras e um sacerdote, estava localizado em uma cidade de médio porte ao norte de Dublin. Eu tinha curiosidade com relação à religião e como afetavam os humanos; e minha estadia ali só poderia esclarecer as coisas.
A linguagem de sinais, por ser universal, facilitaria a comunicação também - eu não denunciara ser de outro país por causa de algum sotaque.
Fui apresentada no primeiro momento a uma freira de alguma idade, ela era a administradora geral do prédio. Quando entrei em seu pequeno escritório com o Oficial-de-memória-alterada, ela estava sentada atrás de uma mesa de mogno muito antiga. Apesar de pequeno o recinto, era bastante organizado e varri o local com os olhos um minuto antes de me lembrar a ter um comportamento mais infantilizado. Crianças não olham daquele jeito lugares estranhos.
O oficial partiu depois de uma conversa curta e a velha senhora me encarou com olhos perspicazes em que reluzia o verde contra a enrugada pele branca.
- Scarlett, está correto? – começou.
Eu assenti confirmando.
- Esse não é seu nome de verdade. – não era uma pergunta.
Eu sustentei seu olhar e não respondi. Ela me avaliou atentamente antes de desviar o rosto para a documentação de “transferência” em sua mesa.
- Espero que não me dê problema, Senhorita Scarlett.
“Espero que você também não me dê nenhum, Megera Enrugada”, pensei, enquanto sorria e declarava com gestos não ter intenção de dar problemas.
Ela entendeu e chacoalhou a cabeça antes de baixar os olhos novamente. Um minuto depois alguém bateu na porta, a Megera pediu para que entrasse e uma freira mais jovem abriu e obedeceu. A freira jovem chamou a mais velha de Madre e por um tempo eu pensei que esse era o nome dela (eu realmente não entendia nada desse tipo de coisa), mas mais tarde descobri que era Ruth. A mais jovem que acabara de entrar se chamava Éster.
Éster me levou para a cantina onde encontrei os órfãos residentes. Eram poucos, exatamente vinte e dois comigo – descobri, mais tarde também, que essa era a lotação máxima do lugar –: onze garotos e onze garotas, que variavam dos seis aos quinze anos. Com dezesseis, as crianças eram autorizadas a procurar um trabalho fora do orfanato, sendo chutadas para o mundo como adultos.
O cheiro dos humanos não era mais tão poderoso para mim, com isso quero dizer que a minha garganta arranhava como se eu tivesse enchido a boca com sal e engolido enquanto tentava sorrir e falar, mas eu tinha me acostumado com a sensação. Desde sempre eu tinha vivido com a tentação dos humanos, era só uma questão de ignorar.
Eu não estava com muita fome, porque tinha feito uma excelente refeição antes de ser trazida: fiz o Oficial me pagar o café da manhã de um rei antes de me levar ao Orfanato – ele ganhava muito bem e não sentiria falta.
Caminhei até o final do corredor entre as grandes mesas até alcançar a mais vazia, então me sentei carregando a bandeja cheia de comida que não cheirava nada bem.
Havia ignorado os olhares e comentários ao redor, e fingi não ver os outros que estavam na mesma mesa que eu. Minha audição continuava a funcionar bem demais apesar disso e fui brindada com sussurros indiscretos assim que me acomodei.
- Metida? – considerou uma voz que carregava um tom grave de mais idade.
- Tímida? – fez uma segunda voz mais fina, porém ainda de garoto.
- Precavida. – enfatizou uma terceira voz, igualmente masculina em um tom de certeza.
Surpreendi-me um pouco e levei os meus olhos para a ponta esquerda onde estavam falando.
Foi uma ideia idiota, já que humanos não poderiam ter escutado aquilo, mas a minha curiosidade já tinha me dominado.
As mesas eram compridas e retangulares com apenas dois longos bancos de cada lado, os três garotos que tinham falado estavam exatamente na ponta esquerda da minha mesa.
Vi um garoto maior sentado no banco do outro lado, era meio desengonçado e cheio, daquele jeito que não era nem gordo nem musculoso (só uma massa), ele tinha os cabelos loiros raspados. Seu perfil mostrava bochechas grandes e lábios grossos que me fizeram pensar em buldogues loiros.
Outro garoto estava no mesmo banco que eu (de frente ao buldogue maçudo) e era menor - aparentava dez anos -. Seus cabelos eram igualmente loiros, mas um pouco compridos, com a franja cobrindo parcialmente seu rosto. Ele tinha o corpo mirrado e o nariz arrebitado.
O terceiro garoto sentava na ponta da mesa e olhava diretamente para mim, seus
cotovelos estavam apoiados no tampo, às mãos fechadas e o rosto apoiado nelas. Quando viu que eu encarava, afastou o rosto das mãos – para eu olhar melhor? –, mas não sorriu. Seus olhos eram fundos e o rosto era estranho para um garoto, muito duro, a pele retesada. Uma cicatriz cortava o lado esquerdo afundando a pele de sua bochecha de maneira estranha. Os olhos eram azuis e frios e os cabelos negros e cacheados.
Desviei o olhar e ouvi ele se levantar, caminhou por trás da mesa e se sentou calmamente na minha frente.
- Você vai comer isso?
A voz dele era ainda um pouco aguda daquela forma cantada de falar de alguns irlandeses, mas tinha a rispidez cortante de um adulto. Eu levantei o meu rosto da minha bandeja encarando de novo e sacudi a cabeça em negativa.
Ele virou para os outros dois e fez um gesto, eles se levantaram e se sentaram ao seu lado esquerdo de frente para mim.
O da cicatriz puxou a bandeja e colocou em frente aos loiros sem nem mesmo olhar a comida, como se fosse ele que estivesse dando a eles.
Agora defronte, podia dizer com certeza que os loiros eram irmãos, os olhos de ambos eram castanhos com sobrancelhas espessas. A similaridade acabava ali, já que o garoto menor tinha um olhar assustado de pintinho fora do ninho e o do cabelo raspado aquele olhar distante e preguiçoso. Enquanto eles comiam, o da cicatriz continuou encarando.
- Você é “A Muda”, não é?
Peguei-me pensando em filmes de cadeia que eu tinha visto com os Cullen. Será que esse moleque ia tentar me atacar com um garfo?
Eu sinalizei perguntando se ele era “O da Cicatriz” já imaginando os apelidos dos outros dois.
- Acho que sou. – ele se atreveu a dar um sorriso que parecia estranho naquele rosto. Que quebra-cabeça mal montado era esse garoto.
- Sou Ethan e estes são Daniel e Patrick.
Eu abanei minha cabeça em um cumprimento enquanto repetia em minha mente: Cicatriz, Buldogue e Passarinho.
Chacoalhei a cabeça e voltei aos negócios, perguntando onde ele tinha aprendido a linguagem de sinais.
- Por aí. – e deu de ombros.
Certo. Eu estava meio impaciente, queria ir para o quarto e descobrir como sair à noite sem ninguém notar. Eu tinha que descobrir um jeito de ir à biblioteca no outro quarteirão para fazer minhas pesquisas (esse também era um dos motivos que me levaram a querer morar ali) e também tinha que caçar.
- Você não é daqui. – de novo aquele tom de certeza.
Voltei a olhá-lo.
“Que te interessa?”, pensei irritada, mas não respondi e nem reagi.
Ele pareceu achar graça.
- Qual o seu nome?
Eu respondi o nome que tinha me dado.
- Que falta de imaginação... – comentou como se estivesse desapontado. - Mas ao mesmo tempo confirma que não é daqui. - ok, a minha ideia de nome fedia, eu tinha entendido agora.
Dessa vez eu me levantei, não sem antes lhe dirigir um gesto multicultural que o fez sorrir novamente.
A tal irmã Éster já estava vindo ao meu encontro e felizmente pareceu não notar meu dedo médio levantado. Seu rosto cheio de sardas parecia ser bondoso, um sorriso fácil preenchia seus lábios.
- Vou te levar ao dormitório. – declarou.
O dormitório feminino continha exatas onze camas simples, com apenas uma coberta fina e, para minha alegria, ela me deu a cama perto da janela.
- Infelizmente essa é a única disponível, mesmo tendo a janela fechada há uma constante corrente de ar.
Pensei mais uma vez na desgraça de ser humana e sem dinheiro. Sentia alívio e raiva ao mesmo tempo.
Eu tinha visto pobreza enquanto vivi nas ruas - passei alguns dias dormindo a céu aberto enquanto viajei alguns países até chegar aqui (não queria que me rastreassem através dos quartos que poderia alugar) -, mas talvez ainda tivesse muito que aprender.
Finalmente dei de ombros, mostrando que não me importava com aquilo. Eu não poderia cuidar de todos os problemas do mundo, já tinha minha própria tarefa impossível pra conseguir.
Éster me deixou contemplando o céu pela janela fechada, uma leve brisa remexendo meus cabelos.

3 – Saint Patrick.

A rotina no Orfanato era chata.
Missa de manhã, que ia das seis da manhã até as oito, praticamente. Depois café (pão e leite), daí começávamos a ver às lições a partir das nove até às duas horas da tarde, quando finalmente íamos almoçar – não pela comida, mas porque quase não aguentava ficar sentada tanto tempo -, em que o tempo também era contado, já que voltávamos às lições às três e meia.
Tínhamos então uma hora livre a partir das sete da noite para fazermos nosso dever, depois jantar as oito e cama as nove, para que conseguíssemos acordar às cinco da manhã em preparação para a missa.
Eu nunca tinha tido tanto tempo perdido com comida antes.
Aos Sábados tínhamos lições, mas voltadas à futura procura de emprego como datilografia e mecânica, e a parte da tarde era livre. Aos Domingos uma missa quase infinita e mais lições empregatícias. Fim.
Mantive-me afastada nas primeiras três semanas e pude identificar certos grupos: Tinham grupos apenas de garotos e garotas adolescentes (Que eu chamava “Os Maiorais”); havia grupos apenas de crianças que podiam ser bem ligeiras e cruéis (“Os Ratos”) e alguns em que dois ou três na puberdade “governavam” sobre as crianças (“Vilões”, já que os vilões dos filmes sempre tinham um monte de fracotes sem cérebro seguindo suas ordens absurdas). Assim como os grupos variavam de número e sexo, também era certo como rivalizavam entre si – por tudo. Qualquer tipo de benefício era motivo de disputa ferrenha entre os diversos “líderes”.
Pra mim era um estudo fascinante, como estar em meio a uma disputa de gangues. Eu nunca interferia, mas também nunca presenciei nada abusivo (Do tipo “Matem esse canalha!”). É claro que eu não precisava de nenhum benefício, o que me fazia ficar à vontade pra só assistir.
O prédio em que vivíamos tinha três andares: O térreo era a cantina e os escritórios, o segundo andar a sala de lições e o terceiro os dormitórios. A sala de lições era apenas um grande salão em que se dividiam as crianças pelo que pareciam ter de conhecimento em ajuntamentos de pequenas mesas.
Eu me fingi ignorante (é claro), mas em uma semana fiquei tão entediada que tive que demonstrar um pouco mais do que sabia e fui passada para a “classe“ dos internos que variavam de dez a treze anos. O da Cicatriz, Ethan, estava no mesmo grupo que eu e o meu problema era que ele parecia ser observador demais, aquilo me irritava e preocupava ao mesmo tempo... O que foi confirmado na minha terceira manhã de Sábado, dentro do orfanato.
Estávamos no período da tarde dentro do chamado horário de “lazer” e fazia um lindo dia ensolarado, o que nos trouxe para os jardins da propriedade. Eu estava sentada em baixo de uma macieira, lendo Ecce Homo de Nietzsche, que tinha guardado disfarçado dentro da Bíblia. À minha volta os outros pulavam corda ou jogavam jogos de tabuleiro, alguns grupos tinham conversas altas e gritos eram ouvidos em toda a parte, mas eu tinha quase me acostumado com tudo isso naquela altura.
Ethan então se aproximou de mim.
- Olá. – ele disse às minhas costas.
Eu não respondi, sequer o olhei.
- Ouvidos treinados. – apontou.
Então eu tive que encará-lo. Ele não era muito mais alto, o rosto estranho de lábios finos que agora estavam um pouco voltados para cima, seus cabelos enrolados dançando com o vento.
- Eu vim pelas suas costas e mesmo assim você não se assustou. – explicou como se estivesse me ensinando.
“É claro que não, senti o seu cheiro quando você ainda estava no corredor”. Como fiquei em silêncio ele continuou a me encarar com as mãos atrás das costas. Ele era esguio, mas não parecia fraco. Quantos anos ele teria? A cara parecia ser de alguém com 20 anos, mas o tamanho do corpo não alcançava à potência do rosto.
- Isso que você está fazendo não está certo. – declarou me surpreendendo.
Fiquei perdida. “Isso o que?”, perguntei.
- Ficar de fora de tudo, só “de olho”. Vão acabar percebendo que você é diferente. – ele desviou o rosto na última parte, abaixando o tom de voz para que ninguém escutasse.
“Esse garoto positivamente vai me ferrar”
Segurei minha testa com a mão direita, não queria ter de sair daquele lugar e eu tinha um monte de coisas pra pensar. Minhas ideias sequer tinham se ajustado, ia dar um trabalho desgraçado me mudar agora.
“Eu poderia matar ele e cobrir meus rastros”, minha cabeça pensou. Mas só de pensar achei que talvez aquilo me desse ainda mais trabalho...
“Se eu tivesse coragem”.
Ah, os pequenos detalhes...
Como se tivesse lido meus pensamentos (ou simplesmente minha linguagem corporal), ele declarou:
- Não se preocupe comigo, não vou falar pra ninguém. – ele parecia um pouco ofendido.
“O que você quer em troca?”, perguntei meio cansada daquele papo.
Ele sorriu. Um fino resquício nos lábios.
- Quando eu souber te falo.
E então se afastou.
Na manhã seguinte, quando tive a primeira oportunidade, contei à freira Éster que duas garotas tinham dormido juntas na mesma cama na noite anterior. Não que eu ligasse, conseguia dormir tranquilamente com os gemidos, mas se aquilo continuasse atrapalharia às minhas fugas noturnas.
Depois de confirmar a minha informação, fui premiada com um pedaço extra de sabão e os internos ficaram sabendo que “A Muda” também estava no jogo pelo poder.

4 – Lição.

O Natal havia chegado e passado, trazendo o frio e a neve para o orfanato. Eu ficava com pena das crianças menores que cediam ao frio e quase não conseguiam se mexer durante as tarefas, então gastei uma boa parte do dinheiro da minha família em “doações anônimas” de final de ano para tentar trazer pelo menos um pouco mais de conforto para todos à minha volta.
As lições, no entanto, continuaram normalmente mesmo com as festas de final de ano. Imagino que quisessem que nós nos sentíssemos o mais ocupados possível para que não invejássemos as famílias unidas e felizes que comemoravam em alguma realidade paralela. Devo dizer que não adiantou muito no meu caso: sentia uma falta imensa do conforto que tinha escolhido deixar, quase sentindo vergonha por isso.
Além da Madre Superiora Ruth e da irmã Éster, ainda existiam mais duas freiras que ajudavam a coordenar o orfanato: Irmã Sarah e Irmã Judith. A primeira era de meia idade e magra, com rosto chupado e expressão azeda e a segunda tão volumosa quanto possível dentro do hábito, como se tivesse roubado toda a gordura da primeira. A irmã Sarah era quem dava lições para nossa classe, mas ela não entendia a linguagem de sinais, então eu tinha uma lousa para escrever minhas dúvidas ou respostas.
Falando em coisas patéticas...
Eu estava começando a odiar aquela mulher. Ela era impaciente e ríspida, tratava-nos como estúpidos ou com um tom de superioridade que eu nunca havia ouvido antes, humilhando sem se importar com o sentimento das pessoas e com uma veemência extrema. Entendi que ela realmente acreditava que estava certa e transmitia isso com uma espécie de energia maligna.
Antes de chegar a odiá-la, tinha me surpreendido muito, eu tinha visto pouco do mundo e as pequenas coisas dentro daquela pequena sociedade que era o orfanato me impressionavam tremendamente, se pudesse existir alguém que encarnasse o contrário total do que era Esme, irmã Sarah era a figura.
No começo eu não entendi como alguém que havia devotado à vida para uma divindade pudesse ser daquele jeito, mas depois eu percebi que simplesmente não me importava. O momento em que eu decidi que não importava foi na primeira aula depois do Ano Novo, quando eu, em uma dúvida quanto à lição de religião, perguntei como seria possível acreditar que uma mulher (Eva), convencida por uma cobra (que era Satã), pudesse ter feito algo de errado ao provar do Conhecimento e por isso ser expulsa de um Paraíso (de ignorância completa, quem ia querer viver assim?).
Quando a Cara Azeda finalmente entendeu o que eu disse – ou melhor, escrevi – seu rosto ficou vermelho como um tomate. Eu pude sentir seu coração acelerado da última carteira da sala.
- Criança perturbada! – sibilou, enquanto gotículas de cuspe voaram por seus lábios finos, brilhando pra mim.
- Você está duvidando da bíblia? A palavra de Deus? – continuou.
“Que Deus que gostaria que nós vivêssemos na ignorância?” – escrevi.
Os olhos de Irmã Sarah quase saltaram em minha direção. Começou a caminhar para mim.
- O único Deus vivo... Aquele que deu seu filho...
Mas eu já havia escrito de novo.
“Então existiram outros deuses e esse o matou?”
Ouvi gargalhadas, mas eu realmente só estava tentando entender. Esme tinha me ensinado um pouco de religião, mas não tinha resposta para algumas das minhas perguntas e achei que Irmã Sarah poderia me explicar, afinal, ela era uma freira! Claramente me enganei.
Quando ela chegou à minha frente, pegou minha orelha e tentou torcê-la, foi um momento de desespero pra mim, não sabia o que fazer. Aquele palito de gente nunca iria conseguir fazer alguma coisa pra me machucar.
- O que foi cara de rato? Não consegue responder a uma simples pergunta? Que tipo de professora é você, afinal?
Mas Ethan não precisou continuar, Irmã Sarah já tinha se esquecido de mim e lhe bateu com a régua na bochecha direita, deixando um vergão vermelho em seu rosto.
Ergui-me enfurecida, mas Ethan acenou levemente com a mão para eu parar. Ela estava de costas pra mim e eu poderia pular em seu pescoço num segundo... A sede estava mais poderosa só pela irritação que ela tinha me causado.
Com seus olhos presos nos meus, ele me fez sentar de novo (sim, irmã Sarah ainda estava berrando com ele), enquanto respirava com dificuldade. Ao mesmo tempo em que eu tentava controlar o fôlego, à minha volta, os murmúrios dos alunos tomaram minha cabeça, ajudando a me distrair.
- Eles estão juntos?
- A Muda tem dono? Ela é bonita, mas é estranha...
- Ela me dá medo...
Fui ficando mais calma, os olhos fechados. Ethan foi levado para a sala da Madre Ruth e só pude vê-lo na hora de lazer, ele não foi ao almoço ou às lições da tarde, porque estava cumprindo castigo.
Eu o esperei no corredor que levava dos escritórios para a cantina, estava dentro do armário de produtos de limpeza - era fácil se você era como eu. Quando identifiquei o barulho de seus passos, abri a porta e o puxei para dentro.
- Caralho! – xingou de susto.
Esperei ele recuperar o fôlego.
- Obrigada. – eu disse em voz alta e de má vontade.
Ele se empertigou e me deu um sorriso caloroso.
- E não é que ela fala?


5 – Escapada.

Eu estava passando minhas noites pesquisando na biblioteca da cidade assim como o planejado, o problema é que infelizmente ainda tinha outras necessidades, como dormir e caçar.
Todas as noites eu aguardava todo mundo pegar no sono antes de finalmente atravessar a janela para a noite fria fora da propriedade. Normalmente de sete em sete dias me obrigava a sair para caçar primeiro para depois seguir até a biblioteca e pesquisar sobre lendas, estratégia, guerras e várias coisas mais. É que às vezes parecia uma tremenda perda de tempo sabendo da quantidade de coisas que ainda tinha que ler... Eu com certeza não morreria de fome.
Naquela semana, haveria o dia dos namorados e por isso eu estava moída. Tinha que aguardar as fofocas românticas e sussurros exasperados de todos acabarem para que finalmente dormissem, e houve noites que isso aconteceu apenas depois das onze horas. No final das contas, eu acabava saindo muito tarde e deixava para caçar em outro dia, perdendo tempo de sono também para cumprir os meus prazos de leitura.
Sonolenta e faminta, eu estava completamente fora do ar quando voltava para o orfanato naquele quatorze de fevereiro, tanto que apenas reparei na figura dentro dos jardins quando estava próxima o suficiente para enxergar seu rosto.
Ethan estava de cócoras nas sombras e fumava. Percebi que era ele pelo seu cheiro e me aproximei o mais lentamente que pude depois de tentar controlar o coração acelerado pelo susto.
- O que você é, afinal? – perguntou repentinamente, ainda contemplando a fumaça do cigarro.
- Eu não sei se você merece confiança pra saber mais do que já sabe. – respondi, friamente.
- Deixa-me ver se adivinho então... – ele jogou a guimba de cigarro com um gesto displicente.
Eu aguardei imóvel.
- Você é inteligente, parece ter mais idade do que tem. Come, mas não parece sentir prazer nisso, gosta do sol, se interessa pelo relacionamento das pessoas daqui como se estivesse nos estudando, se move rapidamente, quase não dorme... E parece não sentir dor.
Ele era tão observador quanto eu tinha deduzido.
- Yeah. – concordei.
- Não tenho ideia do que é você! – respondeu com um sorriso.
Então para minha surpresa senti o poderoso cheiro... Esse era diferente, um pouco cítrico e ferroso, mais ainda bom. Querendo ou não as minhas memórias do encontro com Jacob no Deadman's Lake me cegaram por um momento, como uma lança a diferença se fez nítida (como não tinha pensado nisso antes?).
Dei três passos para trás.
- Oh... – ele fez, lendo minha reação, enquanto colocava sua mão ao lado do corpo, sangue pingando no chão.
O odor e o sabor do sangue de Jake estavam marcados em mim como se tivesse uma queimadura que nunca curasse.
Eu já tinha me alimentado com sangue humano – era isso que colocavam na mamadeira – e era, digamos, algo bom. Natural. Algo que ansiava como um prato de bife para os humanos e que talvez ficasse frenética se ficasse sem por algum tempo, o que era compensado pelo sangue de animais...
Só que não se comparava a atração do odor e do poderoso gosto (tão quente e denso...) do de Jacob. O engraçado é que agora pensando nisso não ansiava por ele com “fome”, era quase um líquido sagrado que teria cuidado ao degustar, com prazer e adoração.
Como sobremesa após um delicioso jantar...
Tremi ante a mistura de desejo e saudade, antes de retornar minha atenção à realidade, apenas um segundo havia se passado. Minha garganta parecia ter labaredas de fogo, o sangue de Ethan poderia ser meu jantar, porque agora eu estava com FOME.
- Você quer. – declarou com aquela certeza desconcertante. – Mas é um vampiro?
- Não. – respondi dando outro passo para trás enquanto ele deu mais um em minha direção.
- Pode me transformar?
Eu o encarei, surpresa. Era isso o que ele queria? Imortalidade?
- Não. – respondi com desprezo.
Ele percebeu meu sentimento, mas continuou indiferente.
- Então só me diz o que você é. – ele continuou se aproximando, eu estanquei.
- Mestiça. – finalmente confessei.
- Interessante. – e ele me pareceu realmente interessado - Acho que já chega de responder perguntas por hoje
“Com certeza”, pensei irritada. Eu era uma droga pra disfarçar minha verdadeira natureza.
Ele então fez um barulho com a boca pra chamar minha atenção.
Psiu!
- Você não quer? – ele levantou a mão sangrando, o cheiro mais próximo fez meu coração acelerar piorando a situação.
- Por que você faria isso? – perguntei extremamente tentada.
Agora conseguia entender o quanto tinha sido descuidada... Ficar tanto tempo sem sangue libertou minha fome. Era como se um plugue dentro do meu cérebro tivesse se desligado, e infelizmente para mim ele se chamava autocontrole. E eu ainda tinha como plano acabar com os Governantes dos Vampiros!
“Ha, que piada!”, eu era uma fraude. Encurralada por um humano de treze anos (eu tinha descoberto sua idade).
- Não precisa ficar com vergonha. – tentou tranquilizar.
“Sou tão fácil de ler quanto um outdoor”, levei minha mão à testa, com ódio.
- Eu não ligo. Você não vai me sugar até a morte, não é? – continuou.
Eu ri da ideia.
- É a primeira vez que te vejo rindo... – ele comentou de repente, me desconcertando. - É bonito, o seu sorriso.
Então ele se aproximou mais e levantou a mão em direção à minha boca. Hesitei por um segundo e então em um gesto rápido eu agarrei a mão estendida e mordi forte, aumentando a abertura para liberar o líquido em um fluxo maior.
Puxei o sangue com força e ele então fez algo estranho: em vez de gritar, gemeu com uma voz rouca em um tom que eu nunca tinha ouvido antes.

6 – Unidade e Fios Flutuantes.

Quatro meses haviam se passado desde minha chegada ao Orfanato e eu e Ethan éramos como unha e carne, e ao nosso lado sempre Passarinho e Buldogue. Quero dizer, Patrick e Daniel. Devo declarar que minha vida ficou bem mais fácil depois disso... Os três se revezavam à noite para vigiar enquanto eu ia à biblioteca escondida. É claro que os irmãos não tinham ideia do que eu fazia, nem Ethan, aliás. Ele sabia que era para eu estudar, mas não tinha nenhum conhecimento do por que ou o que exatamente eu estava pesquisando. Acho que ele não queria saber também, porque nunca perguntou. Talvez se tivesse perguntado eu teria dito, não sei.
Apesar de o orfanato trocar de internos a cada período – algumas crianças morriam por doença, algumas eram adotadas, as mais velhas saiam para viverem suas vidas de forma independente (cresciam e eram chutadas), outras chegavam – alguns internos continuavam por ali, assim como as Irmãs que nos davam aulas, a cozinheira e o jardineiro. Essas pessoas que me viam todos os dias poderiam reparar em meu crescimento acelerado, então eu tinha de alterar suas memórias - substituído periodicamente suas mentes para se lembrarem de mim com a imagem física mais desenvolvida. O sacerdote era praticamente cego e tratava todos os garotos de João e todas as garotas de Maria, então eu não tinha preocupações com ele.
No começo, esse processo era bastante trabalhoso, eu tinha de tocar as pessoas e me concentrar, levava um pouco mais de uma semana para fazer com todo o mundo e quando terminava já tinha que recomeçar. Comecei a chamar esse processo de “limpeza”. Com o tempo, no entanto, reparei que eu não precisava me concentrar tanto e só tendo um leve contato eu fazia a alteração.
Quase no final de Maio percebi algo estranho em Daniel (ele e seu irmão menor eram os que tinham a memória mais alterada, porque tinham contato direto comigo), vislumbrei um tipo de fio prateado flutuando de dentro de sua cabeça. Pode me chamar de louca, eu vi só por um instante, mas estava lá.
Eu chacoalhei minha cabeça e respirei profundamente, então reabrindo os olhos me concentrei e vi novamente um fino fio prateado flutuando. Decidi me aproximar dele e tentei pegar o fio com as mãos para provar que estava mesmo ali.
Patrick e Ethan me olharam como se eu tivesse pirado de vez então eu sabia que só eu tinha visto aquilo, e com certeza não tinha conseguido agarrar nada.
Por um tempo eu deixei para lá, mas então eu vi em outra pessoa e em outra. Aquilo começou a me deixar ansiosa. Será que eu estava ficando bitolada *5?
Onde mesmo eu tinha ouvido essa expressão antes? Não importa. O importante é que chegou ao ponto de eu ver os fios prateados flutuando acima da cabeça de todos naquele lugar, menos no meu próprio reflexo ou em Ethan. Eu estava tão preocupada que tinha até perdido o apetite e ele vinha tendo que insistir para eu fingir comer alguma coisa à mesa.

Eu estava sentada na cadeira de lições pensando que já fazia dois meses em que eu vinha tendo aquelas visões e pesando novamente se devia voltar para casa apenas para consultar Carlisle. Por que inferno eu só não via aquilo em Ethan? Seria por que eu me alimentava dele? Sabia que aquilo era a chave... Concentrei em tudo o que tinha feito com ele, todas as memórias que tinha do que tínhamos conversado e senti o costumeiro calor de concentração tomar minha cabeça, como uma febre. Fui tomada então com a mesma sensação que sempre acontecia quando tocava a mente de alguém, só que sem sentir o calor sair por minhas mãos (já que não tocava ninguém naquele momento), foi tão rápido que no começo não compreendi e foi então que vi sobre mim um tipo de fumaça que rapidamente sumiu. Quase caí da cadeira que estava sentada ouvindo a lição.
Entendi repentinamente o que eram os fios, era um acesso fácil à mente das pessoas. Talvez meu cérebro tivesse captado de tal forma a mente de todos eles, entendido o funcionamento delas tão bem, que eu não precisaria do toque físico para alcançá-las. Como tinha acontecido comigo quando comecei a vencer no xadrez, meu cérebro tinha achado quase de forma independente uma resposta, uma conexão.
Ainda sentada ali contemplando a solução para o que eu achava que eram alucinações, decidi fazer um teste: Concentrei no fio prateado de Patrick e visualizei dentro da minha cabeça a imagem que queria que ele visse – fazia tempo que eu não mostrava nada pra ninguém (como fazia no começo) só mudava memórias recentes das pessoas ou apagava totalmente algumas delas – A imagem em questão era da noite anterior em que tinha visto uma menina chamada Emma, que Patrick tinha uma “queda”, beijando um garoto dois anos mais velho no banheiro. Eu sei! Aquele lugar até parecia saído de uma novela mexicana, certo?
De qualquer forma, com essa imagem na mente, forcei minha concentração ao seu fio prateado, senti automaticamente o calor que eu estava acostumada sair da minha cabeça, só que dessa vez eu não estava tocando ninguém e o calor não tinha como passar para minhas mãos. Continuei concentrada no fio prata flutuando acima da cabeça de Patrick, forçando as imagens para fora tentando alcançá-lo e então senti como se estivesse escorrendo suor de minha cabeça, mas aquilo era quente. Por um instante achei que ia passar mal, mas então eu vi uma estranha forma se movendo um pouco abaixo do teto do salão. Era transparente e se movia mais como água corrente do que como fumaça, se atropelando. Quando finalmente alcançou o

*5: Para mais informações, favor, consultarem “Umbra: 17 – Whitehorse”.

estranho fio prateado para minha surpresa o fio ficou repentinamente branco quando houve a “conexão” e a forma aquosa pareceu escorrer por ele. Nisso ouvi Patrick soltar um grito de raiva e susto antes de finalmente cair da cadeira que estava sentado. “Uau”, fiz por dentro.
Eu estava tão habituada a me fingir de muda que nem a surpresa me fez soltar algum tipo de exclamação em voz alta. Infelizmente eu também não tinha me fingido de surda, porque Irmã Sarah percebeu minha total falta de atenção e me deu uma reguada indolor na bochecha para me despertar com seu jeito amigável e doce. Minha boca abriu em uma reação sem voz de surpresa muito apropriada, eu já tinha prática em fingir isso também.
- Muito bom estar de volta a Terra, Srta. Scarlett. Estamos honrados!
Eu é que estava honrada em servir de guarda-chuva pra cuspe brilhante e voador às pessoas atrás de mim. “Não há de que, grande pinguim devorador de bíblias”.
Ethan me encarava firme na mesa ao lado, é claro que ele tinha percebido alguma coisa.
Eu nunca tinha mudado a memória de Ethan e ele comentava sempre como eu crescia rápido, cada semana como se fosse um mês. Eu tinha explicado que era assim para mim, que me desenvolvia velozmente, mas ele sacudia a cabeça com um sorriso sem responder. Estava tão acostumada com isso que no começo eu não notei de imediato o que ele queria dizer, mas ele tinha razão, eu tinha começado a mudar de um jeito diferente... Não estava só crescendo em altura ou meu rosto perdendo o ar infantil, meu corpo estava mudando de outras formas também.
Quando me olhei no espelho certa manhã e percebi que meus seios tinham começado a crescer quase dei o grito de guerra Quileute! Eu não devia ter ficado tão surpresa, já que tinha começado a menstruar a meses atrás, porém quando finalmente vi com meus olhos, comecei a rir como uma idiota completa.
Ethan me alimentava praticamente a cada quinze dias, eu sempre relutava e ele sempre insistia até eu aceitar muito de boa vontade. Eu tentava sugar em partes de seu corpo que ficariam escondidas, já que ele demorava tanto para cicatrizar. Era um pouco difícil já que eu era mais baixa do que ele.
Da última vez eu tinha me sentado em seu colo na penumbra do jardim e mordi seu abdômen um pouco abaixo do mamilo, como sempre acontecia, ele gemeu. Então eu percebi que não era como ele se manifestava ante a dor, ele realmente estava gostando, soube disso quando senti o volume abaixo de mim. Surpreendi-me, mas não deixei de gostar.
Segurei seu pescoço com as mãos e ele me envolveu com os braços, apertando meu corpo junto ao dele. Quando saí de cima de seu colo, percebi a mancha em suas calças, nenhum de nós fez nenhum comentário. Automaticamente, porém, demos as mãos antes de voltarmos para dentro.
Com o tempo me senti diferente do que me sentia quando me alimentava de cervos – eca! Sentia-me mais forte por um período maior, ingerindo muito menos do que tinha que ingerir com os herbívoros. Não precisava tanto dormir, raciocinava mais rápido e podia ouvir e sentir odores mais amplamente. Até meu apetite por comida normal aumentava (isso ajudou a “encher um pouco minhas carnes” como falava a cozinheira, Sra. Connor).

Era dia 21 de Agosto, o aniversário de minha saída de Whitehorse havia passado como um dia normal excetuando as minhas lembranças que eu fiz de tudo para segurar naquele cofre dentro de minha mente. Eu examinava diariamente minhas pupilas para ver se estavam ficando vermelhas como as dos vampiros que tinha visto e que se alimentavam de seres humanos, mas nada aconteceu. Bom, nada não é a palavra certa, eles ficaram um pouco mais claros... Um pouco parecido com...
- Espera, espera!
Claramente os olhos ocres de Nahuel aparecerem em minha mente. Ele se alimentava de sangue humano também? Meus pais nunca me contaram isso... Comecei a me perguntar de repente o que mais Nahuel poderia saber. Eu tinha me esquecido completamente dele! Não que eu tivesse esquecido toda a minha vida, mas digamos que meu bloqueio mental era excelente. Tinham noites até que eu não sonhava com Jacob...
De qualquer forma eu descobri na tarde daquele dia que talvez eu já tivesse feito tudo o que eu podia por mim mesma. Nas últimas semanas eu apenas tive que me repetir algumas linhas imutáveis a fim de conseguir definir um plano que realmente funcionasse para acabar com os Volturi.
Quando à Profecia eu havia descoberto, ou pelo menos deduzido, duas coisas:

“(...) A esperança apenas gargalhará
Se os bispos forem ouvidos,
Os peões cegos,
As torres tomadas,
E os cavalos mantidos a distância (...)”


Eu tinha quase certeza que os “Peões” se referiam aos Cullen – pois eram oito peões no tabuleiro de xadrez e exatamente oito membros na família Cullen, porém o fato de serem “Cegos” poderia ser considerado ou um “Sacrifício Cego” como em serem usados em meu plano maquiavélico sem terem conhecimento; quanto em “Cegos” por simplesmente não terem nenhum conhecimento sobre meus planos e não serem envolvidos de nenhuma forma neles; isso eu só saberia depois de ter realmente algum Plano. O que eu definitivamente não tinha. Já “os cavalos mantidos à distância” eu quase tinha certeza que se referia às duas matilhas de Lobos – a de Jacob e a de Sam – pensei nisso simplesmente por referência com animais. Realmente brilhante, não é?  
A própria Profecia estava me alertando a me manter longe de tudo o que eu conhecia, de não os inteirarem em meus planos, então era isso que eu estava fazendo. Infelizmente eu estava começando a sentir que não avançaria mais raciocinando sozinha.
Esse pensamento foi interrompido por Ethan que adentrou o banheiro feminino em que estava contemplando meus olhos, sozinha. Fiquei surpresa, mas não disse nada por que sua expressão me aterrorizou, ele estava desesperado.
- O que foi? – perguntei urgente.
Ele andou até mim e segurou meu rosto entre as mãos.
- Eu vou embora. – declarou de forma resoluta.
- O que? Como assim? Pra onde?
Ele soltou meu rosto e fechou os olhos por um momento antes de reabri-los.
- Meu pai estava preso e foi solto há um tempo. Ele arranjou um emprego e... decidiram que eu devo voltar a morar com ele.
Eu o encarei incrédula.
- Voltar... – absorvi. – Ethan... Foi ele que fez isso com você?
Ergui minha mão em direção à cicatriz em sua bochecha esquerda enquanto ele continuava a buscar meus olhos com os dele. Ele não disse nada e eu sabia que estava certa.
Ele envolveu minha mão erguida com a dele e então ele soltou um ruído surpreso. Segui seus olhos e vi que eu tinha cortado a palma da minha mão com minhas unhas no nervosismo. Isso era diferente, nunca tinha acontecido antes. Será que minha pele estava ficando mais frágil?
Enquanto essa ideia passou pela minha mente, Ethan vagarosamente trouxe minha mão à boca e lambeu meu sangue. Tive raiva da situação, mas não sabia o que fazer.
- Quer que eu faça alguma coisa? – perguntei ávida, só precisava de uma desculpa pra aprontar qualquer loucura.
- Não. – respondeu, prendendo meus olhos. – Eu já esperava isso... Mas não tão cedo.
Olhei seu rosto mais um momento, então ele soltou minha mão que já havia se curado e andou em direção à escada para nunca mais vê-lo.

7 – Ethan.

Pelo menos era aquilo que eu pensava. Que nunca mais o veria...
You´ve Got To Learn da Nina Simone tocou na minha cabeça quase sem interrupções nos três dias que se seguiram. Eu já havia decidido abandonar o orfanato, aquilo era totalmente sem propósito sem Ethan e eu precisava encontrar Nahuel. Sabia daquilo tanto quanto sabia que não deveria me preocupar tanto com Ethan, mas pensar é fácil...
Na quarta noite depois de sua partida, no entanto, eu acordei sabendo que algo estava errado. Não havia ido à biblioteca naqueles dias, por isso fui dormir mais cedo. A sensação estranha de que algo não estava bem com Ethan me despertou e eu só sabia que tinha que ir até ele.
Troquei-me colocando um macacão por cima da blusinha de mangas compridas e prendi rapidamente meu cabelo longo em um rabo-de-cavalo. Pulei então a janela conforme vinha fazendo há meses e como se meu corpo pudesse me guiar sabia para onde correr. Conforme eu percorria o mais rápido que eu podia as ruas da cidade me descobri mais e mais assustada e enraivecida, algo muito errado estava acontecendo eu tinha certeza. Não sabia como eu poderia ter conhecimento disso, mas minha certeza era total. Quando dei por mim, estava parada a cerca de dez metros de uma casa de aparência rústica, era feita de madeira como as que a cercavam e parecia muito antiga.
Ouvi um barulho e gritos e minha hesitação terminou.
Adentrei a porta como um raio e contemplei um homem enorme que havia se virado parcialmente para a porta por onde eu havia entrado. A seus pés, para meu total horror, Ethan estava caído. Seu rosto era um borrão de sangue que encheu minhas narinas e minha mente por um segundo, felizmente eu tinha outra coisa com o que me preocupar: meu ódio.
Rugi alto e fiz as madeiras estremecerem. O homem pareceu assustado por um momento, então se virou completamente para mim, ele tinha provavelmente 1,80, grande e largo. Os cabelos no mesmo tom negro de Ethan, a face contraída de raiva. O cheiro de álcool alcançou meu olfato.
Em um segundo estava na frente dele.
- Seu maldito covarde! – chiei entre dentes.
Pulei em cima da mesa para alcançar seu rosto em que desferi um soco, nunca tinha dado um soco em ninguém antes, mas soube que funcionou quando homem caiu para trás com a força. Aproximei-me e comecei a chutar seu corpo, o som de seus ossos quebrando e seus gritos me enchiam de energia, continuei até ouvir sua respiração se quebrar um pouco então me abaixei na altura de seu rosto que havia poupado.
- Monstro! – murmurou ele.
- Exatamente! – respondi veemente.
Tive então o imenso prazer de afundar meus polegares lentamente dentro de seus globos oculares. Ele gritou ainda por um tempo até perder a consciência. O sangue nojento dele agora também me envolvia, mas eu preferiria morrer antes de prová-lo.
Eu estava completamente cega, não precisava pensar no que estava acontecendo, simplesmente fiz o que tive vontade de fazer. Queria que ele sofresse e mais do que isso EU queria lhe provocar dor. Eu queria sentir o cheiro de seu medo correndo pra fora de sua pele, não para me sentir poderosa, mas sim porque ele merecia aquilo, ele merecia punição de qualquer um que pudesse fazê-lo. Naquele momento, tudo o que eu tinha aprendido sobre o certo e errado caiu por terra.
Corri para o lado de Ethan que mantinha os olhos abertos, havia algo de errado com o ritmo da respiração dele.
- Isso... Foi... Lindo... – disse.
“Droga, eu não sei se posso movê-lo! E se tiver alguma coisa quebrada?”
- Ethan, onde tem um telefone? Preciso ligar para um hospital...
- O... Brigado – sussurrou. – Eu... que..ria ter f... eito isso...
Entendi porque ele havia me perguntado se eu poderia transformá-lo meses atrás quando descobriu sobre mim, ele queria se defender e se vingar. Senti uma grande onda de impotência e me vi chorando.
Passei minhas mãos em seu rosto devastado, limpando o sangue de seus olhos. Sua respiração estava mais e mais entrecortada, algo de líquido nela. Contemplei paralisada enquanto ele engasgava com o sangue, seu coração batendo anormal.
- Foi... um pra...zer... Srta...
Eu arquejei entre os soluços.
- Nessie. Meu nome é Renesmee Cullen.
Ele fez um esforço sofrido para sorrir que quebrou algo dentro de mim.
- Voc...ê fez... va...ler a pe...na...
Aguardei enquanto ele lutava para aspirar o ar.
-... viver.
Então, para minha surpresa, ele amoleceu. Seus membros flácidos ao redor do corpo, a cabeça caída.
Continuei como uma estátua, como se me mexer fosse algum tipo de profanação.
Era assim morrer então? Quente, ele estava tão quente que eu conseguia senti-lo. De alguma forma aquilo parecia ser abstrato demais, irreal demais.
Como? Por que eu tinha que encontrá-lo? Para agora sentir algo se rasgando em mim? Quem mais se lembraria? Quem se importaria com sua ausência? E mesmo assim a dor iria passar.
O mais cruel é que mesmo ali respirando o ar que ele havia respirado apenas alguns segundos atrás eu sabia que iria passar e sua presença... Sua presença em minha memória seria tudo o que eu teria dele. E isso simplesmente não era justo.
Fiquei um tempo ainda esperando a próxima respiração, o próximo bater de seu coração, mas nada aconteceu. Sim, sim. Nada na verdade é tão efêmero quanto à dor da perda. Porque nada muda, nada muda depois disso, nada, nada, nada.
E eu chorei, chorei como se não soubesse o sentido que havia em chorar antes. Chorei sabendo que poderia me afogar nas lágrimas e que mesmo assim nunca iria embora, não poderia me livrar dessa sensação de injustiça. A dor da falta nunca superaria a raiva. Ele não merecia aquilo. Tão simples e tão frágil, tão fácil tirá-lo de mim. Dor e raiva por eu estava fadada a viver décadas e talvez séculos sem nunca mais encontrá-lo.
Finalmente rompendo o tempo, consegui me inclinar lentamente em direção aos seus lábios e os toquei com os meus.
Sua voz cantada e ríspida nos meus ouvidos
Seu olhar fixo no meu.
O sorriso.
E o fim.
- O prazer foi todo meu. – respondi antes de partir. 8 – Bella em Whitehorse.

Estava sentada no balanço de Nessie contemplando o espelho d’água, quando Edward se sentou ao meu lado.
- Quer que eu empurre? – perguntou com aquele sorriso de lado que me fazia flutuar.
- Acho que eu consigo lidar com isso sozinha. – respondi sorrindo de volta.
O céu estava aberto e não havíamos ido à escola para que não nos expuséssemos, já que nossa pele reagia à luz solar como um diamante em reflexos brilhantes.
Observei sem me cansar os detalhes da face perfeita de Edward, antes de me permitir passar a mão em seus cabelos.
- Você foi ver Jacob. – Edward declarou onisciente.
Eu concordei com minha cabeça.
- Já fez um ano que ela partiu, Edward...
- Eu sei.
Encaramos em silêncio a paisagem por alguns momentos, relembrando nossa filha perdida.
- Se ela não mandasse aquelas cartas para Charlie toda semana, acho que ficaria louca...
Depois de Jacob ter retornado do encontro que teve com Renesmee no Alaska -disse ter perdido sua pista em uma cidade próxima ao Deadman’s Lake -, passamos um bom momento em suspenso, pensando se deveríamos segui-la e esperando alguma visão de Alice para nos ajudar.
No meio dessa tensão, Charlie me ligou e fiquei totalmente indecisa sobre o que contar sobre Nessie, já que ele costumava conversar com ela pelo telefone. Ele me poupou algum trabalho quando esbravejou se eu estava louca por colocá-la em Colégio Interno com tão pouca idade.
- Como é? – perguntei me sentindo idiota.
- Ela me escreveu de lá me dizendo o quanto estava adorando o lugar... Mesmo assim, Bells, acho que ela é muito nova para ficar longe de vocês assim. Eu sei que talvez esteja me metendo demais na sua vida, mas tem certeza de que é mesmo uma boa ideia?
Ainda bem que ele tinha me feito uma pergunta, assim eu pude ficar um tempo em silêncio processando o que ele tinha acabado de me dizer.
- Char... Pai, se ela disse que estava gostando, por que você está tão preocupado? Na verdade o... Colégio Interno foi ideia dela. Mas ela não me disse que tinha te escrito.
- Ela me contou que vocês vão visitá-la sempre e por isso é que não têm mantido contato comigo.
Outro choque.
- É claro. Ela parece muito... Feliz.
- Bom, é claro que é uma menina inteligente e pela carta dá pra perceber que tem estudado bastante.
Fiquei muito curiosa
- É mesmo?
- Oh, sim. Chega a assustar como parece um adulto escrevendo.
Eu dei uma risada forçada e tentei terminar a conversa o mais rápido que pude, antes de perder o autocontrole. Quando desliguei o telefone, passei a novidade para os Cullen que relaxaram quase que em sua totalidade. Ela estava segura e bem, aquilo era o que mais importava para a maioria deles.
Edward ficou um pouco irritado por Alice não ter sabido disso, mas como toda a história de Colégio Interno que Nessie contou era mentira, ela não tinha como ter uma visão de algo que não existia.
Com a partida de Nessie, duas pessoas da família estavam muito diferentes: Rosalie e Jasper.
Jasper que já havia tomado um choque após minha transformação – devido ao meu autocontrole mesmo sendo uma vampira recém-nascida –, começou a mudar assim que percebeu a falta de Nessie na casa.
Ele estava tão natural e pacífico como nunca o vira antes, parecia que não havia mais nada de errado no mundo, até na escola aquela expressão de dor de barriga tinha sumido...
Perguntei a Edward uma noite o que aquilo queria dizer e ele me explicou que Jasper tinha descoberto que sua falta de controle era puramente mental. A partida de Nessie, sua maturidade avançada e a coragem que tinha mostrado ao decidir ir embora provocaram a mudança. Ele apenas precisava do estímulo, todos estavam contentes por ele. Alice, é claro, estava vibrando.
Já Rosalie... Bom, ela estava muito mal. Era como se não tivesse mais objetivo algum, sua melancolia tomava conta de todo o ambiente. Emmett estava preocupado e Edward tinha que tranquilizá-lo sempre, mas eu não tinha certeza que seria tão fácil para ela voltar ao normal.
Aquilo me fazia pensar se eu deveria me sentir pior com relação à partida de Renesmee, afinal, ela era minha filha e não a de Rosalie. Eu não estava exatamente me arrastando pelos cômodos com um olhar perdido como ela.
- Se você ficar pensando dessa forma, vai acabar louca. – Edward tentou me tranquilizar.
- Você não tem obrigação de se sentir mal. Se você quer saber, eu sinto orgulho de Nessie.
Eu ergui involuntariamente minhas sobrancelhas e ele reparou.
- Ela está fazendo o que acha certo, Bella. As pessoas não criam filhos para elas mesmas e sim para o mundo. É claro que é uma lástima termos tido tão pouco tempo com ela, mas não há nada que possamos fazer em relação a isso.
Eu entendi o que ele queria dizer e tentei parar de me sentir uma mãe horrorosa.
- Não é como se ela fosse nos agradecer se a trouxéssemos de volta à força. – ele terminou de dizer.
Nisso ele tinha razão. Se fosse eu no lugar dela, odiaria ser arrastada contra a vontade.
Mas quando contei para Jake sobre a carta de Nessie, o brilho de determinação em seus olhos não poderia ser destruído por nenhuma dessas palavras.
Ele partiu no dia seguinte para Forks e entrando escondido na casa de Charlie (isso idiotamente me chateou), leu a carta e copiou o endereço da instituição em que Renesmee tinha dito estar estudando. Ele ligou assim que fez seus planos, queria dinheiro para ir atrás dela na Europa – o Colégio era na Inglaterra.
Nada no mundo podia me surpreender mais do que Jacob Black pedindo dinheiro e ainda para os Cullen, mas era verdade. Tentei convencê-lo a viajar depois do Natal, mas ele não queria ouvir nada do que eu disse. Edward aceitou e depositou o dobro da quantia que ele tinha pedido em uma conta para ele, além de arrumar toda a documentação.
- Ele não nos dará paz se eu negar. – justificou Edward.
Em março, no entanto, eles retornaram sem nenhuma notícia de nossa filha. Percorreram quase todo o Reino Unido sem conseguir nenhuma pista significativa. Ela realmente era muito boa para esconder seu rastro – eu quase esperei que eles encontrassem alguma coisa. Quando perguntei para Edward como Nessie podia estar fazendo aquilo, um brilho estranho surgiu em seus olhos.
- Eu e Carlisle temos uma teoria...
Eu o incentivei com um gesto impaciente.
- Achamos que ela tem conseguido realizar outras coisas com seu poder.
A notícia me surpreendeu, não tinha pensado naquilo. Fazia todo o sentido, é claro.
Fiquei curiosa sobre o que minha menininha podia fazer agora... E com medo também. Sempre com medo por ela.
Depois de retornarem, Jacob e seu bando alternavam-se em viagens a Forks, Whitehorse e voltaram à Inglaterra mais uma vez em Junho, depois do casamento de Rachel e Paul.
Naquele momento em que Edward me encontrara no balanço, eles tinham acabado de voltar de mais uma busca infrutífera e eu os tinha visitado. Jacob estava realmente mal. Tinha um ar envelhecido, seus olhos estavam meio mortos e quando falava, parecia um pouco desacordado da realidade, perdido. Senti-me mal por ele e tentei dissuadi-lo daquela busca infinita, mas ele nem me deixou começar:
- Não adianta, Bells, eu não consigo. – ele olhava através de mim, pude sentir como queria desistir, era algo que ultrapassava seu controle.
Senti as palavras morrerem na minha boca.
Leah e Brady estavam estirados no sofá de forma estranha.
- Você não pode, sei lá, deixá-los irem embora? – perguntei, tentando não soar intrometida.
Jacob seguiu meu olhar e encarou os dois, uma sombra de sorriso surgiu em seu rosto. Não foi uma imagem agradável.
- Eles não querem. Os dois idiotas preferem ficar comigo assim a voltar para Forks.
Brady virou a cabeça em nossa direção.
- Ei, eu gostei da Inglaterra. Até valeu a pena a tortura mental...
Leah respondeu com um estralo da língua.
Jacob fez uma careta engraçada na direção dos dois. Talvez fosse melhor se estivessem juntos, os manteria sãos.
Era assim que as coisas estavam quando ouvimos um grito vindo da casa. Edward sentado ao meu lado no balanço perdeu o foco do olhar por um milésimo de segundo e pareceu empalidecer, se é que isso era possível.
- Vá chamar os Lobos e nos encontre na casa! – ele disse autoritário. Senti frio.
- Edward, o que está acontecendo?
- Por favor, Bella, vá logo.
Um minuto depois, estávamos na sala da casa. Alice estava estranha, preocupada.
- O que aconteceu? – Jacob interrompeu o silêncio incômodo.
- Eu vi algo. – Alice declarou, parecia consternada.
Oh não, oh não... Era ruim. Edward segurou meu braço, me senti estranha.
- Onde? – Jacob perguntou enérgico.
Ela hesitou e encarou Edward.
- Irlanda. – respondeu o olhando fixamente
- O que há de errado? – Perguntei ávida, ninguém respondeu. - Alice? O que há de errado? - insisti.
-A pessoa que ela viu... Falou o nome de Nessie antes de morrer.
Um arrepio correu a sala que pareceu gelada de repente.
Partimos imediatamente: Alice, Jasper, Edward os Lobos e eu. Os outros ficaram na casa. Rosalie insistiu em ir, mas acabaram a convencendo que ela não estaria racional o suficiente para nos acompanhar – como se todos nós não estivéssemos loucos de preocupação.

9 – Encontrada.

Depois de sair daquela casa repleta de morte, vaguei sem destino pelas ruas por um tempo. O choque foi esfriando conforme meu lado lógico assumia, me convenci que devia guiar meus pensamentos para qualquer outra coisa, algo real. Eu tinha de partir.
Quando estava quase amanhecendo, me dirigi à estação de trem onde havia deixado o dinheiro que sobrara de Edward e algumas mudas de roupa (tudo o que precisaria pra uma fuga rápida). Guiei-me entre a multidão até os armários comunitários em passos rápidos.
As pessoas fingiam não ver minhas roupas manchadas de sangue, como sempre, meu corpo infantil ajudava em meus planos. De qualquer forma, eu fiquei mais tranquila depois de ter me trocado.
Peguei o primeiro trem que vi e deixei o país imediatamente, estava me utilizando de uma senhora chamada Wanda como adulto responsável por mim. Incluí-me em suas memórias como uma sobrinha e seguimos conversando por toda a viagem sobre assuntos diversos e ao mesmo tempo sem nenhuma importância.
A maravilha da Europa era a facilidade para mudar de país.
Cheguei a Edimburgo em um dia e imediatamente “providenciei” uma passagem com um passaporte imaginário (aquele tipo de projeção estava ficando cada vez mais fácil) ainda com o auxílio de Wanda. Depois segui em companhia de um jovem para passar pelas alfândegas até aterrissar em Portugal apenas 48 horas depois de ter deixado à Irlanda. Apaguei a sua memória assim que saímos da zona de desembarque.
Estava cansada, mas de alguma forma não me sentia segura. Ainda não tinha parado, como se meu cérebro estivesse só parcialmente ligado.
A primeira coisa que fiz em Portugal foi ligar para o Orfanato Saint Patrick, eu não poderia deixar que o corpo de Ethan ficasse abandonado naquela casa por mais tempo. A Madre Ruth atendeu ao telefone:
- Saint Patrick.
- Madre Ruth... é a Scarlett.
- Senhorita Scarlett, estava esperando a sua ligação. Ou deveria dizer Renesmee Cullen?
Opa. Como diabos ela sabe disso? Ela nem ficou surpresa por me ouvir falando!
- Alguns familiares seus estão em meu escritório desde quinta-feira, e devo dizer que não foi algo confortável para mim. – disse de forma áspera.
“Como se eu me importasse”, suspirei.
- Quem está aí? – perguntei autoritária.
Ouvi um barulho e depois...
- Nessie? – era Bella.
- Ah. Oi, mãe.
Um milhão de imagens passaram na minha cabeça imediatamente.
- Eu tô bem. – informei antes de ela pirar.
- Sei... Nós não podemos conversar direito agora. Tem como ligar para o meu celular?
Eu inspirei, se eu ligasse sabia que me rastreariam e estariam em meu encalço em pouco tempo. Eu não duvidava que existisse um satélite com o nome dos Cullen gravado nele.
-Tudo bem. Dois minutos.
O telefone desligou.
Eu esperei e liguei para ela, como pedido.
- Renesmee Cullen, onde você está? – seu tom era uma tentativa de algo autoritário.
Eu quase ri, que diferença!
- Ei, se acalma!
Ouvi outro barulho, alguma discussão e então...
- Nessie. – era Edward.
- Minha nossa! Todo mundo veio?
- Nessie, quem eram aquelas pessoas?
Engoli em seco e senti como se algo frio descesse pela minha espinha. Eles sabiam.
- Nessie, por favor, estamos preocupados...
- Alice?
- Sim. Ela viu o garoto dizendo o seu nome. Chegamos aqui na mesma noite, mas não conseguimos encontrar a casa facilmente, seu cheiro mudou muito. Quando a encontramos, os corpos já estavam frios... E você tinha partido.
“Por pouco...”
- Bem, se você quer saber, eu matei o desgraçado.
Houve um silêncio. Tinha certeza que mais gente ouvia a conversa, eu tinha dito alto o suficiente para que todos escutassem.
- Você vai voltar pra casa agora! – ele disse com a assustadora voz gelada.
“Merda! Por essa eu não esperava”.
- Não. – respondi resoluta.
Mais alguns barulhos e agora...
- Nessie...
“Ah. Puta-que-pariu, Jacob.”
Segurei a respiração um segundo para me acalmar, enquanto sentia meu corpo vibrar em uma onda de satisfação.
- Jacob. – foi tudo o que consegui dizer sem soar patética. Mais patética, quero dizer.
- Você matou um homem. – ele não estava feliz, a voz quase um grunhido.
- Yeah. Se é que se pode chamar aquilo de homem. – me irritei.
- O que você quer dizer? – agora havia um tom melancólico e condescendente, como se estivesse falando com uma criança. Ou alguém louco que não fizesse sentido.
Eu estava apostando na segunda opção. Inspirei profundamente, puxando uma calma que não sabia que tinha.
- Aquele garoto... Era meu amigo. O cu... O homem que o estava espancando era pai dele. Quando eu os encontrei, Ethan já estava quase morto.
Silencio mortal do outro lado. Alguma discussão e então...
- Eu sinto muito. Mas você precisava ter feito aquilo com os olhos dele? Precisava matá-lo? – era Bella de novo.
- Eu sei que deve parecer extremo pra vocês, mas podemos dizer que agi conforme o momento.
Ouvi grunhidos de desaprovação e alguma discussão.
- Juro que entendo que o que eu fiz foi extremo, mas eu nunca tinha sentido tanto ódio na minha vida. Não se preocupem que não virei um Serial-killer. Vocês têm que entender que eu não quero que vocês “sintam muito” e sinceramente nem pensei em outra coisa. – respondi infeliz, mas com autoridade. – Desculpe se isso é ruim para vocês ouvirem, mas eu não me arrependo de ter matado aquele bastardo de merda.
- Nessie! – ainda Bella, visivelmente surpresa.
- Espero que todos vocês ouçam isso. Eu não posso voltar. Como vocês estão vendo, eu tenho outros tipos de pensamentos agora. E atitudes. E linguajar.
- Como você pode dizer isso? Como você pode ter feito...
Barulhos a interromperam.
- Como assim? O que mais Nessie? – era Edward de novo, achei ter distinguido as vozes de Jacob e Jasper discutindo no fundo.
- Estou me alimentando de sangue humano.
Silêncio mortal total.
“Uhu!”, pensei infeliz.
- Como é que é? – ouvi Jake no fundo gritar e Bella soltar um xingamento. - Querida...
- Espera, deixa-me terminar. Eu não tô matando ninguém nem nada, bom, a não ser o que vocês encontraram e eu nem toquei no sangue dele. Sei que é difícil de acreditar, mas eu não me descontrolo. Um pouquinho já me satisfaz, na verdade.
- As mordidas... – ouvi nitidamente Jasper agora.
- É... Ethan me... hum... ajudava.
Assovios e Jacob bufando de raiva.
- Ei, ele fazia por que queria, tá legal?
- Tenho certeza que sim. – respondeu Edward, desconfortável.
- Vocês entendem por que não posso voltar?
Edward soltou o telefone.
- Renesmee, volte conosco, nós daremos um jeito. Vamos te ajudar... – era Bella.
- Eu não quero e nem preciso de ajuda. Não é assim que vocês vivem e é desse jeito que quero viver. Mãe, eu conheço vocês: nada de violência, nada de sangue humano. Eu estou seguindo minhas próprias regras agora.
- Nada disso interessa, eu vou atrás dela. – era Jacob ao fundo.
- Hunf. Jacob Black, será que dá pra você me deixar em paz? – gritei.
- Como se eu pudesse. – respondeu ele, zangado.
- Ótimo, da próxima vez vou bater a sua cabeça com o dobro de força!
Ouvi Jasper rir alto e depois ser interrompido por um grunhido.
- Até mais, família. Amo vocês!
Desliguei ignorando os protestos e peguei um trem para a Espanha, antes de fazer Scarlett sumir como fumaça.

10 - Olá, Nahuel.

Cheguei a Caracaí quase derretendo de suor, o calor infernal me dando vertigens – há tempos eu não me alimentava com sangue, principalmente humano.
Desci do ônibus e entrei no primeiro hotel que avistei, parecia barato, o que era bom, já que queria preservar meus recursos.
Era 13 de Outubro e agora eu aparentava um pouco mais de dez anos, havia usado alguns meses para despistar aqueles a quem mais amava de me encontrarem e também para colocar minha cabeça no lugar – meu aniversário de três anos havia passado em um longo passeio de trem – mas a recepcionista do hotel não pareceu estranhar eu estar desacompanhada.
Peguei a chave, pagando metade do valor do aluguel, quase desmoronando. Fazia tempo que não tinha uma boa noite de sono.
Tomei uma ducha rápida e gelada antes de desmaiar em um sono de dez horas.
Quando finalmente despertei, estava dolorida e fraca, mas algo fez meu coração saltar, não tinha acordado de forma natural. Havia dois homens no corredor planejando em tom sussurrado me assaltar e aquilo havia me despertado.
Sorri involuntariamente.
“Comida grátis”.
Aguardei atrás da porta, que foi aberta com a chave – a recepcionista devia ser cúmplice. Os dois homens adentraram silenciosamente encarando o volume feito de travesseiros embaixo dos lençóis, deixei que ficassem um segundo de costas para mim antes de acertar o mais próximo na cabeça com um bastão que carregava na bolsa. – mesmo uma garota meio vampira tem que se prevenir.
O segundo se virou com uma faca, mas ainda fraca eu era mais rápida que ele. Saltei em seu pescoço com um leve rosnado e mordi com vontade, enquanto ele perdia o equilíbrio e caía no chão.
Dei um soco em sua cabeça para desmaiá-lo e, atenta ao seu ritmo cardíaco, suguei até senti-lo mais lento. Depois que parei, limpei a ferida e alterei as suas memórias, apagando a cena e montando um ataque na mata próxima.
O difícil seria arrastá-los, mas agora pelo menos eu estava alimentada.
Sentei na cama, pensando no que poderia fazer, quando um barulho me fez olhar para a janela assustada. Quase caí pra trás: Nahuel estava empoleirado na balaustrada como um grande pássaro.
- Caralho! – disse, enquanto me certificava de que meu coração continuava no lugar, dentro das costelas.
- Olá para você também. – disse em português.
Seu perfil era incrível diante da Lua Cheia que iluminava em cheio a janela do quarto. Quem se colocasse à disposição de lançar olhares nessa direção, iria ter uma bela surpresa.
- Visitas interessantes. – apontou com a cabeça. Fiz uma careta.
- É. Então, não tá a fim de me dar uma ajuda?
- É claro. – ele disse sorridente. Que estranho, havia alguma coisa errada...
Fiquei o encarando enquanto ele colocava o primeiro homem facilmente sobre o ombro direito e pegava o segundo no colo com a mesma facilidade.
- Hunf. Ainda bem que tive um bom jantar. – resmungou.
O que era? O que estava me incomodando?
- Você... Está diferente do que me lembro – eu disse.
Ele se virou para mim, seus olhos brilharam no escuro, algo malicioso.
- Você também. – sentenciou, sem esclarecer.
- O que eu faço com eles? – mudou a conversa.
- Jogue-os na mata. – ordenei.
Ele me encarou fixamente um minuto, um arrepio percorreu minha coluna, lembrava o olhar de um felino.
- Eles não vão se lembrar de nada – enfatizei.
Ele parecia intrigado, mas agilmente – com uma velocidade que me estonteou – pulou pela janela e sumiu na escuridão.
Apenas alguns minutos se passaram até ele retornar. Eu havia me trocado durante sua ausência e aguardava sentada em uma cadeira.
Pulou para dentro do quarto sem nenhum ruído e segurou meus olhos com aquele olhar tão diferente do que eu me lembrava.
- Podemos ir? – finalmente disse.
- Sim. – eu peguei minha bolsa e abri a porta.
Ele cruzou os braços.
- Aonde você vai?
- Eu tenho que pagar o resto...
Ele riu. Uma risada estranha que me ofendeu.
- Elisa mandou aqueles homens atrás de você e ainda quer pagá-la?
Endureci.
- Se eu não pagá-la irão desconfiar de mim, entendeu?
Ele então deu de ombros.
- Como quiser, esperarei lá fora.
Eu desci e com ar indiferente, paguei à recepcionista que pareceu espantada, mas não disse nada.
Nahuel me esperava na esquina, os braços nus cruzados no peito enquanto se apoiava com os ombros em um poste de luz. Eu não sabia dizer se ficou ali propositalmente para que eu pudesse observá-lo melhor, só sei que foi isso que fiz. Continuava tão bonito quanto eu me lembrava.
A luz acertava em cheio seu rosto redondo de pele acobreada e seus olhos ocres amendoados pareciam dançar em minha direção. Ele devia ter quase um metro e oitenta e seu corpo me lembrava o de um nadador profissional, já que apesar de esguio, os seus músculos eram tão destacados que eu conseguia distingui-los embaixo da camiseta branca, com suas costas largas e quadril mais estreito. Diferente da massa de músculos de certo alguém, que tinha o quadril reto e os braços como toras... Mas por que diabos eu tinha que me lembrar disso nessa hora?
A longa trança de cabelos negros estava sob seu ombro esquerdo, o que fazia destacar talvez mais fortemente o formato masculino de seu rosto. Porém, antes havia uma tristeza quase inocente em seus olhos e agora ele tinha um ar cruel e malicioso... De onde vinha aquela mudança?
Eu sabia que ele era velho – mais antigo que meu pai –, mas como poderia alguém mudar tão drasticamente em tão pouco tempo?
Ele esperou eu retornar para seu rosto depois de medi-lo e deu um sorriso meio violento em retribuição – digo isso por causa do olhar que acompanhava o retorcido da boca. Que estranho, chacoalhei a cabeça confusa. Valeria à pena continuar aqui? Eu estava curiosa o suficiente, mas de repente parecia arriscado.
- Gosta do que vê, Anhangá?
Eu inspirei e soltei de forma lenta. Talvez fosse mais difícil do que eu pensava.
- Ainda não sei. E se não se importa, pode não usar palavras que não conheço?
- Ah. Eu me importo sim. – sorriu de novo e me dando as costas, começou a andar sem esperar. Depois de um segundo de surpresa eu o acompanhei infeliz.

11 – As Irmãs Mestiças.

Caminhamos certo tempo por dentro da mata, permanecendo em silêncio. Ele se movia agilmente, afastando os galhos e os soltando logo em seguida sem se importar nem um pouco comigo que vinha atrás. Eu segurei os xingamentos dentro da minha cabeça e continuei andando cada vez mais irritada.
Pernilongos voavam ao redor da minha cara, o que tinha piorando meu humor, quando, finalmente, ele parou em frente a uma cabana. Nada como uma competição de sanguessugas alados.
Perguntei-me se estavam montando estratégias pra conseguir perfurar minha pele... Com certeza eles pareciam obstinados o suficiente.
Sem se virar, ele bateu na porta, enquanto eu tentava afastar os insetos com a mão. Foi quando ouvi passos e a entrada foi aberta. Nahuel entrou ainda sem se virar e eu, repentinamente ansiosa, o acompanhei.
Lamparinas estavam penduradas dos dois lados do recinto e atrás da porta havia uma mulher – mestiça, deduzi, devido ao batimento cardíaco acelerado. Ela era branca com olhos bastante abertos e boca em formato de coração. Cachos loiros corriam até seus ombros. Assim que me viu, sorriu e eu tive que corresponder, pois ela emanava algo de sincero e doce.
Olhei para frente, era um espaço único com uma mesa do lado esquerdo. Nesta mesa duas outras mulheres estavam sentadas: a primeira estava em uma cadeira de frente para a porta com os braços apoiados no tampo e era completamente diferente da mestiça que tinha aberto a porta. Sua pele era negra como a noite e seus olhos eram completamente acinzentados – ela nunca poderia disfarçar aquilo a não ser com lentes de contato.
Na cadeira ao seu lado, mas de perfil para mim, uma terceira mulher encarava com apenas o rosto voltado em minha direção, o longo corpo estava voltado para a mulher negra. Esta parecia mais alta que as outras duas e sua pele era de um tom moreno que me lembrou da mistura de café com leite que tomávamos no orfanato. Seus cabelos castanhos eram compridos e caiam com leves ondas. Ambas tinham batimento cardíaco.
À minha direita, havia quatro redes de dormir dispostas de modo a ficarem em dois pares: as de cima com meio metro de diferença das de baixo.
Huilen estava em pé ao lado dessas redes com seus olhos vinho fixados diretamente em mim.
“Iupi!”, fiz mentalmente sem vontade. “Onde diabos eu fui me meter?”
- Boa noite. – disse em português, tentando soar educada.
- Renesmee, estas são Henrietta, Plata e Yara. – Nahuel apresentou na mesma ordem em que eu as tinha observado – Minhas irmãs.
Henrietta, a mulher loira e simpática, acenou com a mão, Plata (a de olhos cinza) e Yara apenas me dirigiram acenos com a cabeça.
- Muito prazer. – continuei em português.
- E este aqui – acrescentou ele. – é Joham.
Surpresa, eu segui seu olhar que estava fixo bem no centro da mesa. Respondendo ao meu ar de confusão, ele alcançou a coisa estranha e virou com uma mão para mim. Um rosto deformado me encarou. Era uma cabeça cortada.
- Nahuel! – Henrietta protestou.
Eu sequer havia piscado, então engoli em seco.
- O que aconteceu? – consegui formular em uma voz fraca.
Um momento de silêncio.
- Os Volturi fizeram a visita que prometeram. – Nahuel respondeu por elas, sarcasmo fluindo em minha direção.
Sem querer, eu sorri. “Oh, isso pode ser útil!”
Plata se levantou diante de minha reação, enquanto Yara soltava um silvo, então percebi o que tinha feito.
- Ah, por favor, me desculpem... – tentei concertar, aterrorizada.
“Puta merda, aquela mulher vai me matar”. – a qual mulher meu cérebro se referia eu não saberia dizer. Nahuel colocou a mão direita no ombro de Plata e ela se sentou. Ele me encarava. O que era aquilo? Admiração? Interesse? Divertimento?
- Pode nos explicar por que sorriu ofendendo a minha família? – ele perguntou tentando parecer ofendido, mas ele mesmo sorria de uma forma nada ofendida.
Fiz uma careta.
- Bom, pra falar a verdade, é que isso talvez me ajude de certa forma... – tive que dizer, ainda naquela desprezível voz fina.
Agora eles pareceram interessados... Todos se moverem estranhamente, se juntando no fundo da cabana para me encarar.
“Pa-ra-béns! Você acabou de declarar sua sentença de morte”.
Comecei a olhar para as janelas, mas tinha a forte impressão que nunca ia conseguir escapar daqueles cinco. Huilen, pelo menos, me alcançaria num piscar de olhos se quisesse e arrebentaria minha cara com apenas um dos dedos...
- Você pode explicar melhor? – finalmente Yara perguntou, a voz era um pouco grave o sotaque arrastando as palavras.
Eu hesitei. Meus planos tinham que envolver o menor número de pessoas possível -os Volturi já estiveram aqui e poderiam voltar. Por outro lado, eu precisava de ajuda e talvez eles quisessem vingança, o que viria a calhar perfeitamente...
- Olha, eu sei que pode parecer loucura, mas eu tenho... Hum... Uma missão.
Nahuel ergueu a sobrancelha esquerda, visivelmente intrigado. Plata permanecia sentada impassível e Yara endureceu. Henrietta e Huilen pareceram incomodadas.
“Qualquer ser com um montículo de cérebro ia entender o que eu quis dizer – eu fiquei feliz que disseram que os Volturi tinham matado o tal Joham e agora eu disse que tinha uma missão: ou seja, tinha algo a ver com os Volturi, certo?”
- Não podemos participar de nada disso. – declarou Huilen, sem alterar a face de pedra.
- Nahuel, por favor, isso é loucura... – Henrietta pediu.
Yara ergueu a mão esquerda calando a irmã que devia ser mais nova. Eu me lembrava de Nahuel ter mencionado que ela tinha alcançado a maturidade há apenas dez anos, no encontro com os Volturi.
Yara, Plata e Nahuel se encararam por um momento. O olhar cruzado foi rápido: primeiro Yara olhou para Plata (parecia avaliar), depois para Nahuel (de forma ofendida e ameaçadora), então deu um olhar de relance para mim e voltou a encarar Plata. Esta, no entanto, agora tinha os olhos presos em Nahuel.
- O que você acha? – perguntou este em tom sério para Plata, como se ignorasse a outra irmã.
Para minha surpresa, a mulher sorriu da mesma maneira cruel, enquanto virava-se em minha direção novamente, interesse genuíno em suas feições.
- Vamos ouvir o que ela tem a dizer. – respondeu em português.
Eu, de repente, me senti segura e confiante o suficiente para adquirir minha postura natural.
- E elas? – perguntei autoritária indicando com as outras três.
Yara se ergueu da cadeira, Henrietta soltou uma exclamação e não prestei atenção na reação de Huilen.
- O que têm elas? – perguntou Nahuel.
- Se não vão se envolver, seria melhor que não se lembrem dessa conversa, caso...
Perguntem por nós ou algo do gênero. Silêncio pesado.
Se eles se espantaram fingiram muito bem. Finalmente Yara encarou Huilen que assentiu.
- Você está certa. Pode fazer isso? – perguntou a morena, prendendo meus olhos nos seus castanhos amarelados.
Eu sorri confiante. Se não pudesse fazer, sequer teria mencionado, eles sabiam disso. Em vez de responder, no entanto, me lembrei de um detalhe.
- Quem veio dos Volturi? O que eles sabem sobre vocês?
Uma pausa e então Plata falou:
- Caius, Jane, Demetri e uma parte da guarda. Aro queria vir, mas foi convencido a retornar para Volterra. Parece que não gosta de florestas. – sua voz era um pouco menos grave do que a de Yara, mas tinha algo de animalesco.
“De qualquer forma, ele saberia de tudo quando lesse suas mentes”.
- Eles não sabem nada importante sobre nós. – completou Yara.
“Ótimo”, pensei enquanto assentia o mais gravemente que consegui.

12 – Finalmente Companhia.

Eu pedi para ficar a sós com Yara, Henrietta e Huilen.
Primeiro apaguei totalmente a memória de Huilen - de ter me visto e tudo o mais - e criei uma memória falsa em que Nahuel e Plata haviam decidido viajar sem motivo algum, a fim de conhecer novos lugares e Huilen não havia desejado acompanhá-los.
As irmãs observaram o procedimento e então Yara se aproximou de mim.
- Você esteve com as amazonas, não é verdade? – perguntou ela.
- Sim. – confirmei um pouco confusa.
- Você acha que elas nos aceitariam? – continuou, fazendo um gesto em relação à Henrietta e ela.
Eu pensei um momento.
- Não tenho certeza de como vivem, mas se vocês se identificarem como irmãs de Nahuel, tenho certeza que as considerariam como aliadas.
Ela ponderou um segundo.
- Nós temos como saber, se vocês entrarem em perigo. – disse finalmente, para minha surpresa.
- Não acho sábio que interfiram, se este for o caso. – fiz, enquanto ponderava as possibilidades.
- Então quando nós sentirmos o perigo, temos que saber que não devemos nos envolver.
Eu a encarei. Isso significava o que, exatamente?
- Não se preocupe, darei um jeito.
Então me aproximei dela e depois de apagar a memória recente, forcei em sua mente um alerta. Apenas uma memória falsa com Nahuel e Plata dizendo para se manterem afastados mesmo se os sentissem em perigo. Henrietta observou o procedimento em silêncio.
Quando foi sua vez, fiz algo diferente: me concentrei fortemente e deixei minha mente alcançar a dela, sua memória nítida em minha cabeça. Então eu a envolvi como um escudo, escondendo de sua própria mente como uma capa que poderia ser removida.
- Henrietta, quando você ouvir a voz de Nahuel, se lembrará de tudo, está me entendendo?
Como em uma hipnose, ela chacoalhou a cabeça em concordância.
Aquilo tinha me cansado bastante mentalmente, mas fiquei feliz. Tinha certeza que daria certo.
Eu saí da cabana e segui os odores de Plata e Nahuel, que estavam a cerca de cinco metros para o leste, dentro da floresta.
- Pronto? – ele perguntou.
Eu acenei enquanto os observava, Plata parecia um pouco ofensivamente impressionada.
- Se Henrietta ouvir sua voz, ela vai lembrar tudo e Yara se lembrará apenas de que não deve interferir se nos sentir em perigo. – eu dei de ombros.
Eles consideraram minhas palavras seriamente. Senti certa tensão no ar, então quebrei o silêncio.
-Podemos nos distanciar antes de conversarmos? Não quero encontrá-las ou teria que fazer tudo de novo...
Os dois se entreolharam e começaram a correr automaticamente. Eu fui ao encalço deles, um pouco surpresa com a velocidade que conseguiam alcançar, me forçando a avançar.
Corremos por um bom tempo, até começar a amanhecer. Durante esse período, minha mente conseguiu voltar ao normal, o exercício físico não me cansou devido ao sangue que eu havia ingerido recentemente.
Finalmente alcançamos uma cachoeira e os dois pararam automaticamente. Plata se sentou e Nahuel imitou seu movimento, ficando de cócoras. Eu continuei um tempo parada em pé, contemplando a paisagem que era estonteante.
Num movimento, me juntei a eles, retirando minha bolsa do ombro. Estava agitada, algo importante estava começando, eu tinha certeza.
Eles realmente não precisavam de mim (poderiam fazer seus próprios planos), mas acho que estavam curiosos o bastante para deixarem se envolver.
- Certo. – comecei. – O que querem saber?
Eles se entreolharam e eu esperei pacientemente.
- Qual o seu objetivo? – perguntou Plata, prendendo meus olhos naquele prateado estranho.
Eu suspirei antes de responder.
- Destruir os Volturi.
Eles continuaram sérios.
- Por que você acha que pode fazer isso? – era Nahuel, ele parecia vivamente interessado.
Eu comecei a me sentir meio estúpida, mas tinha que contar tudo se queria a ajuda deles.
- Porque alguém teve uma Profecia dizendo que eu poderia fazê-lo. – respondi, esperando incredulidade ou sarcasmo. Para minha surpresa, encontrei apenas espanto.
- Pode nos falar mais sobre isso? – era Plata de novo.
Então eu contei sobre o velho Quil Ateara e suas palavras. Também contei como tinha deduzido o que eram os peões e os cavalos.
Eles ficaram silenciosos após meu jorro interminável de memórias.
- Acreditamos em você. – finalmente disse Nahuel.
- Por quê? – alfinetei, afinal, eu era jovem o bastante para não ser levada a sério e tinha optado por não lhes mostrar as imagens das cenas, como Nahuel sabia que eu podia fazer.
- Digamos que nós já vimos coisas absurdas o suficiente pra podermos acreditar. - justificou.
Eu absorvi isso por alguns momentos.
- Vocês vão me ajudar? – segurei minha respiração por um segundo.
Os dois me encararam e de repente pude identificar a semelhança que os tornavam irmãos.
- Sim. – respondeu Plata duramente.
- Eu não perderia essa diversão por nada. – fez Nahuel, um sorriso verdadeiramente cruel preso no rosto.

13 – Conexão.

Senti-me encantada e totalmente apreensiva. As minhas decisões agora englobariam duas vidas, quanto tempo eu estaria presa com aqueles dois estranhos? Que espécie de relacionamento poderíamos ter?
Fechei meus olhos e tentei formatar meus pensamentos. Tínhamos que nos conhecer primeiro para poder haver algum tipo de confiança – e confiança provavelmente seria essencial dali por diante.
- Muito bem. Acho que primeiro temos que nos conhecer um pouco melhor. – comecei.
Nahuel me olhou parecendo encantado.
- Como faremos isso? – inquiriu.
“O que era aquilo? Malícia?”, transformei meus olhos em fendas.
- Seria interessante saber, por exemplo, como você se transformou de alguém melancólico em um...
Ele abriu um sorriso maior.
- Um? – incitou feliz.
- Nisso! – fiz, com um gesto exasperado.
Plata cruzou os braços com o começo de um sorriso.
- Muito facilmente, se quer saber.
“Ele está tirando um sarro da minha cara...”.
- Será que pode ser mais específico? – soltei entre dentes.
- Mas é claro! Bem, como você sabe há um tempo seus parentes – Alice e Jasper – vieram atrás de mim para ajudá-los a se livrar dos Volturi. Quando vi Jasper, devo dizer que fiquei bastante, hum, digamos... Impressionado...
Eu sorri involuntariamente.
- É, ele causa esse tipo de efeito quando se observa as cicatrizes de perto. – não pude deixar de comentar. Jasper havia estado em guerras contra vampiros recém-criados e sobrevivido.
Plata riu abertamente.
- Sim, é claro. Qualquer um iria querer parecer menos ameaçador na frente dele, se é que você me entende.
- Entendo completamente.
“Covarde”, pensei.
- Mas como você fez? – insisti.
Ele piscou fingindo surpresa.
- Escondi minha personalidade.
Eu continuei encarando e ele soltou um suspiro falso de exasperação.
- Bem, acho que você deve ter percebido que nós fierbintes temos um cérebro que funciona de maneira diferente...
Eu pisquei não entendendo.
- Fier... o que?
- Oh, você não sabe? – ele estava se esbaldando.
- Como ela ia saber? – cortou Plata, que parecia irritada.
- Continue! – exigi.
-Bom, nós mestiços, temos um cérebro diferente que nos possibilita certas coisas como esta. É claro que isso vem com certo treino...
Ele tinha tido séculos para treinar, entendi.
- Quando soube que seu pai e Aro poderiam ler minha mente, armazenei minha personalidade verdadeira em uma parte e “tranquei”. Podemos dizer que eu não queria que soubessem a extensão de meu conhecimento...
Aquilo era incrível. Se Edward soubesse, ficaria louco de raiva!
- Você também pode fazer isso? – perguntei a Plata.
- Não tão bem como Nahuel, mas posso esconder algumas informações. – disse com sua voz grave e aveludada.
Eu assenti. Aquilo era ótimo.
- Mas não temos certeza absoluta se funcionaria com relação a Aro... – completou Nahuel.
“Então ele chegou a se arriscar...”, algo em mim argumentou.
- Além disso, o que mais vocês sabem fazer? – tentei mudar o foco.
Silêncio.
- Sabe? Poderes? – forcei.
- Plata pode... bom, você vai adorar isso – provocou.
- Nahuel... – chiou ela.
Ele encheu o rosto com uma cômica expressão de divertimento.
- Se você contar pra ela, eu repito palavra por palavra o que você me disse quando nos reencontramos. – ela ameaçou.
O rosto dele decaiu um pouco e eu fiquei aguardando entre curiosa e exasperada.
- Desmancha prazeres... Ela vai saber de algum jeito.
- Não agora. – finalizou ela.
“Ah. Droga.”, me decepcionei.
- E você? – acusei.
Ele então assumiu uma expressão que lembrava o Nahuel que havia conhecido em Forks.
-Ah. Eu posso saber o que as pessoas querem.
Eu continuei esperando maiores explicações, impaciente.
- Explique direito! – Plata exigiu por mim.
Ele ergueu os olhos novamente e perdi o ar, era como se ele pudesse me ver completamente.
- Eu sei o que as pessoas mais desejam com todo o seu corpo e alma, mesmo que elas mesmas não saibam.
Nós continuamos a nos encarar e eu percebi o sangue encher minhas faces antes de abaixar o rosto completamente aterrorizada com o que ele poderia saber sobre mim. Consegui, no entanto, reunir coragem depois de alguns segundos para voltar a olhar para cima.
- Isso pode ser bastante útil. – consegui fazer minha voz sair firme e me orgulhei de mim mesma.
Os dois chacoalharam as cabeças, concordando.
Eu então pensei em algo que não havia cogitado ainda.
- Desculpem-me. – eles se voltaram para mim. - Vocês perderam Joham porque nos ajudaram, a mim e a minha família...
- Ah, bem... Não foi uma surpresa tão grande assim. – Nahuel disse displicente, não o conhecia o suficiente para saber se sua indiferença era verdadeira. Plata, no entanto, concordou com ele em um aceno.
- Ele vinha fazendo suas experiências por anos, nunca iria parar... – ela confirmou. - O jeito covarde com que o mataram, porém... – ela então fechou o cenho, o rosto uma máscara de indignação.
- Foi muito ruim? – me atrevi a perguntar.
- Ruim o suficiente. – respondeu Nahuel por ela, acabando com o assunto.
Eu aguardei em silêncio.
- E vocês conhecem todas as experiências dele? – estava verdadeiramente curiosa.
- O suficiente para fazer Carlisle ficar sem palavras. – Nahuel adquiriu um ar petulante.
- Isso seria algo para se ver. – admirei, querendo saber mais.
Então me lembrei do que ele tinha dito antes.
- O que você estava dizendo sobre fier... Alguma coisa?
Os dois se encararam.
- Você me ajuda se eu esquecer? – ele pediu a ela.
- Vamos logo com isso. – respondeu enfastiada.
Ele riu baixo e então voltou a me olhar.

14 - Um Pouco de Conhecimento.

Nahuel se endireitou e limpou a garganta teatralmente, enquanto Plata soltava um suspiro impaciente.
- Bom, nós soubemos disso através de Joham. Segundo ele, quando os vampiros surgiram há mais de três mil anos atrás, viviam de forma totalmente diferente...
Eu aguardei ávida.
- Existiam três tipos deles: Os RECE, os FIERBINTES e os FLÂMÛND.
- Os Rece eram os gelados, os vampiros como sua família; imortais, sem batimento cardíaco, feitos de mármore.
- Os Fierbinte eram os mestiços nascidos entre Rece e humanos, ou de Rece com outros Fierbintes... Quer dizer: quentes, tinham sangue correndo nas veias.
- Como nós. – disse, mostrando compreender. Ele acenou confirmando.
- Peraí, então nós podemos ter filhos com... Os vampiros normais?
- Apenas as mulheres mestiças com os homens Rece. O corpo de uma fêmea Rece não pode criar vida. – Plata esclareceu.
Enquanto eu ponderava aquilo lamentando por Rosalie, Nahuel deu um suspiro por ter sido interrompido, antes de continuar a falar atravessando meus pensamentos.
- Não havia os Volturi, em vez disso, havia uma rainha Fierbinte e um conselho feito de outras como ela... – ele continuou.
- As mestiças governavam? – duvidei.
- Sim, porque poderiam gerar filhos. Segundo Joham, os Rece naquela época eram muito poucos e não tinham veneno, então não poderiam criar outros como eles.
- Mas isso é impossível! – declarei e eles sorriram para mim.
- Criaria um círculo sem fim! Se os Fierbinte são mestiços filhos de Rece e os Rece que os geram não têm veneno...
- De onde vieram os vampiros, certo? – confirmou ele, então deu de ombros – Isso sim é um mistério...
Era como saber o que veio primeiro – o ovo ou a galinha.
Ele deixou aquilo flutuar no ar antes de continuar.
- De qualquer forma, segundo ele, assim era. As Imortais Mestiças governavam e criavam alguns Rece com seu veneno. Os gelados eram soldados que as protegiam e havia apenas dois escolhidos como “procriadores”.
Franzi minha cara com nojo.
- Eles mantinham algumas mulheres humanas em um tipo de harém para gerar novos mestiços...
- Urg! – não pude deixar de exclamar. - Mas e os homens mestiços? – perguntei.
Nahuel transformou o rosto em algo ameaçador.
- Eram tratados como parias, porque eram inférteis.
- Sério? – ergui uma sobrancelha considerando, achava que Nahuel... Bem, será que ele conseguia?
- Eu disse inférteis, não impotentes. – respondeu ele, lendo facilmente minha expressão.
- Certo... – respondi envergonhada. - Me deixa ver se entendi: As mulheres mestiças governavam, elas tinham veneno e criavam alguns Vampiros Gelados para servirem de guardas e Procriadores, suas filhas continuavam a governar, enquanto os homens mestiços serviam apenas de esposos sem poder algum? Apenas por não conseguirem procriar? – resumi.
- Pelo menos assim eles achavam. Mas eles eram inférteis apenas com Mestiças e não com Humanas... – continuou ele com ar divertido.
- Mas as crianças deles com humanas morriam ainda recém-nascidas e foi proibido esse tipo de procriação.
- E não existia Rece fêmeas? - perguntei, pensando em Esme, Rosalie, Alice e Bella.
- Não naquele tempo. As Fierbinte se sentiam ameaçadas por elas. – respondeu prontamente.
- Certo. – eu podia entender, elas eram mais fortes e mais bonitas. Até eu iria me sentir ameaçada.
- E os Flâmûnd, onde entram?
- Bom, sabe as crianças que morriam? Descobriram que tinha um motivo para isso
acontecer... Elas tinham forte alergia ao sol e precisavam de uma quantidade enorme de sangue.
- Oh, meu Deus! – exclamei – e elas tinham... Caninos salientes?
Novamente os dois sorriram para mim.
- Exatamente.
- Então todas as histórias... – eu estava abismada.
- Bom, as histórias sempre vêm de algo real. – ele deu de ombros.
- Mas se era proibido... – inquiri.
- Como ficaram tão populares, certo? – completou ele, que parecia entusiasmado.
- Essa parte Joham não conseguiu muitas informações... Apenas que de algum modo os homens Fierbinte se revoltaram e usaram os seus filhos banidos em uma guerra.
- Eles se mataram... – conclui.
-Assim parece ter sido. – finalizou.
- Mas como os Volturi ascenderam ao poder? Eles pareciam não ter nenhum conhecimento da possibilidade de existirem mestiços...
Nahuel deu de ombros sem respostas.
-Você não disse o que quer dizer Flâmûnd...
Ele mostrou os dentes, visivelmente satisfeito com a pergunta.
- Quer dizer “famintos”.

15 - Um Objetivo.

Ficamos em silêncio, enquanto eu absorvia toda aquela mistura de história e genética. Se aquilo era apenas uma fração do que Nahuel e Plata sabiam, eles não tinham exagerado ao dizer que Carlisle se abismaria com o conhecimento que tinham.
- Como Joham soube de tudo isso? Ele não era tão antigo...
- Não. – confirmou Plata.
Nahuel segurou o olhar dela e parece que obteve um tipo de aprovação, porque se voltou para mim um pouco satisfeito.
- Eu acho que ele soube por Alistair. – declarou ele.
Eu automaticamente chacoalhei a minha cabeça, discordando.
- Se fosse assim, Edward teria lido na mente dele.
Nahuel me dirigiu uma expressão dividida entre pena e divertimento.
- Renesmee... – algo estranho aconteceu com o meu corpo quando ouvi meu nome ser pronunciado por ele, tentei ignorar. - Ele tem mais de um milênio de vida. Nós não sabemos do que é capaz...
Uma luz se acendeu em minha cabeça e me levantei, surpreendendo os dois. Comecei a andar de um lado para o outro, frenética.
- Por que você acha isso? – exigi, no “modo frio”.
Ele se empertigou, sabia que tinha despertado alguma coisa.
- Joham contou ter conhecido um vampiro antigo, que tinha um dom para sobrevivência...
- Como sabe que era Alistair? – continuei.
- Quando ouvi seus familiares comentando sobre ele, como ele havia fugido antes de encontrar os Volturi... Era muito parecido com a descrição que Joham havia feito.
Estanquei em frente a eles.
“Sim, aquilo fazia sentido. Ele era um rastreador e, apesar de não ser tão antigo quanto os Volturi, poderia ter descoberto por alguma outra fonte. Além disso, ele devia ter pressentido que Nahuel estava vindo, o filho do homem a quem tinha contado tantas coisas... e se os Volturi descobrissem de onde aquele conhecimento tinha surgido, iriam atrás dele sem dúvida.”
- Eu concordo. Tem de ter sido Alistair. E nós temos que encontrá-lo.
- Por quê? – perguntou Plata.
-Se ele sabe de tudo isso, também sabe como os Volturi chegaram ao poder. E acho que esse conhecimento será essencial para destruí-los.
Eles receberam aquilo bem, o rosto de ambos se abriu com o entendimento.
- Mas precisamos de um rastreador muito bom, já que ele vai se esconder se souber que estamos indo até ele...
- Não, não precisamos. – Nahuel foi veemente.
O encarei lívida.
- Já temos um. – explicou pacientemente e apontou para Plata com a cabeça.
- Como você acha que Joham encontrava suas “coisas”. – explicou ela, um pouco orgulhosa.
Eu ri resplandecente.

16 - Pensamentos Noturnos.

Quando nos ajeitamos para dormir, meus pensamentos estavam retinindo furiosamente. Como não conseguiria adormecer, me levantei e caminhei em direção à queda d’água alguns metros adiante e me sentei na margem, enquanto contemplava o céu.
Era impossível reprimir o pensamento principal e também mais inútil: se eu tivesse um filho, como ele seria? Eu poderia ter um filho com um humano? Com um Rece, um vampiro de mármore, como minha família? Com outro Fierbinte seria impossível, mas segundo Nahuel, no tempo em que aquilo era impossível, os Rece ainda não tinham veneno... E se isso tinha mudado, talvez outras coisas também tivessem.
Mas e se eu tivesse um filho de um transmorfo? O que sair...
“Ah, por favor!”, uma parte da minha mente se revoltou. Afundei meu rosto nos joelhos.
Era ridículo eu sentir mais falta de Jacob do que da minha família? Eu seria uma pessoa ruim?
“Você não pensou nisso quando matou uma pessoa”, condenou uma voz em minha cabeça e eu sacudi os ombros. Não, eu não ligava para aquilo mesmo agora. Talvez eu fosse uma pessoa muito ruim ou uma mestiça normal.
Enfim, eu estava uma confusão.
Talvez eu sentisse falta dele justamente por ser a pessoa que menos eu poderia ter. Ele não me via, ele não aceitava quem eu era. E mais importante, ele não me amava. Ele estava apenas preso a mim contra sua vontade. Como seria se não fosse assim? Eu sequer conseguia imaginar...
Se não houvesse aquela bosta de Impressão ele ia conseguir me ver? Iria querer me ver?
Levei minha mão à testa como se meu crânio pesasse dez quilos. Eu tinha que esquecê-lo ou ficaria doida. Eu sabia que ele viria atrás de mim, talvez para sempre e sentia por ele. Não poderia encontrá-lo até que tudo acabasse...
Lembrei-me de Ethan e ofeguei de impotência. Provavelmente não devesse me envolver com ninguém, principalmente agora que meus planos estavam mais definidos. De forma nenhuma eu queria um filho também, então qual era o objetivo desse remoer inútil, afinal? Tive de sorrir ante minha estupidez.
- Qual a graça?
Voltei-me assustada. Aquele maldito sabia chegar de fininho!
- Por que inferno eu diria a você? – fiz entre dentes, enquanto Nahuel se sentava ao meu lado sem ser convidado.
- Muita informação? – ele adivinhou.
Fiz uma cara irritada e ele sorriu, pude perceber mesmo sem olhá-lo.
Ficamos em silêncio por um tempo.
- Você pareceu gostar da minha família. – finalmente eu disse.
Aquilo estava cutucando minha curiosidade. Até que ponto ele fingiu? Ou apenas era uma parte da personalidade dele aquilo que apresentou antes?
Nahuel suspirou.
- Na verdade, me senti intrigado. – finalmente respondeu.
Eu aguardei, ainda encarando o céu.
- Eu tenho respeito pela vida humana... Os considero algo além de comida. Minhas irmãs não pensavam assim, Plata seria a que mais... Tem simpatia por eles. Mesmo assim nós nos alimentamos de humanos, então foi uma surpresa o modo como sua família vive.
Eu fiz um movimento com a cabeça. Ele não utilizou em nenhum momento o sarcasmo ou o tom cruel de antes.
- Eu nunca poderia viver assim, no entanto.
Eu tive vontade de encará-lo, mas não o fiz.
- Por quê?
Vi pelo canto de olho o sorriso malicioso. “Droga”, pensei.
- Por que você acha? – rebateu.
Eu não disse nada.
Finalmente ele riu baixo e continuou
- É simplesmente antinatural para mim. Não conseguiria viver negando o que eu sou como eles vivem.
- Mas o eu natural deles é uma monstruosidade! – respondi furiosa, me voltando finalmente para olhá-lo.
O meio-sorriso sarcástico estava pregado ali.
- Sim. E você não é uma monstruosidade por quê?
Engoli em seco, antes de responder.
- Eles não se controlam, matam quando se alimentam, matariam pessoas sem piscar.
- Você se controla, então? – ele fez, encarando meus olhos, os sinais de minha dieta fincados como luminosos, o dourado deixando claro que eu tinha ultrapassado limites.
- E você, não? – agora estava curiosa.
Ele desviou o olhar
- Sim. – finalmente disse. – Para os Fierbintes é mais fácil, não precisamos tanto assim de sangue.
“Como eu pensei”
- Mas Huilen não mata. – completou, para minha surpresa.
Minha boca caiu uns cinco centímetros e ele riu. Essa risada não me ofendeu.
- Nunca?
- Só no começo, mas ela se torturou por isso. Ainda se tortura.
- Como ela consegue? – Edward saberia disso com certeza, ele não parecia ter comentado com ninguém.
- Autocontrole. – respondeu simplesmente.
- E isso não é negar sua natureza? – rebati.
Ele levantou uma sobrancelha me encarando, enquanto sorria.
- É claro, mas a dieta é bem melhor.
Foi minha vez de rir. Quando finalmente parei, Nahuel olhava para o céu de novo.
- Eu entendo. Não acho que seja lutar contra sua natureza apenas obedecer a sua consciência, isso também é natural. Ter uma consciência é natural, assim como ter instintos. Na verdade, não somos animais, talvez alguns gostem de pensar que somos. Não somos humanos também, é uma mistura estranha... – divaguei.
Ele voltou a me encarar. Ficamos em silêncio um segundo.
- Carlisle nunca aceitaria nem isso. – eu disse, finalmente.
Ele levantou os ombros, silencioso. O que estaria pensando?
- A tentativa deles vai além disso, você sabe.
Eu suspirei.
- Sim. Tentam se misturar, viver entre os humanos.
Ele voltou a me olhar.
- O que você acha disso? – me perguntou, sério.
Eu dei de ombros.
-Qual a diferença? Os anos passarão de qualquer forma. Os Volturi quase se transformaram em pedra com sua imobilidade, vivendo na esfera de tempo própria e se achando superiores a tudo... Se isso os fez se sentirem mais ligados ao que eram, mais “vivos”, não critico.
Ele assentiu em silêncio.
- É muito difícil... Se sentir vivo, como você disse, depois de muitos anos.
Seu tom foi diferente, então desviei os olhos.
- O tempo passa através de nós. Não podemos negar que somos diferentes dos humanos, sua finitude é o que os caracteriza. Nós perdemos isso, passamos a viver apenas para sentir, degustar de pequenas emoções e prazeres, perdemos qualquer resquício de sentimentos, já que nada mais nos surpreende.
Continuou como se estivesse em um monólogo. Eu senti um leve tremor, um dia me sentiria tão fria quanto a tudo? Eu tinha a resposta pra isso.
- Não somos como eles. – cortei.
Encaramos-nos.
- O que quer dizer? – perguntou.
- Acho que você tem se escondido aqui, com medo dos humanos, em como poderiam afetá-lo.
Ele sorriu de forma cruel, os olhos violentos novamente.
- Você é tão inquieto quanto eu, só se esqueceu disso. – declarei de forma resoluta, enquanto desviava o olhar de seu rosto, um pouco atemorizada.
Ficamos em silêncio novamente.
Havia mais uma pergunta pinicando na minha mente, mas eu não tinha coragem de emiti-la. Queria saber se os humanos com que ele se... alimentava, também reagiam como Ethan reagiu. Seria ele o único?
Suspirei, no entanto, silenciosa, mesmo sem conhecê-lo direito tinha certeza de que ele zombaria de mim se eu fizesse uma pergunta dessas.

17 - Maldita Pirralha Sorridente.

Forks – Washington. 24 de Dezembro, 11:20 PM.

Eu estava mais do que de saco cheio. Na verdade, não me sentia bem em nenhum lugar, mas isso não era novidade nenhuma, não mesmo. Não depois daquela pirralha dos infernos ter sumido no mundo e agora estar sugando humanos. E claro que era impossível que eu guardasse a novidade de Brady e Leah, só pra melhorar
meu mundo.
- Você está parecendo com o Seth! Como consegue defender uma coisa dessas? – Leah gritava na sala.
Tá bom, ela não gritava, mas pra mim era a mesma coisa, porque eu conseguia ouvir como se era isso que ela estivesse fazendo.
- Ela não é má! E será que dá pra você falar mais baixo, por favor? – Brady continuou.
Leah bufou, mas eles não deram tempo de ela continuar.
- E não me compare com o seu irmão, tá legal?
- Ei! – Seth reclamou.
- Bom, eu não estou fedendo a Cheetos, estou? – justificou.
- Hunf. Isso só quer dizer que eu tenho razão, Leah, você tem que entender que vampiros são diferentes.
E Nessie é diferente deles também.
- Não vejo diferença nenhuma entre os parasitas.
Os dois suspiraram em uníssono contra a relutância dela de entender.
Eu queria desligar o falatório, mas parecia que eu não ia conseguir nada mesmo se gritasse pra eles calarem a boca. O que diabo eles estavam fazendo na minha casa, afinal de contas?
Desistindo deles e de um pouco de paz, simplesmente pulei a janela e comecei a andar pra longe deles. Tentei tirar da cabeça a memória dela pequena correndo por esse mesmo lugar...
Billy ficou feliz por nos ver de volta, mas não adiantava nada pra mim. Eu não tinha mais casa em nenhum lugar.
Fazia tempo que nós não voltávamos, porém. Quantos meses? Depois de termos encontrado Nessie em Agosto na Irlanda, viajamos em círculos por algumas semanas na Europa, sempre seguindo atrás da descrição que tivemos dela no Orfanato (por que diabos ela se enfiou num lugar daqueles, afinal?), enfim, quando acabamos voltando para a Irlanda, eu fiquei realmente puto com ela porque estava na cara que tinha feito a gente voltar ali de propósito... Eu estava com coceiras pra saber como ela conseguia fazer a gente de trouxa daquele jeito.
É claro que eu não desisti por isso, mesmo depois dos Cullen terem voltado no final de Setembro. Ela tinha feito três anos e eu lembro que ficava comparando a imagem que eu ainda tinha dela com crianças humanas de três anos que ainda babavam e usavam fraldas...
Finalmente, quando senti meus próprios pensamentos saírem em alguma língua estrangeira, decidi voltar – e acredite, nem sei quantos idiomas aprendi a dizer “otário”. O problema era voltar pra onde? Eu não ia conseguir ir pra Whitehorse, então viemos direto pra cá, isso foi em Outubro. Leah tinha ficado uma arara. Eu sabia que pra ela era parecido de como era pra mim: uma mistura de alegria e saudade com a tristeza de tudo estar tão diferente do que nós queríamos.
Pelo menos eu não tinha a cara esfregada nessa diferença, é verdade. Sam e Emily tinham tido o primeiro filho enquanto estávamos fora e ela tinha informado a todos essa manhã que estava grávida de novo. Tudo certo pra família Uley e uma Leah amarga pra danar. Eu tinha que respeitar Brady e Seth por ainda tentarem conversar com ela.
Suspirando, tirei do bolso meu precioso segredo. Tudo bem, não ia ser segredo por muito tempo já que não tinha como eu esconder merda nenhuma enquanto estava na forma de lobo, mas por enquanto era segredo e eu estava curtindo isso.
O envelope estava amassado de tanto eu segurá-lo antes de abrir. Eu tinha praticamente arrancado ele das mãos do Billy quando ele me ofereceu, reconheci na hora a letra dela das cartas que ela tinha enviado ao Charlie. Só que essa carta era pra mim, direto pra mim.
Eu tinha ficado olhando meu nome por não sei quanto tempo antes de ter coragem de rasgar o envelope.

Nove de dezembro de 20**

Hey Lobo!

Era quase ofensivamente amigável, mas não importando quantas vezes lesse, eu sempre sorria.

Tenho certeza de que uma hora você vai querer descansar antes de voltar a me perseguir por aí, então espero que esteja tudo bem com todos em Forks. (Gostaria de saber se Rachel e Paul já se casaram, mas vou adivinhar que sim, ok?).

É claro que ela estava certa, o casamento tinha sido em Junho e eu Leah e Brady tínhamos vindo porque eu fui um dos padrinhos (e dizem que não sou sortudo, há!), ficamos pouco tempo daquela vez... Mas ela não tinha como saber de nada disso. Ou melhor, eu não tinha como contar.

Estou escrevendo, basicamente, pra te contar que eu estou bem, na verdade, agora não estou mais andando sozinha por aí, se é que isso serve pra te tranquilizar de algum jeito.

O que inferno aquilo podia fazer pra me tranquilizar? Pelo que eu sabia ela podia estar andando por aí de braços dados com o Conde Drácula em pessoa. Ok, isso foi um pouco forçado, mas dava pra pegar a imagem geral de como eu me sentia.

Pode ter certeza absoluta que estamos em movimento e, portanto, quando esta carta chegar já estaremos em um lugar completamente diferente, mas se você quiser passar mesmo assim pelo México, aconselho dar uma passada em Acapulco – o mar é realmente delicioso!

Merda de pestinha esperta.

Eu sei que você deve ter se incomodado com minha nova “dieta”, mas a única coisa que posso dizer é que estou feliz e bem. Nunca vou ferir alguém de propósito, espero que você saiba disso.
Estou com saudades de todos, mas não vou voltar, não tão cedo. Sinto muito mesmo!

Mande beijos pra todos, ok?

P.S: Não fique se sentindo por causa da carta, mandei pra Whitehorse e para Charlie algumas linhas também.
P.P.S: Estou mandando uma foto como forma de desculpa para o tempo sem vocês me verem. Acho que é justo, mais nada.


E lá estava atrás da carta uma foto da Nessie de corpo inteiro. Não dava pra saber onde foi tirada, ela estava apoiada em uma parede branca e sorria de forma esfuziante. O sol parecia estar se pondo e batia do lado direito do seu rosto, os longos cabelos em tom de cobre ondulados e compridos corriam até seu cotovelo direito, com a mão esquerda ela fazia um gesto de cumprimento.
Olhando aquilo, eu sentia meu peito encher completamente, mas tudo era misturado. Eu me sentia impotente e com saudades. Ao mesmo tempo, eu tinha uma raiva poderosa de quem quer que estivesse com ela quando a foto foi tirada e me sentia finalmente feliz por poder vê-la. Poder simplesmente ver seu rosto de
novo. Eu quase podia me imaginar ali e isso era dolorido e prazeroso ao mesmo tempo.
De repente, senti uma vontade danada de pegar um sol... Só tinha que esperar aquela coisa de Natal passar...
- Jake! É quase meia noite! – ouvi Seth chamando.
Senti meus punhos fechando. Não importava o que ninguém me dissesse, tinha que encontrá-la. E quando isso acontecesse, eu a traria de volta puxada pelos cabelos!

18 - Tratamento de Primeira.

Sutherland – Nova Zelândia. 4 de Março, 03:22 AM.

Era o meio da noite quando acordei de repente, algo estava errado. Sentei-me tentando não fazer barulho para que Plata e Nahuel não despertassem.
Pra falar a verdade, eu quase não tinha certeza completa se eles dormiam de verdade ou fingiam fazê-lo, já que nas poucas vezes em que isso de acordar antes da hora aconteceu ou eles estavam com os olhos abertos ou simplesmente não estavam lá. Desta vez eu sabia o que tinha me acordado: meu corpo em explosões de raiva consigo mesmo. Eu estava com cólicas.
Embrenhei-me no mato para colocar o absorvente e tentei retornar o mais silenciosamente possível, voltando a dormir logo em seguida. Infelizmente minha teoria do não sono destes dois foi comprovada na manhã seguinte.
Eu tinha acabado de abrir os olhos e bocejava quando Nahuel levantou se espreguiçando exageradamente. Plata já estava de pé, é claro.
- Uáá. Espera, tem algo diferente hoje no ar! – ele disse e mesmo estando de costas, senti seu tom maldoso. Coloquei involuntariamente uma mão sobre o rosto.
“Fung, fung”.
Ouvi cheirando o ar e me sentei indignada.
- Como você pode ser tão idiota? – gritei com raiva.
- Ele meio que não tem como evitar, eu acho. – disse Plata de forma cansada do canto.
Nahuel riu com vontade.
- Ah, mas que cheiro delicioso, Anhangá. Você brinda meus sentidos!
- Vai pro inferno! – eu joguei algo em sua direção, falhando miseravelmente em acertá-lo.
- Mas não há nada pra se envergonhar! Isso somente faz parte da maravilha natural...
Não dei tempo pra ele terminar a frase, pulando em sua direção em forma de ataque.
- Oohh. – fez ele, se desviando facilmente.
Eu rosnei frustrada.
- Credo! Sabe, isso só faz as pessoas falarem sobre o temperamento das fêmeas nessa situação...
Eu ataquei de novo, com minha raiva redobrada.
- Hahahah. – ele riu feliz do outro lado. Merda, como ele se movia tão rápido?
Nós ficamos nisso por uns dois minutos, até que reparei que Plata avaliava meus movimentos em concentração.
- Alguma dica? – rosnei frustrada em sua direção.
- Pra falar a verdade, acho que não tem como você conseguir sem alguma ajuda.
Eu bufei, enquanto Nahuel se sentava em outra parte longe de mim, evidentemente divertido.
- Que saco!
Plata caminhou em minha direção e apoiou uma mão no meu ombro.
- Se alimente e à noite iremos praticar.
- Sério? – toda a minha raiva tinha repentinamente diluído.
Ela incrivelmente sorriu pra mim, acho que era a primeira vez que eu via isso.
- Pode ter certeza. Sinceramente, você é horrível nisso e precisa aprender a lutar se vamos mesmo fazer o que pretendemos.
Eu torci minha cara em uma careta. É claro que ela tinha razão, mas mesmo assim, aquilo feriu bastante meu ego.
- Ninguém nunca me ensinou... – tentei me justificar.
Ela, no entanto, se afastou como se não estivesse mais me ouvindo. Sinceramente eu não sabia dizer quem me incomodava mais: Plata com sua sinceridade de poucas palavras que beirava a rudeza ou Nahuel... Bom, sem dúvida era Nahuel.
Ele estava me enchendo praticamente todos os segundos desde havíamos começado a busca por Alistair. Felizmente, Plata, às vezes, conseguia silenciá-lo, mas quase sempre eu quem tinha que me virar. E não adiantava aquela teoria de que se você se mostrar atingido alimentava apenas as provocações. Nas primeiras vezes eu tinha fingido não ouvi-lo e isso pareceu apenas alegrá-lo mais.
Eu suspirei infeliz, enquanto recolhia minhas coisas. Então, pra minha surpresa, Nahuel parou na minha frente.
- Não há como conseguir machucar alguém se você não sabe o que é dor.
Eu fiquei olhando para sua cara com a boca aberta e ele se virou e foi embora. Eu sacudi minha cabeça enquanto persegui os odores dos dois e começava a correr em seu encalço, ultimamente era assim que vínhamos seguindo: eles na frente e eu perseguindo o cheiro deles, ficava pra trás. Não importa o quanto eu corria, eles sempre pareciam perceber quando eu estava os alcançando e aumentavam facilmente o passo.
Durante a primeira hora de corrida daquele dia, eu fiquei remoendo o quanto eu parecia fraca mesmo em companhia dos da minha espécie, tudo o que eu fazia era consideravelmente pior e malfeito comparado com eles. Ao contrário de minha família, eles não se continham em respeito por mim.
Eu queria alcançá-los principalmente para saber o que eles conversavam durante o dia, já que quando eu finalmente chegava ao acampamento depois do dia inteiro correndo à distância e sozinha, os encontravam prontos para dormir ou apenas esperando eu chegar para caçar. Quando eu perguntava se faltava muito ou se havia tido alguma dificuldade, a resposta apenas variava de interlocutor, mas o conteúdo era o mesmo:
-Se estivesse conosco, você saberia.
Eu havia ficado bastante deprimida com aquilo e excluindo aquela manhã, eu praticamente não falava mais com os dois, sem considerar minhas respostas raivosas para as provocações de Nahuel, mas aquilo não era falar, era grunhir.
Eu sentia que tinha perdido uma parte essencial de mim nestes últimos meses e, enquanto corria pela mata e desviava dos galhos, apenas me perguntava se eu estava certa ao me juntar com os dois, afinal... já estava fora de casa a mais de um ano e até agora não tinha nem uma dica do que eu faria em seguida.
Qual era o próximo passo? Algum dia acharíamos Alistair? E se ele não ajudasse em nada, o que eu faria então?
Eu estava correndo tão distraidamente em meio a aqueles pensamentos que simplesmente não vi um galho camuflado e caí de cara no chão. Eu juro que tive vontade de não me levantar mais... Sentia-me inútil e fraca e queria desistir de tudo. Então como fogo, uma ira repentina se ergueu dentro de mim e estava voltada unicamente a meu próprio comportamento. Como se tivesse despertando, eu abri os olhos e me ergui.
- Merda! – gritei para mim mesma e recomecei a corrida agora com força redobrada por causa da fúria.
“É claro que estão correndo mais rápido do que eu, não me alimento há meses de sangue humano e tenho só três anos!”.
Bufei e aumentei mais ainda o passo, as plantas agora voavam ao meu redor e eu não me dava ao trabalho de tirar os ramos do caminho, algo com que normalmente eu perdia tempo.
“Caralho, eu sou a porra de uma mestiça! Foda-se essas plantas de merda!”.
Eu quase queria me socar por causa da minha estupidez. Com a velocidade e os ramos batendo nos meus olhos que eu mantinha abertos para enxergar, senti-os formigar de maneira estranha. Aquilo era dor, a dor física que praticamente me era desconhecida. Eu quase gargalhei, mas cerrei meus dentes. Eu não era engraçada, era idiota.
Dando impulso com a corrida, dei um salto com raiva percorrendo cada centímetro do meu corpo e voei por alguns metros, depois dei outra corrida e saltei novamente.
“Se é assim, apenas tenho que me alimentar o dobro que eles para manter minha energia. Merda, a resposta é fácil, basta pensar. Burra!”.
Entendi que o que eles estavam fazendo era igualmente em meu respeito, eu apenas tinha falhado.
“Mas não mais!” continuei em pensamento.
Falhar em algo apenas durava enquanto eu não compreendia o que eu estava fazendo de errado. Agora que eu entendia o que era, nunca repetiria o erro, isso era um tipo de promessa.
Percebi em meio à corrida o cheiro inconfundível de um humano em uma trilha próxima, sorrindo, me encaminhei em sua direção.
Retornar só dependeria do meu olfato...

19 - Quem Diria?

- Seu nome não serve mais. – havia declarado Nahuel depois de eu alcançá-los no segundo em que tinham parado para acampar. Eu pisquei um pouco atônita.
- Como é?
- Seu nome antigo não lhe cabe mais. – ele declarou, enquanto jogava sua mochila no chão.
Antes que eu me recuperasse e respondesse, fui interrompida.
- Ele tem razão. – Plata declarou, também me encarando.
- Por quê? – tive que perguntar.
- Podemos ver em seus olhos. Você demorou, mas entendeu o que estávamos fazendo. Henrietta, mesmo depois de anos, ainda não compreende que tudo depende do modo como você raciocina suas falhas.
Eu suspirei. Nunca tinha gostado do meu nome, claro que poderia soar ofensivo pra minha família, mas a junção de dois nomes de outras pessoas não tinha exatamente um apelo pessoal em relação a mim. E convenhamos... Que tipo de respeito atrairia uma mulher adulta a que chamassem de Nessie? Parecia nome de uma heroína de romances água com açúcar. Simplesmente não soava como algo que eu quisesse ser.
- Certo. – concordei enquanto tirava minha mochila.
Plata sacudiu a cabeça uma vez então pulou sobre mim. Aquilo me pegou de surpresa, mas consegui desviar antes do golpe atingir minha garganta. Eu estava mais ágil, já que além do sangue do homem na trilha, também havia me alimentado de pequenos animais enquanto corria.
Ela não esperou eu me recuperar e tentou me golpear com ambas as mãos, eu saltei longe, enquanto sentia meu instinto crescer e tomar minha consciência. Agachei-me em forma de ataque quando ela partiu para cima de mim novamente. Ela veio em um salto e em vez de desviar, eu corri em direção a ela, deslizando por baixo de seu corpo, arranhei suas costas com força. Ela rugiu e voltou à cabeça para trás mordendo meu braço, eu tentei me livrar arranhando seu rosto, o que funcionou. Por um segundo ela liberou a mordida e eu aproveitei minha pouca altura para ferir seu torço, antes de saltar para trás.
Achei que tinha me livrado, mas Nahuel estava atrás de mim e me deu uma rasteira, eu rolei para longe, porém não longe o bastante. Ele me chutou com força e eu voei uma distância, parando somente quando atingi uma árvore que rachou com meu peso. Senti minhas costas queimando, mas não tinha tempo para ficar deitada. Ergui-me resfolegando enquanto garras tentavam alcançar minha cabeça.
Eu rugi, enquanto tentava enxergar o corpo do oponente e era golpeada na cabeça uma, duas vezes. Um pouco tonta deixei meus joelhos dobrarem e com ambos os braços, feri as pernas dos dois. Dei uma cambalhota no espaço entre eles e me reergui o mais rápido que pude, respirando forte e esperando por novos ataques.
Os dois viraram em minha direção lentamente, Plata tinha o rosto arranhado assim como as costas, o torço e a perna, as feridas já se curando. Nahuel sorria com apenas um ferimento na perna e outro no braço.
Eles tinham me ensinado que nossa pele só se machucava quando éramos atacados por outros de nossa espécie, ou algo igualmente “sobrenatural”, digamos.
- Dara. – ele disse como se sentenciasse.
- Dara. – concordou Plata se empertigando.
Eu suspirei infeliz.
- Vocês não tinham um jeito mais fácil de decidir isso? – consegui dizer, mas saboreando o novo nome.
- Sim... – concordou Nahuel.
- Mas de modo nenhum mais preciso. – terminou Plata.
Cansada e mais dolorida do que sequer poderia sonhar um dia poder ficar, me sentei vagarosamente, com medo de desabar se não o fizesse. Plata caminhou de forma elegante e se sentou a minha esquerda.
Enquanto respirávamos, Nahuel fez uma fogueira e se sentou à minha direita.
- Muito bem, Dara, agora você precisa saber de algo importante. - Nahuel tinha um tom novo, quase didático. Eu sequer pisquei aguardando.
- Se você se alimentar continuamente de sangue humano, sentirá seus sentidos mais expandidos e ficará mais forte, mas com o tempo sua fome aumentará.
Eu segurei a respiração, entendendo.
- Quanto tempo demoraria até eu ter fome o suficiente para matar alguém?
Nahuel olhou para Plata.
- Pelas experiências de Joham comigo e minhas irmãs, se você se alimentar desde o nascimento, diariamente, poderia fazê-lo no quarto ano. E uma vez feito, seria difícil parar.
Eu balancei minha cabeça.
- Suponho que isso acontece por causa da grande queima de energia?
Ela concordou.
- Enquanto ainda estamos em desenvolvimento, se nos alimentarmos somente de humanos todos os dias, o processo pode ser acelerado, a energia seria consumida rapidamente por causa disso e a fome aumentaria. Seu corpo cresceria muito mais rapidamente, porém.
- Em quanto tempo... Eu estaria em minha forma adulta?
- Yara completou seu crescimento em apenas quatro anos.
Eu exalei o ar que segurava fortemente. Eles sabiam o que estavam me dizendo, a tentação que seria aquele tipo de informação para mim, por isso tinham aguardado para passá-la. Se eu decidisse acelerar o processo, poderia estar mais apta fisicamente quando fossemos enfrentar os Volturi (finalmente seria adulta!), porém teria uma fraqueza: a FOME me dominaria.
Não gostava de pensar em mim sem controle sobre minha consciência ou minha força.
- E ela é uma louca descontrolada perto de humanos? – questionei.
Nahuel sorriu.
- Ela teve meio século para aprender a se controlar melhor.
- Eu acho que esse é um tempo que não quero dispor pra aprender a ser educada na mesa.
Eles apenas assentiram, concordando comigo.
- Se eu alterar minha, hum, alimentação entre humanos e animais ficará tudo bem? Um pouco cada dia?
- Pelo que sabemos, sim. É desnecessário para nós se alimentar tão frequentemente, mas deixará você mais forte e rápida o tempo todo. – concordou Plata.
- Certo.
- Gostaríamos de saber sobre seus poderes. – questionou repentinamente, Plata.
Eu não pude deixar de sorrir com isso, estavam começando a me deixar por dentro dos assuntos perdidos nestes dias.
- Eu terei prazer em contar sobre isso se vocês detalharem os de vocês antes.
Nahuel riu e Plata fez uma careta, o que achei realmente engraçado. Rir, porém, fez minhas costelas doerem.
- Plata é metamorfa. – declarou repentinamente, Nahuel.
Arregalei meus olhos.
- O que? Mas... Isso é impossível! Como é que...?
Plata ofegou de cenho franzido.
- Nasci em uma tribo na Costa do Marfim em que as mulheres se transformavam em pássaros. Minha mãe era a líder da tribo e tinha sete gerações de mulheres antes dela na família em que todas haviam herdado o dom.
Eu ouvia de boca aberta. Mulheres-pássaro. Maravilhoso!
- Joham soube disso, é claro, e a seduziu. Ele era realmente bom com isso. Na verdade, esse era seu “talento”. Então quando ficou grávida, toda a tribo reparou que algo estava errado. Joham veio uma noite e me arrancou de dentro de minha mãe antes da tribo matá-la comigo dentro dela.
- Ela morreu? – perguntei, sem conseguir deixar de olhar para Nahuel.
- Não pela cesárea. Elas cuidaram dela e ela ficou saudável e bem para o julgamento.
Então a tribo a matou por trazer o mal para suas casas. Um arrepio percorreu minha espinha.
- Isso é horrível...
Ela deu de ombros.
- Não há nada a ser feito. – concluiu.
Um silêncio incômodo reinou alguns segundos, então não consegui me controlar.
- Eu acho... Que deve ser ótimo poder voar.
Ela olhou para mim, os olhos cinza quase translúcidos pelo fogo pareciam emitir luz própria, então me deu um sorriso.
- É ótimo.
Eu sorri de volta, inveja e curiosidade pinicando minha pele.
- Muito bem, desculpe estragar o momento I Believe I Can Fly, mas Dara tem algo para nos contar, certo?
Eu girei meus olhos ainda estranhando o novo nome.
- E você?
- Como assim? Eu já disse...
- Sei, sei... Você é um gênio da lâmpada.
Ele encarou um pouco surpreso.
- Sim, pra falar a verdade é muito parecido.
Dessa vez ele quem viu minha surpresa.
- Eu consigo saber do Desejo, como se eu pudesse ler uma parte da pessoa pelos olhos...
- Peraí! Você vê os mais profundos desejos das pessoas através dos olhos?
- É.
- Isso é estranho...
- Bom, no começo acontecia apenas com o toque, mas através dos anos...
Eu suspirei. Meu Deus, qualquer coisa poderia ser aperfeiçoada em um punhado de anos?
- Tudo bem... Eu vi um vampiro fazer um terremoto acontecer, acho que não vou discutir contra isso.
Ele deu de ombros.
- Quando capto o que a pessoa precisa, se for algo possível e existente, eu simplesmente sei onde encontrar.
Novamente arregalei meus olhos.
- C...?
- Como? – cortou ele. - Eu simplesmente sei, sou atraído para aquilo. Às vezes eu só digo algumas palavras e a própria pessoa acha o que precisa.
Olhei para o céu estupefata, então me sentindo desgastada, passei a mão pelo rosto. Quando levantei meus olhos os dois, me encaravam aguardando.
- Muito bem. – suspirei enquanto esticava as mãos.
- Venham até aqui.
Os dois se sentaram com as pernas cruzadas na minha frente, então eu apenas toquei suas mãos e exalando, mostrei a eles. Nahuel obviamente já sabia do que eu conseguia fazer quando mais nova, mas mostrei mesmo assim. Então também mostrei a evolução do processo até a última coisa diferente que havia feito, com Henrietta.
Quando terminei, ambos piscaram igualmente os olhos duas vezes antes de se afastarem.
- Então... – comecei.
- Você pode mostrar coisas que você viu... Suas memórias... – começou Nahuel.
- Pode criar coisas falsas e fazer as pessoas acreditarem. – disse Plata.
- Pode apagar a mente das pessoas, se você conhece o conteúdo do que irá apagar... – continuou Nahuel.
- Com um toque, mas com o tempo apenas com a mente... Provavelmente por causa da familiaridade com a pessoa... – completou Plata.
- Você pode até proteger uma informação dentro da mente de alguém, escondendo algo até que quiser libertar a memória... – finalizou Nahuel.
- E tem o negócio do xadrez... – eu disse, vagamente...
- Compreender a mente de alguém, apenas por base de tentativa e erro... – disse Nahuel em um tom um pouco fantasmagórico.
O silêncio dominou novamente enquanto eu aguardava.
- Dara... – chamou Nahuel - Você é assustadora.
Plata quietamente sacudiu a cabeça em concordância.

20 - Sapiência em Sangue.

Depois daquilo, comemos algo na fogueira, todos em silêncio profundo. Quando acabamos, Nahuel prestativamente lavou os utensílios antes de guardá-los.
Eu levei aquele tempo meditando se me sentia orgulhosa ou incomodada com o espanto dos dois sobre o que eu podia fazer. Pra mim, era algo tão natural que eu nunca considerei mais do que uma facilidade, com certeza eu não me sentia poderosa. Preferia os poderes do Super-Homem, mas não parecia haver extraterrestres na família.
- Como se sentem? – ele quebrou o silêncio de repente.
Ergui minha cabeça e vi os irmãos trocarem olhares, então algo em mim remexeu.
- O que está acontecendo? – questionei curiosa.
Nahuel se sentou suspirando, mas desta vez Plata quem começou a discursar.
- Nós precisaremos saber, num futuro próximo, se estamos bem mesmo estando separados.
Eu sacudi minha cabeça em concordância, me lembrava de Yara ter mencionado que poderia saber se ambos estavam em perigo e disse a eles. Plata apenas levantou a manga da camiseta, me mostrando um desenho.
- Uma tatuagem? – perguntei desconfiada.
- Sim. – ela declarou com firmeza.
Eu me ergui e para meu próprio, espanto reparei que minhas costas não doíam mais. Aproximei-me e observei melhor o desenho. Era um par de asas com um círculo de traço grosso as envolvendo, a tinta era de um vermelho cintilante que contrastava fortemente com sua pele negra. Olhei para o seu rosto, espantada.
- É linda! – exclamei e ouvi Nahuel rindo baixo, amarrei a cara.
- Deixa eu ver a sua. – exigi.
Para meu espanto e desconcerto, em vez de ele erguer a manga, como havia feito Plata, ele puxou a barra da camiseta, retirando-a e deixando à mostra o abdômen liso e nu, porém a figura não fazia sentido e quase sonhadoramente eu caminhei em sua direção.
Seu corpo era forte, os músculos se salientando nos lugares certos, mas não em demasia. Os ombros não eram tão grossos como... O de Jacob, mas o peitoral e o abdômen estavam notavelmente bem esculpidos.
“rrrm, rrrm”.
Ouvi, quebrando um pouco do feitiço, encarei seu rosto. Seu ar era debochado, mas havia algo estranho com seus olhos.
-O resto está nas costas. – eu ouvi.
Era impressão minha ou sua voz soou um pouco rouca?
Sacudindo a cabeça, eu dei a volta pelo lado esquerdo e finalmente pude ver todo o trabalho.
Era um felino, eu não saberia classificar qual, e cobria totalmente a extensão de suas costas; a parte da frente era apenas uma das patas do bicho que pegava o lado esquerdo de seu peito. Idiotamente, mas como que hipnotizada, toquei no desenho e senti ele se endurecer.
- Desculpe... – balbuciei, retirando a mão.
Era magnífico, percebi a outra pata se estender até as costelas, mas à parte de baixo estava coberta... Pela calça. Senti-me ruborizar enquanto imaginava até onde o desenho iria.
- Fico contente que tenha gostado tanto... – o tom era o de maldade costumeira.
Eu exalei com raiva e amaldiçoando meu coração denunciador que estava tão rápido quanto possível para me envergonhar.
- É maravilhoso. – soei contrafeita, o que foi aprovado por meu cérebro.
Enquanto ele vestia a camiseta, me ajoelhei entre eles, sem encarar propositalmente a cara de Nahuel.
- Vocês podem saber se estão bem através das tatuagens, mas como funciona? – perguntei.
- Quando alguém bebe nosso sangue, nós podemos “sentir” essa pessoa por algum tempo...
Eu chiei. Acho que foi esse barulho que fiz antes de lágrimas brotarem em meu rosto.
- Eu sinto muito... – me desculpei, rapidamente, enquanto apertava os punhos.
Respirei profundamente.
- Muito bem, por favor, pode continuar.
Os dois tinham ficado em silêncio e nada perguntaram. Eu deixei para depois, iria lidar com aquela informação depois...
- Isso, porém, passa depois de certo tempo. – continuou Plata, com um tom mais forte.
Normalmente era apenas uma arranhar rouco que tinha uma dureza natural, agora seu tom estava mais agudo e soava respeitoso. Eu acenei, mostrando estar escutando.
- As tatuagens são feitas com sangue. – deduzi.
Ela assentiu.
- E um tipo de feitiço.
Deixei essa passar. Se existiam profecias e vampiros nesse mundo, por que não feitiços?
- Mas como vocês farão para se ligar a mim? E vocês sentem apenas quando estão em perigo... Não há outro tipo de ligação?
- Vamos beber seu sangue. – era Nahuel.
Virei-me lentamente em sua direção, sustentando seu olhar.
- Temos como fazer com que se ligue ao encanto. E sim, sentiremos outras coisas, se for forte o suficiente. – determinou.
Eu pensei sobre isso, certamente era algo estranho.
-Como vocês sabem quem está sentindo o que, se todos os sangues estão misturados?
- É como um tipo de pensamento fixo. – ele disse.
Eu sacudi a cabeça, já tinha sentido aquilo antes.
- Vocês vão fazer uma tatuagem em mim com o sangue de vocês, misturado a um encanto, e então vão beber meu sangue, ligando-o a vocês? – tentei confirmar.
Eles assentiram.
- Faremos o mesmo conosco, tatuaremos algo novo com seu sangue e você beberá de nós.
Eu exalei.
- Parece cansativo...
Plata prendeu meu olhar.
- Para você será pior. – disse.
Senti um arrepio percorrer minha espinha.
- Por quê? – consegui perguntar.
- Por causa do meu veneno. – Nahuel disse em tom grave.
Eu exalei lentamente, tinha de confiar neles. Já tinham feito aquele procedimento entre eles e as irmãs tiveram de beber do sangue de Nahuel e estavam todas bem.
- Certo. Vamos fazer isso.
- Ainda não. – Plata cortou meu entusiasmo.
- O que? Por que não? – senti como se uma bolha de ar quente saísse de dentro de mim, não sabia se aquilo era bom ou ruim.
- Alistair se moveu de novo, viajaremos amanhã. – disse daquele jeito meio concentrado, como se apenas uma parte da atenção dela estivesse conosco.
Nahuel suspirou alto.
- Para onde agora? – perguntou, infeliz.
Eu segurei o riso, obviamente ele não tinha muito prazer em voar. Plata ergueu lentamente a cabeça.
- Manila.
Nahuel se jogou de costas no chão.
- Excelente... – ele parecia feliz.
- Onde é isso?
- Filipinas. – Nahuel pronunciou antes de se virar para dormir.
Suspirei também. Pelo menos meu conhecimento em geografia estava melhorando a cada dia... Iupí!

Capítulos betados por Tayná M.

21 – Reunião Chata antes da Reunião Mais Chata.

Forks – Washington. 14 de Julho. 11:00 AM.

Antes de fazer o que você quer fazer, tem que fazer o que deve fazer e fim de papo.
Assim, antes de eu sair atrás de uma pirralha louca vagando no mundo, eu tinha que ir numa droga de reunião da Tribo pra decidir coisas que eu não ligava a mínima.
Pelo menos eu não tinha que mostrar estar contente, certo? Eu não ia conseguir fazer isso nem se tentasse.
Desse jeito, eu vaguei como um zumbi pra dentro da casa do Sam que queria conversar com a gente antes.
Reunião chata antes da reunião muito chata.
Suspirei enquanto batia na porta.
- Ei, Jake! – Emily sorriu pra mim.
Eu tentei. Juro que tentei, mas meu sorriso morreu no meio do caminho.
- E aí, Em?
Ela me deu passagem pra entrar, a barriga de sete meses quase bloqueando meu caminho.
- Você é o último, estavam só te esperando...
- Caramba, cara! Finalmente!
Era Paul, ele só era ele mesmo agora longe da Rachel. Eu não tive nem o trabalho de mandar ele se catar, simplesmente fui até a sala onde um monte de gente se acotovelava pra respirar.
Eu olhei pra alguns e dei um leve aceno. Sam estava de pé apoiado em uma parede e simplesmente assentiu pra mim. Silenciosamente eu me sentei apoiado na bancada da cozinha.
- Certo, já que todo mundo está aqui, vamos começar – Sam disse enquanto andava para o centro da sala.
Imediatamente todo mundo calou a boca.
- Vamos direto ao ponto, nós teremos uma reunião com os Anciãos em breve pela liderança da tribo.
Um monte de sussurros e algumas respirações.
- Caras, calem a boca! – Jared gritou.
Sam agradeceu com a cabeça.
- Como vocês sabem, sem os Cullen aqui nossas vidas mudaram bastante. As rondas não são mais tão necessárias e muitos de nós agora temos famílias e empregos para sustentá-las.
Mais discussão e gente tentando aquietar o povo. Eu encostei minha cabeça na parede, pedindo por alguém que me levasse dali.
- Certo... – continuou Sam. – Com base nos últimos acontecimentos, nós sabemos que há alguém mais na linha de sucessão...
Eu levantei minha cabeça. Com base nos últimos acontecimentos? Que últimos acontecimentos? E linha de sucessão parece um negócio meio de império...
Agora a discussão foi acalorada, gritos e gestos em toda à parte e parecia que ninguém estava disposto a tentar silenciar. Eu levantei e olhei dos lados. Do lado direito os trigêmeos gritavam enquanto Peter e Collin discutiam aos sussurros, mas graças aos céus Quil estava do meu lado esquerdo.
- Hei, Quil?
Ele virou pra mim espantado.
- E aí, cara? Saiu do modo múmia?
- Não ferra. Do que diabos o Sam tá falando?
Ele fez aquela cara de “Como assim, você não sabe?”.
- Se eu soubesse não ia me dar ao trabalho de perguntar – eu soltei o mais baixo que podia.
- Meu Vô morreu, cara! Faz uns meses, achei que Billy tinha te contado...
- Sinto muito. – E eu senti mesmo. Eu só ferro as coisas. Habilidades, eu acho.
- Relaxa, cara. Só que antes de ele morrer confessou que era pai do Embry...
- Como é que é? – E, claro, naquela hora todo mundo estava em silêncio e eu parecia uma senhorita espantada.
- Agradecemos pelas brilhantes palavras, Black. – Era aquele merda, o único lobo que eu não suportava ficar junto. Fervendo, eu me levantei como um raio.
- Você sempre pode me agradecer limpando minha bunda, Joseph – soltei entredentes.
- Rapazes, rapazes. Será que podemos voltar à reunião, por favor? – se interpôs Hawik, o irmão dele.
Cara, eu não sabia como dois irmãos podiam ser tão diferentes... Tá, eu sabia. Eu tinha a Rachel, não tinha?
- Certo – continuou Sam, com raiva e desconfortável. – Vejo que temos algumas, hum, discordâncias.
Antes de ser interrompido, ele simplesmente fez um gesto para todos se acalmarem.
- Vamos pontuar as coisas, ok? Primeiro sabemos que os Irmãos que estão casados não vão tentar a liderança, está correto?
Paul e Jared soltaram gritos de concordância.
- Podemos supor que Collin, que está noivo, também está fora? – perguntou Jeremy, mais ou menos o lambe botas de Joseph.
Collin não gostou muito, mas gritou em concordância.
Eu tinha ficado sabendo só há dois dias, por Brady, da Impressão de Collin por uma garota branca – Elizabeth Auden, pra completo prazer das fofoqueiras Quileutes – e, apesar de seu noivado, ele tinha planos de ir para a faculdade antes do casamento. A mãe dele devia estar vibrando.
- Continuando, acho que seria bom que se mais alguém não estiver disposto a lutar pela liderança, falar agora.
Houve silêncio e então:
- Eu me disponho a desistir da luta se Joseph Oldbear desistir também. – Era Leah, é claro.
Não pude deixar de sorrir.
- Como você se atreve...?
- Fácil. Você ia ser um merda como Alpha – sentenciou.
Então virou uma bagunça de novo, enquanto os trigêmeos aplaudiam com educados “Belas palavras!” eu quase tive que segurar pra não rir alto. Cara, eu sentia falta desses desgraçados!
Chacoalhei a cabeça, antes de assobiar alto e provocar um novo silêncio.
Sam sorriu pra mim.
- Obrigado, Leah, mas acho que temos que voltar ao assunto. Alguém mais quer declarar a desistência? – disse alto.
Vários me olharam surpreendidos e alguns me sorriram felizes.
- Eu – declarou finalmente Quil.
Eu sabia que ele estava sendo corajoso e fazendo pela Claire. Ela agora tinha sete anos e ainda vivia grudada em Quil.
Os outros também entenderam e chacoalharam a cabeça em concordância.
Agora da velha turma só havia meu bando e Embry. Meu bando, como eu odiava aquilo.
- Muito bem – retomou Sam, aparentemente satisfeito. – Agora podemos partir pra outro ponto de discussão. Os Anciãos provavelmente vão indicar alguém com... A ascendência do grupo original.
Sam esperou, mas não houve protestos, todo mundo sabia como as coisas funcionavam.
- Mas tenho que dizer que concordo que não há necessidade de ser assim. Se eles nos ouvirem, o método seguinte será A Disputa.
Várias pessoas se mexeram inquietas. Todos concordavam que aquilo seria feio, mas justo. Seria muito melhor para o futuro Alpha justificar sua liderança: lutar entre si em busca do mais forte. Nada confortável, porém necessário.
- Apenas para finalizar, aqueles que serão indicados provavelmente por eles serão: Embry Ateara, Seth e Leah Clearwater e Jacob Black.
Com meu nome no ar senti milhões de olhos em mim, mas antes eu vi a cara de Embry. Algo estava mal, percebi de repente que ele não tinha pronunciado uma palavra durante toda a reunião.
- Eu tenho que dizer que é muito provável que, se todos os indicados concordarem com A Disputa, os Anciões terão de proclamá-la.
Houve um silêncio monstruoso agora.
- Eu concordo – declarei, meio que pra me livrar daquilo.
- Eu concordo – fizeram Seth e Leah em uníssono.
Todos nos viramos para Embry que segurou nossos olhares no rosto surpreendentemente magro e abatido.
- Eu não concordo – declarou de maneira firme.
E dessa vez, eu juro, foi o caos.

22 – A Noite Anterior

Fukuoka – Japão. 2 de Setembro. 04:00 AM.

Meses se passaram e Plata tinha anunciado o que estávamos desesperados para ouvir: Alistair parou.
Finalmente...
Japão. Era a noite anterior ao encontro e eu alisava minha tatuagem (algo que virou um hábito desagradável antes de eu conseguir pegar no sono). Como uma pessoa podia se transformar tanto em tão poucos meses? Agora, por exemplo, eu sabia dizer que tanto Nahuel quanto Plata estavam dormindo. Eles tinham me ensinado a prestar atenção ao ritmo dos seus corações para poder perceber a diferença. Além disso, agora tinha também nossa ligação, eu simplesmente sabia que não estavam completamente despertos. A calma fluência de suas respirações emanando dentro de mim. Este, eu aprendi, era meu momento.
No silêncio da noite, quando eles me deixavam a sós comigo mesma.
Em retrospectiva, até que não havia passado tanto tempo... É que estivemos em tantos lugares...
Fomos para Manila onde ficamos duas semanas (para extremo prazer de Nahuel, apesar de eu realmente dispensar os detalhes sobre os corpos das nativas que fui obrigada a escutar); depois de pouquíssimo tempo, Alistair se mudou de novo. De novo... E de novo. Filipinas, depois Camboja, depois Vietnã e então eu deixei de ligar. Ele estava correndo de nós.
No aniversário de dois anos de minha fuga de Whitehorse, 11 de agosto, nós três estávamos ansiosos e irritados, mas eu talvez estivesse mais irascível. Quase seis meses atrás daquele magrelo remelento pelo mundo e eu só estava com o fantasma da minha preciosa paciência, cada dia que passava me sentia cada vez mais como uma bomba prestes a explodir.
Onde caralho estávamos naquela noite? Tudo me irritava. A montanha me irritava, o silêncio me irritava, as dezenas de animais barulhentos que estavam por todo o lado, e que eu agora simplesmente não tinha como deixar de escutar, me irritavam. Não tive que dizer o motivo de minha irritação para Nahuel e Plata, eles simplesmente perceberam que eu precisava de algo. Uma mudança qualquer, uma esperança. Algo que fizesse aquela loucura que minha vida tinha se tornado fazer sentido.
Foi um daqueles momentos em que não havia como não perceber a semelhança que os ligava: eles simplesmente se encararam com aquela expressão dura e trocaram um breve olhar que pareceu ter toda uma discussão muda. Eu continuava meio que saltando no mesmo lugar, esperava que me atacassem para o treino diário de luta, como sempre fazíamos assim que assentávamos o acampamento. Estava mesmo desesperada por alguma ação, mesmo que doesse.
Eles não me falaram nada. Assim, só assisti como se movimentavam de um lado para o outro – acendendo a fogueira, pegando ervas da bolsa, buscando água e finalmente derramando pozinhos estranhos numa cuia enquanto cantarolavam coisas mais estranhas.
Então entendi. Quão poético era ter minha pele marcada para sempre justo naquela data?
- Eu não sei que desenho fazer – finalmente declarei depois de terminarem a mistura e me encararem esperando.
- Uma fênix – disse Plata.
- Sim, eu concordo – Nahuel assentiu.
- Renascer das cinzas... – murmurei, sem dúvida era algo que eu apreciava para ter tatuado em minha pele.
Então pensei em algo melhor.
- Seria possível... Uma fênix lutando com um lobo?
Nahuel fez um som com a garganta.
- É claro – concordou Plata.
E então ambos marcaram minhas costas e além com a cena que pedi.
Assim que eles terminaram mostraram para mim o desenho antes de tomarem meu sangue com a mistura necessária para prendê-la dentro deles para sempre. Eu não consegui reparar em nada diferente acontecendo, suas expressões continuavam vazias para mim.
Depois de alguns minutos, eles fizeram um no outro uma marca de uma fênix pequena, sem os muitos detalhes da minha. Enquanto assistia, me senti idiotamente importante: duas pessoas se tatuando com algo que me representava era bem impressionante. Plata havia feito o desenho em seu outro braço e Nahuel (acho que de propósito) no lado direito do peito. Depois uma mistura com cheiro de planta queimada, sangue e algo que fazia meus olhos lacrimejarem me foi passada e bebi ali o sangue dos dois misturados.
O líquido estava frio, o que me fez perder a vontade de bebê-lo depois do primeiro gole, mas os olhares dos dois continuavam fixos em mim enquanto murmuravam aquelas palavras desconhecidas. Pensei que se eles estavam pagando aquele mico, então tudo o que eu podia fazer era beber o negócio.
O gosto era ruim, sentia algo de errado descendo pela minha garganta exatamente como o tentáculo de um polvo desnorteado. Uma ardência começou a percorrer meu corpo e de repente eu senti calor, como se eu estivesse pegando fogo (de verdade, eu já estava sacolejando na direção de um riacho que devia estar gelado o suficiente para congelar o sangue nas minhas veias) e então estava lá. A repentina consciência deles, como se fosse uma sensação constante, como se meu coração batesse no ritmo deles. Uma leve dormência também foi tomando meus membros e eu sabia que tinha a ver com o veneno de Nahuel.
Lembro-me de ter pensado que a sensação do veneno dele no meu corpo era como a presença dele para mim: asfixiante e QUENTE. Se antes eu sacolejava, agora estava praticamente fazendo a dança da chuva.
Minha vista foi ficando baça e eu pude sentir a preocupação dos dois pinicando em algum lugar dentro de mim, em minha mente.
Eu tinha sido avisada para caçar após a sessão, pois ambos os processos – o da tatuagem e da doação de sangue – eram desgastantes. Me lembrei disso e só virei no tempo de uma piscada para os dois.
- Voucaçar! – gritei, sussurrei, grunhi. Eu não sei.
E então corri. Na verdade, nem teve graça porque em meio segundo já estava babando escondida, esperando por qualquer idiota que se aproximasse o suficiente de mim em uma aldeia.
Sentia-me bêbada, como há séculos atrás no casamento de Sam e Emily*. Lembro que pensar naquilo fez meus joelhos tremerem.
Ouvindo a ladainha das pessoas dentro de suas casas simples me lembrei que tínhamos entrado na Índia há algumas semanas em nossa eterna perseguição a Alistair. Eu tinha continuado a escrever toda maldita semana para meus parentes (e Jacob), contando coisas totalmente vagas que nada tinham a ver com o que eu estava passando. Aquilo talvez fosse a pior coisa para se pensar, então me concentrei em meu próprio corpo antes de perder o controle.
Enquanto esperava de olhos abertos o dia seguinte, contemplando o céu, lembrava aquela noite em que nós fomos ligados. Realmente não queria pensar em que finalmente encontraríamos aquele vampiro ranhoso. Traçava com os dedos o desenho em minhas costas, sentindo as linhas mesmo sem vê-las. Abraçando-me. Eu estava com medo, por que ele havia decidido parar? Depois de tanto tempo atrás dele,, quase não podia acreditar que era verdade.
Lutei contra o mau presságio, respirei devagar e continuei me lembrando do passado recente:
Naquela noite eu tinha encontrado uma garota, e novamente como tinha acontecido com Ethan, e todos os outros depois dele, ela gemeu quando eu a mordi. Foi um alívio supremo, como se seu sangue fresco afastasse a dormência do meu corpo. Meus olhos se abriram quando terminei, enxergando a tudo normalmente. O calor, no entanto, continuava a me cozinhar e conseguia sentir nitidamente Nahuel e Plata à distância, relaxando ao saberem que eu estava bem. Isso era estranho.
Depois de apagar a memória da garota sobre mim e deixá-la adormecida em um local escondido entre algumas folhas, eu quase pensei ter visto uma mulher de cabelos loiros entre as sombras, mas em um piscar de olhos ela havia desaparecido. Achei que tivesse sonhando acordada, ninguém naquela região poderia ter os cabelos daquela cor.
Porém, quando decidi dar uma volta na aldeia em vez de voltar ao acampamento, encontrei a mulher apoiada a uma parede. Quando nossos olhares cruzaram, ela entrou pela porta do que parecia um bar e eu, curiosa, a segui.
O lugar era mal iluminado e pequeno e além da mulher loira que agora se sentava em um banco, havia apenas um homem gordo já embriagado no balcão do outro lado. Sentei-me ao lado dela e aguardei por algo, não sabendo exatamente o quê. A mulher era baixa, porque apesar de eu agora parecer ter entre 11 e 12 anos, era apenas alguns centímetros menor do que ela.
Eu meio que estranhei ninguém dizer nada sobre uma criança, ainda por cima do sexo feminino, entrando em um bar sozinha a não sei que horas da manhã, mas como não houve nenhum tipo de reação, apenas continuei imóvel. Meu cérebro se perguntava inutilmente o que meu corpo fazia ali, mas minha voz apenas o mandou calar a boca.
Depois de alguns segundos, a mulher pediu alguma bebida e se virando pra mim perguntou em inglês:
- O que você vai querer?
Eu guardei meu espanto no bolso.
- Não tenho dinheiro – declarei, sem desviar os olhos dos seus muito azuis.
- Sem problema, você parece precisar de algo.
Eu ergui uma sobrancelha com o comentário, mas decidi não dar ao trabalho de retrucar.
- Vodka.
Ela assentiu e gritou para o velho barman o pedido.
Quando as bebidas vieram, ambas tomamos sem nenhuma nova tentativa de conversa. Eu mentalmente agradeci aquilo, mas estava esperando um tipo de interrupção. Quando esvaziamos os copos e a loira simplesmente pediu novas doses, eu sorri e desta vez deixei minha mente vagar enquanto bebia.
Eu tinha deixado guardado em algum lugar escuro na minha mente a revelação do que meu sangue fazia com quem o tomasse. A imagem de Ethan lambendo apenas algumas gotas de minha palma fazia minha mente zunir.
Se aquilo não tivesse acontecido, aquela maldita coincidência, eu nunca iria atrás dele, nunca teria encontrado ele antes de morrer. E nunca teria me vingado apropriadamente.
A imagem de seu rosto rasgava algo dentro de mim, libertando finalmente uma parte do desespero que tinha feito tão bem em guardar. Mesmo que aqueles últimos momentos com ele tivessem sido horríveis, eu não trocaria a chance de ter aquilo por nada.
Lembrando de tudo meses depois, deitada na noite fria de Fukuoka, senti aquela parte negra lutar para vir à tona de novo, mas eu já tinha alguma prática agora em mantê-la sob controle. Minha mente precisava se prender em algo, no entanto, por isso continuei puxando minhas memórias enquanto esperava a noite anterior ao encontro com Alistair finalmente terminar.
Depois da terceira dose, eu apenas tinha levantado e agradecido à mulher antes de sair do bar. Nos dias que se seguiram, eu sempre havia estado na corrida em perfeito ritmo com Plata e Nahuel. Fora isso, treinávamos todos os dias, os dois contra mim. Apesar de sempre acabar machucada, eu estava me dando bem, principalmente nas últimas semanas. Da última vez tinha conseguido, inclusive, nocautear Nahuel.
Eu ruminava nossos planos diariamente, muitas peças ainda estavam faltando. Se não conseguíssemos saber da história dos Volturi, precisávamos pelo menos de dados sobre os atuais membros da guarda. Tudo parecia um enorme quebra-cabeça com as peças principais faltando.
Eu havia achado há algumas semanas uma dessas peças, quase sem querer, como geralmente acontecia quando eu meditava muito tempo sobre algo.
- Eu sei o que temos de fazer primeiro – eu havia dito assim que acampamos naquela noite.
Plata e Nahuel apenas se sentaram e escutaram com os semblantes alertas.
- Como primeira ação contra os Volturi, eu acho que descobri o que temos que fazer. Tudo vai depender das informações que Alistair vai nos dar, mesmo se ele não souber a origem dos Volturi. Temos de destruí-los por dentro, mas precisamos conhecer pelo menos algumas falhas antes de tentarmos algo.
Eu tinha dito aquilo enquanto preparava minha cama, de forma natural. Mas sabia que tinha acabado de expor um tipo de decisão sem volta. Algo que minha mente simplesmente havia visto como o melhor caminho, e eu tinha aprendido a confiar nessas revelações por mais loucas que elas parecessem.
Enquanto o vento frio continuava a acariciar meu rosto, e sem mais nenhuma lembrança para me levar antes do dia D acontecer, finalmente consegui fechar meus olhos e pedir para o sono me levar na breve meia hora que faltava para o sol nascer, antes do fatídico encontro acontecer.
Infelizmente não tive o alívio de conseguir finalmente ficar inconsciente, já que o mais leve ruído de folhagens me fez despertar novamente e, assim que abri os olhos, até cheguei a pensar estar sonhando: a mesma mulher loira, que havia me pagado bebida na noite da tatuagem, estava em pé apenas a cinco metros do acampamento e me encarava.

23 – Finalmente Alistair

Rapidamente eu perfurei com a unha minha própria pele e, ao primeiro sinal de contato do ar com meu sangue, tanto Plata como Nahuel estavam de pé, alertas.
- Impressionante – comentou a loira, ainda parada no mesmo lugar.
Sua voz era sutilmente grave, e tinha um tom displicente mesmo parada ali sozinha, enquanto o gelo dançava sob o vento que levantava seus cabelos loiros. Ela vestia uma jaqueta jeans com pelos na gola e uma calça negra. Os olhos azuis nos encaravam estudando, enquanto um meio sorriso continuava pousado em sua boca.
Eu quase me chutei por não ter reparado naquela noite que ela não era humana, seu cheiro era diferente de todos os que eu já tinha sentido, tanto que não saberia definir o que ela era.
Agora eu tinha conhecimento que muitas criaturas e seres viviam no mesmo mundo que eu. Nahuel e Plata até tinham me apresentado alguns deles durante aquele tempo de perseguição a Alistair.
Eu podia também sentir um forte odor de álcool vindo dela, era estranho como os cheiros pareciam se mesclar.
- Obrigada – falei por meus companheiros. – Você está aqui por quem?
Ela piscou pra mim, perdendo temporariamente o sorriso. Então esfregou um dos braços como para se confortar.
- Alistair, é óbvio – declarou finalmente.
Eu não pude deixar de medi-la com novos olhos. O que ela estava fazendo trabalhando para aquele vampiro remelento e covarde? Bom, pelo menos era essa a imagem que eu tinha dele.
- Ei, não me olhe assim – ela soltou em minha direção.
Eu suspirei.
- Ok, desculpe. Você pode, por favor, esperar até nos arrumarmos? – declarei enquanto me levantava e espreguiçava.
- Tudo bem – ela disse mais descontraída, e então retirou uma garrafinha de metal de dentro da jaqueta ingerindo muito naturalmente seu conteúdo.
Arrumamo-nos rapidamente e mesmo antes de estar pronta, Nahuel e Plata já me ladeavam.
- Você primeiro – Nahuel declarou, ele estava estranhamente sério.
Perdi um segundo admirando seu perfil duro enquanto a mulher penetrava a mata com o fim de nos guiar.
- Anhangá... Assim vou achar que está admirada – disse enquanto me olhava com o canto dos olhos.
Eu e Plata bufamos em sincronia, antes de seguirmos pelo caminho deixando-o para trás. “Arrogante de merda...”.
Enquanto andava eu rocei disfarçadamente em Plata mostrando as imagens do que tinha acontecido entre mim e aquela mulher há meses atrás. Já havíamos feito essa troca diversas vezes, de forma que ela sequer perdeu o passo enquanto era cegada pelas memórias.
Eles insistiram em treinar para momentos como esse em que informações teriam de ser passadas sem palavras. Eu me sentia agradecida pela confiança que depositavam em mim, deixando-me penetrar suas mentes o suficiente para me familiarizar, já que estava invadindo suas privacidades. Eu podia sentir pelo sangue deles preso dentro de mim que não ficavam totalmente confortáveis.
Nahuel percebeu o que se passava e tocou a base de minha nuca para eu transmitir para ele a memória. Antes mesmo de ele me tocar eu já tinha trincado os dentes, mas não adiantou nada e como sempre acontecia, estremeci. O que fazia eu me sentir uma merda e enraivecida, obrigada por perguntar.
- Qual o seu nome? – Nahuel questionou um milésimo de segundo depois das imagens deixarem-no.
A loira baixinha fez um som estranho de resmungo com algo animalesco.
- Por que você quer saber? Deus sabe que eu não dou a mínima para como você se chama.
Senti-o endurecer mesmo caminhando passos a sua frente.
- Estava apenas sendo curioso, pensei que seria ofensivo tratá-la por algo como On Rougit ou...
Mas Nahuel não teve tempo de nomear novamente a mulher, porque esta soltou um rosnado tão assustador que fez meus cabelos da nuca ficarem em pé. Ela tinha se agachado ainda de costas para nós e por um momento pensei ter visto seus cabelos terem um reflexo avermelhado, mas assim que pisquei havia passado. Nós tínhamos congelado no lugar, captei um sinal de Plata para Nahuel, mas ele simplesmente chacoalhou a cabeça negando qualquer coisa.
- Sabe o que sou... Que maravilha... – ela praticamente grunhiu enquanto levava novamente a garrafinha à boca, tomando longos goles do que eu agora tinha certeza ser algum tipo de bebida muito forte.
Enquanto ela se levantava massageando o pescoço senti a tensão crescer enormemente, sem entender nada do que estava acontecendo.
Foi aí que ela se virou. Seu rosto estava completamente transformado: seu nariz parecia ter subido dando espaço para a boca que cobria mais da metade de seu rosto, os dentes pontiagudos ainda dentro da boca gigantesca que parecia sorrir com a saliva começando a escorrer pelo canto direito. Os olhos também cresceram e cobriam o que antes era sua testa, grandes e azuis cintilantes. Toda a face estava coberta de pelos vermelhos.
O choque me bateu e imediatamente comecei a suar.
- Naauumm brrrrrrrrrinquuee toommm aaahhh peeeeessttaaaaaaaa – aquilo emitiu um tipo de voz que não pertencia a algo que devesse falar.
- O que ela disse? – perguntou Nahuel, que parecia estar se divertindo.
Plata coçou a sobrancelha visivelmente furiosa.
- Huuuaaar, huuuaaar, hhhhuuuuuaaaarrr... – ela soltou.
Eu estava hipnotizada pela criatura que se chacoalhava com os olhos estalados, praticamente lagoas azuis nos encarando. Então diante dos meus olhos seu rosto voltou ao normal, se encaixando, tornando-se pele novamente.
Ela estava rindo.
Ainda ficou rindo por um tempo, em que tentei parar de ofegar como se tivesse corrido uma maratona.
- Eu disse: não brinque com a besta! – ela conseguiu falar enquanto limpava uma lágrima que escorria de seu olho direito, de tanto rir, eu acho.
- Ahhh! – fez o imbecil, enquanto batia teatralmente com a mão na perna.
- Bom... – a mulher respirou ainda soltando risadinhas. – Eu não ria assim há algum tempo, então vou ser boazinha te respondendo sua pergunta mal-educada: meu nome é Diana.
Nahuel se inclinou como se estivesse sendo apresentado a alguma rainha.
- Sinto por minha falta de modos, mademoiselle Diana. Sou Nahuel, esta é minha irmã Plata e acho que você já conhece nossa querida Dara...
Ele já tinha voltado à postura normal e agora realmente sorrindo me encarava. Seus olhos claramente avaliando todos os sinais do horror que eu tinha sentido há segundos atrás. Fechei a cara para ele.
- Ah, sim. Eu conheci – Diana respondeu também me encarando. – O bicho feio te assustou foi, garotinha?
Eu senti algo subir abrasador pelo meu peito, quente como fogo enquanto dominava todos os meus membros e meu cérebro. A fúria tomou o lugar de qualquer medo e vergonha que pudesse ter sentido, apesar de ouvir claramente a gargalhada escandalosa de Nahuel ao longe.
Sabia que eu cheirava a medo, covardia. Sabia que eu era pequena, fraca e ainda não tinha a menor ideia de que tipo de besta essa mulher carregava dentro dela. Mas, sinceramente, naquele momento eu queria que se fodesse.
Quando uma pequena faca estava a centímetros de acertar a pele de Diana, fui puxada do galho em que estava por Plata e caí estatelada no chão rugindo.
Eu havia jogado uma faca pequena apenas como distração na direção em que ela estava parada. Joguei mais várias em diversas direções, calculando o espaço de tempo que tinha para se movimentar e jogando-as para onde ela poderia ir para fugir da primeira faca. Então escalei uma árvore com a velocidade de minha corrida a fim de atacá-la por cima. No final todas as facas eram distração, eu era a arma.
A última faca faria Diana desviar-se justamente para baixo de onde eu estava. Droga, tinha sido perfeito!
Um pesado silêncio reinou enquanto eu me levantava ainda furiosa. Nahuel jogou a última isca para longe e o barulho da arma batendo na neve me fez erguer os olhos, desafiante. Todos me encaravam e não pareciam felizes.
Enfim, Diana soltou um suspiro quebrando o silêncio.
- Tudo bem. Vou desculpar isso por que entendo que eu tenha ofendido você – disse, enquanto um músculo de seu pescoço saltava. – E apenas por isso, entendeu?
- Faça o que quiser, não estou pedindo por nenhum perdão – respondi no mesmo tom.
- Agora chega disso! – Plata cortou com a voz firme.
- Diana, por favor, apenas nos leve a Alistair antes de vocês se matarem, ok? – Nahuel pediu, o tom brincalhão de volta, mas pude ver que não alcançava seus olhos.
Nós finalmente quebramos a troca de olhares e ela começou a caminhar na frente com o idiota que tinha provocado tudo aquilo ao lado dela. Plata apertou meu ombro enquanto eu passava a mão no rosto tentando voltar a respirar normalmente.
- Vamos – ela incitou.
Eu sacudi a cabeça e comecei a seguir os dois com Plata ao meu lado, apenas pedaços de sua animada conversada chamando minha atenção.
Depois disso, caminhamos até o sol começar a nascer e então finalmente Diana parou em frente a uma construção muito antiga e um pouco desmoronada, parecida com um templo.
- Está abandonado – ela nos disse. – Alistair está lá dentro sozinho como vocês podem cheirar. Eu vou entrar com vocês e, se ele pedir, ficarei de fora.
Eu concordei com a cabeça e entramos no lugar.
O local era escuro com peças feitas em pedra quebradas pelo caminho, mas eu consegui enxergar uma figura magra sentada no fundo, perto de uma estátua maior e desgastada de Buda. O cheiro era uma mistura de ervas, poeira e chuva. Quando paramos no meio do caminho, percebi a figura estremecer antes de levantar e caminhar até nós, que estávamos abaixo de uma abertura no teto deixando a luz do dia nos acertar. Alistair era exatamente o mesmo, magro e alto com os cabelos negros escorrendo ao lado do rosto pálido e fino. Os olhos permanentemente assustados vagavam de mim para meus companheiros, para depois retornarem ao meu rosto.
- Renesmee Cullen – ele disse com a voz anasalada. – A que devo o prazer?
Eu bufei irritada.
- Se sabia que era eu, por que simplesmente não veio perguntar antes?
Ele tremeu enquanto pronunciava.
- Precaução. Precaução, é claro.
- Certo – fiz mal-humorada, meeerda de tempo perdido. – Você conhece Nahuel e Plata?
- Sim, sim. Os filhos de Joham – aqui ele engoliu em seco.
- Bom, nós queremos saber sobre a história dos vampiros, e se possível sobre a origem dos Volturi. – Fui direto ao ponto, já estava de saco cheio de esperar por respostas.
- Bem, bem... Isso é... Eu não estou certo se isso será possível.
- Por que não? – era Nahuel, e devo dizer que ele soou ameaçador até pra mim.
Diana automaticamente se colocou ao lado de Alistair.
- O que ele prometeu a você? – perguntei diretamente a ela.
- Avisar-me se Demetri vier atrás dos que restaram da minha espécie – respondeu prontamente. A sinceridade dela depois do que tinha acontecido me surpreendeu.
- Que seria? – insisti entre curiosa e com raiva.
- Sou uma das últimas do que você deve conhecer por Filhos da Lua – ela disse de forma dura.
Eu exalei. Um legítimo lobisomem, lobismulher. Sei lá.
Eu iria gostar se tivessem me avisado antes.
- Sei. Você acha que Alistair teria coragem de te mandar uma mensagem avisando sobre isso, arriscando ser pego? – discuti.
Ela deu de ombros.
- Ele prometeu. Além disso, eu disse a ele que se eu fosse morta, meus amigos o perseguiriam até o inferno para se vingar.
Durante nosso diálogo, Alistair simplesmente fez barulhos e tremeu diante de nós.
- Sabe Al., não fará nenhum mal se você nos contar. Aro não tem como ler nossa mente.
Ele olhou para mim espantado.
- E você também não precisa saber o que faremos com a informação. Se quiser eu posso apagar da sua memória que nos encontramos e ninguém poderá te acusar de nos ajudar.
Agora tanto Diana como Alistair me encaravam, senti Plata se mexer desconfortável ao meu lado esquerdo.
Deixa eu dizer uma coisa sobre esses meus dois companheiros de viagem: Plata sempre parecia mais irascível quando Nahuel ficava relaxado e vice-versa, como se competissem pelas responsabilidades. Eu sabia que Plata estava desconfortável por eu ter revelado o que podia fazer para completos estranhos, e de certa forma ela tinha razão.
- Espero que você preserve essa informação – me dirigi a Diana.
Ela pareceu ofendida, mas era melhor avisar de qualquer forma.
- Eu saio ou não? – perguntou ela finalmente a Alistair.
O vampiro simplesmente me encarou se balançando lentamente. Senti-me incomodada, mas não desviei do olhar.
- Sim, sim. É melhor ir. Leve os dois com você – ele disse fazendo um gesto de dispensa bem esnobe com a mão.
Nahuel rugiu do meu lado e eu juro que dei um saltinho de susto, provavelmente estava com os nervos à flor da pele.
- Nós não vamos deixá-la sozinha... – começou, e senti Plata se encurvar em posição de ataque como concordância.
Eu sacudi a cabeça.
- Não se preocupem, ele não me fará mal.
Encarei os olhos vinho do vampiro vários centímetros acima dos meus.
- Ele sabe que se algo acontecer comigo, os Cullen vem pela carcaça dele.
Alistair ergueu uma sobrancelha, eu esperava que ele não tivesse nenhum poder oculto para detectar mentiras.
- Nem Carlisle poderia detê-los – enfatizei, pressionando.
Ele esfregou as mãos como um rato.
- Claro, claro. Eu não faria... Podem ir. A menina ficará bem.
Os dois pareceram não ouvir e me voltei primeiro para Plata que assentiu se retirando, e depois para Nahuel. Ele desviou a vista para mim e sorriu maldosamente.
Hoje ele vestia uma camiseta branca que contrastava terrivelmente bem com a cor da sua pele, os cabelos negros e lisos estavam soltos, apenas com um leve trançado nas pontas, prendendo-os nas costas. Ele levantou a mão e passou levemente na minha cabeça, senti meu corpo estremecer pela lembrança de um toque semelhante de uma pessoa completamente diferente.
- Qualquer coisa grite, Dara – ele disse, com a voz grave arrastando.
- Sei, e o Batman aparece – eu estava desconfortável. – Vai logo!

24 – Como as Mulheres Sempre Ferram com Tudo.

Forks – Washington. 14 de Julho. 01:48 PM.

Depois de eu deixar a casa de Sam quase correndo, já que ficar lá dentro com tanta gente estava ameaçando me deixar claustrofóbico (e também por que eu estava arriscando arrancar o pescoço do Joseph, mas eu acho que quase todo mundo estava sentindo a mesma coisa naquela altura), eu pensei em aproveitar o sossego e me transformar.
Enquanto eu deixava os costumeiros tremores percorrerem meu corpo, de repente senti minha atenção ser puxada para outro lugar, virei minha cabeça no exato momento em que Embry saiu da casa. Nós nos encaramos por alguns segundos, era estranho como a familiaridade tinha perdido a força.
- Eles vão demorar? – quebrei o silêncio.
Ele chacoalhou a cabeça.
- Por toda a eternidade, provavelmente.
Ele ficou em silêncio um minuto, como se estivesse tomando coragem para algo e eu continuei imóvel.
Embry realmente estava bem mais magro, o rosto quase era só osso.
- Ei, cara você tá mal. – Eu só estava constatando um fato, mas queria que ele desembuchasse também.
Ele levantou a cabeça.
- O sujo falando do esfarrapado – ele retrucou, mas não pareceu chateado.
Eu olhei pra baixo, pra mim mesmo. Eu tinha emagrecido também, mas nada comparado com aquilo.
- Yeah. Mas eu sei o meu motivo pra me esquecer de comer. Qual é a sua desculpa?
Ele quase sorriu pra mim agora, talvez meu charme não estivesse perdido, afinal.
- Vamos andar – ele declarou.
E assim fizemos.
Quando estávamos longe o suficiente para nenhum lobo que estivesse desatento à reunião nos escutar, Embry decidiu parar. Escolhendo um lugar sem terra pra não sujar a bermuda, ele se sentou como se tivesse o dobro da sua idade.
- Obrigado pela parte que me toca – eu disse, ele tinha sentado no único lugar sem terra.
- Ah, cala a boca e senta logo!
- Solta – exigi assim que acomodei.
Ele olhou pra mim, os olhos castanhos estavam quase afundados no rosto.
- O que você acha que é?
Eu exalei como um rosnado.
- Ah.
Ele chacoalhou a cabeça em concordância. Só podia ser uma coisa: mulheres, ou nesse caso, Joyce Oldbear com quem ele tinha tido a Impressão.
- Ei, eu achei que podia ter a ver com o Velho Quil...
- Cara, todo mundo sabia que podia ser ele. De certa forma foi melhor, imagina se fosse o seu pai...
Nós dois trememos em conjunto com aquilo. O fato de Embry ter se transformado sem ter um pai declarado havia lançado suspeitas contra vários membros da tribo, inclusive o velho Billy.
- O que aconteceu? Ela fugiu também?
Ele riu algo como um rosnado também. Acho que nós dois andávamos há tempo demais na forma de lobo...
- Ei, me dê um pouco de crédito aqui.
Eu levantei meus ombros, eu não tinha nenhum crédito em nada.
Embry suspirou.
- Na verdade se ela pudesse fugiria. Ela me odeia, cara.
Eu esperei o resto em silêncio.
- Ela disse que odeia esse lance todo. O pai dela a obrigou a ficar aqui e ela tinha planos e talz.
Ele chutou uma pedrinha com o tênis furado.
- Ela tem medo dos irmãos dela se machucarem e não sei o quê.
- Por isso você negou A Disputa.
- Yeah. Se ela souber que eu concordei em fazê-los lutar entre si, acho que me mataria pessoalmente.
Eu suspirei agora.
- Ela não conhece o Joseph? Ele vai ser um pé na bunda de todo mundo até que leve um murro na cara.
- Não importa – ele soou desesperado. – Agora que eu posso ser escolhido o líder as coisas pioraram. Ela nem me olha mais, nunca ia concordar em passar o resto da vida aqui.
- Que merda!
- Yep.
Ele se remexeu e tirou um maço de cigarros do bolso, puxando um. Acendeu e tragou fortemente enquanto eu encarava.
- Vai bancar a mamãe? – perguntou ele, me vendo encarar.
- Cala a boca e me dá um desse.
Eu acendi e puxei tão fortemente quanto ele, em um segundo estava tossindo como louco.
Embry nem me olhou, só continuou encarando o céu.
- Ah, a delícia do primeiro trago...
Eu teria dito pra ele ir pro inferno, mas estava lutando demais para respirar.

25 – Pequenas Peças.

Fukuoka – Japão. 2 de Setembro. 06:29 AM.

- Muito bem – ele começou depois de se sentar em um degrau puído do templo. – O que exatamente você quer saber?
Eu lhe sorri educadamente enquanto assentava na sua frente.
- Bem, muitas coisas. Podemos começar sobre a história das, hum, espécies de vampiros.
Ele assentiu, seu cabelo negro e oleoso sacudindo com o movimento.
- No início existiam os Fierbintes e os Rece. Eles formavam uma espécie de corte, apenas alguns Fierbintes estavam espalhados por entre os humanos e eram todos machos. Os homens Fierbintes eram considerados inférteis, pois não conseguiam engravidar os da mesma espécie e seus bastardos com humanos – pois casamentos de imortais e humanos não eram permitidos – morriam após o nascimento e deste modo foram proibidos. Os Rece eram muito poucos nessa sociedade. Eram criados a partir de humanos homens apenas para servirem as famílias Fierbintes alojadas na corte. Os Rece não eram permitidos fora deste local devido seu comportamento irracional em seus primeiros anos, apenas os Rece guardiões das Rainhas podiam acompanhá-las em suas breves excursões para o exterior.
- Existe mesmo a história que eles não tinham veneno? – deixei escapar.
- Sim. Mas me atrevo a dizer que não acho isso possível, o que é mais provável ter acontecido é terem escondido este fato.
- Como assim?
- Os Rece não viviam por muitos anos, eles tinham um prazo de vida. Nenhum deles poderia existir por mais do que 50 anos, quando esta idade chegava eram mortos. Apenas os guardiões das Rainhas podiam viver até que elas se cansassem deles.
- Por que eram seus amantes? – questionei, ele fez um gesto para que eu continuasse. – Os homens Fierbintes viviam fora da corte com mulheres humanas, porque as Fierbinte deviam menosprezá-los. Então elas criavam amantes imortais para procriarem e serem protegidas de seus maridos e provavelmente delas mesmas, e então os matavam quando ficavam enjoadas ou quando eles sabiam demais de seus próprios poderes.
- Precisamente o que penso – admitiu com seus olhos brilhando em minha direção. – Como eram “alimentados”, as mulheres poderiam simplesmente se livrar dos corpos humanos que eram mordidos antes de ocorrer à transformação, iludindo-os – completou.
- Como eles se mataram? – perguntei quase me cansando da lição de história. Todos esses seres pareciam piores do que os Volturi pra mim.
- Eu não saberia dizer ao certo. Ao que parece, os homens Fierbintes, ou apenas alguns, descobriram que seus filhos sobreviveriam se fossem, digamos, bem cuidados. Espalharam seus filhos até que tivessem um exército e invadiram a corte.
Isso fazia sentido para a popularização dos Flâmûnd – vampiros com presas e fracos sob o sol - provavelmente não havia um bom controle sobre eles antes desse massacre.
- E os Volturi? – questionei.
- O que tem? – ele não me encarava agora.
- Da onde vieram? Foram mordidos depois disso, quando todos estavam mortos?
- Igualmente eu não saberia dizer.
Eu evitei chacoalhar aqueles ombros finos, ele estava me escondendo algo eu só não sabia o quê. Ainda.
- Certo. O que você pode me falar de seus membros?
Ele levantou a cabeça.
- Bem Caius, Aro e Marcus são os líderes, como você bem sabe. Cada um dispõe de um guarda pessoal para si e sua rainha. Exceto Marcus que perdeu sua Rainha Didyme.
- Você sabe o que aconteceu?
- Nunca me foi permitido questionar, é um tabu.
Eu franzi as sobrancelhas, havia algo ali. Marcus tinha que ter um grande motivo para ter permanente aquela cara de funeral. Porém Alistair realmente parecia não saber nada sobre esse assunto.
- Tudo bem, continue, por favor.
- Bem, Aro tem como proteção pessoal Renata. Ela projeta um escudo tocando-o, para que quem tenha intenção de atacá-lo se esqueça disso quando entrar em contato com seu poder.
- Marcus tem como guarda pessoal Santiago, ele é quase tão antigo quanto os irmãos e não tem poder algum a não ser o conhecimento que adquiriu com sua vasta experiência de vida.
- Caius teria o guarda mais perigoso, mas normalmente Corin guarda sua posição longe de seu mestre. Na verdade, quase ninguém sabe qual é seu rosto. Ele se camufla com o resto da guarda, mas em uma posição que possa defender Caius prontamente. Ele pode fazer qualquer um perder todas as memórias apenas com um toque.
Eu suspirei.
- Desculpe.
- Bem, bem. Vamos ver. Jane e Alec são praticamente os preferidos, Jane para torturas e Alec para ataques por causa de seus poderes.
Eu acenei confirmando. Dor infligida com a mente e cegueira total para um grande grupo de pessoas também me deixaria maravilhada em outras situações. Não, talvez não. Só se eu fosse uma Bruxa má.
- Felix tem uma força muscular considerável e Demetri é um rastreador, como você sabe.
- Qual a diferença entre seu poder e o dele?
- Eu sinto as auras das pessoas, sei quando estão próximas. Demetri persegue através do cheiro, como se tivesse um olfato extremamente apurado. Também pelo olfato, ele consegue catalogar o tipo de criatura que está caçando...
- Não entendi – interrompi.
- Quando sinto a aura de alguém, jamais me esqueço. Mas quando é de algum desconhecido, não sei o que esperar. Sei somente que se trata de alguém não-humano, já que não vejo aura de humanos. Demetri por outro lado pode classificar pelas nuanças do olfato que tipo de criatura está caçando mesmo sem vê-la.
- Entendo.
- Heidi apenas percebe a intenção das pessoas, o que a faz ser usada em alguns momentos como detector de mentiras. Mas ela não consegue perceber o motivo atrás das intenções...
- Então pode falhar – completei.
- Correto. E por último temos Chelsea e Afton. Afton já fazia parte da guarda, mas ascendeu com o tempo em que aumentou sua habilidade. Ele pode transmitir fúria e fazer uma pessoa se voltar contra seus entes mais queridos. Já Chelsea foi “adquirida” em meu tempo com os Volturi...
Alistair ficou temporariamente em silêncio visivelmente revivendo a antiga cena.
- Eles atacaram seu clã e pediram para aqueles que não quisessem morrer se juntarem a Guarda. Era óbvio que Aro apenas queria Chelsea e seu irmão Dimas, mas este se negou à rendição e foi morto com todos os outros.
- Deve ter sido horrível...
- Foi um massacre. Lembro-me ainda hoje das palavras de Aro para consolar Chelsea: “Eles foram corajosos, mais do que seu real poder poderia permitir e isso é tolice, minha cara”.
- Soa exatamente como ele! – cuspi com nojo.
- Sim. Chelsea, você sabe, foi de fundamental importância para os Irmãos. As Rainhas estavam incontroláveis naquele tempo, queriam sair dos quartos e opinar nas decisões.
- Ela deve ter sido como um presente... – comentei. Minha mente trabalhava febrilmente.
Ele pareceu reparar minha meditação, então tentei disfarçar com um sorriso.
- Como Aro não “leu” em sua mente o que sabe sobre a história dos vampiros?
Alistair embranqueceu com a pergunta.
- Eu, bem, adquiri o conhecimento após minha estadia em Volterra.
- Bem Al., para mim está óbvio que alguém daquela época está vivo ainda e você encontrou com essa pessoa.
Acho que agora ele adquiriu uma coloração verde, mas o lugar estava bem escuro, poderia ser amarelo.
- Você está certa. Para falar a verdade eu acho que, hum, hum... Ele gostaria de conversar com você.
Aí eu fiquei apreensiva.
- Você sabe o que queremos fazer – era uma afirmação.
- Sim. E concordo. Não há mais paz com os Volturi para nós neste momento, será preciso uma mudança. É algo saudável com o passar dos séculos.
Ele parecia veemente, mas evidentemente não queria estar envolvido nos acontecimentos. Alistair não parecia o tipo de vampiro que venderia o que sabe por poder, ele era muito covarde pra isso. Provavelmente preferiria viver sossegado em uma casinha de cachorro.
- Você sabe onde os Romenos estão? – perguntei de repente.
Ele se mexeu desconfortável.
- Eles não farão nada sem algum tipo de compensação.
- Eu sei Al., mas parece que precisaremos de ajuda e tenho certeza de que eles estarão mais do que dispostos em nos auxiliar. Além disso, talvez tenham mais informações que poderiam compartilhar.
Ele balançou a cabeça para frente e para trás.
- Você tem certa razão, mas acredite em mim quando digo que eles são inescrupulosos.
- Considere-me avisada.
Depois de ele ceder as localizações que pedi eu levantei minha mão e ele a tomou em um cumprimento, então eu o fiz esquecer todo o nosso diálogo exceto a informação de onde estavam os Romenos.
- Obrigada.
Ele piscou algumas vezes como se estivesse um pouco confuso.
- Não foi nada, criança.
Eu soltei a mão e segui a passos largos para encontrar os outros.
Tínhamos trabalho a fazer.

26 – Gato Perverso.

Por alguns segundos o sol cegou meus olhos e me perguntei vagamente se minha dieta humana estava dando alguns resultados. No entanto, assim que consegui retomar a visão esqueci aquilo.
Plata se levantou da pedra onde estava e encarava imóvel para a entrada. Do outro lado, Nahuel e Diana pareciam ter uma conversa agradável sentados em duas pedras dispostos de frente um para o outro.
Eu caminhei me sentindo feliz, tínhamos alguns objetivos agora.
Enquanto esperávamos que os dois terminassem a conversa, percebi repentinamente que a roupa branca de Plata era bastante transparente e, puxando pela memória, eu sempre me lembrei dela com roupas como aquelas. Eu não precisava abaixar o olhar por que sabia que a blusinha de manga cumprida que eu estava usando hoje era da Minnie, e que eu a tinha comprado antes de entrar no Saint Patrick. Alice iria ter um ataque se nos visse agora...
- Ei, Diana! – gritei.
- Sim?
- Onde posso comprar roupas por aqui?
Ela me deu um sorriso largo, levantando da pedra em que estava sentada.
- Não é muito perto.
- Podemos roubar um carro? – meio que implorei.
Ela riu, e isso fez bem ao seu rosto redondo.
- Seria fantástico – finalmente ela disse.
Nahuel me encarava divertido, os olhos dourados pareciam brilhar.
- Qual a ocasião?
Eu deixei um sorriso atrevido deslizar em meu rosto como resposta.
- Muitas delas.
- Você está sendo provocante? – desacreditou.
- Só se você gostar de criancinhas – desafiei, dando-lhe as costas sem perder meu bom-humor.
Começamos a andar na frente dele, Plata (que suspirou ante nosso diálogo), Diana e eu.
- Acho que você está me confundindo com alguém – insistiu Nahuel às nossas costas. – Deixa eu adivinhar... O Lobo mau? – ele estava sendo obviamente maldoso.
Não houve resposta e eu ri.
- Minha nossa, você é tão idiota... – finalizei.
Uma das suas brincadeiras habituais era me infernizar por casa de Jacob.
Então fui surpreendida quando meus pés deixaram de repente o chão, Nahuel me sentou em um de seus braços e segurava minha cintura com o outro.
- Se ficarmos nessa posição posso parecer seu papai e ainda aproveitar.
Aquilo era humilhante e ridículo, senti involuntariamente minhas bochechas corarem.
- Caramba, e pensar que eu ainda esperei maturidade de alguém de mais de 100 anos. Agora você pode me por no chão, seu retardado?
- Nahuel... – Plata comandou.
Diana estava rindo há alguns bons segundos.
Ele aproximou a boca da minha orelha.
- Adorei você fazendo charme por ciúmes.
O hálito dele era quente e fez meus pelos se arrepiarem.
- Você é doente! Me põe no chão agora, coisa nojenta!
Ele fez, mas lentamente deixando sua mão deslizar por minha cintura. Agilmente, eu torci os dois braços enquanto dava um chute certeiro no seu estômago.
Ele foi valente e não se encurvou. Bom pra ele, eu tinha um soco preparado.
- Você pediu – sentenciou Plata antes de voltar a caminhar.
Olhando seu rosto senti minha satisfação desaparecer. Ele estava com raiva, pela expressão era perceptível, mas também havia um tipo de prazer doentio estampado.
Tentei não abaixar o olhar com todas as forças, mas é claro que não consegui. E sim, ele estava excitado (sim, “aquele” excitado). Sim, por ter me segurado daquele jeito. E sim, isso era extremamente perturbador.
Voltei-me como um robô, querendo sair correndo. Diana me alcançou ainda rindo. Só eu tinha reparado? Por favor, que só que tenha reparado, eu imploro...
“Ele é um maníaco, é isso. Um maluco completo, pervertido”.
E do mesmo modo que eu tive medo, um medo terrível que gelou meus ossos, eu também me senti bem. Como se através do frio de medo um calor de satisfação enchesse meu estômago e daí partisse para meu peito. Eu me sentia elétrica e assustada. Que merda?
- Vamos comprar essas roupas! – fumeguei aumentando o passo.


UM ANO DEPOIS...


27 – Má noticia vem a cavalo, boa notícia... Vem de surpresa.

- Como é que é?!
- Você me entendeu completamente – respondeu Edward irritado.
Eu respirei fundo, evitando me transformar e estraçalhar o telefone. Como o maldito podia me dar uma notícia dessas com aquela calma? Só não tendo sangue correndo nas veias mesmo...
- Ela vai voltar? Simples assim?
- Ela disse que viria para comemorarmos juntos o aniversário dela – ele repetiu maquinalmente.
Eu fiquei mudo. Era quase ridículo como uma piada de mau gosto, só que ninguém estava rindo, eu pelo menos não. Eu tinha arrastado minha bunda por meio mundo para encontrá-la e agora ela simplesmente decidia voltar do nada. Muito legal mesmo.
- Você ainda está aí, cachorro?
- Arrã...
- Eu havia lhe dito há três anos que quando ela quisesse voltar por conta própria, o faria.
- Claro, claro... E Bella?
- O que tem ela?
Eu bufei, falar com Edward ao telefone era mil vezes pior do que pessoalmente.
- Ela está viva? Desmaiou com a notícia? Por que não foi ela que ligou?
Ele fez um som estranho, eu quase podia imaginá-lo rolando os olhos.
- Bella leu a carta de Nessie duas vezes e depois saiu correndo da casa para comprar as passagens e ainda não retornou. Eu liguei porque isso foi a última coisa que gritou para mim antes de correr pela porta.
Eu quase ri, era bem Bella.
- Vocês estarão em Whitehorse quando?
Bella e Edward haviam se formado, de novo, e ido para Dartmouth. Bella estava cursando literatura e eu não fazia ideia do que Edward estudava dessa vez. Ele devia estar na faculdade pela décima vez, sei lá.
- Provavelmente amanhã pela manhã. Ligarei para Charlie assim que terminar de falar com você...
- Eu não vou esperar.
- É claro que não – Edward parecia resignado.
- Quando ela chega?
Estávamos no dia 2 de Setembro de 20** e Nessie faria seu aniversário de cinco anos no dia 10 de Setembro.
- Ela disse que estaria no vôo das 10h do dia 4.
Eu sacudi a cabeça idiotamente antes de me lembrar que ele não tinha como me ver.
- Estarei aí antes, para ir ao aeroporto.
Edward suspirou.
- Vemo-nos em breve então, cachorro.
Fiquei paralisado com o telefone na orelha até que Billy me interrompeu.
- Jacob?
- Quê?
- Eu vim pegar umas batatas há uns 20 minutos atrás e você estava na mesma posição que está agora.
- Hum.
- Está tudo bem?
- Nessie vai voltar.
Lentamente, Billy abriu um sorriso que lhe cobriu a cara inteira.
- Tó, liga pro Charlie daqui a pouco. Edward deve estar lhe dando a notícia, você podia ir com ele para a festa.
Billy riu.
- Filho, desde quando temos dinheiro pra passagens de avião?
Eu resmunguei alguma coisa, tinha tirado dinheiro dos Cullen para correr atrás de Nessie nesses últimos três anos. Tinha pegado aviões, trens e até um barco, mas não me orgulhava disso.
Tentando me fazer acordar caminhei para a porta a fim de alcançar Embry. Transformei-me antes de chegar às árvores.
- Quem está aí? – perguntei assim que estava na pele de lobo.
- Eu – era Brady.
- Excelente. Vá fazer as malas e chame Leah.
- Ah, Jake! Acabamos de voltar e...
Houve um silêncio em que obviamente ele estava lendo a notícia na minha cabeça.
- Ca-ram-ba!
- É, é. Eu sei. Agora mexa esse rabo.
- Nossa, espera até os caras saberem...
- Brady!
- Certo, direto as malas.
- Você sabe onde Embry está?
- Na cabana, acabei de sair de lá.
- Ok. 15 minutos!
- Tá certo, chefe!
Eu não ouvi mais Brady enquanto corria para a cabana de Embry, que antes havia pertencido ao seu pai.
Transformei-me de volta antes de chegar perto e fiquei feliz por ter feito. Embry tinha tentado cozinhar de novo e todo o lugar fedia a queimado.
- Quem é? – ele fez de lá de dentro.
- Eu – respondi, enquanto respirava fundo e entrava. – Só queria te dizer que estamos partindo de novo...
- Pra onde desta vez?
Eu suspirei tentando acalmar meus nervos, queria já estar a caminho do aeroporto.
- Whitehorse. Ela vai voltar.
Embry congelou em meio à lavação de louça. Legal.
- Assim? Sem mais nem menos?
Eu me sentei no sofá velho cor de vinho desbotado. Embry era o único que me entendia por causa do negócio com a Joyce.
- É isso aí – deixei sair.
Ele ficou em silêncio, enquanto largava tudo e se sentava na poltrona que antes pertencera ao Velho Quil na minha frente.
- Que estranho...
Finalmente, alguém que se sentia como eu. Embry tinha sido proclamado líder da tribo, depois de ter recusado A Disputa. Apesar do título, alguns lobos simplesmente não tinham respeito por ele, afinal ele negou um meio justo de decidir a liderança. Adivinha quem eram os lobos rebeldes? Cara, eu tinha mais o que fazer do que lidar com aquilo, nem consigo imaginar como Embry suportava...
Eu o tinha apoiado porque sabia de suas motivações e, apesar de tudo, ele vinha sendo um líder pacífico muito bom. A mãe dele nunca tinha sabido da transformação, ele simplesmente havia decidido sair de casa para evitar maiores brigas, porém todo mundo sabia quem lavava suas roupas ainda hoje.
- Eu sei – declarei simplesmente.
Depois de deixar Forks daquela vez, eu havia partido para a Ásia através do último endereço da carta de Nessie. Ficamos por lá exatamente dois meses e nós retornamos para Whitehorse, antes de voltarmos a Forks finalmente.
Quando cheguei três cartas de Nessie me esperavam. Cada uma escrita em um mês diferente, com fotos acompanhando. Ela continuava dizendo que tudo estava bem e que também tinha escrito a Charlie e para os Cullen, a fim de dar notícias dela.
Assim, sem esperança, eu finalmente tinha desistido de achá-la. De verdade? Estava cansado, cansado demais, e tudo o que eu estava fazendo parecia estar me levando para um tipo de abismo sem volta. Minha raiva, meu desespero... Tudo se foi, dando lugar para o vazio. Um tipo de buraco estranho como um tiro no peito que eu de repente descobri estar me matando.
E assim, de repente também, eu soube: Edward estava certo e eu errado (Caraca, como era horrível isso. Mas vamos lá, ele tinha mais de um século de vida. Meio que tinha a obrigação de estar certo em alguma coisa...). Nessie não queria ser encontrada e era muito boa nisso, então eu decidi esperar.
Se tivesse alguma pista, algo diferente, eu ia atrás dela. Senão eu tinha que continuar vivendo ou quando eu a encontrasse de novo, estaria completamente doido e provavelmente a atacaria com meu carrinho de supermercado ou sei lá...
Assim continuei morando com Billy, só eu e ele, e tinha começado a trabalhar como mecânico para arrumar uma grana.
Brady morou com Collin, dividindo uma casa até ele ir para a faculdade. Depois, Brady e Leah começaram a morar juntos. O falatório não impediu os dois de dividir o aluguel, Leah não aguentava mais morar com a mãe, e ambos trabalhavam agora para se sustentarem.
Depois de um tempo dependendo das cartas de Nessie, me surpreendi quando elas foram interrompidas. Então eu decidi ir atrás dela através do último endereço no Japão. Foi muito ridículo, nenhum de nós falávamos japonês e quase nenhum japonês falava inglês. Brady, no entanto, pareceu gostar da viagem, nos arrastando para pontos turísticos quando não tínhamos nenhuma pista.
Fiquei na cabana de Embry exatamente 10 minutos antes de voltar a minha casa e pegar a mochila já pronta. Encontramo-nos na entrada, depois que dei um adeus a Billy, lhe deixando um envelope com todo o dinheiro que tinha ganhado trabalhando naqueles últimos meses.
Leah e Brady já estavam me esperando. Brady agora estava apenas cinco centímetros mais baixo do que eu e tinha ficado bem mais, hum, largo, digamos. Leah não tinha mudado nada nesses últimos anos, apenas seu cabelo estava chegando aos ombros, em um descuido que aparentemente não incomodava quando estávamos transformados.
- Eu quase não consigo acreditar – comentou Brady, assim que me viu deixando a casa.
- É incrível, e ainda assim eu me sinto idiota. Ela tem só cinco anos de vida mesmo?
- Brady, ela é diferente... – repeti pela centésima vez. Para nós era humilhante nos ver despistados por uma criança. Ei, eu amava aquela garota, mas não significava que eu não ficasse furioso com ela às vezes.
- Ridículo – murmurou Leah.
Eu não estava prestando mais a atenção neles. Sabia pra onde aquele papo ia: lugar nenhum. Tudo o que me importava era que ela estava voltando, agora os motivos não importavam mais, eu a teria de volta.

28 - Reencontro.

O dia chegou finalmente. Apesar de eu ter de tranquilizar praticamente todos durante esses três anos, meu espírito era inquieto em relação à perda de Nessie, também. Claro que eu não poderia ter demonstrado isso, nem mesmo Bella sabia da extensão de meus sentimentos.
No dia anterior, houve certa discussão sobre quem iria buscá-la no aeroporto, seria extremo se todos estivessem lá. No final, apesar dos protestos de Rosalie, ficou decidido que só eu, Bella e Jacob iríamos.
Charlie e Billy Black chegariam apenas no dia anterior ao aniversário e então teríamos de votar novamente em quem teria de se afastar de Nessie para buscá-los.
Estávamos a apenas cinco segundos na plataforma, quando uma jovem se levantou de uma das cadeiras. Ela era elegante, usava um vestido cinza com flores negras bordadas e levava o cabelo preso em uma trança elaborada junto à cabeça. Usava óculos escuros e caminhou em nossa direção com uma bota de cano alto, puxando uma mala vinho de rodinhas. Demorei alguns segundos para reparar que a bolsa que levava cruzando o corpo era a mesma que Alice havia dado a Renesmee.
Quando ela sorriu em nossa direção, soltei um assovio involuntário. Era ela, minha filha.
- Decidi pegar o voo anterior. Desculpem-me por não ter avisado.
Sua voz era diferente também. Feminina, mas de um tom profundo.
Quando se aproximou para nos abraçar o seu aroma inundou minhas narinas. Era completamente diferente de como cheirava quando criança, como mel e algo cítrico...
Bella praticamente estava congelada com a boca aberta. Nessie, rindo divertida, a beijou na bochecha. Ambas agora estavam da mesma altura. Depois se virou brevemente para a esquerda, onde Jacob Black estava congelado sem respirar.
- Olá, você.
Ele não conseguiu responder.
Depois disso, Nessie passou os braços em torno de nós.
- Podemos ir?
- É claro, querida – respondi, enquanto tentava me livrar das imagens evocadas por Jacob de Nessie pequena, tentando sem sucesso compará-la com a jovem que aparentava 15 anos ao nosso lado.
Quando começamos a caminhar, Nessie apenas deu um breve olhar para trás onde Jacob se dirigia para a mala que ela havia deixado, então se virando para frente retirou os óculos.
Eu a encarei e estanquei no lugar.
Seus olhos estavam cinza.
“Por favor, depois” – ela pediu por meio de pensamentos. Eram as primeiras palavras que eu escutava da mente dela, aparentemente ela aprendera a esconder completamente seus pensamentos de mim, a não ser que quisesse que eu ouvisse algo.
Era realmente impressionante como seu rosto tinha mudado, o formato era redondo, mas o maxilar tinha uma linha reta muito parecida com a minha. O nariz era pequeno, exatamente como o de Bella.
Continuei a caminhar olhando para frente, Bella parecia não ter reparado em nosso pequeno intercâmbio. Ficamos em silêncio alguns segundos.
- Caramba! Foi pra isso que eu mandei fotos, sabe? Pra vocês não terem uma surpresa tão grande assim...
Eu não me contive e sorri.
- Digamos que as duas dimensões não fizeram justiça às mudanças.
Ela riu um som bonito e vibrante.
- Ei, eu até pensei em vir com um macacão e trancinhas, mas acho que ficaria meio ridículo.
Bella emitiu um som e ambos nos viramos para ela.
- Você está... – ela balbuciou.
Nessie chacoalhou a cabeça com uma estranha careta no rosto, parecia tentar conter o riso.
- Droga! Eu sabia que você ia reagir assim, B... Mãe.
Bella se virou para ela com os olhos abertos e depois voltou a olhar pra frente com o cenho franzido.
- Como você queria que eu agisse? Não nos vemos há três anos e você volta assim! – ela fez um gesto indicando a estatura de Nessie.
Continuamos a caminhar, eu conseguia escutar cada um dos pensamentos de Jacob, então sabia que ele estava nos ouvindo atentamente e concordava com Bella. Era engraçado de certa forma, ele tinha vindo conosco um pouco para dar uma bronca em Nessie, mas apenas agora estava começando a reagir quanto ao que via.
Agradeci por que não fui inundado por pensamentos românticos, não tenho vergonha de dizer que era por isso que insisti em que ele viesse conosco ao aeroporto. Se Jacob de repente tivesse alguma reação desse tipo, não sei como Renesmee poderia responder e era melhor lidar com isso longe dos outros.
Como ele estava saindo do choque naquele momento, ainda não tinha reparado na recepção fria dela, mas eu tinha.
- Sabe que eu tive medo disso? – Nessie declarou, interrompendo o curto silêncio.
- Do que? – interpelei.
- De vocês não me reconhecerem. Fiquei pensando... Que talvez vocês não me vissem como uma de vocês.
Bella interrompeu os passos agora e se virou para ela.
- Não. Nunca faríamos isso. Podemos até estranhar algumas coisas, mas você é nossa filha. Em nossos corações sempre juntos, lembra? – ela disse, tocando o pingente no pescoço dela.
Então ambas sorriram uma para a outra.
- E também temos o resto da nossa vi... Existência pra nos acostumar.
Nessie não respondeu, mas senti seu desconforto. Um leve tremor percorreu seus lábios.
Então ela se virou para mim, aparentemente injetada com nova alegria.
- Se for assim então, pai, posso dirigir?
Eu ri alto, ela prometia ser tão surpreendente quanto Bella. Eu não sabia o que a tinha perturbado, mas como Bella havia dito, seria precioso para nós descobrirmos juntos.
- Você terá que pedir a sua mãe.
Nessie se voltou a Bella, a posição pedinte.
- Claro que pode. De qualquer jeito, acho que meu cérebro vai ter algum trabalho pra processar tudo isso e eu iria bater em alguma árvore que atravessasse meu caminho.
- Oba! – Renesmee vibrou.
Bella me encarou enquanto nossa filha comemorava, estava carregada de espanto mudo. Tentei lhe tranquilizar com um sorriso enquanto partíamos em direção ao carro com Jacob praticamente catatônico atrás de nós.

29 – Claustrofobia.

Tentei levar minha mente longe e falhei. Tentei provocar lembranças enevoadas pela falta de uso e novamente falhei. Não podia fazer nada, absolutamente nada.
Eu estava aqui, agora, com eles. Seus cheiros reais, tão familiares e estranhos. Senti minha mente zumbir e levei a mão esquerda à testa antes de entrar no carro, com as chaves que Edward me dera. Meu pai.
Acho que naquele momento eu entendia mais do que nunca as estranhezas de ter uma família que não envelhece. Eu parecia uma jovem amiga de meus pais, ou para quem reparasse melhor nos nossos traços, uma prima um pouco mais nova. Era constrangedor imaginar o que as pessoas pensariam de nós e isso não ajudava já que eu estava, assim como eles, eu imagino, me sentindo desgraçadamente constrangida.
Mas, por sorte, eu estava fazendo um excelente trabalho por fora. Ou talvez eles não estivessem prestando atenção o suficiente.
“Arg!”
- Tudo bem, Nessie? – Bella perguntou ainda com aquela cara estranha de Bella.
Eu lhe dei um grande sorriso escondendo completamente o quanto era estranho ser chamada assim novamente, como se o nome não me pertencesse mais.
- É claro! Deve ser o fuso horário... – eu girei meus olhos nas órbitas.
Então entrei corajosamente no carro enquanto ouvia “O Outro” colocando minha bagagem no maleiro. Liguei o carro e olhei com atenção o painel.
- Ei, esse é novo? – comentei.
Edward me sorriu do banco traseiro ao meu, mas Bella foi mais rápida.
- Não me diga que você também tem essa coisa por carros?
Eu dei uma risada natural que senti tremer assim que “O Outro” entrou no carro e fechou a porta.
- Jasper nos emprestou, Alice queria que trouxéssemos o dela, mas você sabe como sua mãe é... – Edward finalmente respondeu.
Eu ri naturalmente de novo, enquanto guiava o carro facilmente para a pista. Sim, eu conhecia minha família.
- Eu não sei se vou conseguir acertar o caminho de primeira...
Ouvi um “Hunf” pronunciado do “Outro”, mas ignorei.
- Não se preocupe com isso – Edward respondeu um pouco gelado, mas eu sabia que a frieza não era destinada a mim.
Eu guiava rapidamente agora apenas com uma das mãos enquanto a esquerda brincava com o ar que entrava pela janela.
- Onde você aprendeu a dirigir? – era “O Outro”, que interrompeu o silêncio momentâneo em que nos encontrávamos.
Infelizmente para mim, eu endureci ante a pergunta. Não apenas por causa de sua voz, ele não havia dito nada até aquele momento. Dei um chacoalhão mental ante o sarcasmo que tinha emanado da pergunta.
Infelizmente eu também tinha devolvido minha mão ao volante.
- Com Nahuel – respondi simplesmente, evitando levantar meus olhos para o retrovisor e verificar sua reação. Mas ele não me desapontou, foi ruidoso o suficiente para que eu não me desse ao trabalho.
- Como é que é?!
Edward e Bella assoviaram em uníssono. “Ele” não ligou à mínima.
- Mas como assim? Você estava com ele? Todo esse tempo? Desde que...
Bella chacoalhou a cabeça.
- Vocês sabiam, não é? – questionei Bella.
- Edward é muito bom... Em decifrar as coisas – ela deu de ombros.
“Ele” olhava de um para os dois, visivelmente surpreso.
- E não me falaram nada? Pra que contar pr...
- Já é o suficiente, cachorro – determinou Edward entre dentes.
- Não temos culpa se seu lado dedutivo não é muito bem aplicado.
Nunca tinha ouvido uma forma mais educada de dizer “Não temos culpa se você é estúpido”.
Tive de segurar um sorriso.
- Quem mais? – “Ele” inquiriu.
- Você está passando dos limites, Jacob Black. – Bella avisou.
E foi isso, o nome dele finalmente surgiu. Senti uma aguilhoada no estômago, mas fui forte e não me virei. O carro, no entanto, deu uma leve guinada antes de eu sequer perceber o que tinha acontecido.
O silêncio reinou mais uma vez.
- Quem mais o quê? – retruquei diretamente para ele, meu tom me alertando a não seguir por aquele caminho, eu estava soando muito como Dara.
- Quem mais estava com vocês? – ele se adiantou no banco, ocupando quase o espaço entre o meu assento e o de Bella.
Impedi meus sentidos a reagirem a sua proximidade, ou pelo menos tentei como uma louca.
Meus pais não tentaram impedir a sua pergunta, provavelmente porque eu havia dado trela. Ou talvez porque eles também estavam curiosos e queriam ouvir minha resposta.
E se eu dissesse que éramos apenas nós dois? O que ele faria? Olharia-me assustado? Ficaria com ciúmes? Aquilo era loucura. Não foi para isso que eu havia ido ali. Apesar de tudo, minha língua quase me traiu.
- Estávamos viajando com uma de suas irmãs e isso é tudo o que irei dizer.
Ele me encarou por um tempo, mas felizmente eu estava protegida com os óculos de sol. Talvez tudo desse certo. Tinha de dar certo.
Bella se virou para ele, encarando.
- Senta direito.
Ele bufou e finalmente voltou para a posição. Eu segurei um segundo antes de soltar um longo e silencioso suspiro.

30 - O Desafio.

Antes de desligar o carro, Edward tentou alertar com um assovio longo. Bella e Jacob se viraram para ele interrogativos, mas eu sabia melhor e não pude deixar de sorrir.
Oh sim! Eu esperava por aquilo, ansiava por aquilo.
Mandei uma mensagem clara para a mente de Edward, uma mensagem decisiva. Se ele não me respeitasse naquilo, então eu nunca seria aceita naquela família. Porque o que eu disse no aeroporto era a pura verdade, querendo ou não eu era diferente deles. Não era só fisicamente, mas como se minha essência não se igualasse a deles.
E eles nem sabiam ainda como eu havia mudado nesses anos.
Enfim, antes de poder ver minha família me aguardando na porta da casa, como em uma fotografia feliz, eu havia sentido o Desafio. E gostei. Aquilo quebraria toda a estranheza. Bom, talvez não, mas ia me aliviar um bocado.
Edward não respondeu, mas se mostrava tenso. Sacudiu a cabeça em concordância e saiu do carro antes de todos.
- Edward o que está acontecendo? – interpelou Bella, o acompanhando.
Jacob saiu logo após, e finalmente eu deixei o banco e fechei a porta. Próximo agora, estava próximo.
Virei-me para a família que se mexia incômoda e sorri a todos.
- Desculpem por ser assim – declarei enquanto abria o zíper das botas.
Esme, Rosalie e Bella me encararam uniformemente com caras de interrogação, parando em meio a seus movimentos naturais. Era impressionante como todos estavam exatamente iguais, não pude deixar de suspirar novamente, enquanto me livrava finalmente das botas e começava a tirar o vestido. Eu havia aprendido há tempos atrás a usar algo mais apropriado por baixo.
Antes pude ter o vislumbre de Edward falando rapidamente com Carlisle e Emmett. Alice e Jasper já levavam Bella para dentro.
- Eu estou indo – disse soando falsa até para mim.
- Está tudo bem... – Carlisle disse dirigindo Esme e Rosalie também para dentro.
Jacob estava ainda parado me encarando, enquanto Edward começou a falar com ele.
“Oh, caramba! Apenas o nocauteie de uma vez! Ele não vai deixar acontecer e aposto como você quis fazer isso um monte de vezes e não pôde.” – persuadi.
Ouvi a risada de meu pai ecoar antes de um pequeno barulho acontecer.
“Uau, ele realmente fez!”
Apenas tive um vislumbre de meu pai carregando um Jacob tonto para dentro antes de voltar minha atenção para a mata.
Estava chegando.

31 – Dançando.

Quando finalmente ela saiu correndo em fúria da mata, eu esperava ansiosa.
Saltei ante seu movimento precipitado e pousei levemente do outro lado, enquanto sorria. Oh, caramba, aquilo era bom. Eu queria ter dado uma sova nessa mulher há séculos.
- Olá, Leah! Excelente recepção!
O grande lobo cinza ofegava à minha frente.
Aquilo era divertido. Queria dizer “Venha, vadia, que vou estourar a sua cara”, mas sabia dos ouvidos sensíveis ao meu redor. Infelizmente para mim tudo terminaria rápido.
Deixei-a recuperar o fôlego da corrida.
- O negócio é o seguinte: Eu também quero brincar – sussurrei realmente baixo.
O lobo apeou as orelhas e rosnou para mim.
- Mas você sabe que se não tivermos algumas regras, o pessoal vai vir acabar com a nossa diversão – eu disse rapidamente.
O lobo esperou, ainda ofegando. Desde onde ela vinha correndo?
- O que você acha disso? – declarei em volume natural. – Nós duas, a primeira que nocautear a outra vence. Tudo bem pra você?
Ela não esperou mais nada e voltou a correr rapidamente em minha direção. Eu aguardei parada e cheguei a escutar um grito feminino antes de me ajoelhar para trás com as pernas abertas, minhas costas quase tocando o chão enquanto eu retirava minhas adagas dos tornozelos.
Ela mirou alto, saltando um metro, projetando meu pescoço. Que era uma luta real eu já sabia, mas eu não planejava matá-la. Leah, por outro lado, não parecia estar pensando assim.
De joelhos, o corpo de lobo de Leah estava apenas alguns centímetros dos meus; tudo parecia em câmera lenta para mim, mas eu já estava acostumada. Em meio ao salto, ela foi esperta e sentindo meu movimento para me abaixar, deu um golpe com a pata esquerda que alcançou meu ombro direito. Com os cotovelos, ergui meu quadril para trás e dei um chute certeiro em sua mandíbula antes que ela pudesse fazer mais algum movimento.
Ela voou para trás, mas eu já tinha dado impulso com minhas pernas e me lancei contra ela em uma fração de segundos. Ainda caindo, alcancei suas patas traseiras e cortei meticulosa e rapidamente seus tendões ao mesmo tempo. Antes de ela aterrissar eu já havia ganhado.
O lobo pousou de costas rugindo com um baque alto que levantou pedaços de terra ao nosso redor e destruiu algumas árvores, ao mesmo tempo em que minhas adagas fincaram suas patas dianteiras na terra. Eu pousei então deitada em seu e estômago, como em estranho abraço, usando seu corpo para me proteger da queda.
Leah ainda tentou me morder, mas eu já estava de pé rindo. Eu a tinha incapacitado totalmente. Chutei sua cabeça que quase alcançou meus pés com os dentes afiados e enquanto ela perdia a consciência, me agachei ao lado de suas potentes orelhas.
- Eu não tenho culpa dos seus problemas. Você é só uma mal-amada que precisa de sexo, sacou?
Quando ela desmaiou, eu tirei minhas adagas antes que ela começasse se transformar de volta.

32 - Recepção Alternativa.

Nem meio segundo depois, eu já estava acompanhada. Todos me ladeavam contemplando o corpo deitado de Leah – e talvez me encarando de forma inquisidora. Eu não saberia, nem tinha dado tempo de me divertir.
Droga, acho que os lobos estavam a tempo demais sem ação.
- Foi realmente necessário cortar seus tendões? – era Carlisle, que mantinha aquela expressão profissional no rosto. – Ah, olá, Nessie querida! – declarou aleatoriamente logo depois, mas eu tinha visto Esme cutucar seu estômago com o cotovelo.
Eu dei de ombros, realmente não estava nem um pouco mais a fim de disfarçar quem eu era. Para o inferno! Aquilo tinha fervido o meu sangue, e também eu achava que eles mereciam melhor do que eu tentar me esconder, de novo. Não tinha dado muito certo da primeira vez.
Encarei decididamente seus olhos.
- Sinceramente, sequer pensei nisso.
Houve novamente aquele estranho silêncio que eu estava começando a me sentir tentada a chamar de “O Silêncio de Nessie”. Soava quase como um título de filme.
- É isso aí, família. Tenho certeza que ela voltará ao normal (eu sabia muito bem disso, havia escutado de Plata e Nahuel todo o tipo de experiências que Joham havia feito com transmorfos).
- A cerveja está na geladeira – uma voz musical interrompeu.
Eu encarei fixamente a pequena figura de Alice, seu cabelo sobrenatural pairando ao redor do rosto pequeno. Caramba, eu realmente senti saudades dela.
- Eu só tive uma visão de Edward percorrendo postos de gasolina alucinadamente durante a noite.
Ela deu de ombros.
Antes que meu cérebro sequer realizasse a cena de Edward percorrendo lugares de madrugada para comprar cerveja para mim (absurdo! absurdo!), eu a envolvi com os braços apertadamente.
- Você é uma deusa!
Ela se deixou abraçar enquanto eu ouvia o rebuliço ao redor.
Eu simplesmente deixei a todos enquanto me encaminhava para a cozinha. Entrando na sala senti a minha mente rachar. Não era sequer uma quantidade de tempo, era como se a própria casa me mandasse embora aos gritos de “Você não pertence a esse lugar!”.
Era-me confortável e ao mesmo tempo estranho. Não poderia ser minha casa, sentia agitação de percorrer os quartos em que eu vagava antes, tanto tempo atrás? Mas não. Que diferença faria? Quem eles eram eu já sabia. Familiar, mas não relaxante. Nunca como meu lar.
Desgraçadamente como uma covarde, eu senti a falta de Nahuel e Plata, como se uma parte de mim que estivesse faltando. Cacete, eu preferia morrer a admitir isso para Nahuel.
Ainda assim...
Abri a geladeira – que provavelmente ficaria melhor desligada - e a encontrei repleta de cerveja, do freezer ao final. Com a minha favorita.
- Paraíso – pronunciei involuntariamente.
- Além de tudo, você é alcóolatra agora?
Ouvi a voz, a única que queria tão perto quanto um roçar de dedos e longe ao mesmo tempo, como uma doença a ser evitada.
O sangue ferveu e os cabelos da minha nuca se arrepiaram. Sozinhos?
- Além de tudo o quê? – retruquei, enquanto sem encarar buscava aleatoriamente uma cerveja gelada no freezer.
- Além de fugitiva, sugadora de sangue e assassina? – soou sua voz crua.
Eu encarei seu queixo – não seus olhos.
- Certo. Você quer uma cerveja? – ofereci, como se não ligasse.
Era mais ou menos como me oferecer depois de todos os defeitos apontados, ainda esperando que ele me recolhesse. Me escolhesse.
Ele deu de ombros e por um segundo achei que talvez – talvez somente – finalmente ele tivesse visto algo interessante, além do traste a quem estava preso.
- Claro.
Eu ofereci a garrafa sem nem encarar seu rosto.
Fomos interrompidos por Emmett.
- Quem é essa?
- Sou sua vizinha, vim pra pedir cinquenta cervejas emprestadas já que lá em casa estava em falta... Sabe como é? – pronunciei com uma voz mais fina e meiga.
Emmett ficou um segundo em silêncio e depois começou a gargalhar.
Eu e Jake ficamos esperando em silêncio.
- A piada foi sem graça, o engraçado foi você ter feito ela – tentou explicar quando a risada findou.
Eu sacudi a cabeça apreciando.
- Sempre ao dispor, velho.
Um segundo de silêncio enquanto senti os olhos de tio Emmett em mim.
Então, quando menos esperava, me vi sendo carregada pelo ombro.
- Edward, Bella! Essa garota precisa de disciplina agora!
Vi-me carregada para a sala. Enxerguei, com o movimento, o queixo de Jacob que já tinha acabado a primeira garrafa. Eu ainda nem tomado um gole da primeira... Então, em câmera lenta, vi uma gota de cerveja escorrendo em seu queixo. Ergui meu rosto até alcançar seus lábios úmidos e então ele foi retirado de minha visão.
“Cacete!” – ok. Não xingar, primeira parte do treino. Que se foda!
- Uma volta no seu carro que me livro de você em 20 segundos.
Eu disse na orelha dele.
Emmett estancou de imediato, infelizmente já estávamos no meio da sala. Todos estavam lá, menos Leah, Carlisle e Esme.
Eu os aspirava pelas narinas, sons e pela sensitividade. Senti-me um pouco mal pelo trabalho que causei, mas ao mesmo tempo sabia que todos ali tinham tido vontade de fazer o que eu tinha feito. Apenas não tinham motivos ou oportunidade.
- Hipocrisia – soei lenta e melodiosamente.
Emmett riu sabendo exatamente a que eu me referia.
- Quem quer inteirar? – ele rompeu as conversas.
Emmett se virou e tive oportunidade de ver Bella e Edward. Droga, entendam! Eu não sou vocês! Não tenho obrigação nenhuma de nem ser parecida com vocês!
- Eu quero apostar. Se Nessie ganhar, você e Rosalie vão construir uma cabana para nós! – era Bella.
Ofeguei involuntariamente. Mas o quê...?
- Não seja burro, Emmett. Não viu o que ela fez com Leah? – Edward parecia mais feliz e descontraído do que nunca o havia visto antes.
A risada cobriu minha boca, mas consegui me desfazer dela a tempo. Era tudo diferente demais do que eu esperava.
- Tia Rose? – procurei.
Então aquele silêncio aconteceu de novo, mas eu tinha certeza de que não tinha sido eu desta vez.
- Oh. “O Silêncio de Rose” – proclamei em voz alta.
Para minha surpresa, a gargalhada dela surgiu poderosa de algum canto e se aproximou rápida.
- Realmente foi impressionante, Nessie. Como eu queria poder ter feito aquilo... – ela disse um pouco sonhadoramente.
- Ei, loira. Deixe Leah em paz, ok? Além disso, a gente não sabe que tipo de coisas a Não-tão-baixa fez enquanto esteve longe...
“Não-tão-baixa?”
Era Jake. Meu Jake. Por que inferno eu não podia saltar dessa posição ridícula e abraçar o seu pescoço? Ah, é mesmo. Eu tinha uma missão. Além disso, ele não me via assim. Não tinha desejo em suas palavras, em seu tom de voz. Nenhuma paixão, adoração sim. Se eu quisesse ser adorada daquele jeito, teria lançado uma nova religião.
Bufei naquela posição enquanto eles riam. Achava engraçado que a amizade de Jake e Rosalie tivesse se aprofundado nesses anos, mas não era inesperado. Ambos me tinham de uma forma idealizada... Psicologia demais?
Cansada, apenas curvei meu corpo e estiquei meu dedo. Um golpe.
Emmett viu que eu tentava alcançar seus ânus e me jogou para frente ainda em seus braços. Grande erro. Cabeçada, uma adaga nas costelas e um chute no saco. Movimentos uniformes e fluidos, e eu estava em pé e livre.
Eu tinha aprendido a lutar com Nahuel: ataque onde menos esperam e calcule o segundo golpe para a reação exata. Quanto mais surpreendente o primeiro ataque, mais a reação pode ser calculada.
Testado e aprovado.
Minha adaga teria quebrado se fosse feita de material comum, mas ela não era. Já conhecia muito bem seus resultado para saber que efeitos poderiam causar em Reces. Reces que eu realmente queria ferir.
Eu já tinha retirado minha adaga e a segurava na mão antes de ele vacilar para trás.
Ele queria vir pra mim de novo, mas Jake estava lá segurando seus braços.
- Ei, vinte segundos lembra?
Todo mundo ficou desconfortável de novo. Que saco.
- Acho que tio Emmett está pouco acostumado a perder – provoquei enquanto suspirava. – Não se preocupe, velho. Você se lembra como eu era, mas não sabe como eu sou agora. Suas lembranças passam para você que isso é uma vergonha, enquanto para mim, além de divertido, é didático. Por isso, obrigada – eu disse.
Eu estava me desculpando e justificando. Exatamente como mais nova, mas eu não ia pensar naquilo agora.
Emmett deu de ombros.
- Você tá certa. Estou desacostumado a lutar. Nesses últimos anos não treinamos nada e você parece ter lutado por décadas.
Eu ri feliz.
- É o melhor elogio que poderia ter me dado!
Ele não tinha ideia de como estava perto da realidade.

33 – Distorcido.

Não, não... Isso não estava certo. Nada estava, na verdade. Eu era uma sombra e quanto mais continuava ali, mais me odiava. Eu era a mancha suja naquela casa, eles eram tão incrivelmente perfeitos quanto eu me lembrava.
Era um sentimento dúbio. Sentia a felicidade percorrer meu sangue, aumentando a velocidade de meus pensamentos e então só conseguia observá-los encantada. Depois de tanto tempo longe deles, as memórias tinham se tornado menos desenvolvidas, como um sonho que você teima em acreditar.
Eu ainda entendia o porquê de eu ter partido. Meus sentimentos naquela época eram muito mais tumultuados, eu não conhecia nada do mundo, dos humanos e de mim mesma. Eu não tinha visto nada da vida além da minha família... Obviamente me senti deslocada.
Quando riam, era como se movessem em câmera lenta perante meus olhos, e doía, doía muito saber que teria que magoá-los de novo antes de poder finalmente voltar.
Estávamos conversando há certo tempo e eu me sentia mais solta graças ao álcool, mas era unilateral: os Cullen descreviam o que eu tinha perdido nestes anos e eu comentava ou brincava sobre isso, mas nada do meu passado recente saía de meus lábios. Eu os observava como se estivesse hipnotizada.
Respirando fundo, eu me lembrei do motivo de minha visita. Eu ainda tinha uma missão, afinal. Muito lentamente, expirei o ar dos meus pulmões e recordei tudo o que tinha que fazer, tentando apagar de todos os modos quaisquer sentimentos de minha mente.
- Vocês sabem, eu conheço um pouco da história antiga dos vampiros, e seres como vocês eram chamados de Rece. Quer dizer gelados. No princípio era assim que sua espécie era chamada, eu quero dizer.
Houve o “Silêncio de Nessie” enquanto eu encarava o teto.
- O que mais? – questionou Carlisle e, mesmo sendo o mais antigo, sua curiosidade me parecia tremendamente infantil.
Então havia chegado o momento.
- Posso provar uma coisa por experiência? – questionei.
- Experiência científica, você quer dizer? – Edward rompeu.
Era mais uma experiência sobrenatural, mas eu não podia dizer isso.
- Sim – respondi.
Eu estava esparramada em algumas almofadas no chão, sozinha, enquanto os outros se ajustavam muito mais do que apropriadamente nos sofás, com uma elegância natural própria deles.
- Primeiro vou dizer que é uma experiência estranha, principalmente para vocês. Infelizmente não tem como eu provar sem vocês vivenciarem. Vocês confiam em mim?
O tremor percorreu meu corpo enquanto eu percorria cada rosto individualmente. Eu esperei todos os meus sentidos quietos. Tinha treinado mentalmente para esta situação inúmeras vezes.
- Eu não vou dizer mais nada, apenas vou à cozinha e, por favor, nada de perguntas.
Eu fui até a cozinha e procurei uma garrafa térmica, então cortei minha pele com as unhas e soltei sangue até ter completado meia garrafa.
Voltei com a garrafa térmica, dois potes de pipoca e duas garrafas de cerveja que compartilhei com Jacob, que estava sentado no último degrau da escada, isolado de nós. Eu sequer olhei para ele.
Um sepulcral silêncio havia tomado o ambiente, com certeza o olfato de minha família tinha denunciado minhas intenções.
Ofereci a garrafa com um copo a Carlisle primeiro, que recuou.
Eu suspirei intranquila.
- Não se preocupe. Não tem absolutamente a ver com a FOME – declarei de forma culta.
Ele encarou meus olhos, apenas para se certificar. Ele sabia que eu tinha as experiências de Joham às minhas costas.
- Não despertará esse lado, eu juro – confirmei.
E ele foi o primeiro Rece a provar do meu sangue.

34 – Aniversário.

Naquela madrugada de meu quinto aniversário, toda a minha família provou meu sangue, e todos voluntariamente. Não posso descrever o quanto estava mortificada comigo mesma, mas era extremamente necessário fazer isso, para protegê-los. Sempre para protegê-los.
“E foram apenas algumas gotas...” – Tentava me justificar.
Eu quase não podia acreditar nos meus olhos, havia sido tão fácil...
O álcool se manifestou maior neles do que minha real intenção. Um dos motivos de eu estar ali estava cumprido, pois como Rece foram “criados” para servir minha classe mestiça Fierbinte, apenas alguns goles do meu sangue e eu os sentiria para sempre em minha alma.
Mas, eles não saberiam disso até chegar a hora certa.
Bem diferente do que acontecia com os da minha própria espécie, em que foi necessário o ritual em que eu levava a marca para sempre nas costas: A Fênix e o Lobo tatuados com sangue.
Eu agora estava duplamente ligada de formas completamente diferentes àqueles que eu amava.
Quando as gotas de meu sangue com álcool fluíram livremente, pude sentir quase como uma fumaça a luxúria se alojar, propagar e emanar. Afinal, a vampira mais nova naquele clã não havia provado tanto álcool “em vida”, enquanto os outros deveriam tê-lo provado de maneira simples. O único a que talvez houvesse tocado os lábios esta mistura seria Carlisle, mas o sangue humano de FOME – queria dizer alimento – não era o mesmo do que meu sangue envolto a isso.
Eu podia sentir a luxúria neles, mesmo que eles não demonstrassem como os humanos fazem, posso dizer que foi um dos momentos mais constrangedores da minha vida, queria encontrar um canto sossegado no fundo de um abismo longínquo.
É claro que o único a não provar foi Jacob, na verdade ele silenciosamente se retirou enquanto isso acontecia. Tenho certeza que todos observaram, mas ninguém soltou comentários.
Tudo estava perfeito: Brady com Leah na cabana, Jacob sumindo e todos os outros simplesmente bêbados de meu sangue. O que fiz depois aproveitando aquela situação passou completamente despercebido.
Nós havíamos treinado repetidas vezes antes dessa ocasião e tendo todo o planejado acontecido exatamente como deveria, suspirei aliviada enquanto uma enorme cratera de autodesprezo lavava meu cérebro.
- Esta noite você nos deu uma dádiva – argumentou Carlisle já não se contendo.
- Eu me sinto mais do que nunca unida a minha família, àqueles a quem eu amo, graças a você.
Esme balançou a cabeça.
- Era para ser o seu aniversário! – concordou ela, olhando em volta maravilhada.
Eu ri, ainda ingerindo uma garrafa de cerveja, eu poderia me afogar ali? Seria patético, mas merecido.
- Não se preocupe, meu presente foi estar com vocês – respondi tentando deixar de fora das sílabas um tipo de gemido choroso que percorria minha mente.
- Sentimos sua falta, Nessie! – de fato Alice estava completamente bêbada, rindo a toa e se equilibrando em Jasper.
- Interessante... – Carlisle murmurou, antes de Esme o carregar para o quarto.
Quando Emmett veio me dar um abraço, o meu corpo já fumegava de expectativa, toquei levemente sua testa e seus olhos ficaram levemente baços antes de eu soltá-lo. Fiz a mesma coisa com Bella, antes de ela e Edward subirem aos seus aposentos.
Fechei os meus olhos quando me vi sozinha e lágrimas correram até o meu queixo. Ergui a garrafa e matei o resto do conteúdo ainda gelado de um gole.

35 – Verdades na Penumbra.

O leve cheiro que eu já reconhecia começou a subir poucos minutos depois. Abri a geladeira sequestrando algumas cervejas antes de sair da casa.
Eu me dirigi quase que automaticamente ao balanço. Meu balanço com o espelho d’água. Balancei-me até cansar e suando resolvi tirar o vestido lilás que carregava, dessa vez sem o macacão colante que sempre colocava por baixo, quando vestia roupas “comuns”.
Só de calcinha e sutiã, mergulhei na água enquanto gemia de prazer e arrastava as garrafas para dentro comigo.
Pressenti, antes de saber com certeza, e por dentro exultei. Como ele não conseguia ouvir meus batimentos cardíacos? Para mim era ensurdecedor.
Ele veio calmamente, mas seus passos eram muito marcados em minha mente.
- Fique bem aí! - gritei para ele nas sombras.
Jacob riu e involuntariamente eu sorri para as sombras.
Apenas o som de sua risada rouca e eu estava no céu, o que DIABOS TINHA DE ERRADO COMIGO?
Eu me sentia exatamente como me sentia há tantos anos atrás, e isso era irritantemente delicioso.
Como se finalmente tivesse voltado aonde eu pertencia... Eu era uma idiota.
- O que você está escondendo aí? – inquiriu divertido.
- Nada, idiota, é que eu tô seminua, entendeu?
- Vou ficar aqui.
Assim, sem nenhuma alteração em sua voz, sem nenhuma diferença em meu olfato, sem nenhum maldito ruído a mais.
E pude ver ele se sentando confortável a favor da luz da lua, de modo que não pudesse me ver. Quase chorei.
Um momento de silêncio se infiltrou. Esse silêncio não era nada como os outros, já que eu sentia quase como se a tensão criasse labaredas contra o céu. Meu corpo era fogo.
- O que você fez com eles? – interrogou de repente.
- Como assim? – disfarcei tão aborrecida quanto envergonhada.
- Eu estava te vendo, sabe? Se eu não soubesse que você é você, já teria te chutado pra longe daqui.
Eu ri contemplando o céu. Eu estava esperando por aquilo desde o momento em que tinha encontrado meus pais e ele no aeroporto. Senti-me relaxada como nunca. Apenas Jake, apenas ele para poder me dizer exatamente o quanto eu estava errada, o quanto eu era nojenta e cínica.
Respondi ainda encarando o céu.
- Você pode não entender, mas isso é ótimo de se ouvir... Reparou como eles reagiram a tudo o que eu fiz?
- Yeah. Como se você tivesse hipnotizado todo mundo, ou algo assim.
- Não é? – concordei. – Foi muito estranho.
“E tão malditamente simples de se fazer...”
- Eles tomaram seu sangue, Nessie. Aquilo foi uma das coisas mais bizarras que já os vi fazer.
Eu chacoalhei minha cabeça ainda sem me virar. Sim, sim. Eu os manipulei completamente.
- E eles não perguntaram nada. Absolutamente nada: o que eu fiz todo esse tempo; como consegui minhas armas; por que resolvi voltar agora... – respondi ainda incrédula.
- Eu também não entendo isso, mas se fosse eu o único a perguntar eles não iam me deixar ficar.
Ele tinha completa razão, e eu sabia. Depois de um momento de silêncio eu acrescentei.
- Mas você saiu.
Engoli em seco, ainda sentindo seu cheiro delicioso próximo o suficiente para me esquecer de mim mesma.
- Eu não conseguia aguentar mais nada daquilo – respondeu com aquela adorada voz rouca. – Todos estavam muito estranhos e eu queria esganar você.
Eu ri de novo, extremo prazer apenas por ouvi-lo.
“Você teria que me tocar para isso, então eu adoraria que você tentasse...”
Mas, claro, eu não disse isso. Então levantei a garrafa vazia de cerveja, contemplando seu rótulo.
- E eles realmente...
- Deixaram você beber? – emendou ele, algo de divertido.
- É... – meu espanto estava marcado no meu tom de voz incrédulo.
Ele riu baixo, aquela risada de cachorro.
Fechei meus olhos e libertei meus sentidos. A voz dele na escuridão era quase uma tortura, uma deliciosa que eu não queria perder de novo.
- Posso pegar outra cerveja? – ele questionou, fazendo minha pele se arrepiar.
“Uhu. Claro, por favor, vem logo.”
- Sim – finalmente respondi.
Ele se aproximou lentamente, enquanto eu perdia cada centímetro de racionalidade dentro de mim.
Eu o ouvi se aproximar lentamente e depois se sentar ao meu lado. Ele hesitou e então puxou uma garrafa da água.
- Por quê, Nessie? Por que você não olhou pra mim nenhuma vez?
Reunindo uma coragem que eu sabia que estava muito bem escondida, finalmente abri meus olhos.
E lá estava seu maravilhoso rosto a centímetros dos meus. Seus cabelos recém cortados, o rosto duro e marcado, a pele morena e finalmente os seus olhos. Perdi-me encarando seus olhos.
Eles eram lindos, castanho amendoados. As pestanas quase tão compridas quanto os de uma garota. E sua maravilhosa boca...
Ah, então era isso. Nada mais importava... Porque eu não poderia me separar dele de novo, eu morreria se fizesse. Algo dentro de mim tinha revivido. Uma parte que eu achei que tivesse perdido para todo o sempre e eu não conseguia me lembrar do motivo para deixar de estar com ele.
Eu faria tudo pra tocá-lo, tudo. Apenas mais uma vez...
Caralho, eu simplesmente amava ele. E era forte o suficiente para eu começar a chorar, mas eu não o fiz.
Eu aspirei o ar, e o ouvi respirar comigo.
Então o seu olhar me alcançou, ele estava feliz, agradecido. Um leve sorriso nos lábios. Será que finalmente...
Ele levantou uma mão em minha direção e ofeguei involuntariamente.
Mas sua mão apenas pousou em cima da minha cabeça, embaralhando meus cabelos.
O choque foi tremendo e tive que abaixar meus olhos para não demonstrá-lo.
“Como antes. Exatamente como antes.”
- Assim está melhor – ele disse satisfeito, enquanto tomava mais um gole de cerveja.
Schaffinc, do At in the Drive começou a tocar na minha mente e eu senti a primeira lágrima rasgar o caminho até a borda dos meus olhos, mas essas eram da mais pura humilhação.
Algo poderoso se derramou por dentro do meu corpo, esse corpo que mesmo parcamente vestido ele não havia se atrevido a olhar nem por um segundo, como se simplesmente não estivesse ali.
E o sentimento de raiva borbulhou em meu peito. Raiva por mim, por ainda ter esperado algo dele. Internamente todo aquele sentimento ansioso se voltou para o ódio. Maldição! Ainda bem que eu já tinha feito tudo o que tinha de fazer ali. Disfarçadamente, com uma facilidade que me incomodou, eu havia completado todo o meu objetivo.
Jacob não me olhava mais e havia retirado sua mão do topo do meu crânio. Alegrei-me de forma maldosa. Ainda bem que não tinha acontecido, porque eu teria posto tudo a perder. E mais do que qualquer coisa, esse poder que ele exercia sobre mim, sem ao menos ter consciência disso, foi o que me enervou mais.
Ergui-me repentinamente enviando a mensagem para Plata de que o serviço estava acabado.
Jacob ignorou meu corpo molhado e fixou surpreso sobre o meu rosto.
- O que foi?
Eu saí do espelho d’água, enquanto encarava furiosa seu rosto inocentemente chocado e apreensivo.
Eu agachei e puxei seu colarinho fazendo-o se levantar. Ele ainda era mais alto do que eu, mas não tanto.
Eu lhe dei um soco que o fez dar dois passos pra trás. Não tinha sido tão forte, afinal... Mas eu me senti desgraçadamente bem, maravilhosa para dizer a verdade. Merda.
- Pra que foi isso?! – reclamou enquanto voltou a olhar pra mim e segurava o nariz que provavelmente eu havia quebrado.
- Eu vou dizer o porquê, seu cachorro, é porque você um maldito cego! Um filho da puta estúpido, é por isso!
E minha raiva fluía como lava e eu me odiava e eu não controlava mais nada.
Ele continuava chocado, seu olhar ainda sem entender.
Eu marchei em sua direção enquanto ouvia o assovio se aproximando.
Ele baixou a mão de seu nariz, mostrando-o já concertado.
Fiquei apenas três centímetros de distância, mesmo agora sentia uma atração gigantesca em sua direção. Como um maldito imã feito no inferno especialmente para a minha alma.
Segurei seu rosto em direção ao meu, e deus! Só de tocá-lo, estremeci.
- Olha pra mim! – gritei, e furiosa sacudi fora uma lágrima com a outra mão.
- Eu estou olhando... – ele balbuciou.
- Não, seu imbecil, olha pra mim!
Ele fixou seus olhos nos meus por um segundo antes de abri-los novamente espantados, a boca em uma forma cômica surpresa.
Eu ri uma vez, rasgando minha garganta. Riso sujo.
Soltei seu rosto ainda encarando furiosa, o espanto dele me feriu e irritou ao máximo.
- É isso aí! – rosnei pra ele. – Eu quero isso! – e segurei com minha mão direita apertadamente entre suas pernas. – E eu quero isso... – dedilhei com o polegar seu lábio inferior, sentindo todo o meu corpo reagir ante o tato. Eu fiquei molhada e sabia que meus olhos revelavam explicitamente meu desejo, além dos sentidos de Jake.
Ele me empurrou levemente com uma mão e eu dei um passo para trás enquanto soltava o contato.
De cabeça baixa, fechei involuntariamente minha mão esquerda. Não tinha havido nenhuma reação dele ao meu toque.
Ergui minha cabeça, concentrada. Meu resgate tinha chegado.
- Eu tenho que ir. Deixei um bilhete na sala... Adeus, Jake. – e foi a primeira vez que pronunciei seu nome em anos.
Virei-me em direção a sua cabana e o ouvi resfolegar um segundo. Ah, eu tinha me esquecido da tatuagem. Bem, agora ele sabia de qualquer forma.
Corri rapidamente e com o impulso dei um firme salto, fui resgatada pelas garras de um gigantesco pássaro negro. E enquanto ainda sentia meu corpo tremer, fui levada para longe dali.

36 – Retorno de Dara.

Ela estava voltando.
Com um baque, ouvi o “pouso” a poucos metros, mas deixei as duas se aproximarem a seu tempo ou iria parecer realmente ansioso. Exatamente como eu estava me sentindo, na verdade.
Finalmente, as duas saíram pelo caminho entre as árvores e não pareciam muito bem. Escoravam-se uma na outra para andar.
- Boa noite, senhoritas! – disse enquanto me segurava no lugar para não ajudá-las.
Plata apenas virou os olhos, mas Dara nunca deixava barato.
- Corta essa.
Ela realmente estava aqui, de volta.
Encaminhei-me até elas de modo indiferente e as segurei ambas pelos braços.
- Se vocês continuarem nesse passo, nunca mais vamos sair daqui – justifiquei.
As duas me deixaram guiá-las ao barco, nada bom. Encarei Plata que apenas me deu um sinal com a cabeça. Tudo bem com ela, era apenas cansaço. Dara, no entanto, parecia realmente fraca. Não era para menos, há meses não se alimentava corretamente para que seus olhos não a denunciassem à sua família. Mesmo agora o tom era cinzento, quantas mudanças eu já não tinha visto esses olhos passarem? Primeiro o castanho quente, depois o tom mais amarelado – sinal de que tinha se iniciado no sangue humano e finalmente...
Ela precisava se alimentar logo.
Guiei-as para dentro e dei partida enquanto ambas se sentaram lentamente cada uma de um lado do pequeno convés.
- Comam alguma coisa – ordenei.
Plata puxou a tampa da caixa de isopor, mas Dara apenas passou a mão sobre o rosto.
Droga!
Aumentei a velocidade e percebi quando ambas adormeceram, Dara ainda sem se alimentar. Depois de três horas, finalmente chegamos a um povoado e deslizei o barco ao cais surpreendentemente silencioso.
Plata levantou ávida, a urgência de seu organismo foi levado à tona com o cheiro das pessoas próximas. Nós nos olhamos por um segundo e então ela partiu, ela sabia que eu cuidaria de Dara.
Esta ainda dormia em repouso, seu rosto mostrava todos os sinais da exaustão. A trança com o comprido cabelo castanho-avermelhado tinha mechas soltas por todos os lados.
- Você está um lixo – disse enquanto me aproximava.
- Vai pro inferno! – ela sussurrou com os olhos semicerrados.
Não consegui evitar um sorriso.
- Eu poderia me aproveitar de você nessa situação...
- Tarado do jeito que é, não duvido – ela devolveu com uma tentativa de sorriso.
- Tá legal – eu disse arregaçando a manga esquerda. – Você está começando a me irritar.
Mordi o pulso e o coloquei sobre sua boca, ela tentou afastar meu braço. Então eu me irritei de verdade.
Agarrei sua nuca e levantei sua cabeça.
- O meu sangue não serve pra você Anhangá? Posso te derrubar daqui e te deixar respirar água até afundar nesse rio. Plata não está aqui pra te alimentar, ela tem que cuidar dela mesma e você sabe que meu veneno não faz mais mal a você.
Olhando-me furiosa, ela posou a boca em mim.
Esperei o puxão pedinte, mas este não veio. Ela se afastou logo depois de ingerir o sangue que eu mesmo tinha provocado se pondo de pé.
- É o suficiente – declarou ainda em voz baixa.
Senti o sangue ferver, mas não iria contradizê-la. Se me achava dessa forma repulsivo, eu poderia mostrar muito mais como eu poderia ser.
Parti na sua frente para conseguir minha presa, enquanto meditava sobre o motivo que a havia afastado de mim.

37 – Choque.

Eu finalmente pisei no povoado, depois de cambalear por alguns minutos no caminho.
Aquilo era muito patético.
Plata e eu havíamos viajado por apenas alguns dias e eu já fiquei tão fraca, me perguntei o que teria acontecido se eu não tivesse conseguido tudo tão facilmente em Whitehorse.
Xinguei baixo, ainda concentrada, quando ouvi um gemido próximo. Paralisei automaticamente. Vinha da viela atrás da mureta onde eu estava escorada; vacilante, eu me aproximei para observar melhor.
Alguém estava nas sombras à minha frente e havia sangue. Sim, eu senti claramente o cheiro provocando minha Fome. Então o gemido de novo e algo se mexeu das sombras para mais perto da luz da rua. A visão me fez prender a respiração.
Nahuel estava se alimentando, algo que eu nunca tinha visto nenhum dos dois fazer, mas ele estava fazendo de um jeito diferente. Senti minhas pernas bambearem enquanto escutava a respiração rápida da mulher a quem ele prendia de frente a ele no outro muro da viela. Era uma garota nova, morena de cabelos escuros e realmente bonitos. Usava um vestido azul simples que estava descoberto mostrando os seios grandes e duros com os mamilos empinados.
Nahuel deu outro puxão em seu pescoço e eu senti algo formigar entre minhas pernas, enquanto a mulher gemia de prazer. Não era só comigo que aquilo acontecia, afinal.
De repente algo mudou na cena, senti o corpo de Nahuel se afastar um pouco da mulher.
Ele estava sem camisa com as costas largas brilhando contra a luz, sua tatuagem parecia emanar um fulgor próprio. Sua boca, no entanto, ainda se pregava ao pescoço dela. Então a parte de baixo do vestido foi levantada e uma onda percorreu meu corpo, enquanto eu compreendia o que ele estava prestes a fazer.
Sua calça verde de cordão foi solta e então com um empurrão ele penetrou a mulher, que gritou de prazer. Tentei desviar o olhar, mas não consegui. Seu corpo de músculos duros pressionava e retornava com uma avidez crescente, aumentando o ritmo de uma forma que provavelmente humanos não conseguiriam. Como uma dança, ouvia agora a respiração de ambos aumentar, a bunda redonda e dura de Nahuel formava um tipo de covinhas dos lados enquanto penetrava e retornava. Era lindo, todo ele.
Eu havia estado com medo, no barco, que a excitação que Ethan havia experimentado acontecesse em mim quando Nahuel me alimentasse. Plata já havia me dado seu sangue antes e a sensação foi leve, mas estava lá.
Com minhas eventuais vítimas humanas, a excitação tinha acontecido. Mas depois de um tempo, eu tinha aprendido a barrá-la mostrando cenas diferentes do que estava acontecendo em suas mentes, enquanto sugava seu sangue. Eu nunca havia visto nada como aquilo. Meu coração bombeava no ritmo dos golpes, minha garganta exigia o sangue, sentia calor em partes do meu corpo que nem lembrava que existiam. Desviei o olhar, mas nada mudou, continuava ouvindo os golpes, a respiração e os gemidos. Então Nahuel começou a arfar e tive que voltar a encarar minha mão descendo automaticamente ao local que pedia por um toque, de qualquer tipo.
Ele deixou o pescoço da mulher assim que voltei os olhos aos dois e aí ele me encarou.
Arfando, nós dois, ele e seu olhar predatório naquele tom violeta, devido ao que tínhamos feito e que eu tinha tentado me livrar antes de encontrar os Cullen. Todo o seu rosto estava desfigurado de prazer por me ver ali presa a ele, o sorriso sanguinolento e maldoso torcido, enquanto continuava enfiando em movimentos rápidos.
Tentei retirar a mão de onde estava, mas não consegui. Ele continuou estocando violentamente, enquanto eu e a mulher gemíamos quase em uníssono e então ela começou a aumentar o volume e ele inclinou a cabeça para trás junto com ela me libertando dos seus olhos.
“O que diabos eu tô fazendo?”
Virei-me enquanto os ouvia gritar, ele roucamente em um rugido e tentei correr para o mais longe possível.

38 – Te Quero.

Não consegui ir muito longe, no entanto.
- Aonde você pensa que está indo, Dara? – ouvi atrás de mim e estanquei.
- Que showzinho que você preparou, Coima.
Ele bufou uma risada.
- Senti falta desse apelido – ele disse se aproximando.
- Problema seu – declarei, me voltando para olhá-lo.
Sua calça estava posta graças aos céus, mas o rosto todo ainda estava manchado de sangue fresco.
- Ah, mas você gostou do show – ele disse se aproximando, até que tive que levantar minha cabeça para encará-lo.
Eu não respondi.
Ele então aspirou o ar.
- Sinto o cheiro em você – ele disse venenoso.
Eu enchi minha cara com nojo.
- Você é podre! – surtei.
Nahuel, indiferente, levou o dedo ao sangue em seu rosto e o enfiou na boca, me olhando novamente.
- Com fome? – provocou.
Eu fechei meus olhos entre irritada e tentada.
- Por que você não me deixa em paz?
Senti então um puxão nos braços abri os olhos assustada, ele me encarava lívido.
- Eu quero você! – ele declarou entredentes.
Eu continuei muda, totalmente espantada.
- Eu quero você há tempos – disse de novo enquanto fechou os olhos e aspirou o ar.
A cena com Jake retornou a minha mente faminta, eu estava ficando doida?
Tentei me livrar do seu aperto.
- Eu quero você tanto quanto você o quer – arrebentou Nahuel, me olhando firmemente.
Eu assoviei furiosa.
- Não me menospreze, Coima!
- Você é que está me menosprezando, Anhangá! – devolveu ele no mesmo tom, me puxando violentamente para perto até que eu sentisse sua ereção.
A resposta do meu corpo fez minha mente estalar.
- Você sabe o que eu quero! Se ele acenasse, se ele pedisse, se ele me ordenasse seria dele. O mais leve sinal e eu estaria a seus pés – eu soltei entredentes.
Nahuel me soltou, abaixando a cabeça do mesmo modo que eu havia feito há pouco tempo atrás.
- E como você acha que eu me sinto te querendo tanto, mesmo sabendo disso?
Nós dois respirávamos duro agora, eu estava tão chocada que não sabia o que fazer. Algo se apertou em meu peito, eu estava alegre. Talvez como há muito tempo não tinha estado.
Nunca teria imaginado Nahuel naquela pose, seu corpo tremia pela tensão.
Toquei seu rosto me surpreendendo tanto quanto a ele, que o levantou. Os olhos demonstravam toda uma fraqueza que me lembrou de quando eu o tinha conhecido.
Ele ficou imóvel, aguardando. Então lentamente eu lambi o sangue em seu rosto.
Ele fechou os olhos e soltou um som parecido com ronrom.
- Finalmente – ele disse antes de me atacar.

39 – Jantar Violeta.

Nahuel me ergueu, puxando minha bunda para o alto com apenas uma das mãos; a outra puxou meu pescoço e rosto para perto dele. Ele me beijou violentamente.
- Me morde – sussurrou ao meu ouvido.
E eu quase explodindo com uma série de sensações, obedeci.
O sangue dele era quente e denso e veio a minha garganta como um jato. Eu provavelmente tinha partido uma artéria, ou algo do gênero, mas não conseguia parar de sugar, dando puxões fortes em seu corpo que se ajoelhou na grama.
Gemendo ele começou a puxar meu rosto para longe dele. Eu teimei um pouco e finalmente permiti.
Encarei seu rosto sorridente, ele tampava o pescoço e ergueu um dedo com a outra mão.
Eu gargalhei involuntariamente.
- Acho que me empolguei – me desculpei.
Nahuel me encarou com os olhos divertidos e, lentamente, com a mão que tinha sinalizado para eu esperar, puxou minha camiseta para perto. Eu aguardei lendo o desejo em seus olhos.
- Vem cá – ele disse afastando a mão do machucado que eu tinha causado e que já se fechava.
Ele me recolheu de novo me sentando em seu colo, então enfiou uma das mãos por baixo da minha saia alcançando o que ainda estava molhado.
Ele ronronou de novo e lambeu meu pescoço dando pequenas mordidas que sugava quando meu sangue escorria.
- Seus olhos voltaram ao violeta, Dara...
Com movimentos circulares na minha parte de baixo e seu fôlego em meu pescoço, eu fui me perdendo.
- Não feche os olhos – ele pediu de forma séria.
Eu abri meus olhos vendo seu rosto escuro e quadrado.
- Eu sei com quem eu estou – respondi enquanto acariciava seu rosto.
E era verdade, Jacob nunca me tocaria daquela forma. Ele não estava ali comigo.
- Eu quero ter certeza disso, se não se incomoda – ele parecia sério e relaxado, mas seu sorriso tremeu quando tirei minha camiseta.
O olhar se aprofundou ávido.
- Eu vou te comer agora, Dara – ele pronunciou.
- Estou contando com isso.

40 – Navegando.

Local Indeterminado. 13 de Setembro. 7:15 AM. – Tempo Presente.


No dia seguinte, quando estávamos no barco, Plata me encarava de modo inquisidor. Eu dei de ombros e ela abanou a cabeça para os lados enquanto eu sorria.
Eu não sabia o que estava fazendo, mas não importava. Não em relação a isso. Estranhamente me sentia mais tranquila do que em muito tempo, quase completa. Nahuel me deixava à vontade, ele me conhecia e gostava daquilo que via, isso era mais do que o suficiente.
Finalmente tínhamos um plano, finalmente estava certa sobre o que iria fazer e já havíamos vivido juntos muita coisa naquele último ano. A viagem a Whitehorse tinha acontecido só porque eu precisava fazer algumas coisas ali para tudo dar certo. Tínhamos pensado em todos os detalhes.
Já fazia três anos em que eu estava lutando com todas as forças para manter minha família viva e acabar com um governo falido... Talvez só agora eu conseguisse perceber o quanto aquilo soava maluco e impossível. E arriscado. E muito idiota, é claro.
Retornei ao modo frio enquanto recordava nossos passos.
Tudo estava seguindo de acordo com o Plano.
Depois de termos deixado Alistair no Japão, tínhamos encontrado o último Flâmûnd vivo – Saquier. Foi deste modo que Alistair soube de tantas coisas do passado dos vampiros, convivendo com alguém que tinha realmente vivido aquela época e visto a história acontecer.
Procurá-lo era um passo arriscado que precisávamos correr. Felizmente, Saquier não era um rastreador e, apesar de viver escondido, não tinha muitas preocupações em se mudar, já que apenas uma pessoa sabia de sua existência. Muito ruim que essa única pessoa tinha nos dado seu endereço...
Depois de meses viajando, finalmente achamos seu o castelo ao norte gelado da Rússia, seguindo informações que Al. nos havia dado. O vento frio quase nos congelou, felizmente nós tínhamos nossos sentidos para encontrar caça onde um ser humano normal não poderia sequer penetrar.
Chegamos, no entanto, praticamente famintos.
A filha da lua Diana havia nos acompanhado, deixando um desconcertado Alistair sem lembranças dela para trás. Eu exultei por poder mexer na mente de alguém com aquela idade, mas os irmãos me alertaram que provavelmente tive facilidade por serem memórias frescas em sua mente.
- Brrrr. Esse lugar cheira a podre – Diana reclamou novamente, quando paramos para contemplar a construção.
Plata forçava os punhos, se controlando para não esmurrá-la. Eu até acharia engraçado, se ainda tivesse um pingo de humor em mim. Naqueles últimos dias, todo mundo já tinha brigado entre si, e os meus antigos treinos tinham tido como resultado eu ainda manter minha cabeça sobre o pescoço. De verdade, as brigas eram feias e sujas.
- Estamos aqui – declarei enérgica.
Ia avançar um passo, quando Nahuel me bloqueou.
- Eu vou primeiro – ele disse.
- Nem pensar... – eu tinha começado.
- O deixe ir – Plata forçou e então entendi.
Nahuel tinha seu poder ao seu favor.
- Certo – tive de concordar, ainda impaciente.
Diana riu se sentando na neve. Enquanto Nahuel se afastava nós, ficamos em silêncio, aguardando ante o vento gelado.
- Amanhã é Lua – interrompeu Diana.
Eu e Plata nos entreolhamos. Nós três havíamos sido marcados pelo animal em que Diana se transformava todos os meses, e posso com certeza dizer que não foi muito divertido pra mim – Nahuel, no entanto, parecia adorar aquilo. De verdade, ele até gargalhava.
Porém estávamos em território desconhecido agora e a besta de Diana tinha vontade própria, o que poderia causar pequenos probleminhas ao nosso futuro anfitrião. Como um animal gigante e faminto arrancar o pescoço dele do corpo, por exemplo.
Em frente ao nosso silêncio, ela continuou.
- Acho melhor que eu fique aqui...
- Não – declarei enérgica.
Ambas me encararam.
- Se você não provar carne pode ficar pior.
A fera tinha personalidade própria, mas nos conhecia agora. Se a deixássemos sem carne pelos dias de lua cheia, Diana poderia enlouquecer.
Levei minha mão à testa. Eu daria um jeito, apenas não sabia como ainda.
Depois do que pareceram horas, Nahuel retornou com um homem. Este era baixo e levava uma estranha vestimenta branca que impossibilitava observar seu corpo melhor. Os olhos eram de um azul gélido que pareciam demasiado próximos, o nariz era fino e reto no rosto redondo de maxilar pronunciado.
- Sou Kreuz – ele declarou com um sotaque arrastado.
Tentando pronunciar o nome mentalmente, eu me virei interrogativa para Nahuel que permanecia impassível, mas com os maldosos olhos brilhando. Ele estava se divertindo... O que nunca era coisa boa.
Kreuz se aproximou e Plata rapidamente estava do meu lado, no entanto ele passou por nós oferecendo a mão à Diana.
- Vejo que o jovem estava certo... – declarou a ela.
“Jovem?” – pensei, dando outra olhada de relance para Nahuel.
- Mas que mer... – Diana começou, então enrugou o nariz em uma careta e olhou assombrada, finalmente aceitando a mão do homem e levantando.
- Muito oportuno. De fato esplêndido! – mexeu as mãos, parecendo muito satisfeito ao lado de uma Diana, cinco centímetros mais alta, que o olhava boquiaberta.
Eu estava abrindo a boca para perguntar o que diabos estava acontecendo quando Plata apertou meu braço dolorosamente.
Em vez disso, o que saiu foi uma espécie de lamúria apertada. Tentei sorrir ao homenzinho.
- Vamos, vamos! – Kreuz animou, dando o braço que Diana aceitou e foi caminhando na frente, discutindo com ela sobre algo que eu não conseguia mais ouvir devido ao vento.
Nahuel esperou nos aproximarmos e antes de eu abrir a boca, tive de novo o apertão de Plata.
- Huhuhu – saiu dessa vez.
Chacoalhei, irritada, meu braço.
Caminhávamos em silêncio, mas eu não podia deixar essa deixar passar.
- O jovem, é? – soltei baixo para Nahuel ouvir.
E enquanto Plata chacoalhava a cabeça e Nahuel sorria, eu me perguntava como aquele homem me consideraria.
O Feto?

41 – Em um Castelo.

Local Indeterminado. 22 de Fevereiro (5 meses depois de Fukuoka) – Um ano atrás.

O castelo em si era uma visão do paraíso, juro que em determinado momento cheguei a pensar se ainda havia cores neste mundo... Dias e mais dias de branco sem fim era tudo o que havíamos visto em um bom tempo.
Alistair nos tinha dado as coordenadas, mas o caminho em si tinha sido o verdadeiro desafio. Por que esses bastardos não escolhiam lugares um pouco melhores para viver? Eu com certeza ficaria surpresa em encontrar um vampiro morando em uma praia da Califórnia.
De qualquer forma, sobreviver à região e aos nossos temperamentos foi como um reality show. No começo, eu questionei por que diabos Nahuel tinha convidado Diana para seguir conosco (como se ele fosse me dizer...), mas depois aquilo foi o mínimo com que se preocupar.
Fomos acomodados no castelo por alguns homens de aspecto nada saudável; esses eram humanos, no entanto. Coisa que com certeza o tal Kreuz não era.
Cada um de nós ficou em um quarto ao lado do outro, em um corredor escuro adornado por tochas que apenas iluminavam parcialmente a tapeçaria.
Assim que ouvi os passos dos humanos se afastando, saí do quarto e me encontrei com Plata no corredor. Ambas batemos na porta de Nahuel.
- Plata... – pedi, quando Nahuel respondeu que estava nu e em situação imprópria e que esperássemos do outro lado.
- Hum? – ela havia trincado os dentes.
- Como se diz “Castigo dos Infernos” de um jeito que ele entenda? – sussurrei pra ela.
Plata me sorriu os olhos brilhando como os do meio-irmão.
- Coima – sussurrou ela em meu ouvido de volta.
Imaginei a pronúncia da palavra e chutei a porta que se abriu com um baque.
Nahuel estava sentado em sua cama vestindo apenas as calças.
- Que rude, Anhangá...
- Vê se não enche, Coima! Agora vamos logo com isso!
Joguei uma camisa na sua cara que caiu em mãos imóveis, a cara dele mortificada.
Sorri involuntariamente.
- Do que você me chamou? – murmurou.
- Ele está surdo, Plata?
Ela deu de ombros, divertida.
- Acho que ela te chamou de Coima e pediu para que nos revelasse...
- Eu entendi o que ela disse! – ele fez irritado, enquanto vestia a camisa que rasgou embaixo do braço.
Gargalhei e ele assoviou irritado.
- Caramba, você realmente não aguenta, não é? – disse enquanto enxugava os olhos.
Encarei seu rosto e um olhar profundo marcava sua expressão.
Suspirei infeliz.
- Vai logo com isso.
Ele bufou e finalmente nos disse que o tal Kreuz era o último Alpha dos Filhos da Lua.
- E...? – não peguei o significado.
- Somente os Alphas podem procriar entre os lobisomens.
Um sino tocou em minha mente, seguido de um “urg”.
- Diana... – tentei confirmar.
- Ficará aqui por sete luas, que é o tempo de gestação de um deles. – explicou Nahuel.
Chacoalhei os ombros, incomodada. Sabia que Diana faria aquilo pelo bem dos da sua espécie, mas mesmo assim me parecia horrível.
- Um pouco de sexo com iguais faz bem, Anhangá – alfinetou minha Coima pessoal.
- Certo – eu disse tentando ignorá-lo. – E o Flâmûnd, cadê?
Ele resmungou algo e então retornou.
- Senti duas fortes presenças quando chegamos. Dois grandes Desejos. Como esses seres têm milênios de idade o que mais querem pode ser acalentado, já que ficam cada vez mais desesperados por aquilo que precisam.
- Isso é praticamente um milagre... – eu disse espantada.
Eles aguardaram enquanto eu captava. O que Diana mais queria era preservar sua espécie e de alguma forma Nahuel a tinha levado ao encontro do que precisava, ao mesmo tempo em que encontrávamos o último Flâmûnd.
Ele praticamente brilhava em presunção.
- Você continua sendo uma Coima – quebrei.
Ele fez uma careta de desgosto.
Alguém então bateu na porta, que foi aberta.
Um homem de idade, mas de postura correta, encarou a parede atrás de nós enquanto declarava com um carregado sotaque:
- Mestre Saquier pede para avisá-los que o jantar será servido em breve e se o Senhor e as Senhoritas aceitam seu convite de comparecer à sua mesa.
- Estaremos lá – declarei firme.
O velho serviçal me olhou e enquanto inclinava a cabeça pronunciou.
- Ficaríamos honrados se os Senhores se utilizassem de seus guarda-roupas para a ocasião. O jantar será servido em uma hora.

42 – Vestidos.

Depois de eu tomar um delicioso banho em uma tina fumegante, escolher um vestido verde musgo (o fato de realmente ter um vestido que coubesse em alguém de quase treze anos não me incomodou muito, já tinha desistido de encontrar explicação pra esse tipo de coisa) e finalmente terminar de arrumar meu problemático cabelo, bateram à minha porta e eu sabia quem era.
A excitação dele passava por dentro das minhas veias.
Respirando fundo eu abri a porta, me deparando com um Nahuel impecável que havia escolhido calças negras colantes e uma camisa que parecia ter sido moda séculos atrás (assim como meu vestido, aliás). Infelizmente para mim, longe de parecer estranho, ele estava fenomenal. Levava os compridos cabelos negros soltos, como eu raramente tinha visto. Senti minhas bochechas corarem e desviei o olhar.
- Ok, você está ótimo. Feliz?
- Extremamente – retrucou ele, enquanto levantava meu rosto com os dedos.
Seu toque era delicado e me incomodou ter de olhá-lo.
- Você também está linda – ele disse encarando.
Então retirou a mão e se virou para fora.
- Plata está esperando.
Eu dei um tapa na testa e saí fechando a porta.
Ele fez pose para me dar o braço, mas eu continuei seguindo.
- Também não força – resmunguei.
Plata estava parada em frente a sua porta, levava um lindo vestido branco que fazia sua preciosa pele negra brilhar. Os cabelos estavam trançados e decorados com pequenas pedras brancas.
- Caramba! – me surpreendi.
Então, não me segurando, questionei:
- Como você conseguiu fazer o cabelo em tão pouco tempo?
Nahuel tinha tentado tapar a boca dela, mas Plata lhe deu um elegante pisão com o salto.
- Nahuel me ajudou.
Ele encarava o chão envergonhado, efeito inédito.
- O hohohoho. – fiz.
- Vamos logo! – ele disse rispidamente, dando o braço a sua irmã.
Em entrei na sala de jantar logo após os dois, ainda cobrindo a risada com uma das mãos.

43 – Gostosuras ou Travessuras.

Encontramos Saquier na cabeceira de uma longa mesa retangular, que ocupava toda uma sala decorada perfeitamente. Tudo parecia limpo e polido, exceto seus serviçais.
A principio não pude enxergar seu rosto, apenas a figura era visível em meio às sombras. Eu tinha uma visão excelente, mas um rosto no escuro continuava não sendo um rosto na luz.
Plata e Nahuel se separaram e me ladearam assim que paramos.
- Deslumbrante, realmente impressionante – silvou uma voz em nossa direção. Seu sotaque não era tão pronunciado quanto o de Kreuz, mas ainda sim era possível distinguir que a língua que falávamos não era a sua de nascimento.
Seu rosto então se moveu das sombras já que ele se inclinou para frente. Contive minha reação e sequer pisquei. Saquier era branco e magro como um palito, nenhum fio de cabelo pousava em sua cabeça e provavelmente nunca havia pousado. Eu podia ver suas veias azuis saltando em seu rosto da onde estava. Lábios finos se esticaram, mostrando caninos salientes que se destacavam em seu rosto, enquanto os olhos eram de um negro total, aparentemente sem pupilas. O globo ocular todo parecia uma pupila gigante.
- Três Fierbintes em minha mesa de jantar... Quanta ironia este mundo carrega, não é verdade? – declarou como um silvo, como se conversasse consigo mesmo em voz alta. – Bem, bem... Por favor, se sentem nesta ponta da mesa. Sei que não parece educado, mas depois de tantos séculos o sangue de vocês praticamente conversa com o meu, se é que me entendem.
Nós entendíamos. Para Flâmûnd, nosso sangue era como um tipo de manjar dos deuses. O sangue dele para mim, pelo menos, parecia doce demais. Ouvia seu coração batendo cinco vezes o ritmo normal e me perguntava se em algum sonho Carlisle pagaria milhões para ter a oportunidade de conhecer esta criatura.
Nós nos sentamos tensos e eretos e Saquier fez um sinal com os dedos. Uma porta se abriu e quatro crianças entraram na sala. Eu não fazia ideia de onde elas tinham vindo, já que nem havia visto mulheres naquele lugar.
As crianças se postaram ao lado de nossas cadeiras e aguardaram algum tipo de sinal que eu não localizei, antes de virarem a cabeça de modo a oferecer seus jovens pescoços.
- Eu tenho uma dieta rigorosa devido a minha avançada idade. Sangue jovem me ajuda a continuar em pé, espero que vocês aprovem – ele declarou nos medindo.
- Isso não seria nenhum problema. No entanto, sua criança parece ter ingerido algum tipo de sedativo que a está inibindo neste momento. Dessa forma, penso que seria mais educado se o senhor tomasse uma das que nos foi oferecida – Plata declarou pausadamente.
Saquier piscou fingindo surpresa. Teatro ruim.
- Verdade? Neste caso me sinto realmente tentado a aceitar.
Com um gesto ele despediu a criança drogada e chamou a que estava ao lado de Plata.
Ele quer jogar conosco. Senti em meu interior o ódio crescente de Nahuel e a aversão de Plata; no entanto, este jogo provocava minha curiosidade.
O Flâmûnd ingeriu da criança em longos goles e demos isso como uma deixa para bebermos, o que quero dizer é que Plata e Nahuel se alimentaram das duas crianças restantes, enquanto eu aguardei pelo simples fato de eu ser menor e precisar de menos sangue do que eles.
Então, quando terminaram, eu mordi levemente o pescoço da criança de Nahuel, ingerindo seu veneno que não me causa mais do que uma leve dor de cabeça depois de nossa ligação e então foi a vez da criança de Plata. Os dois meninos haviam abraçado meu pescoço aconchegados pelas imagens que mostrei em suas cabeças. Suas mentes eram tão jovens, que foi fácil como respirar o ato de induzi-las, ainda mais estando tão fracas.
Realidade falsa pode fazer maravilhas por você.
Eu tentava ignorar a sensação de Saquier observando com olhos vorazes.
Nahuel nos havia dito que o Desejo dele era simplesmente ter companhia à altura, alguém para compartilhar seus estranhos jogos mentais. Este desejo estava se mostrando um tanto complicado.
- Você – ele me apontou com o dedo. – Você tem um Dom.
- De fato. Tenho um nome também – devolvi.
Ele ergueu a cabeça apertando os dedos, Plata havia me dado um chute nas canelas por essa.
- Vocês vieram até mim através de Alistair, eu presumo.
Nós três acenamos com a cabeça.
- Ele foi um hóspede nesta casa há alguns séculos – fez com sua voz serpenteando ao redor.
- De fato temos um objetivo ao vir visitá-lo. Estou correto ao afirmar que o senhor é ciente sobre os Volturi? – dirigiu Nahuel.
Saquier arregalou os olhos.
- Ah, sim. Muito ciente quanto aos irmãos de Volterra. Sou irmão deles – declarou de forma dramática e então, com um gesto displicente, mandou os criados saírem.
Enquanto os humanos saíam pela grande porta atrás de sua cadeira, o vampiro ergueu uma taça de sangue contemplativamente enquanto saboreava o efeito de suas palavras.
Eu sentia meu coração correr mais rápido, mas não liguei. Se esta criatura queria criar um efeito, estava conseguindo. Sentia a ansiedade e desconforto de meus companheiros quente dentro do meu corpo. Estava tão tensa que, quando Saquier recomeçou a falar sua voz arrastada, fez meus pelos se arrepiarem.
- Tive um pai Fierbinte e uma mãe humana como todos os de minha raça. Vocês sabem, naquela época antes da Revolta, os de minha espécie eram criados em esconderijos. Todos juntos como um exército.
Aqui ele hesitou um segundo, ainda não nos encarando.
- Minha mãe, porém, nunca permitiu que eu me fosse.
Tentei visualizar essa mulher corajosa e estúpida, mas falhei miseravelmente.
- Dias apenas antes da guerra, a esposa Fierbinte de meu pai nos visitou. Parece que ele se descuidou frequentando muito assiduamente nossa casa. Enciumada, ela atacou minha mãe, deixando-a a beira da morte.
Conseguia imaginar a cena claramente, tanto que quando sua voz se tornou mais enérgica, não me surpreendi.
- Mas o sol finalmente se pôs e eu pude salvá-la e matar a fêmea que a havia ferido. Ela não sabia de minha existência, por isso havia vindo sem seus guarda-costas.
Saquier se levantou e começou a caminhar.
- Minha mãe estava muito mal, foi despedaçada. Muito sangue havia sido perdido e pouco veneno aplicado. Então, impulsivamente eu lhe dei meu sangue. Ela se tornou então uma Rece diferente de todos os outros que jamais existiram.
Os olhos de Saquier estavam vidrados e ele sequer piscava, parecia estar revendo todas as cenas do que estava nos contando agora.
- Nós fugimos da Guerra, apenas retornando para verificar seus destroços. Abismada e horrorizada, minha mãe se dispôs a caçar e acabar com todos os que haviam contribuído com aquele massacre. Ela queria que fundássemos uma nova classe de vampiros. Muitos foram mortos por nós naqueles primeiros anos, até que ouvimos que existiam apenas alguns Rece vivos. Minha mãe se absteve de matá-los, pois tinha encontrado o seu Dom.
Eu ouvia aquilo deslumbrada; sem piscar, seguia o corpo magro daquela figura lendária a minha frente.
- Minha mãe possuía Persuasão. Ela podia fazer qualquer um acreditar no que ela dissesse. Ela podia mudar até o que a pessoa acreditava ser. Era extraordinário! – ele fez um gesto amplo com as mãos delgadas, enquanto nos encarava. – Deste modo, ela fez os poucos Rece que sobraram se esquecerem de quem eram e começarem de novo, seguindo algumas regras.
Engoli em seco enquanto comparava esse dom ao meu. Eram muito parecidos.
- Então ela encontrou um homem que dominou sua atenção. Ele tinha apenas vinte anos, mas era extremamente inteligente e amava a cultura, a política e as belas coisas. Impressionada por seu caráter e ambição, minha mãe decidiu transformá-lo e junto a ele construir um clã forte que pudesse guiar os vampiros. Porém, alterou sua memória para que pensasse que ela era sua irmã. Junto a ele, escolheu dentre os mais cultos e sábios seres humanos daquela época e fundou um clã. Os Volturi.
Então eu soltei um ruído involuntário, que tentei disfarçar com uma tosse totalmente falsa. Teatro muito, muito ruim.
- Infelizmente, para esse plano dar certo eu teria de viver longe dela. Os Volturi controlariam nossas espécies e muito teria de ser revelado se me descobrissem.
Eu quase escutei um suspiro ali.
- Quando todos estavam unidos e prontos, ela retirou da mente deles que era sua criadora e apenas se manteve como esposa de Marcus, por quem havia se apaixonado.
- Como é que é?!
Saquier se voltou para mim com um sorriso infernal.
- Minha mãe foi a Rainha Didyme dos Volturi.

44 – Acordo com o Diabo.

Depois disso ele se sentou estralando os dedos.
Caldeirões foram depositados à nossa frente, tigelas e baixelas. Ele não parecia comer comida normal, mas estava apreciando a vista. Minha mente corria como um camundongo na jaula.
A Rainha Didyme foi mãe dos Volturi e eles nem faziam ideia! Aliás, o que diabos tinha acontecido para ela morrer? Era por isso que Marcus tinha aquela cara de que morreu e esqueceram de enterrar? E por que as Rainhas tinham olhos opacos?
Mais urgente que isso: Por que ele nos contou tudo?
Ávida por respostas, praticamente engoli a comida que não estava realmente interessada em ingerir, mas que meu corpo precisava.
Terminei antes que Plata e Nahuel e disfarcei minha curiosidade, limpando delicadamente minha boca com o guardanapo. Os dois entenderam a deixa e deram sinais de terem terminado, os pratos foram levados e assim que o último criado saiu, disparei:
- O que você quer?
Curta e grossa, essa era eu.
Saquier arregalou os olhos da mesma maneira que havia feito com Plata, então os transformou em fendas, antes de retirar o queixo de uma das mãos.
- Necessito de companhia, alguém que fique comigo. Sei que parece patético, mas a diferença entre viver eternamente solitariamente e com alguém é enorme. – Ele fez aquele gesto displicente antes de acrescentar: – Kreuz é um bom companheiro, mas estamos juntos por mais de um milênio e ele agora tem uma fêmea.
A tensão estalava.
- Você quer um de nós – declarei por ele.
- Sim, isso seria muito interessante para mim – sorriu ele, com suas presas riscando a boca.
- Infelizmente no momento isso é impossível – cortei enquanto me levantava de minha cadeira e caminhava até ele. – Você sabe? Nós vamos destruir o clã dos Volturi. – eu disse de pé em frente a ele.
Um momento de silêncio antes que um silvo cortasse o ar, percebi tardiamente que era um assovio. Eu já tinha dado um saltinho de susto.
Saquier se levantou ainda me encarando.
- Fiquei sabendo do modo como os Volturi mudaram depois que Didyme morreu, Kreuz veio até mim antes do massacre dos de sua espécie.
Ele pousou seus longos e brancos dedos no rosto e ficou assim por um bom tempo. Talvez meia hora tivessem se passado quando ele finalmente retornou o olhar em minha direção.
- Suponho que chegou um novo tempo de mudanças, ouvi rumores de um grande Clã que vive em paz se alimentando apenas de animais. Isso é verdade?
- Por minha vida que sim – declarei.
- Alistair me contou do líder deles, Carlisle se não me falha a memória. Pareceu-me uma figura impressionante.
Senti um arrepio correr minha espinha.
- Se me prometer que terei companhia tão... Viva, os deixarei ir – ele ironizou com a voz silvando.
- Eu prometo que após nossa missão ter acabado, me incumbirei pessoalmente deste assunto.
Ele cortou seu dedo com uma das unhas impressionantemente longas e eu fiz o mesmo antes de apertarmos as mãos de maneira estranha, ao contrário.
- Muito bem – ele pousou na cadeira novamente.
- O sol irá nascer logo e tenho muito para verificar. Por favor, pousem aqui durante o dia, conversaremos mais na hora da escuridão e então poderão partir em paz.

45 – Loucura pega? Espero que não, porque pode ser que eu esteja doente.

Whitehorse - Canadá - 10 de Setembro. 4:02 AM. – Tempo Presente.

“- Eu tenho que ir. Deixei um bilhete na sala... Adeus, Jake”.
“... Deixei um bilhete na sala...”.


O bilhete dela.
Só podia ser uma piada! Ou um pesadelo. Eu vou acordar e ela ainda vai ser uma maldita pirralha insolente que... Não. Nada disso.
Abaixei a cabeça e quase forcei as palavras pra dentro dos olhos.
A mensagem dizia:

Vou me unir aos Volturi.
Obrigada por tudo. Eu realmente sinto se fiz algo que os machuquem, mas esse é o caminho que vou seguir.
É o que quero.
Não se preocupem com nada. Em nossos corações estaremos sempre juntos. Eu amo vocês.


Eu estava lá, eu peguei o bilhete em minhas mãos e era a letra dela, mas ainda não acreditava.
Todos ficaram em silêncio por um tempo, em pé como se a vida tivesse sido roubada deles. Ou a alma, o que diabo que impedia a todo mundo ali de virar estátua tinha ido dar um passeio.
- Será que ela ficou completamente louca? – ouvi, e fui forçado a ver quem falava.
Era Rosalie.
Todos pareceram respirar em uníssono e, em um gesto muito humano, se sentaram nos lugares mais próximos que encontraram.
Eu continuei de pé, o bilhete em minhas mãos.
- Eles não são realmente maus... – Jasper, o sanguessuga que agora era mais alegre que todos os outros juntos disse.
Eu tive vontade de socá-lo, mas não consegui me mexer.
- Corta essa, Jazz – Alice disse.
Alice sendo negativa. Explosão nuclear estava prestes a acontecer.
- Eu não entendo, realmente não entendo – Bella soou enquanto fungava sem lágrimas e Edward a envolvia em um abraço.
- Nós fizemos algo errado? – Era Rosalie de novo, a fúria parecia tê-la deixado sem energia.
- Não fizemos nada de errado. – Era Emmett, o grandão. Ele parecia muito sério.
Carlisle tinha a mão na testa, Esme passou a mão sobre o rosto.
Muito humano. Muito malditamente humano.
- Eu não sei o que dizer. – Era Edward.
“Merda.”
- Eu ainda não a vejo assim – eu balbuciei. Minha voz, eu não reconhecia mais minha voz.
Eles se viraram para mim e senti meus olhos arderem. O inferno que ia chorar, preferia ser feito em picadinhos por eles antes de chorar.
- Do que você está falando? – Era Rosalie de novo, ela tinha pegado antes de todo mundo. É claro.
Eu arranhei minha garganta. Era minha culpa e eu tinha de dizer.
- Eu vi. Ela me mostrou... – Droga, maldição!
Tinha um jeito de eu soar mais como uma mulherzinha chorona? Por favor, que a resposta seja não.
- Ah! – Edward fez, lendo meus pensamentos.
Eu não ergui meus olhos, que merda de covarde que eu tinha me tornado?
Então ergui a cabeça como o filho da mãe que eu era e encarei todos eles.
Eles esperavam por Edward. A decisão dele de me estrangular.
“Vamos lá, vamos lá”.
Acho que ia ser rápido se todos viessem de uma vez... Eu esperava.
Edward riu, soou estranho. Uma risada sem vida. Tudo bem eles estavam mortos de certa forma, mas... Ah. Esquece.
- Não se preocupe, Jacob. Não acho que tenha sido isso.
Ele disse, mas eu não acreditei. Ele nem tinha contado para os outros sobre o... Acontecido.
- Nessie confessou seu... Declarou-se para ele, de certa forma – Edward fez um ruído com a garganta antes de voltar a falar. – Ele não a vê assim, ainda.
Eu ouvi a voz dele e quase não podia acreditar mesmo agora. O Desejo nos olhos dela parecia que toda ela estava pegando fogo. E a frustração depois... Merda! Mil vezes maldição!
Uma mão gelada pousou em meu braço e eu assustei, mas não reagi.
- Desculpe. – Era Rosalie.
Oh cara, algo está mal quando a loira vem pra mim pedir desculpas fungando sem lágrimas.
- Quê? Por quê?
- Ela está se desculpando por ter implicado tanto com você antes, Jake – era Bella, e ela tinha um sorriso triste naquele rosto estranho dela.
Eles estavam achando engraçado? Era isso?
- Que merda foi, então, se não foi isso?! – Eu estava com raiva agora. A loira pelo menos me soltou e saiu de perto.
Carlisle suspirou.
- Eu não sei, mas eu acho que ela veio se despedir.
Todos ficaram em silêncio de novo, naquela pose vazia e pensativa.
- Eu achei... Que ela fosse ficar. – Era Bella, realmente ela estava mal.
- Eu não sabia também, mas alguma coisa estava errada... – Edward murmurou.
Carlisle e Edward se entreolharam.
- Mas os Volturi não iam voltar ou algo assim? – eu disse, tentando entender.
Alice balançou a cabeça.
- Eles têm planos de vingança, mas não estão definidos...
Eles se entreolharam de novo.
- O que foi? – eu perguntei.
- Com Nessie se juntando a eles, Alice não poderá mais prever seus movimentos.
Eu arfei involuntariamente. Depois fiquei puto.
- Ela não trairia vocês! – eu quase gritei.
- Nós sabemos, Jacob. – Era Edward.
- E não somos apenas nós, eles viriam por vocês também – Alice soou de novo.
Aquilo era mau e quase me deu um calafrio. Estávamos separados agora, muitos tinham suas famílias.
Tornamo-nos muito pacíficos.
Eu rosnei e eles rosnaram comigo, para meu espanto.
- Demetri está desaparecido – Edward falou me encarando fixamente agora.
- Quem diabos é esse? – Eu realmente não fazia ideia.
- O rastreador dos Volturi – Carlisle respondeu por ele.
Eu aspirei. Não entendia nada.
- Vocês não acham... – Bella tinha pegado algo que eu não consegui.
- Muito inteligente – Jasper disse.
- Ei, peraí, pessoal! Eu não estou acompanhando – reclamei.
- Nós achamos que talvez... Só talvez, Nessie tenha matado Demetri – Carlisle declarou em tom grave.
Senti Edward abraçar Bella e Rosalie soltar um pequeno gemido.
- Isso é possível? – eu perguntei tentando arrancar uma “Não! Jamais!” ou algo do tipo.
- Infelizmente parece que nunca vamos saber. – Era Edward de novo.
Eu chacoalhei minha cabeça. Nessie era boa de luta, todos tinham visto. Mas aquilo parecia loucura.
- Mas aquele velho deles não pode ler pensamentos? Não ia saber que ela fez isso?
Eu esperei de novo. Droga, alguém me responda!
- Se realmente foi ela, tenho certeza que sabe disso muito bem. Não seria tola a ponto de se arriscar desta forma – Edward disse.
- Nós não estamos deduzindo muito aqui? – Era Bella de novo.
Queria gritar: Obrigado! E esquecer todo o assunto.
- Ela sempre foi tão esperta... – era Esme.
Ela não tinha dito nada até agora e todos nós nos prendemos a ela.
- Sempre contestou o que achava errado... Sempre desafiante e inteligente...
As palavras me deram um banho de água fria.
- O que vamos fazer? – perguntei soando totalmente assustado.
Então reparei que era assim mesmo que eu estava me sentindo.
Edward balançou a cabeça e encarou Carlisle.
- Não há nada para fazer – ele disse, e seu rosto estava tão duro que quase me assustou mais do que tudo.
- Como assim?! Vamos deixar ela se enfiar lá, querer mudar as coisas deles? Se arriscar a...
Ele me encarou e ele estava com raiva. Carlisle com raiva era a bomba nuclear?
- Ela decidiu. Tenho certeza total na capacidade dela. Você viu, assim como todos nós vimos que ela tem conhecimento, ela é forte e está decidida. A história foi feita por pessoas assim.
Eu estremeci. Nessie fazendo história.
- Ela é especial, todos nós sabemos disso. Está trilhando o seu caminho. Ela confia em nós para não interferimos.
- Isso é loucura! – eu gritei.
Edward e os outros assoviaram.
- Ela é uma de nós. Ela é livre e fará o que tem que fazer.
Eu senti algo estranho no ar, como um tipo de crença absoluta de todos eles nela. Um tipo estranho de fidelidade, um pouco dessa devoção completa brilhava nos olhos de todos eles, olhos estranhos naqueles rostos conhecidos.
- Não podemos marchar para Volterra e arrastar ela de volta – finalizou Jasper.
- Apesar de que seria divertido – Emmett riu um pouco.
Eu pisquei, tinha ido embora. Eu estava ficando pirado de vez? Cadê as malditas camisas de força?
- É assim? Você vão deixar ela ir, de novo?
Edward olhou para mim com raiva.
- Como sempre, a decisão é dela, cachorro. Se ela precisar de nós, irá nos chamar. Se quiser voltar, estaremos aqui para ela.
Bom, pelo menos ele tinha voltado ao normal. Irritado comigo, quero dizer.
- O que você vai fazer? – Era Bella e, de repente todos os olhares estavam em mim.
Eu me lembrei dela na penumbra, irritada e decepcionada. Lembrei do desejo em seus olhos antes de partir. E então do ódio, em uma careta que deformava de um jeito estranho seu rosto...
O que eu podia fazer? Marchar com Brady e Leah para dentro de um covil de sanguessugas maníacos? Nunca. Ir sozinho? De que diabos isso ia adiantar?
Como sempre eu a queria por perto, mesmo sendo estranha... Totalmente estranha agora.
Não iria adiantar porcaria nenhuma, eu não podia dar o que ela queria.
Um vazio puro me encheu.
- Nada. Eu não vou fazer nada.

46 – Os Presentes de Saquier.

Local Indeterminado. 13 de Setembro. 3:46 PM. – Tempo Presente.


Depois de chegar ao porto, tiramos algumas horas de folga. Nahuel e Plata aproveitaram para caçar, mas eu tinha algo importante para fazer na cidade enquanto esperávamos o Navio. Iríamos pelo mar para a Europa.
Isso tinha sido uma exigência minha, eu adorava viajar de avião, mas nunca tinha ido pelo oceano e era algo que queria saborear. Eu sabia que demoraria mais tempo para chegarmos, mas talvez eu nunca tivesse a experiência novamente, então queria aproveitar.
Depois de nos separarmos, caminhei para o lugar que tinha visto quando chegamos à cidade e finalmente entrei em uma pequena loja que estava vazia, exceto por uma criança sentada na cadeira e sua mãe acompanhando o trabalho.
Eu me sentei na outra ponta em uma cadeira acolchoada, ainda relembrando como finalmente chegamos a este ponto decisivo.
Na noite que seguiu aquele jantar revelador com Saquier, há quase um ano atrás, eu tinha varado a noite acordada pensando no que sabíamos dos Volturi.
As paredes antigas do castelo davam à situação um aspecto mais irreal do que tudo o que eu tinha vivido até então.
Entre os irmãos, Marcus parecia oferecer uma oportunidade muito maior agora que sabíamos de Didyme. Poderíamos tentar comprar sua cumplicidade com informações sobre ela e seu filho.
Chelsea era outro ponto importante. Ela ligava todos os membros dos Volturi e obviamente tinha de ser despachada de alguma forma, e Alistair tinha me contado como seu clã havia sido morto por Aro. Sabíamos sua fraqueza também.
Mas, mais importante: tínhamos de ser aceitos entre os Volturi para que pudéssemos destruí-los por dentro. Primeiro eles deviam precisar da gente, então tínhamos que obter a confiança deles para conhecer seus defeitos e enfim dividi-los. Só então poderíamos destruí-los.
Então eu tive o conhecimento repentino de como eles podiam precisar da gente e ao mesmo tempo acabar com um dos nossos maiores problemas.
Finalmente sabendo nosso próximo passo, aguardei o anoitecer cochilando apenas um pouco durante o tempo.
Fui acordada pelo barulho de um uivo longo e grave, seguido de outro igualmente profundo.
Estremeci e me levantei. A besta de Diana tinha sido despertada.
Corri para a porta, mas essa foi aberta antes de meus dedos tocarem a maçaneta.
Segurei o grito assustado na garganta quando Saquier surgiu atrás dela.
Eu involuntariamente dei dois passos para trás, seu sangue adocicado parecia ressecar minha garganta.
Ele fechou os olhos por um momento, soltando um suspiro ruidoso.
“Cacete!”
O sinal de perigo soava na minha cabeça, como um alarme chato.
Ele então fez uma grande mesura ainda parado na porta.
- Por favor, me desculpe por não ter batido, jovem senhorita, e perdoe também minha reação.
Eu congelei no lugar esperando tudo, menos a boa educação.
Eu pisquei e fui surpreendida por ele que se moveu como um raio, ficando repentinamente ao meu lado. Senti um arrepio frio na espinha.
- Seu odor... Realmente é tentador. Viciante e poderoso – ele falou perto do meu pescoço, seu hálito quente e molhado me fazendo ficar enjoada.
Meu sangue frio finalmente retornou e assim eu pude reagir.
Agachei-me e lhe dei uma rasteira que apenas o desiquilibrou um pouco, mas eu não estava esperando ele cair. Já de pé, dei um chute no seu nariz e depois um, dois, três socos antes de perfurar seu pescoço com as unhas que eu estava deixando crescer justamente para isso.
Ele ficou lá ainda em pé, segurando o pescoço que sangrava em abundância.
- Me desculpe por não ter um machado – eu disse a ele, irritada.
Então Nahuel e Plata apareceram na porta.
- Um pouco tarde, pessoal. Onde inferno vocês estavam?
Então um som de borbulho veio de trás de mim e eu me virei surpresa. Saquier parecia estar se engasgando.
Aos poucos, o som foi mudando e ele tirou as mãos que cobriam o ferimento. Ele estava rindo.
- Excelente! Realmente excelente! – ele dizia esfregando as mãos.
Eu desviei os olhos e encarei os dois irmãos que nem se deram ao trabalho de me olhar.
Estavam os dois contemplando Saquier.
- O que está acontecendo, afinal? – reclamei indignada.
O Flâmûnd retirou algo de dentro de seu casaco longo e eu me coloquei em guarda novamente.
Ele piscou um pouco as pestanas, com aquela expressão falsa de inocência no rosto.
- Eu não lhe atacarei mais, pequena senhorita. Apenas queria testá-la.
Agora fui eu que imitei o piscar de olhos, então bufei.
- Típico teste Nahuel/Plata? – eu agora estava bastante irritada, mas os dois continuavam sem me encarar.
- Na verdade foi um teste pequeno de suas habilidades físicas, de minha parte. Testei seus companheiros de forma diferente, já que obviamente são lutadores excelentes.
Eu estava chateada agora. Bati minhas mãos ao lado do corpo.
- Para quê? – perguntei cansada.
- Ah, na verdade esta é uma pergunta muito perspicaz, pequena Senhorita.
Ele então abriu o embrulho em cima da cama feito de um tecido muito antigo, carmesim, que estava desbotado e sujo em alguns pontos. Dentro havia diversos objetos de uma cor branca um pouco opaca e que continha alguns desenhos entalhados em negro.
- Armas? – perguntei aleatoriamente.
- Precisamente, armas – ecoou o vampiro milenar.
Eu chacoalhei a cabeça, não entendendo.
- Para que são? – não fazia nenhum sentido.
Nahuel limpou a garganta, foi o primeiro som que um dos dois produziu e eu relaxei um pouco sabendo que estavam vivos lá dentro. Esse arranhar de garganta dele, por exemplo, normalmente significava que era para eu calar a boca.
Eu me calei relutantemente, armas contra Rece não fazia nenhum sentido. Apenas garras e dentes podiam quebrá-los, não era?
- Estas são armas criadas para a Grande Revolta. Eu possuo uma pequena variedade delas, mas pelo temperamento dos Senhores observados durante o jantar, pude pré-selecionar estas para lhes oferecer. Eu necessitava um teste melhor para escolher apenas uma para cada um, no entanto.
Eu não entendia mais nada, acho que ainda estava sonolenta demais. Ele então se dirigiu ao pano e olhou as armas por um bom tempo. Congelado como ele estava, eu quase peguei no sono novamente, mas finalmente com um movimento fluído ele recolheu duas peças e se virou para mim.
- Essas são para você – ele disse.
Eu encarei as duas adagas idênticas que eram do tamanho do meu antebraço e segurando o impulso de esfregar os olhos antes de qualquer coisa, recolhi as duas de suas mãos.
Assim que as segurei elas me pareceram muito grandes e pesadas para mim.
Enquanto Saquier recolhia o pano, eu olhei para os irmãos com uma cara não muito boa.
Eles estavam sorrindo e me mostrando as armas deles: Nahuel tinha ganhado uma espada com um tipo de ponta estranha, como a de um machado e Plata segurava duas armas que pareciam com facas, mas o corte era de lado e tinham um lugar para encaixar os punhos.
Os dois sorriam para mim parecendo extremamente felizes. Droga, aquilo tudo tinha sido curiosidade sobre o que eu ia ganhar?
- O que elas podem fazer? – perguntei a Saquier contendo um suspiro frustrado.
- Podem partir Reces, é claro – ele respondeu com aquele piscar irritante.
Eu bufei.
- Isso é impossível! Que material que ia conseguir entrar naquela pele?
Ele encarou meus olhos um segundo antes de responder.
- Ossos de Fierbintes.
Eu ofeguei um pouco, contemplando com outros olhos aquelas armas.
Ele ainda aguardou eu retornar da minha onda de admiração.
- Isto é tudo o que posso oferecer. Espero que tudo ocorra bem em sua jornada e aguardarei ansiosamente o cumprimento de sua promessa.
Eu pisquei antes de me lembrar o que tinha prometido. Sorri amarelo.
- Muito obrigada, eu não vou esquecer.
Ele acenou e passou por entre Nahuel e Plata, que continuavam admirando suas próprias armas, embasbacados. Pareciam crianças recebendo um estoque de doce para o ano todo.
Só de lembrar, aquilo me fez rir sozinha.
Quando finalmente saí do cabeleireiro, os irmãos me esperavam sentados em um banco na praça em frente. Eu sempre estranhava vê-los em meio à multidão, os dois simplesmente destoavam demais, ainda mais com os óculos escuros para encobrir os olhos violeta.
Flutuei até eles me sentindo como nova. Era aquilo, o começo do fim. A parte final. Tudo ou nada.
Quando estava em frente a eles, ambos tiraram os óculos e me encararam avaliadores. Meu antigo cabelo longo demais se fora; agora estava com um corte Chanel, apenas um pouco abaixo das orelhas.
Aguardei a avaliação entre ansiosa e irritada.
- E então? – perguntei finalmente.
Um lento sorriso deslizou pela boca de Nahuel, seus olhos prendendo os meus.
- Perfeito – ele disse, simplesmente.
Sua voz soou rouca como eu sabia que ficava quando ele estava feliz comigo. Esse feliz totalmente no sentido malicioso, ok?
- Plata? – pedi.
Ela agitou a cabeça com seus curtos cabelos trançados.
- Muito melhor para lutar – resumiu ela.
Eu suspirei, recolocando meus óculos.
- Exatamente – conclui.
Os dois se levantaram e seguimos lado a lado para o navio que nos levaria a Itália e, então, finalmente aos Volturi.
Acariciei lentamente o pendente preso ao pescoço, o pendente que Aro dera a minha mãe como presente de casamento e que ela me dera há muito tempo atrás.
E que eu tinha pegado de volta em minha visita a Whitehorse.

Fim
Nota da Beta: Caso encontre algum erro, não use a caixa de comentários, entre em contato comigo pelo twitter ou por e-mail.

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