História por Letícia M. | Revisão por That


Capítulo único.


mexia os pés lentamente na água, enquanto cantarolava uma música qualquer. Lá fora estava um dia frio, talvez um dos mais frios que ela já vira, mas ela não se importava com o frio nesse momento. Só queria se esquecer do último mês, de como tudo fugiu de seu controle rapidamente. E ela que pensava que era apenas por causa da bebida? Ah! Como era tola... Bebida era o menor de seus problemas ali.
, amor? — finalmente abriu os olhos, parando por um momento para pensar se aquilo era mesmo real. Porque, bem, ultimamente, ela se faz essa mesma pergunta para qualquer coisa, até mesmo para quando sua mãe bate em sua porta.
— Sim? — ela pergunta, se sentando na cama. Joga a coberta para o lado e encara seus pés: secos, como ela já esperava.
Bem, se era para tirar proveito, olhar o lado positivo, como sua mãe dizia, disso tudo... Ela pode ir à praia quando quiser, sem precisar nem mesmo sair de seu quarto. Privilégio de alguma maldita doença que nenhum médico do país conseguiu descobrir ainda.
A primeira vez que alucinou, ela pensou que apenas havia exagerado na bebida. Mas então aconteceu de novo, de novo e de novo... Até ela achar que estava ficando louca. Oras! Ela estava vendo seu falecido pai que morrera quando ela ainda era criança todo santo dia! Ele assistia filmes antigos com ela, conversava com ela, cuidava dela... Aquilo era tão impossível. Seu pai está morto há mais de dez anos!
— Você irá descer para tomar café ou quer que eu traga para você? — sua mãe, perguntou do outro lado da porta. soltou um suspiro pesado e fechou os olhos ao ouvir gaivotas. Ela costumava amar gaivotas, eram tão fofas, bonitas, transmitiam uma mensagem de paz incrível... Mas isso até ela ouvir gaivotas a todo o momento. Depois disso passou a odiá-las mais que tudo.
— Acho que vou comer por aqui mesmo, mãe — ela riu baixo, espantando uma gaivota que acabara de pousar em sua cama — Tenho gaivotas para me fazer companhia, e estou um pouco cansada também. Papai passou a noite aqui. Ele pediu para lhe dizer que sente saudades. — ela falou calmamente, mordendo os lábios ao citar seu pai. Sabia como sua mãe ficava quando elas conversavam sobre ele. Ou quando conversavam sobre suas alucinações. Mas fora a mesma que pedira para conversar sobre cada alucinação que tiver, explicando que ela não deveria guardá-las para si, que é muito para uma pessoa lidar sozinha.
— Fale para ele que também sinto saudades — murmurou, encostando a cabeça na parede. Ah, daria de tudo para não ter que presenciar sua filha daquele jeito! Aquilo a destruía por dentro, mas ela tinha que se manter firme e forte. sempre se espelhou na mãe, e agora é o momento que mais se espelha. costuma dizer que mostrar que está bem — mesmo não estando — deixaria a filha mais forte. — Ah, e fale para ele não ficar conversando de noite, você precisa descansar. Vocês podem conversar bastante de dia — ela sorriu de lado e levou a mão até a boca quando sentiu uma lágrima escorrer por seu rosto. Antes que percebesse, se pronunciou já andando em direção à cozinha — Vou pegar seu café da manhã na cozinha e já volto, querida.
Assim que se certificou que sua mãe não estava mais por perto, virou-se e encarou o pai que estava encostado na parede, encarando a porta.
— Pai — ela sorriu e esticou a mão para o mais velho, que a pegou e sorriu.
— Bom dia, meu anjo.
— Então... É hoje — suspira e fecha os olhos. Até agora não havia entendido o motivo dessa viagem estúpida. Ok, algum médico idiota de Nova York ficou sabendo sabe-se lá como do caso dela e pediu para que ela fosse até ele, pois ele tem muita convicção de que poderá ajudá-la a diagnosticar a doença. — Eu não quero ir pai.
— Mas você tem que ir, querida. Eu já estou morto há mais de dez anos e de um dia para o outro você começa a me ver? Tem alguma coisa errada aí — ele fala enquanto acaricia o rosto da filha com o polegar.
— Eu sei que tem — ela murmurou e fechou os olhos para aproveitar mais o carinho que o pai estava fazendo. Havia ficado mais de dez anos sem aquilo, sentia tanta falta de seu toque que mal podia descrever. — Mas se os médicos daqui do Rio, nem do país inteiro conseguiram saber o que é isso... Porque eu deveria acreditar que alguém de Nova York conseguirá?
— Tenha fé, meu anjo. — murmurou enquanto um sorriso brincava em seus lábios. sorriu fracamente enquanto se levantava e ia até o espelho.
— Você sabe que eu não tenho fé, pai. Nós não somos religiosos — ela revira os olhos.
Parou na frente dele e levantou a blusa, se virando para que suas costas ficassem de frente para o espelho. Ela se contorceu um pouco até ficar em uma posição que a permitisse ver suas costas no espelho e soltou um suspiro pesado ao ver o que acabara de ver. A mancha havia aumentado, assim como a dor também.
— Está aumentando a cada dia — ela murmura e abaixa a blusa, andando de volta para a cama e se enfiando em baixo das cobertas.
— Mais um motivo para ir.
sorri fracamente e fecha os olhos, ao senti-los arder um pouco. Ela não queria chorar agora. Mas a verdade que quanto mais à mancha aumentasse, seu medo aumentava junto. O medo de morrer e deixar sua mãe sozinha no mundo.
— Eu vou — ela finalmente falou, ignorando a lágrima que acabara de escorrer por suas bochechas — Mas fique sabendo que não é por causa do meu futuro ou do meu talento como jornalista, e sim por mamãe. Não posso deixá-la sozinha depois de tudo isso. Ela merece mais.
Assim que acabou de falar, entra no quarto com um prato e um copo na mão, sorrindo. Seu pai sorri e se levanta da cama, passando do lado de sua mãe e indo para fora do quarto. Ele sempre fazia aquilo quando está por perto. Sabe que incomoda a filha. se aproxima da filha e a entrega o prato com um pão em cima, e o copo com suco de laranja.
— Então, ansiosa para mais tarde? — pergunta enquanto se senta ao lado da filha.
— Estou ansiosa para melhorar logo — respondeu enquanto mastigava um pedaço de pão — A mancha aumentou, acabei de conferir. — sentiu seu coração apertar dentro do peito ao ouvir aquelas palavras.
— Você irá melhorar, amor — murmurou, abraçando a filha de lado.
****

pegou sua única mala — para quê levar várias malas sendo que ficará no hospital o tempo todo, com aquela camisola escrota? — e a puxou por todo o aeroporto. Estava frio, tipo, muito frio ali.
— Vou sentir falta do calor do Brasil. — murmurou, apertando mais o cachecol no pescoço. estava logo atrás da filha, trincando os dentes por conta do frio e tremendo levemente. Uma coisa que as duas compartilhavam era o ódio pelo frio. Para começar, era por isso mesmo que elas moravam no Rio de Janeiro, onde tinham várias praias e sol.
— Eu também — riu e apertou o passo, até chegar perto de e segurou sua mão.
Ficaram alguns minutos em silêncio, enquanto andavam devagar pelo aeroporto procurando a pessoa que deveria pegá-los ali e levá-los para o hospital.
A cada passo que dava ela sentia seu estomago embrulhar. Não por ter passado horas no avião e ter comido apenas algumas fatias de queijo, e sim por estar com medo. Medo de descobrir o porquê de ela estar alucinando com uma pessoa morta, ou com coisas que não são reais. E também porque era a primeira vez que saía do país, e que ficava longe da família. Ok, a pouca família que lhe restou era apenas uma prima paterna chamada Kamilla. Kamilla perdera a mãe dois anos atrás, e a única pessoa viva da família que restara fora . Depois de ambas perderem os pais, vivaram inseparáveis.
— Você tem certeza de que o Sr. Posso Salvar O Mundo está aqui? — perguntou, se virando para a mãe e encarando-a nos olhos. suspirou e olhou mais uma vez ao redor, procurando-o.
— Ele falou que estaria aqui esperando e nos levaria direto para o hospital...
— Bom, pelo visto ele não está aqui. E você ainda quer confiar minha vida a ele! — falou um pouco mais alto, parando de andar e jogando a mala no chão. Birra?, sim. Mas ela já está cansada de todos querendo salvar sua vida. Se tem uma coisa que não tem medo é de morrer, então porque os outros têm medo por ela? Tudo bem, talvez ela esteja sendo um pouco dramática demais. Ninguém aqui falou em morrer, mas o que ela pensaria? Droga, ela está alucinando! E suas costas estão monstruosas também.
— É sério mãe, eu sei que você está assustada pra caramba, eu também estou, acredite. Mas poxa — ela parou e encarou a mais velha, que não a encarava e ficava olhando para os lados, com os olhos marejados. respirou fundo e puxou a mãe para um abraço, dando um beijo em sua bochecha — Desculpe. Só estou cansada e com fome. Vamos continuar procurando.
se soltou do abraço e beijou a testa de , que sorriu. Continuaram andando de um lado para o outro, procurando-o. Nada. Nenhum sinal do idiota que resolveu operá-la.
— Mãe, vamos pegar um táxi e ir para o hospital de uma vez. Estou com fome — resmungou, sentando-se num banco ali perto.
— Só me deixe ligar para ele. Se ele não atender nós vamos direto para o hospital. — tirou o celular da bolsa e discou os números que ela já havia decorado. Um toque, depois outro e outro, até que uma voz masculina soou do outro lado da linha.
?
— Sim, olá! Então, nós já estamos aqui no aeroporto e não conseguimos te encontrar... — ela olhou ao redor, vendo três homens ao telefone todos virados de costas para ela. Se perguntou se algum deles seria o Dr. .
Eu também estou aqui — ele respondeu e um dos homens que estava ao telefone se virou para trás, procurando-a. sorriu para o homem assim que ele a viu e se levantou, desligando o telefone.
, vamos, ele está ali — apontou para o homem que já caminhava em sua direção. olhou na direção em que a mãe apontava e revirou os olhos ao ver o homem. Ele era alto, sua barba estava por fazer, seu cabelo era curto e ele tinha um sorriso amigável nos lábios.
— Sra. — ele cumprimentou a mais velha ao chegar até onde elas estavam. sorriu e estendeu a mão para o homem, que a pegou e abriu mais um pouco seu sorriso. revirou os olhos e finalmente se levantou do banco, se aproximando deles — E você deve ser a — ele estendeu a mão para ela, que a pegou apenas por educação.
— E você deve ser o louco que aceitou meu caso, mesmo quando todos os médicos de um país inteiro não sabe o que há errado — ela sorri debochadamente e se virou para pegar a mala atrás de si. revirou os olhos e olhou para o homem com um olhar de desculpas.
— Meu nome é . Você pode me chamar só de , já que estamos tão próximos assim — riu baixo e foi para o lado da mãe. segurou a mão da filha e seguiu , que já estava se encaminhando para a saída do aeroporto. — Então, como você está se sentindo, ? — ele perguntou assim que entraram em seu carro. se sentou no banco do passageiro e sentou-se no banco de trás, ficando em um ponto aonde conseguisse vê-la pelo retrovisor.
— Melhor que você, pode apostar — ela ri baixo com a piada, mas ao ver que sua mãe e estão quietos e sérios, ela para de rir e suspira pesado. Que povo sem graça. — Já se esqueceram de que eu estou alucinando? — ela pergunta, observando os olhos de pelo retrovisor — Então, tem vários carros rodeando a sua cabeça. Se você pudesse ouvi-los acho que perderia a paciência e mandaria todos para aquele lugar. Mas é claro, somente eu posso ouvi-los, então... — ela ri — Se eu soubesse cantar Chasing Cars inteira eu cantaria. Momento perfeito esse! — ela ri e se ajeita no banco.
Não faz nem uma hora que chegou em Nova York e já quer ir embora. Quer sentir-se segura em seu quarto, virar noites conversando com seu pai, ou acordar numa praia tão calma que quase a fizessem esquecer de tudo isso. Quase.
— Ei — o chama, inclinando seu corpo para frente até que seus rostos ficassem próximos. ignorou que estava praticamente colando suas bochechas e tentou prestar atenção no trânsito. Mas... Aquele perfume da ... Estava distraindo-o. — Posso te fazer algumas perguntas?
— Manda bala — ele respondeu enquanto estacionava o carro em sua vaga no estacionamento do hospital. Eram apenas cinco minutos do aeroporto até o hospital, mas ele sempre o fizera em dois.
— Sabe — começou, saltando do carro e batendo a porta com força — Porque você quer o meu caso? Ninguém sabe o que há de errado comigo, todos os testes estão normais. A única coisa que eu sei é que sinto dor, vejo pessoas mortas e tem um monstro crescendo em minhas costas. Mas eu estou bem assim, ainda posso continuar com a minha vida — parou de andar e a encarou. Não acreditara no que acabara de ouvir. Ela realmente achava que poderia continuar com a vida normalmente mesmo tendo todos esses sintomas? Coitada. Mal sabe ela que esses são somente os primeiros sintomas e os mais leves, se suas suspeitas se confirmassem.
— Você quer saber o porquê de eu ter aceitado o seu caso? — ele sorriu e pegou suas malas. Começou a caminhar em direção ao hospital, assegurando-se de que ambas estavam o seguindo — Porque ninguém sabe o que tem de errado com você, . E eu quero saber. Você está alucinando, isso não é normal. A não ser que você esteja sob o efeito de drogas 24 horas por dia, tem alguma coisa errada aí, e muito. Se não tivesse, os médicos do Brasil não teriam entrado em contato com os médicos de Nova York para pedir ajuda.
— É, mas a questão é: o quê tem de errado comigo, droga?! — parou de andar, fazendo com que e também parassem e a encarassem. Parte de ter parado de andar é porque queria uma resposta, e rápido. Mas a outra parte, a parte chata, é que a dor acabara de aumentar — Eu só quero que tudo isso acabe de uma vez por todas. E que os carros que estão ao redor de sua cabeça parem de buzinar! — ela murmurou, engolindo o choro. Fechou os olhos com força e mordeu os lábios com mais força ainda. poderia ser uma mulher formada de 24 anos e cobiçada por praticamente todas as redações do Rio, mas essa maldita doença a faz parecer que tem 16 anos ainda. Ela chora por qualquer coisa e a qualquer momento, e já está de saco cheio disso tudo. — Só quero que você descubra o que tem de errado, conserte e me mande de volta para o Brasil. Eu odeio Nova York. — ela murmurou, passando reto por e , que tentaram segurá-la.
revirou os olhos e coçou a cabeça, olhando para que ainda encarava andando rápido até a entrada do hospital.
— Desculpe — ela murmurou, virando-se para ele — Ela não é assim normalmente, mas ela fica nervosa e sensível quando está com dor e alucinando. E ela não queria estar aqui, então isso só a deixa mais nervosa ainda.
— Está tudo bem — pousou a mão no ombro da mais velha, sorrindo — Mas ... Não foi por acaso que eu pedi para tratá-la. Os sintomas indicam uma doença grave, difícil de curar, pelo o que estou vendo. Não quero alarmá-la, mas se eu conseguir provar a doença... Vocês deverão se preparar. Ela deverá se preparar. — terminando de falar, conduziu a mais velha até a entrada do hospital, onde estava parada esperando-os. nem ao menos ousou falar alguma coisa. Talvez somente agora descobrira o quão grave a situação é. não queria alarmá-la sem necessidade, mas todos esses sintomas... Ele já vira esse caso três vezes, e os sintomas são os mesmos, e com o tempo vai ficando pior. E os pacientes? Dois deles morreram, e o outro está desejando que estivesse morto. A única coisa que sentia nesse momento era pena. era jovem, bonita, talentosa... Tinha tanto o que viver ainda, e provavelmente tudo será interrompido por causa disso. Ele realmente não quer estar certo, não dessa vez.
****

adentrou a sala, onde Amanda e Pamela o esperavam para discuti o caso de . Amanda estava apoiada na mesa, encarando um ponto qualquer da sala, enquanto Pamela olhava fixamente para o exame em sua mão.
— E aí? — ele falou enquanto se juntava à Pamela e lia por cima o exame. Pamela suspirou e entregou o exame para ele, fechando os olhos com força.
— Nada. Está tudo limpo. O que pode ser? Ela só tem 24 anos, com histórico saudável, sinais vitais estáveis, exame físico normal. Sintomas de ocasional dor no quadrante superior direito, náusea e alucinações. TC craniana e raio-x torácico e hemograma normais, mas revelaram um alto LDH. O que deixamos passar? — ela pergunta, virando-se para .
— Nós poderíamos tentar uma endoscopia gastrointestinal superior, a dor dela é abdominal. — ele sugeriu, largando os papéis em cima da mesa. Amanda, que até agora não havia falado nada se pronunciou.
— Acabei de fazer — ela entrega-o para ele — Está bem feio. E a paciente está bem nervosinha também — ela ri, revirando os olhos. Amanda é uma ótima médica, isso ninguém pode negar. Foi a melhor da turma, aliás. Melhor que . Mas era uma pessoa horrível, não se importava com os pacientes, só queria abri-los, concertá-los e fechá-los, como se fossem robôs. não eram assim. Ele se apegava com o paciente, passava cada minuto livre conversando com eles, dando-lhes atenção, cuidando deles. E por isso, ele era um melhor médico que Amanda.
— Tente ficar no lugar dela, Amanda — ele se levantou, ficando de frente para a loira. Amanda sorriu ironicamente e deu um passo a frente, ficando centímetros de distância de — Ela está conversando com o pai morto, droga. Ela está com dor e tem um monstro crescendo em suas costas, e estamos fazendo todos os exames possíveis, cutucando-a, deixando-a deitada em uma mesa por horas para termos os malditos resultados! — ele grita, pegando a mulher pelos cotovelos e afastando-a de si — Você também estaria nervosa.
Amanda jogou a cabeça para trás e gargalhou. Ah, como adorava esse jeito idiota de . Todo apegado em todo maldito paciente que entrava naquele hospital. Aquilo a irritava, e ela não fazia esforço para esconder isso. Mas no fundo, no fundo, ela ama . E também não faz questão de esconder isso.
— Adoro esse seu jeitinho birrento — ela se aproxima dele e lhe dá um selinho rápido.
— Droga, Amanda. Vai nos ajudar com o caso ou não? — Pamela falou, nervosa. Só trabalha com Amanda por pura conveniência, pois se não fosse por isso, elas trabalhariam o mais longe possível uma da outra.
— Já estou ajudando — ela anda até o outro lado da sala, sentando-se na cadeira — tem nodos linfáticos edemaciados, mas não é mononucleose. E se não vimos um tumor maligno em seu cérebro? — ela pergunta, levantando uma das sobrancelhas. revirou os olhos e encarou Pamela. Não queria encarar Amanda agora. Ela o irritava tanto, até agora não entende o porquê de dormir com ela todas as noites.
— Teríamos visto na tomografia.
— Mas e se estivesse errado? — Amanda se levanta e anda em direção à porta — Façam uma ressonância com contraste, talvez fazer biópsia de um linfonodo. Quando terminarem, me chamem. — ela sorri, joga um beijo para no ar, faz um careta para Pamela e sai da sala.
****

passava os canais na televisão rapidamente, pouco se importando que não estava vendo nada ali. Estava entediada. Sua mãe dormia na poltrona ao lado; claro, são quase 4 da manhã! E seu pai não estava por perto. Em seu lugar tinham várias tartarugas marinhas, andando de um lado para o outro no quarto.
— Ei — olhou para a porta, ao ver parado ali com um sorriso nos lábios. Ela sorriu fraco e virou o rosto, encarando a parede do quarto. Não gostava de ficar encarando-o. Se não fossem pelas circunstâncias, ela daria em cima dele, e com certeza o levaria para cama. Isso, se fosse um mês atrás, quando ela ainda era uma típica vadia. Ok, talvez não vadia. Mas uma mulher que gosta bastante de sexo, e não se importa com quem seja o sortudo da vez que esteja oferecendo.
— O que faz aqui? Pensei que seu turno acabasse as dez — ela murmura, ainda não encarando-o. Ela podia estar ali há apenas um dia, mas ficar no quarto em frente para a enfermaria tinha lá seus benefícios. Ela sabia muita coisa daquele hospital. Sabia que o paciente do 2932 acabara de ser diagnosticado com câncer de próstata. Também sabia que a atendente da cardiologia acabara de trair o marido com um residente da neuro. Ah, e claro, também sabia que seu lindo cirurgião aqui, dava uns pegas com a cirurgiã geral do hospital, mesmo que não a suporte. Nem mesmo a suportava.
— E acaba — ele ri e bagunça os cabelos, entrando no quarto e sentando-se na ponta da cama de — Mas fiquei aqui para observar alguns testes. — ele ri, nervoso. A verdade é que estava aqui para terminar de analisar os testes de .
— E então, como vão as investigações? — pergunta rindo. ri junto com ela, quase esquecendo-se de que dormia ao lado.
— Não sei ao certo. Todo teste que fizemos em você está normal. A única coisa que conseguimos até agora é um nível alto de LDH.
— Minha mãe falou que você já suspeitava de algo, por isso que pediu para cuidar de mim — ela sentou-se na cama, encarando — ela só não me falou o que era. Então, do que você desconfia? — ela pergunta, levantando uma sobrancelha. Bem, já que não podia exercer sua profissão adequadamente, irá exercê-la de qualquer modo. Nem que seja interrogando seu médico.
— Ela não te falou porque eu não contei para ela. Não quero alarmá-la sem motivo. E não adianta usar seus dons de jornalista para cima de mim, não vou contar nada.
— Então você admite que suspeita de uma doença grave? E o que é LDH? Por que estou com um nível alto desse negócio? — ela pergunta, um sorriso travesso em seus lábios.
— Não admiti nada, apenas disse que não quero alarmá-las, . E não se preocupe com o que é LDH. E estou tentando descobrir o por quê de você ter um nível alto desse negócio — ele ri ao falar a última palavra. abre a boca em contradição e bufa, respirando fundo. O médico ali era ele, não ela. Ela não tem que saber tudo sobre os nomes estranhos que dão para as coisas estranhas.
— Você vai me contar ou não? Porque se não for, vou dormir.
— E acabar com a surpresa? — ele se levanta e ri — Não, acho que passo. Mas logo você saberá. Vou terminar de analisar seus exames, e prometo que você será a primeira a saber. Mas antes de eu deixá-la em paz, preciso tirar seu sangue. É a última vez — ele murmura, já tirando a seringa do pacote. revira os olhos e suspira pesado, não se importando de que ele ouça. Já havia perdido a conta de quantas vezes a espetaram por hoje, ou levaram-na para fazer exames demorados e cansativos, onde ela fica deitada por horas, sem poder se mexer. Talvez ela seja uma cobaia perfeita para todos eles. "O caso impossível", que está fazendo a felicidade das pessoas daquele hospital.
— Ande logo com isso — ela murmura, esticando o braço para .
coloca as luvas e se prepara para retirar o sangue de . Ele se aproxima de , limpando a região com algodão. está com o rosto virado, permitindo que admire sua beleza por alguns segundos. Essa mulher é linda, pensou. O que realmente é verdade. pode ser nova, mas seu corpo é de uma mulher mais velha e madura do que ela aparenta ser. E seu rosto é angelical. Seus olhos azuis como o céu o deixam tão hipnotizado...
estala os dedos na frente do rosto de , que a encara como se ela fosse um pedaço de filé suculento. — !
— Sim? — ele fala, sorrindo nervoso. Foi pego no flagra. Oh, céus!
— Por favor, me diz que você também está vendo isso — ela aponta para o braço, bem na região onde ele está com o dedo encostado. abaixa o olhar para o braço de e arregala os olhos. Oh, droga.
— Quando isso aconteceu? — ele murmura, ainda encarando a grande mancha escura no braço de . Seja lá o que for que ela tem, está se espalhando pelo corpo inteiro, e rápido. Ele a olhou de manhã, não havia nenhuma mancha, a não ser nas costas. E agora tem um perfeito circulo perto do cotovelo de .
— Eu não sei! — ela grita, e se mexe no sofá ao lado. sente seus olhos arderem, sua garganta fechar e sua cabeça girar. Mas que merda! — Eu não percebi até agora. E você me olhou de manhã, você teria visto também. Essa merda cresceu tudo isso em um dia?! Puta que pariu! Eu vou morrer, é o fim para mim.
— Pare de drama — dá um pulo na cama, assustando até mesmo , quando seu pai aparece do nada ao seu lado. — Seja lá o que você tiver, só está se espalhando pelo corpo. Você não irá morrer, . Pare de falar essas merdas.
— Eu não quero te ver — ela grita, pegando o abajur ao seu lado e jogando no pai. desvia do abajur, com a boca aberta em surpresa. — Você é sinônimo de loucura, e eu não estou ficando louca. Então eu não quero mais te ver, . Sai daqui, vai embora! — ela se levanta da cama, puxando todos os fios que estão conectados em seu corpo e jogando-os contra a parede.
E de repente, tudo fica em câmera lenta.
e se levantam e vão até , que força seu corpo contra a parede, balançando a cabeça repetidas vezes para os lados, gritando e chorando. Ambos tentam acalmá-la, abraçá-la e tentar fazer com que ela volte para a cama, mas ela se debate com toda a força que tem e os joga contra a parede.
quer sair dali. Quer voltar para o Brasil e fazer o que ama: escrever. Trabalhar. Ir para a praia no meio da noite com Kamilla e ficarem lá até o amanhecer, apenas observando as ondas. A verdade, é que não está nem ligando se irá morrer ou não. Dane-se tudo isso, ela pensou. Pra quê lutar? Todos irão morrer um dia, de um jeito ou de outro. E por mais que ela não queira deixar sozinha aqui, ela não quer mais resistir contra isso. Ela mal viveu! Tem apenas 24 anos, acabou de sair da faculdade e não teve a oportunidade de mostrar ao mundo do que é capaz. Ela quer fazer isso pelo menos uma vez antes de morrer. Ela tem o direito de fazer isso. Ela tem o direito de viver mais um pouco, se apaixonar e formar uma família.
, sou eu, Dra. Cobain — encarou a mulher à sua frente, que a segurava com força pelos cotovelos — Eu preciso que você se acalme, tudo bem? Nós vamos ajudá-la, eu prometo, mas por favor, se acalme, pare de se debater para que possamos levá-la de volta para a cama.
— Sai de perto de mim, vadia — ela grita, empurrando Amanda para longe dela e sai pela porta do quarto. Todos estão encarando-a, pensando que ela é alguma louca que fugiu do hospício.
Ela não sabe o que fazer agora. Não conhece nada naquele maldito hospital. Não sabe nem onde fica o elevador.
— ela se vira e vê seu pai, tentando segurá-la. Mas ela já está cansada de vê-lo.
— Você está morto, por que não continua assim? Me deixe em paz, — ela fala, virando-se e correndo pelo corredor, procurando pelo elevador. Mas tudo que vê são quartos e mais quartos.
, sou eu, — ele a puxa pelo braço, fazendo com que ela o encare nos olhos — Por favor, me ouça. Você está alucinando e tendo um ataque de pânico. Pare por um segundo e me ouça. Olhe para mim — ele segura seu rosto com as mãos, encostando suas testas. foi parando de se debater ao poucos, sentindo a respiração de contra seu rosto. Desviou o olhar por um segundo para ver um pouco mais atrás, com lágrimas nos olhos, e várias pessoas curiosas encarando-os. Levantou o olhar e encontrou com os olhos de , tão próximos dos seus que lhe passou uma imensa calma. Até parecia que ela não acabara de sair batendo, xingando e esperneando pelo hospital. Respirou fundo e se aproximou mais um pouco de , descansando a cabeça em seu peito, enquanto enfermeiros seguram seu corpo e injetam o sedativo. dá um grito alto ao sentir a agulha furar seu braço e toda sua raiva volta. Ela se debate e tenta bater em que a segura pelos pulsos e implora para que ela fique quieta, mas quando olha para o lado, dá um grito de puro terror ao ver dois pinguins segurando-a pelos braços e injetando a droga. Mas todo o esforço é em vão, e em poucos segundos, tudo fica preto e ela perde completamente os sentidos, caindo nos braços de novamente. que está com inconsciente em seus braços, suspira alto e apoia o queixo na cabeça de . Ela precisa de ajuda, e rápido.
****

— Me diga que conseguiram alguma coisa, qualquer coisa — ele fala enquanto bate a porta atrás de si. Amanda e Pamela estão ali sentadas, olhando fixamente para um raio-x em cima da mesa.
Amanda, por mais que fosse o pior ser humano já ouvido falar, sentia pena de . A garota não merecia nada disso. E quanto mais tempo passa sem o tratamento, pior ela fica. Por exemplo, o ataque de pânico que ela teve algumas horas atrás mostra o quão avançadas suas alucinações estão. E a mancha que aparecera em seu braço e se desenvolvera tão rápido em apenas um dia realmente estava preocupando-a.
— Nós descobrimos — ela se vira para o homem, que está apoiado na mesa — E as notícias não são boas. Olhe — ela estende o papel com anotações dos três ali — Nível elevado de LDH foi nossa única pista. Descobrimos que tinha aumento de linfonodos e uma lesão suspeita, que foi biopsiada. Ressonância com contraste mostra algo no lobo temporal direito — ela passa o resultado para o homem — A biópsia mostrou células em divisão que com estudos complementares, nos levou ao diagnóstico final de melanoma metastático, com achados no fígado, pele e cérebro. No final das contas, você estava certo. Ela tem melanoma, e está bem avançado. — ela se arruma na cadeira. Desde o começo suspeitavam desse maldito câncer, e agora que foi comprovado... Coitada de . Seu caso é difícil. Amanda nunca vira um caso que já houvesse sofrido metástase para tantos lugares em pouco tempo. O que significa que o câncer está agressivo e se não fizerem algo, ela morrerá logo. Se não pelo câncer, pelas alucinações. Ela veria coisas que não são reais e acabaria cometendo suicídio, ou sofreria um ataque cardíaco por conta do medo.
— Esse maldito está agindo rápido — ele murmura, antes de socar a mesa. Sua mão começa a doer e latejar, mas ele não se importa. Mas que droga! Ele queria tanto estar errado sobre isso! Merda, merda, merda! não merece isso — Como seguiremos?
— Eu diria para começarmos com quimioterapia e radiação, por algum tempo... — Pamela começa a falar, levantando-se e andando até — Mas isso é com sorte. deveria tirar férias, fazer o que quer fazer, viver o que quer viver. Em um mês já se espalhou pelo corpo. Seria tortura tentar o tratamento, submetê-la a tudo isso, quando as chances de dar certo são mínimas — ela murmura, com a mão apoiada no ombro de . Sabia o quão apegado ele já estava a , principalmente depois do episódio de ontem.
— E o quê? Deixá-la morrer aos poucos? Ela vai morrer antes, você sabe Pamela. Não finja que não sabe — ele sussurra, com os olhos fechados.
— Eu sei. Mas como a médica responsável pelo caso, eu aconselho a não submetê-la ao tratamento. Claro, há uma chance dela melhorar depois de tudo isso, mas ela sofrerá muito e talvez morra no final, isso se o câncer não voltar mais agressivo ainda depois de algum tempo. Tome como exemplo os outros casos que tivemos nesse hospital. Um se matou pelas alucinações, o outro morreu de parada cardíaca, e o outro está implorando para que o matemos. Você se apegou a , tudo bem, eu entendo. Mas é estupidez e crueldade fazer isso com ela.
— Eu não ligo que seja tortura — ele dá de ombros — Se ainda há uma chance dela sobreviver a tudo isso, como médico responsável pelo caso — ele sorri de lado —eu vou aconselhá-la a fazer o tratamento. Ela não é apenas sua paciente, Pamela — ele fala debochadamente, se aproximando de Pamela, trincando os dentes.
— Amanda interfere, percebendo a tensão que se estabeleceu ali — Pamela tem razão — ela revira os olhos ao concordar com a mulher — As chances dela sobreviver ao tratamento é de 5%. E mesmo que sobreviva, tem vários riscos...
— Foda-se — ele a interrompe, se afasta das duas mulheres, já abrindo a porta da sala — Eu vou falar para ela fazer a merda do tratamento. Se vocês falarem contra, eu arrumo outro cirurgião para pegar o caso. Não me importo que vocês sejam as melhores, tem outros melhores por aí — ele dá de ombros e passa pela porta, batendo-a com força.
não está nem aí que o tratamento acabará com . Ainda há chances de salvá-la! E é como dizem... Enquanto há vida, há esperança. Certo? Por que com ela seria diferente?
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— Me prometam que não vão falar qualquer coisa sobre a possibilidade dela não fazer o tratamento. Ela precisa do tratamento — falava calmamente para Amanda e Pamela, que estavam paradas à porta do quarto de .
— Claro, claro. Blá, blá — Amanda revira os olhos e dá um passo para frente, entrando no quarto de .
estava sentada na cama, com uma revista na mão e fones no ouvido. Ela não estava nem um pouco feliz. Aquela infeliz da Carla conseguiu um furo de reportagem, que era para ser dela. Merda, merda, merda. Mil vezes merda. Ela e Carla sempre se odiaram, pelo simples fato de que ambas são boas no que fazem, e querem se exibir para a outra. Um mês atrás, quem estava ganhando era . Ela conseguia as melhores reportagens, escrevia melhor que Carla — palavras de terceiros, não dela. Mas agora, com esse furo, Carla praticamente saiu em disparada.
— Você já viu essa reportagem da Carla? Droga. Era para eu estar levando toda a glória que ela está levando agora — ela murmura para a mãe, ainda sem tirar os olhos da página.
— Claro, sim, já vi — dá de ombros — Agora preste atenção nos médicos, sua invejosa — ri e puxa a revista das mãos da filha. abre a boca em discórdia e está pronta para travar uma discussão com a mãe, quando olha para a porta e vê , Amanda e mais uma que ela não conhecia.
analisa , desde o rabo de cavalo bem feito até sua cintura, que é até aonde ele consegue ver, pois a coberta interrompe sua vista. Ela está usando um batom claro e ao invés da camisola que o hospital fornece, ela está usando uma blusa branca decotada e colada ao corpo. Suas unhas, que mais cedo estavam sem esmalte algum, agora estão pintadas de vermelho sangue. Ela está tão... Normal. Como se não estivesse dentro de um hospital, doente. E, se ela já era bonita daquele jeito todo descuidado, imagine agora. Bonita é pouco. Linda também é pouco para descrevê-la. Talvez não consiga encontrar uma palavra boa o suficiente para descrevê-la. E, graças a blusa que ela está vestindo agora, ele consegue ver uma tatuagem em suas costas, atrás do ombro. Free Yourself. Ótima frase, bonita tatuagem.
— Gostei da tattoo — falou sorrindo, se aproximando da cama e dando um beijo na bochecha da . Ela sorriu e virou seu corpo até que a tatuagem ficasse totalmente visível para o homem.
— Fiz um pouco depois que meu pai morreu. Minha mãe ficou louca, eu estava apenas com quatorze anos — ela ri ao lembrar-se do dia que apareceu com a tatuagem em casa. Sua mãe quase a expulsou de casa de tão nervosa que ficou. a olhou atravessado e sentou-se ao lado da filha, batendo em sua mão.
— Três médicos em um quarto só ao mesmo tempo, isso é bom? — pergunta, receosa, encarando os três ali.
— Depende — Amanda é a primeira a se pronunciar. Ela dá alguns passos até ficar de frente para as duas, encarando-as — Nós conseguimos diagnosticá-la, isso é bom — e dão suspiram aliviadas, sorrindo abertamente por alguns segundos — Mas — Amanda faz uma pausa, e olha para , que está ao seu lado quieto, apenas observando-a — O diagnóstico não é bom. tem melanoma metastático. É um câncer bem bravo. Há evidências de câncer em seu fígado, pele e cérebro, o que explica as manchas na pele, as dores abdominais e as alucinações.
— Ótimo — ela sorri e revira os olhos — Isso significa que não estou ficando louca. Yey! — ela levanta os braços e balança os quadris, como se estivesse dançando. sorri para ela, assim como Pamela, Amanda e — Ok, agora é sério. Como se trata esse negócio? Eu não vou morrer, vou?
— É aí que nós entramos — Pamela, pela primeira vez se pronunciou — Sou a Dra. Pamela Bran, da Ala Oncológica.
— A prioridade é dissecar o câncer no lobo temporal do seu cérebro, que será o meu serviço. Se não descobrisse cedo, poderia ter dor de cabeça, convulsões e alucinações mais intensas do que as que você já tem. A de ontem foi um exemplo. Você entrou em completo pânico. Não sei o que você viu, mas isso iria se repetir se não descobríssemos logo. — explica, sem tirar os olhos de . Ela está sorrindo para ele, como se aquilo fosse uma coisa normal, que ela fizesse todos os dias.
— E eu cuidarei do seu fígado — Amanda murmura. tenta sorrir para ela, mas não sabe se foi bem sucedida. Ela não gosta da mulher, fazer o quê? Ok, ela iria salvar sua vida, blá blá. Mas isso não muda muita coisa.
— É agora que as coisas ficam complicadas — Pamela fala, sem sorrir nem demonstrar qualquer feição que passe calma para . Credo. — Nas próximas quatro semanas, será submetida a três cirurgias e sete procedimentos. Isso pelas metástases que encontramos. E provavelmente encontraremos mais, o que significa que poderemos precisar abrir você várias vezes, então se acostume. Administrarei sua radioterapia, quimioterapia e imunoterapia. O tratamento é agressivo, forte. Você ficará como nunca ficou em sua vida, nem como nunca pensou que ficaria — ela fala, olhando brevemente para , que a olha bravo. Não se importa com o que ele disse. A paciente deve saber dos riscos — Deve se preparar. E como eu vou cuidar da maior parte do caso, os outros médicos irão seguir as minhas ordens — ela olha para , que a encara furioso. Vadia. É tudo o que ele consegue pensar. Vadia, vadia, vadia. — Alguma dúvida?
— Não. — e falam juntas. Suas vozes saem baixas, quase inaudíveis. Nenhuma das duas se preocupam em demonstrar algum afeto pela mulher; ela não se importou em ao menos tentar demonstrar algo, mesmo que não fosse verdadeiro.
— Você irá fazer duas cirurgias ainda hoje, a primeira com o Dr. , e a outra com a Dra. Cobain — Pamela volta a falar, do mesmo jeito duro que antes — Uma seguida da outra, para não precisarmos sedá-la duas vezes. Quando você acordar, estará sem alucinações, e possivelmente, sem a dor. Talvez com um pouco de dor por causa da cirurgia, mas isso é normal. Dentro de algum tempo essa dor desaparece. Dentro de algumas horas o Dr. virá te buscar para a cirurgia. Esteja pronta. — ela sorri fracamente e sai do quarto.
para por um segundo, tentando assimilar tudo aquilo. Câncer. Maldição. Inferno. Droga.
— Amanda a chama, sentando-se na ponta da cama — Você tem que saber dos riscos disso tudo.
— Amanda, chega — fala, se aproximando da loira.
— O câncer já está avançado, no estágio quatro. E isso é ruim. A chance de sobrevivência é de 5% — ela fala, ignorando que a puxa pelo braço — E tem uma grande chance de você não sobreviver ao tratamento. Quando a Bran falou que o tratamento era agressivo, ela foi boazinha. O tratamento deixa o paciente horrível. Você mal conseguirá se levantar da cama. E sem contar que depois das cirurgias, o câncer pode voltar...
— Mas não vou deixar que ele volte — fala, pegando Amanda pelo braço e colocando-a do seu lado — E, se voltar, bem, nós sumimos com ele de novo. O tratamento pode ser feio, mas você conseguirá passar por ele numa boa. Nos vemos mais tarde na sala cirúrgica — ele murmura, já na porta do quarto, segurando o braço de Amanda com força.
Ambos saem do quarto, e só ali fora, solta o braço de Amanda. Ela o olha com os olhos arregalados, e massageia a região em que ele estava segurando.
— Você me machucou, — ela fala, empurrando-o contra a parede. Ele gargalha e se aproxima da loira, dando-lhe um selinho.
— Te avisei para não falar aquelas coisas, não falei? — ele sussurra, perto de seu ouvido.
— A paciente deve saber dos riscos — ela dá de ombros, se afastando dele devagar — E não é só porque você quer que ela faça o tratamento que ela terá que fazer. Esse é um país livre, meu bem — ela sorri e pisca o olho esquerdo, rebolando pelo corredor. aperta os olhos e respira fundo, contando até dez. Está se segurando para não ir atrás daquela vadia e arrastá-la para um armário qualquer e arrancar sua roupa. Era isso que eles faziam quando estavam com raiva. Mesmo quando a raiva era por eles mesmos.
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— Não faça merda com a minha filha, ouviu? — sussurrava, agarrando o jaleco de . Eles já estavam a caminho da sala cirúrgica. estava deitada na maca que e empurravam para frente, divertindo-se com algumas gaivotas que voavam acima de sua cabeça. Ah... Aquela seria a última vez que ela veria algo que não era real, incluindo seu pai. Ele não havia aparecido para ela se despedir, e isso fez com que ela ficasse desapontada. As últimas coisas que falara para ele era que ela não queria vê-lo mais. Se arrependimento matasse... Haha. Ironia mandou lembranças, !
— Não vou fazer. Vocês se encontrarão daqui algumas horas. A cada hora mando alguém atualizá-la sobre como andam as coisas lá dentro, tudo bem?
— Tudo bem — ela murmura, passando as mãos pelos enormes cabelos de , que estava distraída demais para perceber — Ei, pousa a mão cuidadosamente sobre a mão do rapaz — Obrigada. Por tudo. Se não fosse você, talvez não estivesse aqui dentro de alguns meses.
— Vou fazer o meu melhor lá dentro, — ele para de empurrar a maca — Você só pode ir até aqui.
respira fundo e se aproxima de , que tem um sorriso enorme nos lábios.
— O que está vendo agora, querida?
— Gaivotas. Várias delas — ela sorri ainda mais, enquanto observa tudo atentamente — É a última vez que irei vê-las. Isso não é legal?
— É — assente com a cabeça, pegando a mão da filha e beijando — Super.
gargalha ao ouvir a mãe falar "super" e revira os olhos, ainda rindo.
— Até mais tarde, mamãe — ela sussurra, piscando um dos olhos para a mais velha — Amo você mais que tudo, não se esqueça — ela se senta e beija a testa da mais velha. fecha os olhos e abraça a filha com todas as forças que tem. — Ahn, mãe?
— Sim? — ela responde, limpando uma lágrima que escorreu por sua bochecha, ainda sem soltar .
— A senhora está me esmagando.
— Desculpe, anjo — ela ri e solta-se do abraço, beijando a testa da filha e deitando-a de novo na maca — Nos vemos em breve, amor.
— Nos vemos em breve — responde com um sorriso no rosto.
A maca volta a andar, e levanta e braço e acena para a mãe, que ainda está atrás dela. Eles passam por uma enorme porta marrom e depois de alguns segundos, entram em uma sala toda branca, com vários equipamentos. A sala de cirurgia.
Depois de alguns minutos, entrando na sala com as mãos molhadas. Uma mulher de branco — enfermeira, provavelmente — lhe entrega uma toalha, e depois que ele se seca, coloca as luvas em suas mãos.
— Ei, gatão — ela murmura ao ver se aproximar, sorrindo. Ela responde o sorriso e manda um beijo no ar para ele, que o pega e guarda no bolso. Ela gargalha um pouco alto e chama-o, com o dedo, para mais perto.
— Está preparada? — ele pergunta, passando a mão pelo rosto da mulher. fecha os olhos e aproveita o carinho breve que ele está proporcionando para ela ali. Até agora não sabe o porquê dele ser tão carinhoso assim com ela. Toda vez que se veem, ele lhe dá algum tipo de carinho, ou apenas não para de sorrir e puxar assunto, fazendo-a se esquecer de tudo a sua volta. Ele faz bem para ela, por mais que ela não entenda o porquê.
— Você é carinhoso assim com todos os pacientes ou só com os que estão com uma sentença de morte praticamente garantida?
— Ei, você não está com uma sentença de morte!
— Eu sei, só estou brincando — ela sorri, bagunçando os cabelos de e puxando-o pelo pescoço, até que ele ficasse perto o suficiente de seu rosto para ela beijar-lhe a testa — Cuide de mim, . Você é meu anjo, não se esqueça.
— Cuidarei de você a cada minuto, baby — ele pisca o olho esquerdo e mostra a língua para ela.
, não fique com medo. Você ficará apagada por algumas horas, o tempo suficiente para que ele termine de dissecar o câncer e eu também. Não iremos fazer juntos, claro. Ele vai primeiro e depois eu venho. Nos vemos quando você acordar — Amanda fala para ela calmamente, segurando uma máscara na frente do rosto.
— Não estou com medo — fala rindo. E é verdade. Como ela já disse, não tem medo de morrer. Também não tem medo de que abram sua cabeça, fuçam em seu cérebro, depois abram seu abdômen e fucem lá dentro também. Até porque isso não é nada demais.
— Ótimo — Amanda sorri, já saindo da sala e deixando-a ali.
— Vamos sedá-la agora — fala de algum lugar da sala, aonde não pode vê-lo — Nos vemos daqui algumas horas, baby.
— Até mais, gato — ela sorri.
— Conte até dez de trás para frente.
— Dez — ela riu baixinho, fechando os olhos — nove, oito, sete... — ela já nem lembrava mais dos números. Seu corpo inteiro estava relaxado e seu sono era imenso. Então, ela parou de falar e entregou-se, apagando completamente logo após.
— Ok, vamos começar — fala, beijando a cabeça de uma última vez.
Ele estava receoso? Sim. Pegara um carinho imenso por aquela mulher em poucos dias. Não é muito agradável ver o interior das pessoas com que nos importamos, principalmente, o cérebro.
— Bisturi — ele fala, estendendo a mão. Sentiu a ferramenta gelada em sua mão e fechou os olhos, respirando fundo, concentrando-se. A mulher que está na mesa não é uma mulher qualquer. Qualquer erro, menor que seja, poderá acabar bem feio. — Que Deus esteja conosco.
— Amém — todas as pessoas presentes na sala falaram alto.
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abriu os olhos lentamente, acostumando-se com a claridade, que já não era muita. A luz do quarto estava desligada, e a única luz que ela conseguia ver era dos aparelhos ao seu lado, e do lado de fora do quarto.
— Mãe? — ela sussurrou, levando a mão até a cabeça, onde sentia uma dor chata. Seus dedos percorreram a faixa que protegia a região em que ela havia sido operada. Desceu os dedos lentamente por seu corpo, até chegar em sua barriga, onde sentiu uma dor um pouco mais forte do que na cabeça. Também sentiu um grande pedaço de pano ali, e deduziu que era para proteger a região que também foi operada. — Mãe? — chamou novamente, virando o rosto a procura da mãe. O quarto estava vazio, a não ser por ela. Pensou em apertar o botão que chamava as enfermeiras e pedir que alguma procurasse sua mãe, mas desistiu logo após. precisava de um descanso, nem que seja para ir até a calçada por alguns minutos, respirar ar fresco e voltar.
Procurou com a mão trêmula o controle da TV, achando-o em cima do criado-mudo que ficava ao lado da cama. Pegou-o e ligou a TV em um canal qualquer, onde estava transmitindo um show da Lady Gaga. Ela sorriu e deixou a cabeça tombar para o lado, gargalhando, pouco se importando com a pontada que sentiu na barriga. Apenas continuou gargalhando, e começou a cantar a música que tocava animadamente. Ah!, como essa música trazia boas lembranças para .
Flashback on.
arrumou seu vestido tomara que caia mais uma vez em frente ao espelho, bagunçou seus cabelos até que eles ficassem com volume e deixasse os cachos chamativos, do jeito que ela gostava. Passou o batom vermelho nos lábios perfeitamente, mandou um beijo para seu reflexo no espelho e saiu do banheiro logo em seguida. Edge Of Glory tomou conta de seus ouvidos, seu corpo estremeceu por conta do volume da música, pessoas soadas, bêbadas, idiotas passavam por ela, a puxavam para dançar, beijavam-lhe na bochecha e depois iam embora. gargalhou alto e jogou a cabeça para trás, movimentando-se no ritmo da música.
Procurou o celular dentro da bolsa pequena que ela carregava, e discou o número de Kamilla ao acha-lo.
— Kamillaaaa! — ela gritou, sem parar de se movimentar no ritmo da música.
? Sua galinha! Onde você está? Não te ouço! Me encontre no bar, te pago uma bebida! Mas venha logo, tem um carinha aqui que está quase me convencendo de ir para outro lugar. Chegue antes que ele me convença! — ela gritou, por conta da música e desligou o celular. continuou dançando, gritando a música a plenos pulmões. Ah!, como amava essa vida. Ser responsável de dia, e de noite, esquecer de tudo e todos. Andou até o bar, sem parar de balançar os quadris, e logo avistou Kamilla, sua prima, agarrando-se com um homem menor do que ela.
— Licença Norbit — murmurou, puxando o cara pela camisa e afastando-o da prima — Gata!
— Você não existe! — Kamilla ria alto, limpava as lágrimas que caiam de tanto rir, apoiava-se no balcão e ria mais um pouco. — Você chamou o carinha de Norbit! Nem parece que é uma jornalista respeitada por meio mundo! — ela gritava, ria e depois jogava os cabelos para os lados, pulando e levantando os braços para o alto, cantando a música. — EU AMO ESSA MÚSICA, ! NÓS DEVERÍAMOS FAZER UM COVER DELA! IRIA FICAR TIPO, DEMAISSSS! NÓS SOMOS DEMAISSSSSSS, MANO! — Kamilla gritava, enquanto puxava pelo braço e a abraçava. Ela está bêbada. Definitivamente.
— Claro, nós podemos gravar um cover depois, Ka — ela riu da prima que puxou o barman por cima do balcão e o beijou — Mas agora vou te levar para casa. Você bebeu demais, não acha?
— Vai se foder, . Você também bebeu. Me deixa, quero dançar, me acabar, beijar, transar, foder com o Norbit. Ele beija mal pra caramba, mas foda-se, pelo menos vou transar. Agora se me dá licença, chata.com, tenho que arrumar uma transa para mim. — ela saiu de perto de , que revirou os olhos e jogou uma nota de vinte para o barman e saiu a procura da prima. E ela teria continuado sua busca, se não esbarrasse em um cara e quase caísse de cara no chão.
— Desculpe, eu já estou meio... — ela parou de falar ao olhar para o cara que a segurava. Piscou uma, duas, três vezes, e depois sorriu. Aquilo não era possível.
— Olá, amor — seu pai falou, enquanto beijáva-lhe a testa.
balançou a cabeça e riu, contornando o homem e indo em direção à Kamilla, que beijava outro cara novamente. O cara era maior que ela e passava a mão por sua coxa, subindo e parando perto de seu bumbum.
— Licença, Marcos Oliver — ela puxou Kamilla pela mão e saiu andando para a saída da boate. Assim que ambas saíram, um frio gelado levou o cabelo de ambas para trás, fazendo Kamilla gemer.
— Aqui tá muito frio, bf — ela reclamou, puxando para um abraço — Vamos voltar lá para dentro. O carinha que você chamou de Marcos Oliver tava no papo já — ela riu, enfiando o rosto nos seios de . — Aqui tá quente, bf. Acho que poderia fritar um ovo em um dos seus seios — ela gargalha alto. revira os olhos e bate nas costas da prima, completamente bêbada e ri.
— Tá certo, bêbum. Você vai lá para o loft hoje ou nós vamos para sua casa?
— Seu loft. Quero me matar naquela banheira enorme que você tem.
— Que seja. Vamos logo.
Depois de alguns segundos, um táxi parou para as meninas. acomodou Kamilla em seu colo e bateu a porta, acariciando a cabeça da prima. Kamilla era como uma filha para . As duas não tinham quase nada de diferença na idade, mas sempre fora a mais protetora, prudente, responsável. Enquanto Kamilla será uma eterna criança.
— Ei, gostosa— Kamilla a chama, beliscando sua coxa descoberta — Você me deve uma transa.
gargalhou alto e jogou a cabeça para trás, ao responder:
— Não sou lésbica, foi mal.
— Foda-se. Você está em divida comigo. Quando chegarmos me acorda. Vou sonhar com o orgasmo que eu não tive...
riu e tombou a cabeça para trás, fechando os olhos também. Pensou no que vira na boate. Aquele cara é muito parecido com seu pai, uma vez que não é possível que seja ele. Ele está morto há anos. Não há lógica aqui.
Mas tem que admitir que adorou vê-lo, mesmo que não fosse ele. Sentia tanta falta do pai que daria qualquer coisa para vê-lo de novo. E hoje, pôde matar um pouco da saudade, mesmo que não tenha sido realmente ele ali.
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colocou Kamilla calmamente na cama, a cobriu e deu-lhe um beijo na testa. A prima já estava babando antes mesmo que elas chegassem ao quarto. Andou pelo imenso quarto de Kamilla — ela tinha seu próprio quarto no loft de —, fechou a janela, desligou o abajur e foi para a porta.
— Boa noite, bf — Kamilla murmurou, mexendo-se na cama.
— Boa noite, bf. Amo-te — falou com um sorriso no rosto.
— Amo-te muito mais. Amo-te, amo-te, amo-te!
— Tchau, Ka — ela sussurrou, ao fechar a porta. Desceu até a cozinha e pegou uma garrafa de água dentro da geladeira, sentando-se no balcão e bebendo um longo gole. Eram apenas 01h30. Normalmente, quando elas saiam, chegavam às 04h, quando não iam direto para o serviço. Bêbadas, do jeito que fosse.
Fechou a garrafa de água, colocou-a dentro da geladeira novamente e bateu a porta da mesma. Estava preparada para subir para seu quarto e ir dormir, mas uma voz familiar chamou-lhe a atenção.
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— Que merda...? — ela virou-se devagar, encarando o homem parado ali. Piscou algumas vezes e bagunçou os cabelos, respirando fundo — Eu bebi demais. Estou vendo coisas.
— Você não bebeu mais do que três drinks, está sóbria ainda. Sou eu mesmo, Sunshine.
— Pai... — ela sussurrou, sua visão já embaçada por conta das lágrimas que pendiam seus olhos. — Senti tanto sua falta! — ela murmura, correndo em direção ao pai e abraçando-o apertado.
Flahsback off.
gargalhou um pouco mais ao lembrar de Kamilla bêbada. Não houve uma vez sequer em que elas saíssem de noite e Kamilla não acabasse bêbada, beijando qualquer um. Se bobear, a criatura beijava até uma criança. Sentia falta da prima.
— Lady Gaga? Sério? — entra no quarto, sem tirar o olhar da TV.
— Pa-pa, pa-parazzi — respondeu, movendo as mãos ao redor da cabeça e dando a língua. riu e pegou sua ficha, observando-a.
— Como se sente?
— Com um pouco de dor, mas nada que eu não aguente — ela pisca o olho direito.
— Você viu alguma coisa desde que acordou? Alguma alucinação visual, auditiva, ou qualquer coisa do tipo?
— Nada. Nadinha de nada. Estou perfeitamente sã.
— Você é sã, . Pare de falar besteira — ele revira os olhos, fechando a ficha dela e sentando-se ao seu lado na cama.
— Blá, blá — ela revira os olhos e suspira — Tá, . Sou sã. Yey — ela levanta os braços e mexe as mãos, celebrando — Como foi a cirurgia?
— Foi boa. Tanto a minha quanto a da Cobain — ele sorri e pega a mão de , beijando — Agora você irá começar com o tratamento, as doses de IL-2...
— É aí que eu fico toda ferrada?
— Sim — ele suspira, acomodando-se ao lado do corpo de e puxando-a para perto de si. descansa a cabeça no peito de e fecha os olhos, inalando o perfume.
Ei. Espere aí.
está deitado na cama de .
Literalmente.
Abraçando-a, enquanto ela descansa em seu peito.
Mas...?
— Você é um médico estranho — ela murmura, sem abrir os olhos ainda.
— Por que? — ele ri, passando a mão delicadamente pelo rosto da mulher.
— Nenhum médico que eu conheça se deita na cama da paciente, . Só os pedófilos — ela ri, e o segura com mais força quando ele tenta se levantar — Tá tudo bem. Só tô falando que é estranho, e se alguém ver, você ficará numa fria. Mas é bom abraçar alguém que não seja minha mãe, pra variar. Fica — ela sussurra, procurando a mão de as cegas.
O silêncio se tornou presente no quarto. Não um silêncio constrangedor. Um silêncio acolhedor, até. Um silêncio gostoso. Não fosse pelo bip dos aparelhos, estaria ótimo.
A cabeça de estava apoiada no peito de , enquanto ela lentamente caia no sono. passava a mão por seu rosto, seu pescoço, seus cabelos, e até mesmo, sua boca. Ele há tempos não ficava tão confortável com qualquer pessoa como ele está com . Na verdade, ele não sabia explicar o porquê de ser assim com ela. Se apegara tanto a ela, que não sabia se poderia continuar no caso. era uma mulher fácil de se gostar, se apegar. E não foi diferente com . Bastou algumas palavras trocadas, que ele já se encantou pela mulher. Até porque, ele sempre fora do tipo que se apegava aos pacientes. Mas nunca havia se apego a alguém como se apegou a , e isso estava assustando-o. Não somente a ele, mas também a Amanda, que por mais que fizesse de tudo para fazê-lo se apaixonar por ela, não conseguia. A única coisa que rolava entre os dois era sexo sem compromisso, apesar de Amanda já ter deixado mais do que claro que é apaixonada por ele.
— Ei, gatão — sussurrou, apertando de leve o peito do homem mais velho — Obrigada por tudo. Obrigada por lutar por mim, quando os outros já queriam desistir.
— Não iria desistir de você — ele beija o topo da cabeça de , tomando cuidado para não beijar na área que acabara de ser operada — Nunca.
— Eu sei, e obrigada por isso. E obrigada por estar deitado aqui comigo, eu acho — ela sorri de lado — Só cuidado para não se apaixonar, eu sou irresistível.
engoliu em seco. Se apaixonar. Haha. Não se apaixonava há anos. E claro, não chegaria nisso tudo. Ele tinha apenas um carinho enorme por ela. Talvez até um pouco mais do que o normal, do que o permitido, mas dane-se.
Apaixonar-se por . Haha. Isso não poderia acontecer nem mesmo em sonhos.
Certo?
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está andando de um lado para o outro no quarto, dançando e pulando com seus fones no ouvido. Acabara de chegar de sua primeira dose de IL-2 e estava ótima! Estava com energia, e apesar de ainda sentir um pouco de dor por conta das cirurgias, estava ótima. Estava até mesmo dançando!
Passaram-se três dias que ela fizera as cirurgias, e desde então, nunca mais havia alucinado. Como é bom estar de volta ao mundo da realidade, ela pensava e sorria abertamente. Está curada! Não irá mais morrer! é maravilhoso, em todos os sentidos. Esse homem não existe, sério.
— Está feliz? — falou, parado no meio do quarto, encarando-a. gargalhou, jogou a cabeça para trás e correu até ele, abraçando-o pelo pescoço. abraçou-a pela cintura, sorrindo. É bom vê-la assim, feliz, com vontade de viver.
— Tá brincando? Três dias sem dor ou alucinações! Estou mais do que feliz, . Estou ótima! Deus, como isso é bom... — ela parou por alguns segundos e respirou fundo. Realmente, isso é bom, ótimo. Mas dividir esse momento com é melhor ainda. — Você me curou, gato — ela pisca para ele, sorrindo radiante. não pôde deixar de sorrir junto com ela.
— Você sabe que ainda tem muita coisa pela frente — ele murmura, contra sua vontade. revira os olhos e dá de ombros, tentando soltar-se do abraço, mas a segurou pela cintura, impedindo que ela saísse de perto. Era bom senti-la assim. — Mas daqui alguns meses você poderá comemorar o quanto quiser, quando você estiver curada de verdade. — ele pisca, dando um beijo na bochecha de . Ela sorri e cola suas testas, com as mãos ainda em volta de seu pescoço. Ela apertou os olhos e respirou fundo, aproximando-se ainda mais dele.
— Eu quero te beijar, — ela sussurrou, encostando seus narizes. Estava feliz! Queria se divertir, oras! E beijar o médico gostosão é uma ótima ideia. E também, já havia tempos que ela está com vontade de beijá-lo.
— Eu que não vou te impedir — ele respondeu, sem pensar. Só Deus sabia como ele havia sonhado em tocar aqueles lábios... Mesmo sabendo que se alguém visse, teria grandes problemas, não se importou, apenas apertou mais a cintura da mulher a sua frente e a colou mais ao seu corpo. Suas bocas estavam tão próximas que podia sentir o cheiro de menta que exalava da boca de . Suas bocas se entortaram em um sorriso torto, e segundos após, qualquer distância que existia ali, desapareceu. colou seus lábios em um selinho suave. Levou as mãos até a nuca de e puxou seu cabelo levemente, aprofundando o beijo.
Ah, como ambos queriam aquilo. Não haviam se dado conta — pelo menos, não — de que queria isso há tanto tempo que agora que conseguiram, era como se finalmente estivessem em paz. apertava cada vez mais a cintura de , já sem se importar se alguém no corredor afora estava vendo. Só queria concentrar-se na mulher está em seus braços agora. E não estava diferente, estava tão extasiada quanto ele. Ah, se eles pudessem ficar assim para sempre...
— Licença — ambos pularam para lados diferentes, encarando na porta com uma sobrancelha levantada e um sorriso divertido nos lábios. sentiu seu rosto corar e ficou com uma vontade imensa de rir, mas não o fez. Apenas ficou encarando a mãe, sorrindo de lado e limpando os lábios calmamente.
— Mãe — ela murmurou, mandando um beijo no ar para a mais velha. revirou os olhos e entrou no quarto de vez, sem tirar os olhos de , que estava parado no meio do quarto, pior que pimentão. E tudo que conseguia pensar era que sua carreira havia acabado.
— Sra. — ele cumprimentou-a com a cabeça — Tenho que checar alguns pacientes... Venho mais tarde ver como está — ele falou rápido, já saindo do quarto.
andou rapidamente pelo corredor, ignorando duas pessoas que o chamaram no caminho. O que acabara de fazer? Acabara de beijar uma paciente! Deveria estar se sentindo horrível, culpado e um idiota, mas por algum motivo, não sentia-se assim. Sentia-se leve... Como se aquele beijo tivesse recarregado suas energias. Estava sentindo-se tão vivo, como há tempos não sentia-se. E aquela sensação era tão boa... Quase tão boa como ter os lábios pequenos e macios de colados ao seus. A mistura de sentimentos que ela lhe proporcionou foi excepcional, como uma droga. E mal havia passado alguns minutos e ele já estava entrando em abstinência.
— Dr. Sexy, estou te chamando — ele foi parado por Pamela segurando seu braço. Virou-se para a mulher, que o encarava com deboche nos olhos.
— O quê? — ele perguntou, evitando seu olhar.
— Você beija pacientes agora, ?
— Ah, me erra, Bran — ele soltou-se da mulher, e continuou andando pelo corredor. Desde quando esse corredor era tão grande?
— Eu vi o beijo de vocês — ela começa a andar ao seu lado, acompanhando-o para onde for que ele estivesse indo — E se não fosse por mim, mais pessoas teriam visto. Eu bloqueei a vista deles. Acho que mereço um agradecimento.
— Tá, que seja. Obrigada Pamela, agora se me dá licença... — ele tentou passar pela mulher, mas ela segurou sua mão e o prendeu ali, encarando-o nos olhos.
— Merda, me ouça — ela murmura, encarando-o nos olhos — Estou pouco me ferrando que você esteja se envolvendo com uma paciente, a carreira é sua. Mas ela começou a quimioterapia hoje, e logo após, recebeu altas doses de IL-2, para o corpo atacar a si mesmo. Ela pode estar bem agora, mas não vai durar. Sua pressão irá cair, ela terá náusea e tremerá de frio dentro de horas, e pelo o que sei, pode estar fazendo tudo isso agora mesmo. Pode até ter um ataque cardíaco. Acredite, daqui a algumas horas ela desejará estar morta. Então — ela aproximou-se mais de , sussurrando em seu ouvido — Não se afaste dela agora. Ela irá precisar de alguém a não ser a mãe por perto. E não tem como negar, , vocês tem algo que dá para perceber a quilômetros de distância. Eu não entendo, e também não quero entender, mas fique do lado dela agora. — ela terminou de falar e se afastou, indo por onde eles estavam vindo segundos atrás. respirou fundo, bagunçou seu cabelo e continuou andando, procurando pelo elevador.
Está tão ferrado a partir de agora... Principalmente, porque sabe que não vai conseguir se afastar dela.
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Amanda bateu a porta atrás de si com força, assustando , que está deitado na cama.
— Seu filho da puta desgraçado — ela avançou até ele, puxando-o pela blusa, fazendo com que ele se levantasse da cama. coçou os olhos e bocejou, ela acabara de acordá-lo. — Você é um grande desgraçado filhinho de papai retardado.
— Amanda, o que eu fiz dessa vez? — ele perguntou, mostrando o quão entediado estava com aquilo tudo. Quem ela pensava que era para falar desse jeito com ele?
— Não aja como se não soubesse, estúpido — ela o jogou contra a parede e se afastou. Seu corpo inteiro tremia e sua cabeça estava explodindo. Acabara de perder um paciente. Claro que isso não a afetava, mas droga, tinha que ser logo hoje, logo agora? — Desde quando você dorme com pacientes, ? Esse seu carinho já está passando dos limites, não acha? Você pode acabar com sua carreira por causa disso, você sabe!
— Amanda, por favor, pare de dar piti — ele sentou-se na cama, encarando a loira.
— Não paro não! Você sabe que eu te amo há não sei quantos anos, talvez desde a faculdade. E você dorme comigo, depois me trata como lixo e depois dorme comigo de novo. Eu que sou otária. Nunca dormi com nenhum homem além de você todos esses anos, sabia? Porque achava que tínhamos alguma coisa, mesmo que nunca tenhamos tocado no assunto. Pensei que você gostasse de mim, nem que fosse um pouco — ela limpou uma lágrima que ousara cair. Todos achavam que ela é um monstro sem sentimento... Todos estão tão enganados sobre ela. Amanda era desse jeito por pura proteção. Desde pequena lidava com esse tipo de submissão. Sua mãe era completamente submissa ao namorado, sendo que ele estava ali apenas pelo dinheiro. Todos viam isso, menos sua mãe. O modo que é Amanda é hoje, é culpa de todos os anos que viu sua mãe sofrendo por um cara que não queria nada com ela.
— Manda... — sussurrou, passando a mão pelo rosto. Não gostava de ter essas conversas com ela, sempre deixara claro que não queria compromisso algum.
— Você não tem mais o direito de me chamar de Manda. Agora é Dra. Cobain. Acabou, cansei — ela levanta os braços e sorri — Chega, ! — ela grita, indo para o outro lado do quarto.
revira os olhos e vai até ela, puxando-a pela cintura. Amanda, que acabara de se prometer nunca mais cair ao seus encantos, virou para ele, evitando encará-lo. Encará-lo era tortura.
Dra. Cobain — ele sorri ao chamá-la daquele jeito, e cola suas testas. Amanda tenta não rir, mas acaba sorrindo e passando os braços pelo pescoço de , abraçando-o — Você sabe que eu te amo, não sabe? Mas você sabe que não é desse jeito que você quer, e nunca será. Por mais que você me irrite tanto que eu tenha vontade de abrir sua cabeça sem anestesia nenhuma, eu ainda te amo. — ele beija a bochecha da mulher, que já deixou os braços caírem ao lado do corpo. Ela se declara para ele e tudo que ele consegue falar é que a ama como amiga. Ah!
— Vai pro inferno, — ela murmura, empurrando-o pelo ombro. — Você é um grande filho da puta. Até hoje me pergunto o porquê de te amar tanto — ela dá de ombros, limpando as lágrimas que ela não consegue mais controlar. sempre fora especialista em quebrar seu coração, e dessa vez não seria diferente.
— Eu sou irresistível, você sabe — ele pisca para ela, abraçando-a novamente. Ela não se mexe, não retribui o abraço, apenas fica parada inalando o perfume do homem. Como ama essa maldito perfume...
Ela está preparada para empurrá-lo para longe quando o barulho de um pager soa no quarto. dá um passo para trás e tira o pager do bolso. Estão chamando-o no quarto de .
— Vai logo, . Eu tô lendo daqui que é a . Só tenta manter sua boca longe da dela, ok? Não pega bem aqui dentro — ela dá de ombros. Por mais que esteja morrendo de raiva por dentro, quer vê-lo feliz, mesmo que seja com uma moribunda qualquer do hospital.
— Tem certeza? — ele pergunta, apenas para que ela não se sinta diminuída. Ele irá de qualquer maneira. Amanda assente com a cabeça, então ele anda até ela, lhe beija na testa e sai em direção à porta — Obrigada, loira.
Ele olha novamente para o pager, vendo sobre o que se trata. Ali apenas consta "Comparecer ao quarto de .", então ele dá de ombros e entra no elevador.
Alguns minutos depois, ele está entrando no quarto de . Ela está em cima da cama, pálida, com o rosto virado para a mãe e os olhos fechados. para de andar e observa o cenário: segurando a mão da filha, enquanto no mínimo, três cobertas a cobrem. Um pote rosa está ao lado da cama, cheio de um liquido amarelo, o que ele deduz que seja vômito.
— Sra. ? — ele murmura, chamando a atenção da mulher. o olha e sorri de lado, jogando a cabeça para trás.
— Não comece a me chamar de Sra. , . sabe o que faz, e você também. Não ligo que vocês estejam... Ficando, ou o que seja. Tudo continua na mesma.
— Ah — ele sorri de lado, bagunçando os cabelos para trás, voltando a encarar . — O IL-2 começou a fazer efeito.
— Começou há quase uma hora — responde, passando a mão pela testa da filha — Ela está com febre, e vomitou mais do que poderia. Pegou no sono um pouco antes de você chegar aqui. Estou preocupada, — a mulher aperta os olhos e beija a mão da filha, que está dormindo em cima da cama. se aproxima e puxa uma cadeira para perto da cama, encarando .
Ela está branca, sua boca está mais branca ainda e seus cabelos estão úmidos, provavelmente por causa do vômito. Ele a vira uma hora atrás, e ela estava perfeitamente bem. E em uma hora, ela já está totalmente abatida pela medicação. Seu coração se aperta ao vê-la naquela condição, tão frágil, como se fosse quebrar a qualquer momento ali mesmo na cama.
— Nós avisamos que o tratamento seria agressivo — ele murmura, passando os dedos da mão pelo rosto de . Ela realmente está muito quente — ela ficará assim por um tempo, ainda. E toda vez que receber o medicamento ficará assim. Você terá que se acostumar.
— Eu sei, mas... — ela para de falar e olha para o teto, tentando não deixar que as lágrimas caiam — Ela estava dançando e cantando, bem, e um segundo depois, caiu no chão e começou a vomitar. Não conseguiu segurar nada. Só pensei que não fosse tão agressivo assim...
olha para , querendo confortá-la, dizer que tudo ficará bem em questão de algumas horas, e que se sentirá mais forte. Mas não irá. Dentro de algumas semanas, o cabelo de irá cair por completo. Claro que ela continuará linda, não importa se ela estiver com ou sem seu cabelo. E ela passará por mais algumas cirurgias, o que a deixará pior.
Quando está pronto para tentar consolar a mais velha, dá um pulo na cama, sentando-se e gemendo alguma coisa que ambos não conseguiram entender. olhou para os lados, a procurando algo para poder vomitar. , entendendo a necessidade da filha, esticou o pote para ela, que vomitou ali dentro. se afastou dela, indo para o canto do quarto. Ver a filha nesse estado simplesmente acabava com ela, e ela não conseguia encarar. Aliás, foi por isso que pediu para que fosse ali. Ele poderia fazer companhia para por um tempo, mas ela precisava sair dali, respirar ar puro. Sem avisar, sai do quarto, deixando e ali sozinhos.
não liga quando vê sua mãe saindo do quarto, sabe que ela precisa de um tempo para pensar. Pelo menos está ali com ela, dando tapinhas em suas costas e segurando seu cabelo para não suja-lo de vômito.
— Pronto? — ele pergunta suavemente, ajudando-a a se deitar novamente. Ela assente com a cabeça, está sem força alguma para responder em voz alta. — Você está suando frio e tremendo como se não houvesse amanhã — ela sorri, levando a mão até a mão de , que está em seu rosto — É por causa do medicamento, não entre em pânico. Dentro de algumas horas você irá se sentir melhor. — ele se senta na ponta da cama, limpando com os dedos a boca de , que está suja. — E não fique chateada com sua mãe. É muito para ela aguentar sozinha.
— Eu sei — ela sussurrou, arrependendo-se. Sua garganta arranhou e ardeu, ela havia vomitado tanto que deve ter danificado algo em sua garganta.
— Não fale nada — murmura, sorrindo — Volte a dormir, tá bem?
— Deite aqui — ela sussurra, fechando os olhos com força. Sua garganta realmente está doendo.
fica receoso em deitar-se ali com ela, mas vendo-a naquele estado, não tem como negar algo a ela. Então, levantou-se e foi até a porta, fechando-a e trancando-a. Também fechou a cortina e desligou a luz do quarto. Andou até a cama, e se ajeitou ao lado de com cuidado. Passou um braço por baixo das costas de e a puxou para mais perto, passando o outro braço por cima de sua cintura. levou a mão até o braço de e fez um carinho ali, fechando os olhos.
? — ela perguntou, chamando a atenção do homem.
— Sim?
— Acho que te amo — ela sussurra, já com os olhos fechados e quase dormindo novamente — É sério. Tô apaixonada por você, gato. E o beijo de mais cedo me fez ter certeza disso.
sorriu ao ouvir aquilo. Só Deus sabe como ele adorou ouvir aquilo... Ah!
— Durma — ele diz, beijando a testa da mulher e abraçando-a de lado. Em poucos segundos, já está dormindo novamente. Seu corpo ainda treme, mas a aperta cada vez mais contra si, tentando fazer com que ela sinta-se um pouco mais aquecida.
Segundos, minutos, horas se passaram, e continuou ali, apertando-se contra o corpo da mulher, numa tentativa falha de fazê-la parar de tremer. Vê-la naquele estado é sinônimo de tortura. Ver uma mulher tão bonita e cheia de vida — modo de falar — estar desfalecendo em cima de uma cama de hospital é mais do que pensou poder aguentar. Ok, ele vê isso quase todos os dias, já deveria estar acostumado. Mas ele está acostumado! O problema é com , que o deixou assim, sofrendo ao vê-la em cima de uma cama de hospital.
Pensou novamente no que Pamela falara mais cedo, e suspirou. "E não tem como negar, , vocês tem algo que dá para perceber a quilômetros de distância. Sim, eles tem. Ninguém sabe como, ou porquê, em questão de dias, os dois já estavam tão conectados assim. Levando em conta que ela não está aqui há muito tempo, e os dois conviveram mais tempo do que ele conviveu com qualquer paciente que já teve. Todo tempo que tinha livre, vinha ver . Parte porque queria ver como ela estava, protegê-la de algo que sabia que não seria possível, e a outra parte, queria ficar cada vez mais tempo com ela.
Estava botando sua carreira em risco? Sim. Estava magoando Amanda? Sim. Mas seu corpo não o responde, apenas chama cada vez mais alto por . E quando eles estão próximos, é como se a chama negra que está dentro dele, que queima com tanta força que o machuca na mesma medida em que está longe dela, se acalmasse, se apagasse e se reacendesse apenas quando eles estão pertos novamente.
nunca sentiu-se assim, como também não.
Agora que ambos estão sentindo-se assim, estão mais confusos do que nunca.
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Mais duas semana havia se passado. continuava a fazer a quimioterapia, e seu cabelo já começava a cair. Vê-la com o cabelo solto agora era raro, pois ela tinha vergonha. Vergonha de se transformar em uma pessoa feia em apenas alguns dias, sendo que no mês anterior ela praticamente dominava o lugar em que pisava com sua beleza. Sua boca, antes carnuda e chamativa, agora estava rachada, murcha e sempre pálida. Seus olhos que antes eram seu ponto forte, tão azuis como o céu, hoje estão fundos, escuros, sem vida. também emagrecera drasticamente nas últimas semanas. Era como se tivessem tirado sua vida aos poucos, deixando ali apenas uma casca vazia. E era exatamente assim que ela sentia-se, uma casca vazia.
— Ei, baby — entrou no quarto com uma sacola branca, piscando os olhos. revirou os olhos e suspirou alto. Sabia que gostava de ficar a sós com , então sempre que ele chegava, ela ia comer algo fora do hospital, talvez dar um passeio.
— Vou comer no restaurante daqui da frente — se levantou, e colocou o cachecol no pescoço — Qualquer coisa me ligue.
— Até mais, mãe — respondeu com um sorriso sapeca nos lábios.
Assim que saiu do quarto, se levantou e fechou a porta. riu e sentou-se com dificuldade na cama, ainda estava fraca por conta do IL-2 que recebera algumas horas antes. aproximou-se da mulher e beijou-lhe a testa, entregando-lhe a sacola.
— O que é? — ela murmurou, abrindo a sacola, tentando espiar ali dentro.
— Comida de verdade — ele dá de ombros, e a empurra delicadamente para a ponta da cama.
— É sério? Eu posso comer isso? — ela murmura, com um sorriso imenso nos lábios. Há duas semanas não comia comida, a não ser sopa e gelatina.
— Claro que pode — ele passa um braço por cima dos ombros de , aproximando-a de si — Não sabia do que você gostava, então trouxe um pouco de tudo. E tem sushi no meu armário, se quiser. Mas provavelmente já deve estar estragado, estão lá desde ontem — ele diz, fazendo uma careta. ri e apoia a cabeça no ombro do homem.
é maravilhoso, era tudo que conseguia pensar. Ela pensara que aquilo havia sido apenas um beijo sem importância, uma diversão entre eles, mesmo sabendo que tinha sentimentos por ele, sim. Mas nunca imaginara que os dois continuariam juntos por mais tempo.
Claro que ambos evitavam conversar sobre isso. Nenhum dos dois queria entender aquilo, apenas viver aquilo, aproveitar ao máximo.
já havia até mesmo pensado em morar definitivamente aqui em Nova York, quando o tratamento acabar e se ela sobreviver. Ela tinha capacidade, dinheiro para se bancar, e não seria muito difícil arrumar emprego, já que teria boas recomendações do Brasil. E poderia ficar com de verdade, pois até agora, as únicas pessoas que sabem sobre eles é Amanda — que se afastou muito de por causa disso — e Pamela, que não julga ou se envolve. E claro, .
— Então — ela se pronunciou, tirando as comidas de dentro da sacola e colocando em cima da cama — Algum caso interessante? — ela pergunta, olhando para . Ela sabia que ele gostava de conversar sobre seus casos, e ficar se gabando para ela de como ele salvou a vida do paciente, ou de como teve que pensar rápido porque o paciente estava sangrando na mesa.
— Só os mesmo de sempre — ele dá de ombros, colocando a comida na boca — Em um dos meus casos a paciente fica dando em cima de mim. O que é estranho, pois ela é lésbica e a namorada fica do lado o tempo todo, e parece não ligar. Na verdade, acho que até a namorada fica me olhando diferente — ele dá de ombros, rindo. revira os olhos e ri junto com ele.
— Médico gostosão é assim mesmo.
— Obrigada pela parte que me toca — ele fala com a boca cheia, quase deixando a comida cair. ri baixo e lhe dá um selinho, bagunçando seu cabelo. sorri e a puxa para cima de seu colo, fazendo-a encaixar-se perfeitamente ali. revirou os olhos e levou as mãos até a nuca do homem, apertando e arranhando a região. As mãos de estão repousadas nas coxas da mulher, apertando-as levemente.
— ele fala em um tom autoritário e sério. Não podem ultrapassar os limites aqui.
— Qual é, — ela beija seu pescoço, brincando com a bainha de sua camisa.
— Aquieta — ele a tira de seu colo, colocando-a gentilmente na cama. revira os olhos e se deita, empurrando toda a comida para cima de .
— Tá bem, chato — ela dá a língua para ele, beijando sua mão.
— Você sabe o porquê — ele fala, beijando-lhe na bochecha.
— É, blá blá — ela dá de ombros, abrindo a boca, um pedido silencioso por um pouco de comida. entendeu e encheu o garfo com o risoto de camarão que ele trouxera, e levou calmamente até a boca de , observando-a mastigar lentamente. — Pare de me observar, . Odeio isso, você sabe.
— Desculpe — ele sorri, bagunçando os cabelos, nervoso. Encarar era tão fácil, e o isolava do mundo, o desligava, dava a paz que como um neurocirurgião, ele não tinha.
— Sinto falta do Brasil — murmura, fechando os olhos e terminando de mastigar a comida — Sinto falta do calor de lá, aqui é muito frio e tenebroso — ela ri — Mas principalmente, sinto falta de Kamilla. Não quero nem ver como meu loft estará quando eu voltar. Deixei-o sobre os cuidados dela, e tenho certeza de que ela está vivendo lá até agora por conta das banheiras e cobertores de seda que eu tenho. — sentiu um pouco de tristeza ao ouvir aquilo. estava melhorando e resistindo ao tratamento, logo voltaria para o Brasil e continuaria com o tratamento lá mesmo. Eles iriam se separar, seguir com suas vidas, longe um do outro...
— Como vai ser, quando você voltar para casa? — ele pergunta, passando a mão pelos cabelos de . Conforme ele ia passando, vários fios iam ficando em seus dedos, fazendo-o suspirar.
— Como assim, gato?
— Como nós vamos ficar? Ou vamos fingir que nunca aconteceu, que eu nunca salvei sua vida e seguiremos normalmente?
— Você vai voltar para a Amanda? — ela pergunta, abrindo os olhos e encarando-o. suspirou e deitou-se, abraçando a cintura de .
— Não — ele fala baixo — O que tínhamos era apenas sexo, e isso acabou quando você me beijou — ele deu de ombros, e beijou a ponta do nariz de . riu e passou a ponta dos dedos pela boca de .
— Então, se é assim, podemos dar um jeitinho.
Ela sorri, e puxa o queixo de com as pontas dos dedos, até que seus rostos estejam tão perto um do outro que seja impossível distinguir qual era a respiração dela ou dele.
— Você é louca, sabe disso?
— Ei, gato, sou uma jornalista investigativa. Preciso ser louca o suficiente para me meter nisso — ela pisca, colando seus lábios num terno selinho. Não sabem quanto tempo ficaram assim, mas ambos deram um pulo ao ouvir a porta sendo aberta. Antes mesmo que a pessoa que estava na porta pudesse olhá-los, já estava de pé, arrumando o jaleco no corpo.
— Sou eu — Amanda sorri e fecha a porta novamente. levanta um das sobrancelhas em confusão, assim como — Vim conversar com a sobre os resultados dos exames.
— E aí? — ela pergunta, com a voz baixa. Não que estivesse com medo, claro que não. Ok, talvez um pouco de medo.
— O combinado era que se as metástases sumissem, eu operaria — Amanda começou a falar, enquanto mudava o peso de uma perna para outra. Claramente, estava desconfortável com , e ela no mesmo quarto, sozinhos. Seus sentimentos por não haviam mudado, pelo contrário, só haviam aumentado mais e mais. Vê-lo com ascendia uma chama tão furiosa dentro de si, que por alguns momentos, ela realmente considerou a hipótese de largar o caso de . Não poderiam julgá-la, claro. Bastava apenas olhar em seus olhos e ver o quão acabada ela está nos últimos dias, e o motivo, é simples: . Sua perdição desde a faculdade.
— Sumiram? — murmura, encarando Amanda nos olhos. Com certeza, Amanda não era a única a estar desconfortável ali.
— Algumas encolheram, mas há novas em seu intestino delgado. Eu falei que não iria operar, mas eu posso. Mas você deve ter consciência de que eu serei totalmente agressiva e meticulosa. Quando você acordar, sentirá dor e desconforto, e juntando com o IL-2, você ficará mal. Então — ela levanta uma das sobrancelhas — se você quiser que eu opere, eu o farei. Mas se não quiser, podemos continuar com o tratamento e esperar que as metástases diminuam, mas não há garantia de que isso vá acontecer.
riu. Somente riu amargamente, encarando Amanda e , que até agora a encaravam como se ela acabasse de ter enlouquecido. Mas, talvez, ela tenha mesmo enlouquecido. Sempre que pensava que tudo estava se ajeitando, voltando para o lugar, algo estúpido acontecia e acabava com essa ilusão.
— Deus me ajude — ela sussurrou e fechou os olhos, recuperando-se do ataque de risos que acabara de ter — Sim, opere. Faça o que quiser comigo, injete tudo que puder, tire tudo que puder. Não me importo com a dor depois, mas tire essa coisa de dentro de mim.
— Imaginei que fosse falar isso — ela sorri sem vontade — Reservei uma sala para nós daqui três horas. Daqui a pouco alguém virá prepará-la para a cirurgia. Nos vemos mais tarde, . — apenas assentiu com a cabeça e sorriu sapecamente, brincando com os fios que estavam conectados em seu peito.
Amanda saiu do quarto em passos firmes, nenhuma vez encarando . Só de olhá-lo, se perderia em um mundo completamente distante, onde haveria apenas os dois. Uma fantasia idiota que ela sonha todas as noites.
Duas semanas depois...
tragou profundamente seu cigarro. Não era viciada, nunca nem mesmo suportou o maldito cheiro da nicotina, mas diante de tudo que estava acontecendo ao seu redor, nicotina era sua única saída. Sua única válvula de escape, a única coisa que a desligava do mundo por alguns preciosos minutos.
Estava sentada no banco ao lado de fora do hospital, observando o céu negro que pairava diante de si. A noite estava calma, sem nuvens aparentes, sem estrelas, sem lua. Apenas uma imensa escuridão acima de si. sorriu, imaginando um Deus ali em cima, observando-a. Começara a acreditar em Deus depois que disse-lhe para ter fé. Talvez não acreditasse totalmente em sua bondade, mas sim, acreditava que havia um Deus ali. E tinha fé.
— Como médico, devo alertá-la de que isso mata — apareceu ao seu lado, tirando o cigarro de seus dedos e jogando-o no chão. O homem sentou-se na ponta do banco, levantou os pés da mulher e colocou-os sobre seu colo. Tombou a cabeça para trás e suspirou. Havia pego um carinho enorme por , assim como pegara por . Ele nunca havia tido uma mãe, nem um pai, somente um irmão mais velho que agora, morava fora do país. E por incrível que pareça, foi a primeira mulher que o passou a sensação maternal. Talvez isso fosse errado, já que ele estava com , e era sua filha.
— Eu sei — ela respondeu, calmamente, e fechou os olhos. — O que está fazendo aqui?
— Vim te chamar — ele arrumou a postura, encarou a mulher e revirou os olhos. Como era parecida com . Não só nos olhos, mas nas feições do rosto, até mesmo no cabelo. — está tendo um ataque lá dentro. Está fazendo as malas, afirmando que voltará para o Brasil. Não quer conversar comigo, é melhor você ir dar uma olhada e conversar com ela. — ele terminou de falar e se levantou, estendendo a mão para a mais velha. suspirou e pegou a mão do mais velho, e se levantou devagar.
— Tenho que falar — ela começou a andar, sendo acompanhada por parece criança às vezes. Não consigo controlá-la — ela dá de ombros, entrando no elevador ao lado do homem — A única pessoa capaz dessa façanha é Kamilla. Mas suspeito de que apenas a obedece porque Kamilla é muito a base da violência. Ninguém se deixa enganar por aquela carinha de anjo da moda, a menina é uma verdadeira brutamontes quando quer. — ela ri, apoiando a cabeça na parede do elevador. Sentia falta de Kamilla, que era como uma segunda filha para ela. — Kamilla sempre fora nossa alegria nos momentos difíceis, ela nunca se deixara abalar. E ficara responsável por quando sua mãe morreu. Já era de maior e já morava sozinha, mas ficou tão frágil que a "adotou" como sua. Penso se ficarei assim se morrer, tão frágil que precisarei ser adotada por alguém. — ela ri ouvindo as próprias palavras. a escutava atentamente, mas não respondia. Não poderia responder. O que responderia? Nunca teve ninguém para se importar como elas se importavam uma com a outra. Sempre fora ele e seu irmão, que nunca foi uma das melhores companhias para se crescer ao lado.
A porta do elevador se abriu, tirando e de seus devaneios. saiu do elevador, sem esperar por e seguiu até o quarto de . Assim que apareceu na porta, arregalou os olhos. andava de um lado para o outro, pegando roupas e jogando dentro de sua mala. Fazia o mesmo com as roupas da mãe.
— O que você acha que está fazendo, ? — se aproximou da filha, tirando a blusa que estava em sua mão. Olhou para o corpo da filha, que apesar de magro, ainda estava atraente.
— Boas novas — ela falou, pegando a blusa da mão da mãe — Estamos voltando para o Brasil hoje. Me ajude a terminar de fazer as malas. — assim que ela falou isso, apareceu na porta. Seus olhos se arregalaram e ele prendeu a respiração por alguns segundos, analisando-a. Nunca havia visto daquele jeito. Ela está vestindo um suéter dourado que ia até sua coxa, com um decote em V chamativo. Nas pernas, uma calça jeans preta estava colada em suas pernas, e nos pés, um salto enorme preto, fechado, mais como uma bota. Em seu pescoço, havia um cachecol. Ela está maquiada também. Seus olhos estão destacados por uma maquiagem bem feita e seus lábios estão pintados de vermelho. Seu cabelo está preso para atrás, em uma trança mal feita, mas que está deixando-a linda.
segurou ambos os pulsos da filha, fazendo-a parar bruscamente — Pare! Nós não vamos a lugar algum. Tire essa roupa e volte para a cama, agora. — ordenou, encarando a filha nos olhos. riu e jogou a cabeça para trás, livrando-se das mãos da mãe e voltando a arrumar a mala.
— Ninguém pode fazer mais nada por mim aqui, mãe — ela dá de ombros, somente agora notando parado na porta. Ele a analisa com os olho vidrados em suas pernas, não conseguindo disfarçar seu fascínio pela mulher. — Fecha a boca senão entra mosquito, gato. Se está babando nisso aqui — ela aponta para o próprio corpo — não queira saber como fico quando realmente quero me arrumar. — ela pisca para o homem, que apesar de ouvi-la, não consegue tirar o olhar do corpo da mulher. — Falo sério, . Não gosto que fiquem me secando por tanto tempo. — coloca as duas mãos na cintura, e fica observando . Por alguns segundos, tudo que ambos conseguem ver é o outro.
fecha os olhos e se apoia na cama. Uma onda de calor acabara de ultrapassar seu corpo inteiro, deixando-a tonta. No início, ela pensou que fosse por conta do câncer, ou até mesmo da medicação, que ela tomara menos de dez horas antes. Mas depois de olhar mais uma vez para , percebeu que era ele. Era ele que a fazia sentir-se como nunca sentiu antes. Que apenas com um olhar, a deixa completamente tonta, perdida, com calor e fraca. Seu corpo implorava pelo o de a cada segundo que eles estavam longes um do outro, e quando finalmente se aproximam, uma onda de calor e formigamento corre pelo corpo de ambos. Estão tão dependentes um do outro que é doloroso.
— Mãe — ela se vira para a mãe, tirando seu olhar de por apenas alguns segundos — Deixe-me conversar com o a sós, sim?
— Coloque juízo na cabeça da minha filha, ou eu ligo para a Kamilla e ela o fará — murmura, passando direto por e batendo a porta, deixando os dois a sós no quarto.
está encostado na parede ao lado da porta, ainda encarando .
— Vai me explicar o que é isso tudo? — ele pergunta baixo, sem deixar de encarar a mulher em nenhum momento.
— Claro que vou — ela se aproxima dele calmamente, parando a poucos centímetros de seu corpo — É você, gato. Tudo isso é por sua causa.
não pôde deixar de rir naquele momento. Por causa dele. Como poderia ser por sua causa? Não poderia! Poderia...?
— Por minha causa? — sua voz saiu baixa, controlada. Irônica.
— Sim, por sua causa — ela deu mais um passo para frente. Nunca ficara tão perto assim dele, pelo menos, não enquanto seus olhos exalavam luxuria. E aquela aproximação estava deixando-a tonta... — Não vai me perguntar por quê?
— Por que? — ele sussurrou ao sentir a mão de em seu rosto. Fechou os olhos com força e se apertou mais contra a parede. O que ela estava fazendo?
— Porque, — ela finalmente cola seus corpos, acabando com a tortura — Por mais que eu negue, não adianta, eu te amo. — sussurra, pressionando seus lábios contra os lábios de . Se ela planejava falar algo sério, ou inventar uma desculpa, já desistiu. Bastou encostar em ou olhá-lo, para que ela caísse aos seus pés. — Eu amo você, é isso. Eu amo o seu perfume, o seu cabelo, as suas manias, a sua voz, o seu jeito. Eu te amo por completo, porque é assim que você me deixa: completa. Eu te amo e tô gritando pra todo mundo ouvir. Eu te amo sem medir as consequências. — ela respira fundo ao sentir as mãos firmes de em sua cintura. Estou tentando me concentrar aqui, , pare de me tocar, era o que ela planejava falar. Mas se já não havia forças para controlar suas próprias palavras, imagine para afastá-lo. — E é por isso que eu tenho que ir embora. Enquanto você for meu médico, não podemos ter nada, apesar de já termos — ela sorri mais uma vez. Seus braços estão rodeando o pescoço do homem, que apenas ouve atentamente tudo que ela fala. não quer que ele fale ou faça algo, ao contrário, quer que ele fique quieto, que não pronuncie uma palavra sequer. Talvez, porque ao ouvir sua voz, seu mundo pare.
...
— Shhh — ela o corta, colando seus lábios em um selinho demorado. — Não fale nada , por favor. Não me fode mais do que já estou fodida. Não irei parar com o tratamento, vou continuá-lo lá no Brasil. Não se preocupe, amor — dito isso, se afastou e voltou a arrumar as malas.
estava paralisado. Como poderia falar todas aquelas coisas e ir embora logo em seguida? Se ela realmente sentia aquilo que dizia sentir... Por que partir? Por que ir embora justo quando ele havia se apegado?
— O quê você acha que está fazendo falando todas essas coisas para mim e indo embora logo em seguida? — ele pergunta, puxando-a pelo braço, colando seus corpos. revira os olhos e se solta do homem, mesmo contra sua vontade.
— Achei que você deveria saber o que sinto antes que eu partisse. Sabe, até hoje não entendo como começamos com isso — ela ri — mas acredite, agradeço à Deus todos os dias por ter me apresentado você. E talvez isso soe irônico, já que não acredito em Deus, mas falo sério quando digo que agradeço. Ele me entregou uma coisa que eu não seria capaz de conseguir sozinha, e por conta disso, minha vida já valeu a pena. Já posso morrer em paz, sabendo que experimentei o melhor de todos os sentimentos. Você foi o meu melhor, gato. Meu melhor de todo maldito sentimento. — ela pisca algumas vezes, tentando espantar as lágrimas.
sente como se um enorme buraco fosse feito em sua alma. Talvez porque realmente tenha um enorme buraco ali, pois afastando-se de , parte de si vai junto. A última coisa que gostaria de fazer agora era isso, mas o pior defeito que tem é: em vez de pensar em si mesma, pensa nos outros. Por ela, tanto faz se ela chegar em casa no final do dia arrasada, contanto que a pessoa que ela ame, fique bem, tanto emocionalmente como fisicamente. E esse caso é um enorme exemplo disso. Porque, no fundo, sabe que já fizeram tudo que poderiam ter feito por ela. Não há mais nada o quê se fazer ali. Não importa quantas cirurgias ela fizesse, não importa que o tratamento seja agressivo — e estejam deixando-a talvez até pior, no quesito aparência e bem-estar —, não importa que ela fique meses bem, sendo que daqui um tempo, o câncer voltará duas vezes mais agressivo que da última vez. Então, para que continuar lutando contra uma coisa que não se pode vencer? O melhor a se fazer aqui, é poupar todas as pessoas do sofrimento de vê-la morrer aos poucos.
— Você pode não entender agora, mas isso é para o seu bem — ela murmura, virando-se de costas. Não poderia encará-lo agora. Encará-lo significaria tortura. Olhar dentro daqueles olhos tão puros, tão inocentes, tão apaixonantes e dar as costas. Isso é pior do que qualquer tortura que ela possa imaginar.
— Para o meu bem?! Meu bem é o caralho! — ele fala calmamente, mas com um tom de voz frio. Um tom que nunca vira. — Você percebe o que está fazendo? Você acabou de falar que me ama, e nem ao menos se importa em saber o que eu sinto por você, e já vai tomando decisões por contra própria. Bem, não sei se você já esteve em um relacionamento sério antes, mas isso aqui que nós temos é um relacionamento sério. — arregala os olhos ao ouvir aquilo. Um relacionamento sério? Hum. — O que significa, que temos que consultar o outro quando tomamos decisões importantes e imprudentes, o que é o seu caso. Então, vamos sentar e conversar sobre isso, por favor.
— Conversar? — ela finalmente se vira para ele, sentindo um formigamento correr por seu corpo inteiro apenas ao sentir o olhar de sobre ela. — Não temos tempo para conversar, . Já tomei minha decisão, e sinceramente, se você pensar em fazer qualquer coisa para me trazer de volta para cá, ou tentar... Reatar — ela morde o lábio inferior ao falar a palavra. Acabara de saber que estava namorando e já está terminando. Merece um recorde pelo menor tempo de namoro? — comigo, bem, pense duas vezes. Eu não sou a mulher que você pensa que sou, . Você só me conhece aqui dentro. Você conhece apenas a frágil, doente, dependente. Você notou como ficou surpreso ao me ver nessa roupa? — ela para de falar e ri, ao perceber que foi apenas mencionar o assunto para que ficasse tenso e tentasse ao máximo evitar de olhar para o corpo da mulher — Essa sou eu, gato. Sou o tipo de mulher que é responsável e sem graça de dia, que veste apenas saias de cintura alta com blusas sociais e salto, e devo admitir, todos caem aos meus pés mesmo quando estou vestida assim. Mas também sou aquela vadia que de noite coloca um vestido curto e vai para a balada, fica bêbada, transa com um cara dentro do banheiro, com outro no corredor e com outro dentro do carro. Talvez até no meio da pista de dança! — ela morde o lábio inferior para segurar o riso ao notar que arregalou os olhos com a última menção — Acredite, no Brasil isso acontece direto. Até porque lá tem funk, o que é sinônimo de putaria, mas...
— Não quero saber o que é funk, ou quem você é fora desse hospital — a interrompe, se aproximando dela e puxando-a pela cintura. Ele cola seus corpos e suas testas, sentindo o hálito de menta que exala da boca de . Céus. Essa mulher está prestes a acabar com ele! — Já parou para pensar que você também não me conhece fora daqui? Eu sou o tipo de homem que dorme com a amiga somente para saciar seus desejos masculinos, mesmo sabendo que ela é apaixonada por ele e nunca nem ao menos demonstrou um afeto por ela. Sempre a tratou como um nada, que só havia importância na hora do sexo. Esse sou eu. E a amiga é a Amanda. Tão perto de você, e você que é jornalista nem ao menos desconfiou. Bem, se serve de consolo, nenhum de nós aqui somos o que aparentamos ser dentro de quatro paredes. Fora desse hospital sou um homem totalmente mesquinho, metido, arrogante, estúpido. E tem milhares de coisas que você não sabe sobre mim, assim como eu não sei sobre você. Mas isso não impede que eu te ame menos, fecha os olhos com força e puxa o ar com dificuldade para o pulmão. — Assim como você me ama, eu te amo. E isso tudo aqui é ridículo. Você não vai a lugar algum, . O seu lugar é comigo, baby — sorriu ao ouvir o apelido carinhoso que sempre a chamava.
— Sinto muito — ela sussurra, afastando-se lentamente do homem — Eu preciso fazer isso, . — ela fechou a mala ao seu lado, e começou a puxa-la para fora do quarto. A cada passo que dava, seu estomago revirava. sentia que iria vomitar a qualquer momento, e como se já não bastasse, sua cabeça começara a girar. Agora não, era tudo que ela conseguia pensar. Até que sentiu todo o peso de seu corpo se esvair, e logo o mesmo estava estirado no chão.
! — gritou, correndo em direção à mulher que estava do outro lado do quarto. — Você está bem? O que foi? Está com dor? Fale comigo!
— Estou bem, foi apenas uma tontura, . Nada demais — ela apoia-se no corpo do homem, que está segurando-a forte contra seu corpo.
— Nada demais? Você quase desmaiou aqui, . E você está pálida e soando. Vem — ele murmura enquanto passa as mãos por debaixo das coxas de e um dos braços da mulher em seu pescoço, e a levanta do chão. Algumas pessoas do lado de fora do quarto observam a cena, e algumas enfermeiras vão até ali perguntando se está tudo bem. — Chame a Dra. Cobain e a Dra. Bran imediatamente.
, não. — sussurra, empurrando o corpo do homem para longe com uma das mãos. Totalmente em vão.
— Fique quieta, . Ainda não entendeu que não vou deixá-la sair daqui assim tão fácil? Ainda mais agora que você está assim. Portanto, poupe energia, meu bem.
Ao ouvir aquelas palavras, sorriu. Procurou as mãos de e colocou-as sobre seu rosto, fechando os olhos com força e mordendo os lábios. Inferno. A dor está maior do que já havia sentido em todo esse tempo.
— O que está acontecendo? — grita ao entrar no quarto e ver a filha pálida em cima da cama. — , oh! — ela vai até o lado da filha e segura sua mão forte. responde apertando a mão da mãe, olhando-a com um pedido silencioso de desculpa.
— O que aconteceu, ? — Pamela entra no quarto, seguida por Amanda e vão direto para .
— Ela estava bem em um segundo e no outro caiu no chão, ficou pálida e está soando.
— Por que ela não está conectada aos aparelhos? Conectem-na agora! — Pamela grita, tirando o suéter de e pedindo "gentilmente" para que e se afastem.
, sou eu, Amanda — a loira toma o lugar de ao lado de e segura sua mão — Tente se concentrar e me diga, em uma escala de 1 a 10, quanto está a dor e as alucinações?
— Onze, Amanda. Onze! — grita, apertando a mão da mulher com força. Quem visse de longe talvez pensasse que aquilo fosse um parto. A expressão de dor de estava clara, e com Amanda segurando sua mão... Uma cena típica de parto. riu ao imaginar a cena, mas logo parou e voltou a ficar séria.
— Alucinações? — e falaram juntos, arregalando os olhos. não tinha alucinações há semanas! Do que elas estavam falando?
Flashback on
Quatro dias antes.
Um vento frio cortou o local, e gemeu baixo. Seu corpo inteiro doía, e sua cabeça estava explodindo. Abriu os olhos lentamente, absorvendo a claridade que havia ali. Seus olhos esbarraram na TV que estava ligada, passando um filme qualquer que ela não se preocupou em decifrar qual era. Mexeu-se devagar, gemendo mais um pouco ao sentir uma pontada em sua cabeça. Era como se alguém estivesse fazendo uma festa ali dentro, tocando as músicas mais barulhentas possíveis.
— Mãe? — ela murmura, sem abrir os olhos.
— O pai serve? — abre os olhos rapidamente, arregalando-os ao vê-lo ali. Sua cabeça, que antes doía, agora a sensação era de que iria explodir a qualquer momento. Os aparelhos ao seu lado começaram a apitar mais rápido, fazendo-a se apavorar.
Meda. Mil vezes merda.
— O que está fazendo aqui, ? — ela murmura, encarando o mais velho sentado ali. passa a mão pelo rosto de , e ela fecha os olhos aproveitando o carinho. Sentia saudades do pai. Mas do verdadeiro pai, não de uma alucinação causada por um câncer. Esse pai a assustava.
— Você sabe o que estou fazendo aqui, Sunshine — o corpo inteiro de arrepiou-se ao ouvir o pai chamando-a pelo apelido que ele a chamara desde que ela nascera. costumava dizer que era seu raio de Sol, sua luz no fim do túnel. Seu Sunshine.
— O câncer voltou, não é? — ela sussurra, já sentindo o ardor familiar em seus olhos.
— Eu sinto muito, amor.
Flashback off

— Peguem o desfibrilador! — Amanda gritou, separando-se de por alguns instantes. — ... — ela para por um tempo, fechando os olhos e preparando o desfibrilador — É agora.
— Agora o quê? O que está acontecendo? ?! — grita, totalmente apavorada.
— Amanda, por que pegou o desfibrilador? — murmura, calmo, sem tirar em nenhum momento os olhos de .
— Porque ela irá precisar, .
— O quê? Por que?! — grita, e empurra todos os enfermeiros que estão no quarto para chegar perto da filha. — Isso só se usa quando o coração de alguém para! O que vocês estão dizendo?
— Mãe, eu sinto muito — levanta a mão até o rosto da mais velha, acariciando sua bochecha com o polegar — Kamilla cuidará de você. Nunca esqueça que eu te amo mais que tudo nesse mundo, tudo bem? Entenda que fiz o que fiz para o bem de todos nós. — ela puxa a mãe para baixo, beijando-lhe a testa. Uma lágrima escorre por seu rosto, e ela logo a limpa. Não quer chorar. Não agora.
Flashback on
estava sentada na poltrona do quarto, onde normalmente sua mãe sentava, mas agora estava tomando banho, o que deu o tempo perfeito para conversar com Amanda a sós.
— Queria me ver? — Amanda bate na porta, com o famoso sorriso forçado nos lábios.
— Sim. Gostaria de pedir uma coisa para você.
— Fale. — Amanda senta-se no sofá ao lado da poltrona em que está, e a encara com curiosidade.
— Vou ser direta, e quero que você encare isso como um pedido de paciente para doutora, tudo bem? Sei que não nos batemos muito por conta de , mas espero que deixe isso de lado por um tempo.
, não tenho o direito de "não bater" com você aqui dentro. Talvez lá fora, mas aqui dentro, você é a senhorita , e eu a Dra. Cobain. Nosso relacionamento aqui é totalmente voltado para sua saúde. Portanto, seja lá o que for que você queira me contar, contanto que seja relacionado a sua saúde, não posso contar para ninguém se você disser que não posso.
— Ótimo, e nesse "ninguém", quero que inclua e qualquer outro médico desse hospital. Isso ficará apenas entre nós.
— Como quiser — Amanda respondeu, mesmo estando com um pé atrás. Por que gostaria de total sigilo, até mesmo de outros médicos?
— Hoje mais cedo tive uma alucinação, e fortes dores de cabeça. Me senti desorientada e a dor estava insuportável. Neste exato momento, onde seus olhos deveriam estar, eu vejo fogo. E em seu rosto inteiro tem sangue, e atrás de sua cabeça tem palhaços rondando e fazendo idiotices. E, por mais que eu queira rir disso tudo, não irei — ela dá de ombros, ainda encarando Amanda.
— Você...
— Sim, Amanda. A metástase no cérebro voltou. E você não irá comentar isso com nenhum médico e nem tentar curá-lo. — ela murmura, séria, olhando Amanda nos olhos.
— Você está pedindo para que eu a deixe morrer? — Amanda pergunta, claramente confusa — Porque você sabe que isso irá acontecer se eu não tratá-lo agora.
— Amanda, estou pedindo para que me deixe morrer. — declara, fazendo Amanda arregalar os olhos. — Isso é uma prova de que não importa o quanto vocês o tratem, ele voltará depois de algum tempo. E acho que seria crueldade me submeterem à esse maldito tratamento novamente, não é? Olhe para mim, Amanda. Estou horrível e não está adiantando nada. E minha mãe está sofrendo ao me ver assim. Não consigo nem ao menos me imaginar no lugar dela, ver a filha que há alguns meses atrás era linda e tinha um corpo exemplar — ela sorri e revira os olhos — se definhar rapidamente. Sei que ela irá sofrer muito quando eu falecer, sei disso e talvez esteja sendo egoísta pensando em apenas acabar com o meu sofrimento e deixá-la sozinha aqui, mas no fundo, é o que ela quer também. Ela só quer que meu sofrimento acabe — aperta os olhos e vira o rosto para o lado. Só de pensar em deixar sua mãe sozinha aqui é horrível, e faz com que ela se sinta a pior pessoa do mundo. — Não estou pedindo para que você entenda isso tudo, mas como você é a minha médica e que mais faz exames em mim, quero que me prometa que quando chegar minha hora, você não deixará nem minha mãe, nem e nem ninguém impedi-la de me deixar ir. Estamos entendidas?
, apenas pense mais um pouco sobre isso. É sobre sua vida que estamos falando aqui — Amanda fala calmamente, tentando explicar os dois lados da situação — O câncer voltou, mas podemos tratá-lo.
— Amanda, você não está entendendo. Eu não quero o tratamento. É tortura, tanto para mim como para minha mãe, e , e todos que amo. Me deixe morrer em paz — ela deixa uma lágrima escorrer por seu rosto, e não se preocupa em limpá-la. Quer que Amanda veja como ela está. Quer convencê-la de que ficará melhor se partir.
Flashback off

O barulho dos aparelhos tomou conta do quarto, e todos ficaram em silêncio. Os batimentos de estavam em 123.
, se acalme. Não tenha um ataque de pânico logo agora, garota — Amanda murmura perto do rosto de , ainda com o desfibrilador nas mãos.
— ela estica a mão para onde está, esperando que ele a pegue. ainda aperta sua outra mão como se ela fosse morrer nesse instante. Bem, talvez ela realmente morra, então, não pode reclamar que sua mão já esteja dormente. — Pegue minha mão, .
encarou deitada na cama, com a mão estendida, suplicando para que ele a pegue. E ele queria segurar sua mão, realmente queria. Mas seu corpo não o respondia. Tudo que ele podia fazer era ficar parado, encarando-a com um olhar de pânico. Mas oras! estava tendo alucinações de novo e não se preocupou em lhe contar, considerando que eles estavam juntos e ele era o médico responsável por essa parte do câncer. Se ela não estivesse nas condições que está, ele iria brigar com ela. Chamá-la de todos os nomes possíveis e lhe falar o quão irresponsável ela era, pois isso pode matá-la. E bem, sem tirar o fato de que milagrosamente Amanda sabia disso tudo e não havia lhe falado. Isso tudo seria ciúmes? Amanda realmente seria capaz de esconder isso de apenas para que morresse e ele voltasse a ficar com ela? Bem, isso não irá acontecer. Não mesmo. Porque se for realmente isso — e está orando para que não seja —, ele nunca poderá perdoar Amanda. Nunca.
, tudo que falei alguns minutos atrás ainda valem. Irão valer por muito tempo. Você me deu tudo que eu pedi à Deus. E tudo que eu queria era um amor verdadeiro. Tipo aqueles que a gente vê nos filmes de Hollywood, sabe? — ri sem humor. É péssima em despedidas, ainda mais quando já estava preparada há muito tempo para se despedir, parece que as coisas ficavam mais difíceis quando planejava o momento várias e várias vezes em sua cabeça. — Gato, eu tô com muita dor aqui, e você está com um daqueles colares do Havaí, e eu realmente estou me segurando para não rir, então por favor, segure minha mão e repita tudo que me falou quase agora. Mas fale com todas as palavras certa dessa vez.
Flashback
Um dia antes...
— Mãe, a senhora pode ir lá fora por um momento? — murmurou baixo. Seu corpo inteiro doía. Seu estomago revirava e ela sentia que iria vomitar de novo. Sua cabeça girava. O quarto todo estava repleto de areia de praia, com estrelas-do-mar espalhadas por toda parte.
— O quê? Por que? — perguntou, se levantando da poltrona e colocando as mãos na cintura. — Você acabou de receber IL-2, . Está fraca.
— Cinco minutos, mãe. Preciso ficar sozinha por um tempo — responde tão baixo que quase não ouve. Só de falar doía. Sua boca estava tão rachada, seca e pesada, que falar pequenas frases estavam deixando-a mais fraca ainda.
— Tem certeza?
— Sim. Vá comprar aquele suco que você comprou para mim ontem, sim?
— Tudo bem, então. Volto daqui a pouco.
Assim que saiu do quarto, esticou-se o máximo que pode até chegar na bolsa da mãe. Tirou de lá seu celular, até então esquecido e mandou um sms rápido para Amanda.
"Preciso falar com você agora. Venha até aqui antes que minha mãe volte para o quarto, você tem cinco minutos. Rápido, Amanda. Xx, ."

ficou em silêncio esperando por Amanda. Já havia fechado os olho e estava quase dormindo quando ouviu passos dentro do quarto.
— Estava no meio de uma consulta, . O que aconteceu? — Amanda pergunta curta e grossa.
— Wow, boa tarde pra você também, gracinha — revira os olhos e respira fundo. Sua dor que estava em 7, agora aumentou para 9. Isso realmente é tortura.
— Não tenho o dia todo,
gracinha.
Amanda, eu juro por Deus que acabo com você se você mencionar isso com qualquer pessoa, entendeu? — Amanda assente com a cabeça. — Estou indo embora amanhã. Vou voltar para o Brasil e morrer lá.
— VOCÊ O QUE? — Amanda grita, revirando os olhos. Algumas pessoas que passavam no corredor pararam e olharam para dentro, analisando a situação — Perderam algo aqui dentro? — ela pergunta, indo até a porta e a batendo com força. Ainda encostada na porta, Amanda virou-se para — Você está voltando para o Brasil? E como fica? E como... Eu fico, porra?! — ela grita, revirando os olhos. quer morrer? Tudo bem. quer acabar com a vida da mãe? Tudo bem também. Mas quer simplesmente jogar tudo para o alto no último minuto? Ah, não.
— Minha mãe terá que transportar meu corpo para o Brasil, por conta de Kamilla e de meu pai. Tenho que ser enterrada ao lado dele, Amanda. E eu irei pressioná-la ao limite extremo para isso? Não, obrigada. Mais fácil que eu morra por lá mesmo, pelo menos pouparei esse trabalho de minha mãe.
— Quer saber, ? Chega. Cansei disso tudo. Que pessoa em sã consciência deseja morrer, droga? Não vou deixá-la morrer, fim de história. Irei conversar com ainda hoje sobre isso, e ele botará juízo na sua cabeça. — Amanda abre a porta e sai do quarto, sem dar qualquer explicação para . Uma coisa que ela pensou que nunca aconteceria era ela se apegar a um paciente. E o mais irônico nisso tudo é que esse paciente era o mesmo que tirou de perto dela. Ela deveria odiá-la? No começo odiou, só Deus sabe como odiou. Mas depois esse ódio se tornou em algo pacífico. Ela não sentia absolutamente nada em relação à . Mas agora, que sua ficha finalmente caiu e ela sabe que irá perdê-la, um desespero imenso tomou conta de si.
Flashback off

, eu te amo. Por favor, diga que também me ama. Diga em voz alta para todos ouvirem. Diga, diga. — sussurrou, e fechou os olhos com força. Mordeu o lábio tentando distrair-se, mas logo sentiu o gosto de sangue escorrer por sua língua e descer garganta abaixo.
Amanda, ao ver a cena, foi até e lhe deu um tapa na cara. Seu corpo inteiro tremeu e ela sentiu uma felicidade repentina. Há quanto tempo estava com vontade de fazer isso? Mas a razão do tapa não foi por causa disso. Ok, talvez não completamente por causa disso. Foi para acordar .
, merda, fale que a ama logo de uma vez. Você a ama, todos aqui sabem. E eu não sei o que posso fazer nesse momento para ajudá-la, então se despeça adequadamente, seu idiota.
pareceu acordar de um transe profundo. Ele ouvia e via todos ao seu redor em câmera lenta, e por mais que tentasse ajudar os demais médicos, seu corpo não o respondia. Tudo que ele conseguia ver eram os olhos profundos e doloridos de , que imploravam por um toque, o mínimo que fosse de sua parte. Ao sentir o tapa de Amanda, tudo voltou ao normal e um choque sinistro correu por todo seu corpo. Sem pensar duas vezes, deu um pulo para perto de e agarrou sua mão. A boca de entortou-se em um sorriso e uma lágrima escorreu por seu rosto.
— Eu te amo, . Te amo mais que tudo e mais do que você possa imaginar. Eu te amo. Amo os seus olhos, sua boca pequena, sua risada e seu sorriso meio desajeitado. Suas sobrancelhas, suas orelhas, seu nariz e seus cabelos bagunçados. O som da sua voz, suas mãos, seu jeito de caminhar. Seu jeito brincalhão e seu jeito sério quando o assunto é tenso. A forma como você me tem nas suas mãos e seu jeito meigo ao dizer-me coisas que me fazem sorrir. Suas ironias, a maneira que você me tira do sério rapidamente e todas as zoeiras pra ver meu sorriso. Amo suas qualidades e até mesmo os seus defeitos. Amo como você fica brava quando fica nervosa porque não te trouxe comida de fora, sua paciência e seus modo de falar cada maldita palavra. Seu orgulho, seu jeito brigão e impulsivo. Eu amo cada pequena parte de você. Sem tirar e nem por nada. Amo mais do que posso aguentar, . — sorriu e apertou a mão de .
E então, tudo pareceu voltar a câmera lenta para .
O som estridente do bip ecoou por todo o quarto, e o sorriso que estava nos lábios de , desapareceu. Seus olhos ficaram vazios e a força em suas mãos — que estavam sendo apertadas com toda força por e — se esvaiu.
deu um grito de pavor, medo, angustia.
— Carreguem em 200! — Amanda gritou, colando o desfibrilador no peito de . — Afastem-se! — todos afastaram-se de . teve que ser puxada para trás por um enfermeiro, e por Pamela.
O corpo de subiu conforme o choque foi dado. Todos olharam para o monitor. Nada.
— Carreguem em 250!
E mais uma vez, o corpo de subiu com o choque em seu peito. Nada. Nem mesmo um batimento sequer.
— Droga, . Não faça isso comigo. Merda, merda. — Amanda falou enquanto preparava o desfibrilador mais uma vez — Se não for por mim, faça por Kamilla. Sei o quanto ela significa para você. Agora em 300. Afastem-se!
E mais uma vez, Amanda deu o choque no peito de . O som estridente ainda ecoava por todo o quarto, e Amanda subitamente sentiu faltar ar dentro de seus pulmões. Deixou com que os desfibriladores caíssem no chão e caiu ali de joelhos, segurando as mãos de .
O quarto silenciou-se, e Amanda levantou os olhos. Pamela havia desligado o monitor. Havia acabado. Tudo havia acabado. está morta, e para trás, deixou um futuro brilhante. Um homem completamente apaixonado por ela. Uma mãe que daria a própria vida se fosse preciso. Tudo por não querer lutar. Pela luta ser demais para ela aguentar.
— Declare — Pamela murmurou para Amanda.
— Declare você mesma. Ela também era sua paciente — Amanda levantou-se e limpou as lágrimas que caiam por seu rosto. Se dirigiu em direção à porta, mas parou no meio do caminho, em frente a . Ele estava parado, encarando o corpo de sua amada.
— Sinto muito — ela sussurrou, aproximando-se dele e beijando-lhe a testa. Quando estava pronta para sair do quarto e levar consigo todos os médicos ali presentes, deixar e sozinhos por um momento, a abraça pela cintura, surpreendendo-a. Amanda o abraça pelo pescoço e fecha os olhos. Deixou as lágrimas correrem por seu rosto e permitiu até mesmo que alguns soluços escapassem de sua boca. Sentiu algo molhado em seu ombro e abraçou com mais força. Somente agora, entendeu o porquê de nunca ter se apegado aos pacientes. Exatamente por isso. Amanda é muito sentimental e ficaria arrasada com a morte de alguém, exatamente como ela está com a morte de . — Eu sinto tanto, tanto, tanto .
— Hora da morte: 09:43 p.m. — murmurou, separando-se do abraço de Amanda.
Aos poucos, todos presentes no quarto foram saindo, deixando ali dentro apenas , e o corpo de . Uma casca vazia.br> deitou-se na cama ao lado da filha, e segurou sua mão. Fez carinho em sua cabeça e acariciou seu pequeno e angelical rosto. Chorou silenciosamente, agarrada aos últimos momentos que teve com a filha. Sua vida estava acabada. Havia fracassado na única missão que lhe foi concedida: cuidar da filha. Havia deixado a filha morrer.
estava sem chão, sem razão alguma para querer continuar viver. Todas as pessoas que já havia amado, se foram. Se foram de uma forma tão violenta e tão rapidamente que não lhe deram nem mesmo a chance de se despedir.
Bem, não há como descrever como sentia-se. Vira nascer, crescer, se formar e tornar-se uma linda e forte mulher.
Mas, também a vira morrer.
Não há palavra nesse mundo que dê a mínima ideia do que se passa pela cabeça de uma mãe que enterra o filho. Não há palavra nesse mundo que descreva o vazio que uma mãe sente ao ver o corpo da filha vazio. Bem, mas se formos pensar, há uma palavra que chega perto do que se sente: Tortura. Tortura ao ser obrigada a conviver cada maldito dia lembrando-se de cada momento que se passou com a pessoa amada. Lembrando do sorriso contagiante, da gargalhada estranha e das manias irritantes. Pura tortura.
— Adeus, bebê. Mande um beijo para seu pai por mim. Amo muito você. Descanse em paz, amor. — murmurou, dando um último beijo na filha. Não queria ficar aqui encarando-a assim.
— Vou deixá-la sozinha — sussurrou, movendo-se lentamente até a porta.
De repente, sentiu os braços de envolvê-lo em um abraço. apertou a mulher contra seu corpo e apoiou o queixo no topo de sua cabeça. chorava silenciosamente contra o peito do homem. Já , chorava desesperadamente. Soluçava alto e engasgava-se com o próprio choro.
está morta.
A única pessoa que ele amou sua vida inteira, está morta.
A única mulher que o fez sentir-se alguém melhor do que ele é, que o fez enxergar o lado bom da vida, o fez querer viver de verdade, está morta.
está morta.
Tudo que veio em um piscar de olhos, se foi assim também. Cada memória, cada sorriso, cada risada. Cada eu te amo. Agora, nada são mais do que lembranças. Lembranças felizes e tortuosas.
sentia como se alguém tivesse arrancado sua alma de dentro de seu corpo, torturado de todas as maneiras possíveis e a devolvido. Nunca havia se sentido assim antes. Nunca soube como é perder uma pessoa que ele arriscou a dizer eu te amo.
Desolado. Perdido. Confuso. Desamparado. Angustiado. Amedrontado. Desesperançoso. Sem vontade de viver. Magoado. Infeliz. Poderia ficar aqui descrevendo a maneira como se sente, e nada chegaria nem ao menos perto de como ele está agora.
Pensar em encarar um mundo sem o assustava. Como o mundo pode continuar sendo algo agradável sem o brilho e o sorriso de ?
Bem, de uma coisa, sabia.
Nunca encontraria ninguém nem remotamente parecida com . Ninguém o faria sentir-se como fez. Ninguém colocaria o sorriso que colocava em seu rosto. E ele nunca amaria alguém como amou . Isso se ele se apaixonasse novamente por alguém, e do mesmo jeito, esse alguém não chegaria nem aos pés de .
é eterna. O amor deles é eterno. O que eles tiveram, por mais que não tenha durado, será eterno. Porque é isso que amor de verdade é: eterno.
e são eternos, e nada nem ninguém poderá mudar isso.
FIM
n/a:
Ei, amores! Então, primeiramente, obrigada por terem lido até aqui. Obrigada mil vezes, e espero que vocês tenham gostado da história. Quero agradecer às minhas leitoras que me dão o maior apoio e encheram meu saco me incentivando a postar Perfect Storm de uma vez por todas (ela é um pouco antiguinha, mas eu mudei quase tudo nela, haha). Se não fosse por elas que me acompanham desde o início (e vocês também, leitoras novas!) acho que teria parado na minha primeira fanfic e nunca teria continuado a escrever. Enfim, agradecimentos dados, fanfic finalizada... Então é isso, né? Obrigada por lerem, e se gostaram, comentem!
Bacio, Let.
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