Qualquer mulher entende o dia do casamento como, pelo menos, um dos dias mais felizes da sua vida, senão o mais feliz. Qualquer mulher exceto eu, na minha terrível condição de noiva meticulosamente pensada e descaradamente contratada.
Tudo começou numa tarde de domingo. me esperava do lado de fora da minha casa, encostado em sua velha caminhonete branca, comprada em um depósito de carros há alguns meses. Por mais barata que tivesse sido, eu pensava, todo aquele trabalho não valia a pena. Ela sempre pifava ou consumia as horas vagas dele para tentar fazê-la não mais pifar.
Eu descia as escadas apressadamente, cruzando minha bolsa em meu corpo. Naquela tarde, iríamos, com uns amigos, ver ao pôr do sol e beber. Era oficial: as férias estavam se aproximando. Quase podíamos tocá-las. A faculdade era maravilhosa, mas estava conseguindo consumir cada neurônio meu, sem nenhuma piedade.
- – ouvi meu pai chamar atrás de mim. – Onde pensa que vai? Temos visitas.
- está me esperando lá fora, pai. Eu realmente preciso ir – girei a maçaneta e abri alguns centímetros da porta. – Dê oi a visita por mim.
- Querida, não – meu pai se aproximou e fechou a porta delicadamente. – Avise ao seu amigo que hoje você tem compromisso e não poderá ir.
- Pai, eu não vou ficar. Já combinei com ele faz tempo e todos estão nos esperando, estamos atrasados.
- , você não irá – meu pai disse em tom mais sério que o normal. – Hoje quero que conheça o senhor Stanley MacLean – meu pai me abraçou pelos ombros e me conduziu à sala de visitas. – E o filho dele, obviamente, .
Os dois vieram na minha direção e, enquanto caminhava pelo pequeno espaço da sala de estar, o homem mais velho, que parecia mais nervoso, arrumava a roupa em seu corpo sem parar. O rapaz, com os mesmos olhos do pai, de um azul muito claro, e os cabelos castanhos, parecia confuso, tanto quanto eu devia parecer estar, e bastante sem vontade de estar ali.
Apertamos as mãos e depois eu fui conduzida ao sofá por meu pai, que carregava um estranho sorriso no rosto. Minha mãe parecia atordoada e minha irmã, que não sabia mentir para mim, parecia querer me mandar alguma mensagem por sinais ou qualquer coisa. Se não fosse meu pai do meu lado, fazendo toda aquela cena, tenho certeza que ela teria conseguido dizer o que queria.
- , papai conhece o senhor MacLean faz muito tempo. Somos parceiros nos negócios e agora gostaríamos de expandir nossas relações.
- Papai? – Franzi o cenho, confusa, dando tom de deboche à palavra e travando um riso quase incontrolável. Desde quando ele se tratava na terceira pessoa e daquela maneira ridícula? – O que tá acontecendo aqui? O que eu tenho a ver com seus negócios, pai? Eu não vou assumir a empresa nem nada disso, já disse a você.
- – ele me repreendeu. – Acalme-se, por favor. Não disse nada sobre você trabalhar na empresa. Queremos um acordo, está certo?
- Acordo? – Quis me levantar, mas meu pai me segurou ao seu lado. – Pai, eu estou atrasada, não quero ser testemunha de nenhum pacto seu com esse senhor – olhei rapidamente para o velho, que ainda ajeitava a roupa. – Sem ofensas, ok?
- Claro, senhorita – ele se limitou a dizer.
- , o acordo envolve você e o senhor – papai me disse e no mesmo instante mamãe gelou do outro lado da sala. Katy, minha irmã mais nova, arregalou os olhos num quase “saia correndo, ”.
- Que tipo de acordo poderia envolver a mim e esse cara? Não quero fazer parte de nenhum negócio seu com ninguém e se o garotão estiver de acordo, excelente! – Bati palminhas e meu pai me recriminou com os olhos. Debochada? Sim, eu era. - O que ele quiser pra ele está bom, certo? Sejam felizes, comprem a parte do meu pai na empresa – tentei me levantar outra vez, mas meu pai me segurou ao seu lado de novo. A campainha tocou no mesmo instante, devia ser .
- Rose , fique quieta e me escute – meu pai disse num tom mais alto. Seu rosto tornou-se imediatamente vermelho. – Você e o senhor MacLean vão se casar em pouco mais de um mês. Esse era o acordo. Ótimo você ter esse temperamento! – Ele bufou. – Me poupou o tempo de te dar um sermão sobre responsabilidades e casamentos antes de dar a notícia.
- O que? – Falei contendo o riso. – Está louco ou o que, Joseph? – Me levantei do sofá, fugindo dos braços de meu pai, que ainda me seguravam numa tentativa insana que me conter.
- Olha como me chama, menina – ele se levantou e caminhou atrás de mim. Eu ia em direção a porta, deixando-o falar atrás de mim. – Você pensa que a vida é simples? Um dia terá uma casa que sustentar e essa faculdade estúpida que você cursa mal pagará suas contas! Onde já se viu, Artes Plásticas! O que você tem na cabeça, menina?
- Merda, papai, como o senhor mesmo já disse - eu abri a porta e esbarrei em , que se preparava para tocar a campainha mais uma vez. – Vamos embora, . Estamos atrasados.
- , pare imediatamente e volte aqui.
- Não, Joseph, eu não vou parar – abri os braços enquanto caminhava, de costas, na intenção de olhar meu pai, para o carro de , que olhava aquela situação completamente confuso.
- Existe um acordo, . Não importa o quanto você tente se esquivar. Dentro do prazo que eu informei, você estará casada.
Ergui os dois braços mostrando meus dois dedos do meio ao meu pai que estava parado no alto da escada que conduzia a entrada da minha casa. Ele franziu o cenho, parecendo ainda mais incomodado comigo e com meu jeito. De onde ele havia tirado aquela ideia maluca? Eu jamais me casaria. Nunca! Em nenhuma hipótese! Pelo menos não com aquele completo estranho que, agora, me observava com um sorriso aliviado no rosto. Devia ser só um coitado reprimido, mas quem liga? Eu jamais me casaria. Não desse jeito. Jamais.
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O tempo voou. E por mais que eu tivesse tentado fugir, que eu tivesse tentado não embarcar nesse pesadelo absurdo de casamento, o maldito dia havia chegado. Havia um contrato assinado por aqueles dois velhos mesquinhos e que, mais tarde, seria também assinado por nós. Ou, ao menos, deveria ser.
Eu estava sendo maquiada. Nunca vi alguém usar tanta base em alguém. Minhas olheiras não ajudariam, eu deveria saber. Mas foram dias e noites de sofrimento, pensando numa forma de correr disso para nunca mais voltar. O problema é que meu pai era um homem influente, dono de um império, e todo seu poder permitia que ele manipulasse as pessoas a seu modo, de forma que todas, em algum momento, precisavam lhe prestar favores.
Todos os favores que lhe deviam, dessa vez, estavam voltados a me trazer de volta caso eu escapulisse mais uma vez. E eu tentei muito. Inúmeras vezes! Numa dessas, meu pai conseguiu me atingir no ponto mais fraco: . Nossa estranha relação nos fez cada vez mais próximos. Eu precisava dele como nunca agora e, no entanto, não o tinha. Flashback’s on
- Vem, por aqui, – subiu no muro de altura média, deixando uma perna pender para cada lado. Depois, esticou uma das mãos em minha direção, enquanto encarava o espaço em volta. Era tarde da noite e, provavelmente, aqueles paga-paus que vangloriavam meu pai já deviam estar atrás de nós.
- Não tinha um caminho mais fácil? – Perguntei, enquanto fazia força pra subir.
- Eu bem que gostaria de dizer que sim, mas – ele deu uma pequena pausa, quando eu cheguei ao topo do muro, para me ajudar a ajeitar meu corpo ali – se fôssemos pelo convencional eles nos achariam muito mais depressa.
- Fora que sua caminhonete quebraria só porque nós somos muito fodidos, é claro – ri, realmente me divertindo ao lembrar da quantidade de vezes em que aquilo havia acontecido.
- Não fala assim a Leslie, ela já é idosa, sim, mas ainda dá de dez nas caminhonetes desses riquinhos esnobes – ele disse, tentando parecer sério.
- Pra onde vamos afinal, cara? – Perguntei, tocando-lhe o ombro.
- Contando com o fato de que sempre te acham, ainda mais porque essa merda de cidade possui ridículos 4540 habitantes e todos conhecem a droga do seu pai e “devem favores” – ele fez aspas ao dizê-lo – a ele... Acho que devemos ir ao reservatório Wilson e rezar. Ou roubar um carro e dirigir até Kinsley.
- Ah, como eu odeio Baldwin City – escondi meu rosto nas mãos, sentindo-me derrotada.
- Você tem suas razões, baby – ele sorriu de canto e me afagou o rosto. Eu e havíamos nos aproximado além de qualquer expectativa. Não que já não fôssemos próximos, mas o instinto protetor de parecia ter me chamado a atenção de outra forma agora.
- ? – Murmurei enquanto o encarava nos olhos.
- Sim? – Ele continuou o carinho, estendendo-se ao ato de colocar uma mecha do meu cabelo, que estava completamente ondulado àquela noite, atrás de minha orelha.
- Seria muito estranho eu dizer que quero te beijar agora? Tipo, agora, nesse maldito instante? – Perguntei de uma só vez e pude ver prender o riso, não sei exatamente porquê. Ansiedade? Felicidade? Pânico? Ou a piada tinha sido realmente boa, babaca?
- O que você está tentando com isso? – Ele finalmente abriu um sorriso malicioso e se aproximou de mim. – Me seduzir de vez?
- Quer dizer que eu já te seduzi um pouquinho? – Ri, lançando meus braços em volta de seu pescoço. – To me sentindo fatal agora. Quem mais pode me deter?
- Talvez eu, com meus beijos... – Ele disse, divertido.
- Essa foi horrível, – lancei um largo sorriso e em questão de segundos, nossos lábios estavam colados um no outro. O beijo ganhou força rápido, nossas línguas dançavam sincronizadas, e as mãos rápidas de me procuravam, em detalhes. Se não fosse o fato de estarmos arriscando a vida em cima de uma droga de muro, provavelmente não ficaríamos apenas em um beijo. Aquilo estava muito além das minhas expectativas para ser freado.
Tal como o beijo, o que sucedeu àquele momento sublime, aconteceu muito mais depressa. Ouvi um disparo ao fundo e um grito, que só notei ser do homem em minha frente quando nossa conexão se rompeu de imediato. Vi pender pro lado ainda não desvendado do muro, segurando o braço e contendo seus gritos com força inegável.
- ! – Gritei, desesperada. Mas, quando ameacei pular para o lado para o qual havia tombado, ouvi uma voz conhecida tornar-se cada vez mais vívida.
- Eu avisei a você que ficasse longe desse moleque, ! Só amigos, hã? – Meu pai falava alto. No ombro, a espingarda. – Vamos, desça desse muro. Faltam apenas 12 dias pro seu casamento e está decidido: teremos vinte, trinta, quarenta homens na porta de casa se for preciso! De lá você não sai mais, mocinha! – Ele bufou, enquanto dois homens me puxavam do muro. – Negócios são negócios. Quando eu morrer, a validade dessa merda de casamento expira e aí não será mais meu problema que sua mãe, você e sua irmã fiquem pobres.
- Eu queria matar você agora, Joseph! - Berrei, furiosa, enquanto um dos “funcionários” do meu pai me empurrava até ele segurando-me pelo braço. – Então a validade dessa merda acabaria mesmo antes de começar! Eu odeio você! – Bufei, quando o grandalhão me soltou diante do meu pai. – E sabe do que mais? Isso de me prender em casa é crime! Cárcere privado!
- Ligue pra polícia. Talvez o Carl te atenda – meu pai riu, debochadamente. – Ande, suba no carro.
- Psicopata! Você atirou num homem, qual o seu problema? – Perguntei, furiosa e extremamente preocupada com .
- Já dei orientações pros meus homens irem conversar com seu amiguinho. Agora – ele pigarreou, - nós vamos pra casa, . Flashback’s off
Ouvi batidas repetidas na porta. Depois, escutei-a abrindo-se e logo vi parado atrás de mim, refletindo toda sua angústia no espelho que estava em minha frente.
- O que você quer? – Perguntei, ríspida.
- Calma, , por favor – ele disse, aflito. – Eu sei que nós estamos muito enrascados, mas eu quero que entenda que a culpa não é minha... Se eu pudesse fazer alguma coisa, eu juro que faria, mas estou de mãos atadas.
- Eu tentei fugir, sabe? – Dei de ombros e senti meus olhos enxerem de lágrimas. – Como uma louca, entende? E estou aqui agora, como uma palhaça, vestida como uma retardada... , isso é ridículo – afundei meu rosto nas mãos. A minha sorte era que a maquiadora maluca tinha saído assim que o noivo entrou. Provavelmente ela fez uma careta porque o noive jamais poderia ver a noiva antes da cerimônia. Quem ligava?
- Eu nem te conheço. É realmente ridículo – levantei os olhos e o vi roendo as unhas no reflexo do espelho. – Quero te propor uma coisa, .
- Estamos fodidos mesmo, não? – Dei de ombros de novo e sorri amarga.
- Sente falta da sua liberdade? – Ele me olhou nos olhos pelo espelho.
- Mais do que qualquer ser humano que não a tenha mais – respirei fundo e uma lágrima fujona correu por meu rosto.
- Sente falta de alguém? – Ele arqueou as sobrancelhas.
- Sim. O que você quer, afinal? – Franzi o cenho, enquanto limpava a lágrima. Era oficial: a maquiadora teria um ataque.
- Teremos algumas horas até a nossa viagem, ok? Nessas algumas horas eles acharão que estamos um com o outro num hotel. Eu armei tudo. E se você me ajudar, isso pode funcionar muito melhor do que eu acho que funcionará – ele sorriu de canto. – vai estar te esperando atrás da casa. Às sete eu preciso que você esteja no aeroporto. Precisarei resolver algumas pendências também... Ninguém desconfiará, eu juro.
- ... Meu Deus, quem é você? – Levantei-me correndo e pude, finalmente, olhá-lo diretamente nos olhos, sem a ajuda de um espelho. Pude observar algumas reações do seu corpo: sua respiração acelerada, a testa um pouco molhada de suor... À aparência de seu rosto era tão pior quanto a minha, apesar do sorriso que ele tinha no rosto agora. Era tímido, mas era um sorriso.
- Agora, sua equipe – ele deu de ombros. – Temos um acordo? – Ele estendeu a mão em minha direção, os olhos fixos noa meus ainda.
- Claro que, sim, porra! – Eu dei dois passos a frente, quase tropeçando na maldita barra do vestido e agarrei num abraço mega-esmagador. Ele riu, eu pude escutar, e retribuiu o gesto sem cerimônias.
- Te espero no altar. Até lá, comporte-se – ele disse, saindo do pequeno quarto, parecendo mais ansioso do que quando havia entrado.
- Ei, – ele parou na porta e me olhou com as sobrancelhas arqueadas. – Obrigada – ele assentiu com um meio sorriso nos lábios e saiu apressado do ambiente em que estávamos.
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Depois de trocarmos os votos e sairmos da igreja sob uma chuva ridícula de arroz, corremos para a parte de trás da casa onde havia sido realizada a cerimônia. Lá estavam estacionados dois carros: a caminhonete branca de e outro preto, mais moderno e bonito.
Ao lado do carro preto, um homem, que vestia calça jeans desbotada e camiseta branca, nos encarava com o semblante sério. quase morreu ao vê-lo ali e não demorou muito pra eu entender o que meu marido havia pensado para o futuro dele. Com certeza, eu não preenchia nenhuma lacuna desse sonho. E, talvez, o bonitão preenchesse.
Mais a frente, desceu do carro apressado e, diferente do outro cara, veio quase correndo na minha direção e me envolveu num abraço esmagador. Depois me beijou o rosto e boca com ternura e, antes de dizer qualquer coisa, me olhou vestindo aquele vestido de dois séculos antes. Era da avó do , eu acho. Quem se importa?
- Queria ter tido a sorte de esperar você no altar. Você está perfeita – ele me abraçou de novo e colou nossas testas. Ele tinha um sorriso doce nos lábios e um brilho infantil nos olhos. Parecia ainda mais lindo do que eu me lembrava. – Vamos?
- E seu braço, , como está? – Perguntei, preocupada, procurando a ferida no braço exposto de .
- Eu estou bem. Por que você não acreditou quando te disse? – Ele perguntou, parecendo se divertir com aquilo.
- Eu rezei a noite toda pra que você tivesse continuado vivo naquela merda de noite – rocei meu nariz ao dele, apertando seu corpo contra o meu.
- Se eu pudesse, eu já teria aparecido antes... Mas aqueles homens em volta da sua casa dificultaram tudo – ele me deu um selinho. – Minha princesa na torre... – Sorri para aquela bobagem. O que estava acontecendo comigo?
- Ah, o amor e suas breguices – aplaudiu ao nosso lado, fazendo com que nós imediatamente saíssemos daquele transe estranho. Ele parecia se divertir conosco. – Me façam um favor: arrumem um quarto e não esqueça, , às sete. Faremos muitas compras, pelo menos – ele disse em meio a largas risadas, possivelmente pela cara idiota que fizemos, eu e , simultaneamente.
- Er... Você tem um ótimo gosto... Puta merda, ! – Ele sorriu vitorioso e me abraçou de lado. Foi tudo que eu pude dizer pra quebrar aquele momento de vergonha absurda. Sorte ter lembrado do bonitão encostado no carrão!
- Ele é tímido, não se sintam mal, ok? – acenou para o bonitão. – Queria que meu pai entendesse.
- Nós temos validade. Depois disso, esfregue essa maravilha de homem naquela cara nojenta do seu pai – fiz uma careta ao mencionar o senhor Stanley MacLean.
- Ah, sim. E você essa gracinha na cara do seu pai – ficou vermelho quase que instantaneamente. – Ah, é tímido também! – riu. – Vamos nos apressar, nosso tempo está correndo. Até breve, esposa.
- Até, esposo! – Acenei com o buquê e corri em direção a caminhonete de mãos dadas com .
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Não demorou muito para chegamos ao nosso refúgio. Aquele lugar era uma espécie de paraíso particular, apesar do grande números de turistas que paravam para fotografar a paisagem.
O horário era um dos melhores para tirar incríveis fotografias. O por do sol deixava o céu em tons de laranja e faixas de um azul escuro pincelavam o topo do céu, trazendo a noite.
Nos sentamos em nosso banquinho favorito, perto de uma luminária e de uma lixeira. As garrafinhas de cerveja foram colocadas entre nós dois e, quando eu pude, arranquei o maldito véu e embolei entre as mãos.
- Uma pena eu não poder arremessar essa droga no lixo. É horrível – fiz uma careta.
- Você estava linda nele, eu juro – disse, abrindo uma das garrafas e me oferecendo, em seguida.
- Não acredito que isso está acontecendo comigo... – Bufei e enfiei minha cara no véu embolado antes de mirá-lo e pegar a pequena garrafa.
- Vocês tem validade, não foi o que você disse? – Ele deu de ombros, mas parecia falar aquilo com um imenso pesar na voz. Seus olhos me correram as feições por mais de uma vez num espaço de tempo relativamente curto.
- A princípio, sim, mas, a princípio do princípio, eu me formaria em artes plásticas e me mudaria para Nova Iorque – bebi um gole da cerveja. – A princípio do princípio, nós viveríamos num cubículo naquela cidade incrível e faríamos muito sexo.
- Nós faríamos? – Ele arqueou as sobrancelhas, enquanto me matava com mais um de seus sorrisos devastadores.
- Provavelmente... Ou adotaríamos 27 gatos e não faríamos nada disso – ele manteve o ar de riso e conseguiu me abraçar de lado, num gesto súbito.
- , você foi a melhor coisa que me aconteceu na vida – ele disse, baixando os olhos. Eu encarei seu rosto que ganhou um tom de rosa quase que instantaneamente.
- Deixa de ser clichê, – empurrei-o de leve e ele me apertou no abraço.
- Eu falo sério... – Ele sorriu e deu de ombros. A ponta de seus dedos brincavam em meu ombro, desenhando formas abstratas numa espécie de carinho no melhor estilo . – Antes das coisas tomarem esse rumo esquisito... Digo, entre nós dois mesmo... É esquisito, não? – Eu sorri para ele e concordei. – Antes disso... Você tinha tantos sonhos lindos e, mesmo antes desse lance de muito sexo, - ele tirou o braço do meu entorno e apoiou um dos cotovelos sobre a perna e seu rosto sobre a mão, deitando a cabeça na minha direção para me olhar daquele jeito tão único - eu queria ir para um cubículo com você... Sua amizade já era suficiente e agora eu tenho tanto! Como você não pode ser a melhor coisa que já me aconteceu? – Ele deu de ombros.
- É, nossos beijos são muito bons... – Senti minhas bochechas queimarem. Ótimo, , agora você é mulherzinha. – Eu me lembro do primeiro... É totalmente gay falar isso, mas eu me lembro... Lembro-me de ter questionado no segundo seguinte àquele, à princípio, ato falho, por que demoramos tanto pra fazê-lo – virei meu corpo na direção de e um sorriso malicioso passou a brincar em meus lábios. – Agora to me perguntando por que não estamos fazendo isso agora – larguei minha garrafinha de cerveja no chão próxima ao banco e lancei meus braços em volta de seu pescoço e rocei a ponta de nossos narizes.
- O que você tá tentando com isso? – Ele riu e desceu uma de suas mãos dos meus cabelos meio presos num penteado muito de menina virgem, mas ok, até minhas costas cobertas por aquele vestido horroroso. Queria sentir o toque de na minha pele!
- Esquecer dos problemas, eu acho – eu sorri de canto. – Queria estar com você e só isso. Ir a museus, comer sua comida horrorosa, vir aqui e beber com você enquanto falamos sobre qualquer bobagem... Essa era a vida que eu queria até irmos para Nova Iorque. E depois, quando estivéssemos lá, iríamos a mais museus, eu comeria mais da sua comida horrível e nós beberíamos no Brooklyn, num lugar ainda mais lindo...
- Minha comida é horrível? – Ele franziu o cenho, enquanto prendia o riso de maneira engraçada.
- Sim. Mas eu te amo, apesar de disso.
A frase saiu completamente sem querer. Um breve silêncio se fez e eu pude vê-lo prender um sorriso numa tentativa falha de parecer maduro e contido. Eu sorri para ele, ligando completamente o foda-se, e aproveitamos o momento para nos olharmos e nos gravarmos na mente um do outro. Eu notei aquilo. Não tivemos outro reflexo senão nos olharmos feito dois idiotas apaixonados...
Eu tinha certeza que ainda nos veríamos, nos tocaríamos, nos beijaríamos muito mais. Mas aquilo era preciso. Era preciso guardá-lo em mim, para que meu coração não doesse tanto de saudade. Era apenas preciso olhá-lo daquele jeito. Só por tê-lo ou mesmo por amá-lo.
Em seguida, vi largar a longneck e levar sua mão, agora livre, em minha direção, pairando-a no ar e alternando sua mirada entre mim e ela, como se esperasse de mim um gesto. Um gesto óbvio, eu diria, e que significava muitas coisas. Dentre elas, cuidado.
Tirei um de meus braços de seu entorno e segurei sua mão de maneira firme, entrelaçando seus dedos compridos nos meus, tão pequenininhos. Ele sorriu de canto e umedeceu os lábios antes de abri-los para dizer tudo o que agora eu precisava e, ao mesmo tempo, não queria ouvir. Doeria muito. Mas era preciso sabê-lo.
- Eu também amo você, . Mais do que um dia esperei amar alguém.
Seria um momento mágico se não fosse tão trágico. Estávamos juntos e, ao mesmo tempo, completamente distantes. Não por dúvidas ou medos de nossas partes, mas pelas circunstâncias loucas da vida.
Eu apenas contive o choro e selei seus lábios com ternura. Quando nos distanciamos, vi os olhos de assumirem um tom de vermelho. E pude jurar que ele se esforçou ainda mais que eu para conter o choro.