Piloto Automático


Escrita por: Naya R.
Betada por: Ebonny


Piloto Automático


19 de julho de 2013.

Chega um momento na sua vida, nem todo mundo chega a esse ponto, em que você percebe que sua vida é uma droga. Que tudo aquilo que você sonhou quando era criança acaba desmoronando e, que tudo que você fez até agora foi feito em um piloto automático.
Nada foi feito por que você realmente quis, as opiniões e palpites contaram muito e aquela faculdade de contabilidade rasga no seu peito. E chega aquela maldita pergunta: Eu odeio a minha vida?
O meu piloto automático me levou tão longe de onde eu queria estar, que simplesmente não sei mais como voltar!
Eu nunca quis trabalhar naquela contabilidade e lidar com dinheiro durante 5 anos da minha vida. Não menosprezando quem faz isso, afinal tem gente que ama contabilidade e, normalmente, dinheiro. Mas não eu!
Eu nunca fiz questão de estar aqui. Muito menos participar.

Nesta sexta-feira desagradável, acordei com isso na cabeça.
Eu queria desenhar quadrinhos. Sempre tive o dom de desenhar e sempre desenhei tudo o que me vinha na cabeça, então meus desenhos sempre saíam com um “quê” de insano.
Desde pequena acabei me adaptando aos costumes da minha família e sempre fui a estranha. Eu tinha números extremamente excessivos de sapatos e bolsas no closet, mas o que eu realmente queria era um baú de lápis de cores e canetas esferográficas de todos os tipos, cores e marcas. Coisas que eu só tinha na minha cabeça.
Um dia eu vou morrer, um dia eu chego lá.

Tomei um gole do meu café e levantei-me da cadeira do meu escritório, alisei minha saia completamente formal que se moldava em meu corpo. Cara de executiva. Cabeça de perdedora.
Abri a porta e fui ao encontro de meu chefe, eu vi meu rosto refletido nas paredes de vidro que dividiam todas aquelas salas umas das outras, pessoas perdidas em pensamentos com seus próprios problemas. Nenhuma delas eu conhecia de verdade. Todas tomavam boa parte do meu dia, trocando informações, pedidos, fofocas e mesmo assim, nada que se aproveitasse. Nenhuma pessoa que eu fosse sentir falta.
Meus olhos estavam fundos, disfarçados pela maquiagem que eu passava antes de vir, a boca com os lados caídos, tristes. O cabelo preso naquele coque rijo de todos os dias. Nem me lembro qual é a sensação de tê-los soltos em meus ombros de verdade.
Meu piloto automático era uma grande bosta.
- Sr. Casablancas? – perguntei dando leves batidinhas na porta e abrindo-a sem querer realmente incomodar.
O senhor, que não era realmente um senhor de verdade, talvez no máximo dez anos mais velho do que eu, me olhou e seus lábios curvaram-se para cima.
- Diga, srta. . Sente-se se precisar. – indicou a cadeira em minha frente e eu sentei-me.
- Não posso mais continuar com isso, sr. Casablancas. Com todo o respeito, minha vida é um saco. Não sou feliz. Me demito.
Não estava tremendo, estava aliviada.
- Eu sabia que este dia chegaria, srta. . Tenho que admitir que até achei que seria antes. Você sempre foi uma ótima funcionária, tanto que foi uma das que mais cresceu dentro desta empresa. Mas no fundo eu sempre soube que você não pertencia a esse lugar. Venho esperando ter esta conversa com a Srta. por um bom tempo. Faça o que tem que ser feito. Viva a sua vida, não viva pelos outros. Se eu tivesse a sua idade, a sua astúcia e a sua força de vontade, eu também estaria em outro lugar, mas estou destinado a este lugar do mesmo modo que você não está.
Uma pequena lágrima teimosa molhou meus olhos.
- Eu agradeço a sua compreensão, senhor. Obrigada pela compaixão e pela dica. Espero fielmente que o sr. esteja certo, eu preciso de um pouco de vida.
Terminei de falar e ele esticou a sua mão, apertei-a.
E ainda acho que o meu cotidiano vai me largar.

Não demorou muito para juntar todas as minhas coisas e colocá-las em uma caixa de papelão. Duas horas depois eu estava na rua, sem rumo e sem emprego, mas completamente revigorada.
Entrei em uma loja de sapatos.
- Bem vinda...
Cortei-a:
- Eu quero o sapato mais confortável e sem salto que vocês tiverem. Meu número é 37. – falei, já tirando meu scapin vermelho sangue da Chanel.
A atendente me olhou de olhos arregalados e correu para uma prateleira de sapatilhas. Alguns segundos observando a prateleira, ela voltou com um chinelo roxo com uma palmilha grossa amarela, da marca Crocs.
- É uma crocs aberta, assim ela é feia, mas quando você coloca nos pés parece um chinelo comum.
Coloquei nos pés. Nuvens era só o que eu pensava.
- Que número você calça? – perguntei simpática, e ela ruborizou.
- 36.
- Quer? – ofereci meu sapato. – É Chanel, talvez fique grande, mas aí você doa pra alguém. Tenho um zilhão desses.
Paguei aquele chinelo como se fosse a melhor coisa do universo e saí rindo da cara da vendedora que estava com meus sapatos na mão, boquiaberta e aparentemente feliz.
Eu nunca fiz questão de existir, não queria incomodar.

Segui pela rua com minha caixa nas mãos.
Passei por uma loja de roupas e comprei um vestido florido e solto, me deixando finalmente completamente livre de qualquer moldagem, nada de parecer um robô. Minha próxima parada foi a cabeleireira.
- Quero curto. – falei e ela pareceu não acreditar.
- Tem certeza?
Foi realmente uma puta de uma coincidência ela não ter horário naquele exato momento, mas como não era horário de pico, me tranquilizei.
Meu cabelo era completamente negro e liso, quase batendo na bunda.
- Absoluta. Eu ganharia alguma coisa por um cabelo desses? – perguntei só pra saber.
- Com um cabelo desses? Eu te daria R$2.000, fácil. É virgem, negro e liso. É perfeito. Um pouco quebrado nas pontas, já que você usa ele muito tempo amarrado, mas não é um problema.
- Dois mil?! – perguntei gritando e ela riu.
- Sim! Você tem certeza que quer cortá-lo?
- Sim.
- Curto tipo Miley Cyrus, ou Emma Watson?
- Curto tipo Demi Moore em Ghost.
Eram 11:00 horas quando saí da cabeleireira com R$2.500 no bolso. Sim, quando cortou, ela preferiu me dar mais.
Agora eu me sentia outra pessoa.
- Oi! Será que você poderia me ajudar?
- Hm? Claro. – falei virando-me e fitando os olhos castanhos maravilhosos que aquele homem tinha.
- Você sabe dizer onde fica esse lugar? – ele tirou um pedaço de papel da carteira e me entregou, tinha uma letra apertada e inclinada para a direita.
Eu não fazia ideia. E então um clique soou em meu cérebro. Eu não conhecia a maioria dos lugares naquela cidade, havia me mudado para lá por causa do trabalho e não andava muito longe daquela linha trabalho-casa.
Viajar o mundo e socializar.

- Não faço a mínima ideia, na realidade e moro aqui há anos e não conheço nada. – falei sem graça e ele sorriu.
- Eu também! – ele admitiu coçando a cabeça. Seus dentes eram lindos. Os de baixo meio tortinhos, mas nada que matasse alguém. Os cabelos eram completamente desgrenhados. – Mas tudo bem, muito obrigado.
Ele seguiu em frente. Assim como eu.
Tentei lembrar onde eu poderia encontrar uma papelaria descente, não consegui. Então virei e segui o homem que havia acabado de falar comigo. Corri durante um minuto até finalmente encontrar os cabelos desgrenhados novamente.
- Oi! – ele disse novamente, surpreso por me ver provavelmente.
- Você sabe onde posso encontrar uma papelaria realmente boa?
- Bom, você está com sorte, porque eu conheço uma papelaria espetacular que por coincidência é da minha prima. – disse ele sorrindo. Usava uma calça jeans normal e um Adidas preto nos pés. A blusa era preta sem estampas.
- Que ótimo! – eu quis bater palmas para comemorar, mas a caixa me atrapalhou. – Pode me dizer onde é?
- Eu te levo lá, não é longe. Meu nome é David, aliás. – ele esticou o braço até mim.
- Não vai se atrasar? – perguntei apertando a sua mão.
- Claro que não, não é importante. – disse ele ainda sorrindo. Um belo sorriso.
- Meu nome é .

David era divertido. Completamente diferente de mim, que parecia um robozinho e ria como uma máquina, ele simplesmente ria de tudo.
- O que você faz? – ele me perguntou, com as mãos no bolso da calça.
- Como assim faço? – perguntei, ainda abraçando a caixa. Ele tirou uma das mãos do bolso e passou pelo cabelo, tentando arrumá-lo.
- Ah, você sabe, no que trabalha. O que faz pra viver.
- Eu me demiti hoje. Sou oficialmente uma desempregada. – indiquei a caixa em meus braços e ele pareceu finalmente perceber, se ofereceu para levar. Aceitei.
- Isso é um fato para ser comemorado ou ficar triste? – perguntou, já com a minha caixa em um dos braços.
Passei a mão pelos cabelos, esquecendo-me que eram curtos e não estavam amarrados. Sorri.
- Comemorar! Estou presa no piloto automático por anos e finalmente consegui me livrar.
- Wohooo! – ele gritou no meio da rua como se fosse a coisa mais comum do mundo. Soltei uma risada. – Esse é o motivo das Crocs e do cabelo curto?
- Dá pra perceber que é uma Crocs? – perguntei e ele riu mais ainda.
- Dá sim. Mas não estou te julgando, seus pés são lindos. – ele disse, olhando para os meus pés. – Mas esse chinelo é ridículo.
- Obrigada e, é sim. Na verdade tinha acabado de sair do cabeleireiro quando você me chamou. – falei, e ele ergueu as sobrancelhas.
- Sabe o que isso significa? – sorriu torto, batucando minha caixa.
- Não.
- Que fomos minuciosamente calculados e imprevisivelmente colocados um no caminho do outro por fatores do destino. Sabe aquele negócio de efeito borboleta?
- Sim. Você acredita nisso? – perguntei e ele riu.
- Eu sou praticamente o “Senhor Destino”. Fala sério, tudo que você fez na sua vida até este momento, contribuiu para que hoje você se demitisse e assim encontrasse a minha pessoa. Assim como tudo que eu fiz na minha vida até hoje fez com que eu precisasse encontrar este endereço idiota. Se você não estivesse esse tempo todo em “piloto automático”, é provável que nunca chegássemos a nos conhecer. Você não vê como isso é importante?
- E nós nos conhecermos é importante porque...? – perguntei e ele pareceu ou fingiu estar ofendido.
- Eu não te contei? Eu sou vidente.
- Você? – perguntei debochada e ele fechou os olhos suspirando.
- Não te contei. Mas aqui vai: Daqui a alguns anos estaremos casados, com dois filhos e um gato.
- Isso é impossível. Sou alérgica a gatos. Sua visão falhou.
- Eu falei gato? Quis dizer pato.
Soltei uma risada e ele me acompanhou. Os dois rindo como se realmente se conhecessem a anos.
Um dia eu acho um jeito de aparecer e você notar.

19 de julho de 2016.

- ? – ouvi aquela voz rouca que eu amava. Sorri involuntariamente.
- Hmm. – gemi, não querendo abrir os olhos. Estava morta de sono.
- Abre os olhos. – pediu ele, eu sabia que tinha alguma coisa me esperando.
- Não quero abrir, mas quero abrir. Uma batalha está sendo cravada em meu interior, sangue está sendo derramado. – falei e ele soltou uma risada deliciosa.
- Isso é fisicamente impossível.
- Não posso ir escovar os dentes antes? Eu sei que vou querer te beijar. – falei manhosa e ele suspirou.
- Só deixo porque sei que sou irresistível e você vai sofrer por querer me beijar. Vem. – ele disse puxando a minha mão. – Agora vê se não abre os olhos né?
- Não vou abrir. Acredite. – falei deixando ele me guiar.
Escovei os dentes, penteei os cabelos – ainda curtos - e lavei o rosto.
- Nada de espiar.
- Não vou espiar, meloso.

- Pronto!
Abri os olhos e dei de cara com algumas coisas completamente inusitadas: uma caixa muito parecida com a que eu estava segurando no dia em que nos conhecemos, o bilhete que ele me ofereceu para ajudá-lo a encontrar e um par novo de chinelo/crocs que eu havia jogado fora já que ele disse que era a coisa mais horrenda que já tinha visto, um desenho que eu havia feito para ele no dia em que nos conhecemos e um mini balanço enferrujado.
A caixa estava fechada.
- Eu...
- É claro que pode abrir, , mas que pergunta!
David tinha essa mania. Ele simplesmente me lia. As vezes realmente parecia que ele era vidente. E eu amava isso nele.
Peguei a caixa.
- Hey, calma. É frágil.
Juro que quis chacoalhar só de teimosia, mas levei a sério.
A caixa não estava fechada com fita, só estava com a “tampa” entrelaçada, do jeito que todo mundo faz com as caixas de papelão.
Lá dentro tinha nada mais nada menos do que um patinho.
- Eu tomei a liberdade de chamá-lo de Piloto Automático, carinhosamente P.A.
- David! É um pato!
- Eu sei que você é meio lerdinha de manhã, , mas ultimamente você anda se superando.
- Meu Deus, é tão lindo! – Falei pegando-o na mão. Era provavelmente a coisa mais fofa que alguém já havia feito por mim. Soltei uma gargalhada alta. David e P.A. se assustaram.
- É TÃO FOFO. – gritei. Meus olhos marejaram. – David...
Coloquei P.A. dentro da caixa de novo e o abracei.
Ele beijou meu pescoço e foi subindo os beijos até encontrar a minha boca. Corri minhas mãos até a sua nuca e puxei seus cabelos, que no momento eram um pouco mais compridos que o meu.
- Vamos fazer sexo de aniversário? Por favor! Eu amo sexo de aniversário. Eu amo sexo, mas de aniversário é...
- David, cala a boca. – colei nossos lábios, sua língua logo estava em sincronia com a minha.
Nunca reclamar, só agradecer.

19 de julho de 2020.

- No dia dezenove de julho de dois mil e treze o destino me concedeu a melhor das coincidências da minha vida. Eu estava procurando uma loja de manutenção de celulares, já que é claro, pela maior peça já pregada pelo destino, meu celular caiu na piscina e estragou. E lá estava eu perdido nessa cidade que eu tanto amo e ao mesmo tempo desconheço, foi nesse momento que eu a vi. A pessoa mais linda do universo. – algumas pessoas assoviaram. Ele sorriu e continuou - Ela era tão diferente. Tão brilhante. Tão perfeita. A cada segundo que eu passava ao seu lado, eu sentia que era ela. E tive a audácia de dizer que ela seria mãe dos meus filhos e que teríamos um pato. E aqui está o Piloto Automático! Naquele mesmo dia demos o nosso primeiro beijo. E eu juro que quando seus lábios encontraram-se com os meus, minha pele inteira ficou arrepiada. Minha vida estava completa. Minha vida está completa.
, eu te amo. Eu te amo como nunca amei ninguém, e faço questão de dizer isso para todos que conheço. Você é a minha melhor amiga, é a pessoa mais engraçada, preguiçosa e talentosa que eu conheço. Você me conhece tão bem que me assusta. Nós somos a definição de amor verdadeiro.
19 de julho de 2013.

- Então você é desenhista?
- Na realidade não sou nada. Mas gosto de desenhar, sempre gostei. – falei avistando não muito longe dali uma sorveteria. – Você gosta de sorvete? – perguntei e ele não entendeu de primeira.
- Sorvete é uma das comidas que eu escolheria para comer para o resto da vida.
O olhei unindo as sobrancelhas, exigindo uma explicação plausível.
- Se você tivesse que escolher uma comida para comer pro resto da sua vida, qual seria? Sorvete seria uma das minhas opções. – explicou ele.
- Provavelmente bolo de cenoura. – respondi, depois de pensar um pouquinho. Seguimos até a sorveteria.
- O que você faz da vida?
- Eu sou... professor de... Educação física. Dou aula para crianças.
- Mesmo? Nossa que legal. Não tenho o menor jeito com crianças. – e era verdade. Na verdade nunca fiz questão de lidar com alguma delas.
- Minha família é gigante, tenho tantos sobrinhos que poderia abrir uma creche. Pedi um sorvete com duas bolas de abacaxi. Ele pediu um potinho com três sabores diferentes. Sentamos em uma mesinha.
- Me desenha alguma coisa, se esse pseudo-encontro não der certo pelo menos vou ter uma prova de que foi real. – Ele disse, comendo um pouco do sorvete de cor verde.
Tirei meu estojo de canetas hidrocor que eu havia acabado de comprar na papelaria da sua prima, peguei uma folha A4 e comecei a desenhar. Dependendo do desenho, eu uso lápis, ou caneta esferográfica. Mas como ali era algo sem futuro, apenas desenhei de “canetinha”. Se é que aquilo poderia ser chamado de desenho. Na verdade eu estava desenhando-o, com o rosto sujo de sorvete e os cabelos completamente bagunçados, exatamente como ele estava agora.
Sorriu quando entreguei o desenho.
- Isso é o máximo! – ele disse e não sei dizer o porquê, mas senti que foi verdadeiro. – Você tem talento, . - Obrigada. – fiquei observando-o enquanto comia e analisava meu desenho como se fosse obra de Picasso.
O rosto tinha algumas pintinhas, os lábios vermelhos e molhados de sorvete, os cílios compridos e a barba feita. Tudo nele simplesmente se encaixava de modo natural.
Um dia eu vou morrer, um dia eu chego lá.

19 de julho de 2020.

- Sempre tive a vida que não queria ter. E a única pessoa além de mim que pareceu realmente se importar com isso foi o homem que me encontrou no dia 19 de julho de 2013. Ele disse que nos casaríamos e que teríamos duas crianças. E aqui estou eu. Grávida no dia do meu casamento. - falei e muitas pessoas aplaudiram, chocadas pela notícia. Olhei David e ele estava tão espantado quanto todos. - Antes que vocês pensem que eu estou tentando dar o golpe de barriga, eu descobri isso alguns minutos antes de subir no altar. Estou tão frenética quanto vocês... David. - o olhei novamente, com lágrimas nos olhos. - David, você é a minha vida. Passei exatamente sete anos da minha vida com você, e quero ter o prazer de passar o resto. Eu olho pra você e todas as vezes parecem ser a primeira, meu coração bate forte e fico me achando a maior babaca do mundo, o seu sorriso me faz ficar entorpecida a todo momento e o seu calor me faz querer te abraçar a todo custo. Deve ser difícil fazer uma pessoa se apaixonar várias e várias vezes, mas quando eu te olho sinto que pelo menos pra você é uma tarefa fácil. Eu te amo.
Tudo que vier, eu fiz por merecer.

20 de julho de 2020.

- Eu quero uma menina. - ele disse, com o queixo levemente apoiado na minha barriga. Depositou um beijo perto do meu umbigo e riu. - Talvez um menino... Sei lá. Qualquer coisa tá bom.
- É sério que você tá chamando nosso futuro bebê de qualquer coisa?
- É a qualquer coisa mais linda do mundo. Afinal vai ter nossos traços genéticos. - passei a mão nos seus cabelos que eu havia bagunçado na noite anterior. - Já imaginou se esse bebê vem com o seu nariz e os seus olhos e a sua boca, e o seu sorriso, o seu corpo, a sua voz... Vai ser a criança mais perfeita do mundo! Dei uma risada alta e escondi meu rosto com as cobertas.
- Você sabe que está seminua e que esconder seu rosto não vai adiantar de nada, certo?
- Babaca. - falei com a voz abafada pelas cobertas e senti ele começar a beijar novamente a minha barriga, subindo para as minhas costelas.
- Olhe a boca, Sra. Marinho. Não quero meu bebê aprendendo palavrões.
- SEU bebê? - perguntei indignada, tirando a coberta do meu rosto. Ele simplesmente riu, descendo os beijos leves até a minha cintura.
- Nosso bebê. - corrigiu ele. - O que você acha de Luci?
Luci era bonito.
- Luci era o nome da minha primeira namorada. - ele continuou, rindo e já fechando os olhos esperando o tapa que eu daria na sua orelha.
- Você está demais hoje! - falei empurrando-o para o lado e me preparando para levantar da cama.
- Você está chata demais hoje. - ele disse se levantando também e correndo na minha frente pra entrar no banheiro antes que eu.
- Chato é você! - eu disse, dando um soco na porta, ouvindo a sua risada gostosa do outro lado. - Eu sou uma grávida, tenho preferência.
- E Morgan? O que você acha?
- David, eu estou de uma semana. Vamos ter nove meses pra escolher os nomes mais legais do mundo.
- Eu adoraria colocar o nome de um personagem marcante. - ele disse com a boca cheia de espuma. - Tipo... Jack Sparrow ou algo assim.
- Ah sim, se for menina vai ser Katniss Everdeen. - Jogos Vorazes acabou sendo eternizado.
- E se for menino Peeta Mellark! - ele disse entusiasmado, abrindo a porta e me abraçando. - Céus, nós somos os pais mais legais do mundo!
- Eu ia dizer que se fosse menino ia ser Don Corleone mas Peeta Mellark é mais excêntrico. - falei rindo e entrando no banheiro, enquanto ele enxugava as mãos e a boca na toalha de rosto.
- Que tal Viúva Negra?
- Achei que Natasha Romanoff era o nome mais adequado.
- Natasha Romanoff é um nome e tanto! - ele disse rindo enquanto saía do banheiro, indo diretamente às malas, caçando uma roupa enquanto eu escovava os dentes.

- Já sei! Os nomes mais fodásticos da história dos nomes fodásticos! - gritei no meio do salão de cafés. Haviam algumas pessoas comendo em outras mesas.
- Quais? - perguntou ele animadíssimo, rindo pelo susto que as outras pessoas tomaram.
- Se for menina, Sonya Blade e se for menino...
- JOHNNY CAGE! - gritamos juntos e rimos feito dois loucos.
- Essa criança vai ser épica. - ele disse, depois que nos recuperamos das risadas.
- David... - falei inquieta, me abanando com a mão. Ele me deu atenção. - Eu quero transar.
- Agora? - ele perguntou com os olhos arregalados.
- Não sei se é esse clima grego, ou se são os hormônios... - falei meio rindo, meio séria. - Mas eu quero agora.
- Eu amo gravidez. - ele disse rindo e me puxando pela mão.

19 de julho de 2013.

- Isso vai parecer bem estranho, mas eu queria te ver de novo. - ele disse, colocando as mãos no bolso.
- Graças a Deus esse sentimento é recíproco! - falei animada demais e ele riu alto vendo como fiquei vermelha.
- Concordo plenamente. - seu sorriso era lindo. Eu queria tanto beijá-lo. - Podíamos... estender esse pseudo-encontro, o que você acha?
- Acho uma ótima ideia. Mas eu preciso de verdade de um banho, meu pescoço está picando por causa do cabelo. - expliquei.
Me sentia uma adolescente.
Hormônios a flor da pele, olhos brilhando e uma esperança descomunal pelo primeiro beijo.
- Que tal assim: cada um vai para a sua casa, toma seu respectivo banho e nos encontramos depois na mesma sorveteria... - ele disse parrando a mão nos seus cachinhos, uma doçura. - Nos conhecemos melhor... Tomamos sorvete... Nove horas?
- Legal. - eu simplesmente disse. - Então, até logo, certo? - perguntei, estávamos andando calmamente pela calçada.
- Certo. - ele disse ficando de frente pra mim e me dando um beijo no rosto. Fiquei ali estática, ficou tão óbvio pra nós que eu queria um beijo na boca que ele saiu dali com um sorriso no rosto.
Mesmo parecendo a pessoa mais babaca do universo, consegui andar até meu apartamento.
Peguei meu telefone e disquei o número da única pessoa que poderia me salvar: .
Expliquei toda situação pra ela, e esperei que ela pudesse me salvar.
- Calma, . - ela disse por telefone. - Não posso ir aí, mas acho que consigo te salvar por telefone.
Eu estava dentro do meu closet. Tinha milhares de roupas ali. Todas tão caras e desnecessárias. Eu não queria algo desnecessário, eu queria ser eu mesma, sem precisar de uma marca para mostrar o quão poderosa eu poderia ser.
Depois de mais ou menos meia hora de desespero jogando roupas no chão e gritando no telefone, finalmente pareceu que achei algo decente.
Uma blusa com estampas de abacaxi, uma calça jeans preta e um coturno preto nos pés. Coturnos era algo que estavam na moda, e que eu nunca tinha a oportunidade de usar graças ao meu trabalho. Eu tinha um acervo grande de coturnos intocados em casa, apenas para ocasiões especiais que nunca apareciam.
- Obrigada Mica! Estou te devendo essa. - falei emocionada e segui para o meu banho.
era a pessoa mais importante para mim. Eu podia dizer de boca cheia que ela era a minha única amiga, nunca tive tempo ou vontade de realmente criar vínculos com as pessoas do meu trabalho. Sem tempo, disposição ou vontade. Eu conhecia algumas pessoas, é claro. Mas ninguém que eu pudesse realmente chamar de amigo verdadeiro. era uma dessas pessoas que eu sabia que poderia contar.

Depois de um bom banho, sequei meus cabelos novíssimos e me arrumei. Passei um pouco de base embaixo dos olhos por causa das olheiras que hoje de manhã me causaram.
Um encontro numa sexta-feira! Quem diria!
Saí de casa em direção à sorveteria. Nem olhei que horas eram mas imaginei que fosse algo perto das nove horas.
Sentei-me em uma mesinha do lado de fora da sorveteria sentindo a brisa do inverno. O inverno já estava batendo na porta, mas não estava aquele frio de matar alguém.
Esperei durante alguns bons minutos.
Olhei no relógio que apontava 21:38.
Descruzei as pernas impaciente. Já era provavelmente a terceira ou quarta vez que a garçonete vinha me perguntar o que eu queria pedir.
- Desculpa ficar aqui... - falei me levantando. - Estava esperando alguém mas acho que levei um bolo.
Peguei minha bolsa completamente sem graça, vi a garçonete sorrindo por compaixão e retribuí o sorriso virando-me para voltar pra casa.
- Hey, fugindo de mim? - perguntou a voz masculina na minha frente.
Ele estava lindo. Com uma polo branca, calça jeans e os cabelos cacheados soltos como antes.
- E-eu estava... – gaguejei.
- Me desculpa pelo atraso. - falou ele, olhando em meus olhos.
- Está tudo bem. - não faço mais nada da vida mesmo. Dei de ombros e ele fechou a cara, franzindo as sobrancelhas e comprimindo os lábios.
- Não está bem, te deixei aqui me esperando... Tive um mini compromisso. Mas já estou aqui, você me desculpa?
- Claro, sem problemas. - dei um sorriso. É claro que eu estava disposta a perdoar ele, poderia realmente ter acontecido algo inesperado durante o seu trajeto.
- Você é o David Luiz, não é? - a garçonete ainda estava ali, dessa vez com os olhos brilhando.
- Sou. - ele disse simpático, tirando lentamente os olhos de mim e desviando para a moça.
- Nossa, meu pai é apaixonado por você! - ela disse rindo. - Se importa de tirarmos uma foto para eu mostrar pra ele?
Eu realmente não estava entendendo a situação. Mas... David era famoso?
Fiquei sem saber o que falar e me ofereci para tirar a foto com o celular da moça.
- Obrigada. - ela agradeceu para nós dois. Eu sorri, ele sorriu.
- Então... - puxei assunto enquanto sentávamos na mesma mesa que eu estava sentada minutos antes sozinha.
- Então... Eu achei que iria poder ter uma noite normal. - ele disse visivelmente sem graça.
- Mas você está tendo, não está? - perguntei unindo as sobrancelhas. Seus olhos me fitaram novamente. Dessa vez percebi que seus olhos não eram realmente castanhos, eram de um castanho mel, meio verdes. A coisa mais estranhamente linda que eu já havia visto.
- Quando disse normal, eu quis dizer sem esse tipo de interrupção. Não que me incomode, de modo algum... Mas as vezes eu só queria ir comprar pão sem ter que parar pra assinar uma camisa.
- O que você faz? - perguntei interessada, não em seu dinheiro. Afinal era uma coisa que não me faltava até o momento. Mas realmente por interesse, curiosidade. - Eu sou jogador de futebol. - disse, passando as mãos pelos cabelos.
- Mesmo? Eu não fazia ideia. Nunca assisto TV. - falei sem graça e ele riu.
- Achei extremamente encantador da sua parte não saber quem eu sou.
Eu não sabia se ele estava brincando ou falando sério.
- Mesmo? Achei que você fosse ficar ofendido.
- É claro que é sério. Qual seria a graça, se quando fôssemos contar a nossa história para os nossos filhos, eu dissesse que fiquei com uma fã? - ele disse extrovertido. - Claro que não. Muito mais emocionante você descobrindo sem querer! Concorda?
- Faz sentido. Nossa história de amor vai envolver mistérios, intriga, emoções fortes e... - Falei e ele concluiu:
- Um pato.
- Com certeza, um pato era realmente o que estava em minha mente. - ironizei e ele fingiu-se de chocado. Mas antes que pudesse perguntar alguma coisa, a garçonete voltou sorrindo.
Geralmente as pessoas iam pegar seus próprios sorvetes, mas as vezes quando vinham clientes preguiçosos como nós, faziam pedidos na mesa.
- Quero uma banana split, com uma bola de kiwi, uma de limão e a outra de damasco. - pediu ele, olhando o cardápio. Baixou-o e olhou pra mim.
- Pode pedir. - falei rindo, e ele corou.
- Nossa, desculpa. To meio com fome. - Disse sem graça, coçando a nuca.
- Quero um cascão com uma bola de abacaxi e outra de nata. Obrigada. A moça sorridente saiu.

29 de abril de 2021.

- Ah, merda. - acordei sentindo uma dor aguda em minha barriga.
- ? - ouvi a voz embargada de David ao meu lado. Minhas pernas estavam molhadas.
- Merda, merda, merda, merda. - continuei sentindo as contrações. - David, minha bolsa estourou.
- Ahn? - Resmungou, virando-se para o outro lado. Estapeei seu braço com raiva acumulada por causa da dor.
- DAVID! MINHA BOLSA! - a dor era muita. Suportável, mas muita.
- Está encima da poltrona, ... - ele disse ainda dormindo. - Não me bate...
- Eu vou te matar, sua praga! - falei gemendo, levantando-me da cama. - DAVID! ACORDA!
Peguei o travesseiro e dei na sua cabeça.
- O quê? O que foi? - ele sentou-se assustado.
- Minha bolsa estourou! - gritei, passando as mãos pela barriga. - Vou tomar um banho, você pode ir arrumando as coisas? - falei a segunda frase com calma, para passar o semblante tranquilo pra ele. Não o queria desesperado. Desesperada já bastava eu!
- Tudo bem. Precisa de ajuda? - perguntou ele se levantando e vindo na minha direção.
- Acho que não. - gemi. - Qualquer coisa eu grito.
Dei uma risadinha leve e ele me deu um beijinho na testa. Depois um na minha barriga.
- Amo vocês.

19 de julho de 2014.

Era a primeira vez que eu o veria depois da derrota do Brasil na Copa do Mundo. Tentei de todos os modos tentar criar situações em minha mente de como aquela conversa, ou aquele momento iria fluir. Foi difícil para todos, é claro.
Mas é diferente pra quem estava no campo como ele.
Eu nem fui assistir os jogos na arquibancada, meu emprego infelizmente não foi assim flexível...
Mas lá estava eu. Tentando ser uma pessoa que poderia ajudar.
Vi seus cabelos de longe e não consegui conter um sorriso. Foi um sorriso pequeno, que escapuliu entre seus lábios, mas ele sorriu também.
- Por favor. - ele disse, antes de me abraçar com toda a força que provavelmente tinha no momento. - Não fala nada.
Minha cabeça batia pouco abaixo do seu nariz.
Eu tinha meus ótimos 1,72m de altura. Parecíamos um belo par de gigantes. Meus braços entrelaçaram-se nas suas costas e perdi completamente o fôlego, sem a menor ideia de ter o que falar.
Ouvi alguns flashes nas nossas costas, porém estava pouco me lixando para aquilo. Senti o cheiro do seu perfume e fechei os olhos.
- Respira. - alertei, ainda de olhos fechados e senti o seu peito descer e subir, ainda grudado no meu. Sua respiração batia nos meus cabelos.
Ficamos abraçados ali por muitos minutos, simplesmente tentando absorver tudo que tínhamos; eu tentando tirar um pouco da sua tristeza e ele tentando absorver um pouco da minha força.
- Quer sair daqui? - perguntei, sentindo-o fungar. Concordou com a cabeça e afrouxou os braços, me permitindo olhar em seus olhos. Passei minhas mãos pelo seu rosto, tirado as lágrimas teimosas que insistiram em descer.
David Luiz segurou uma das minhas mãos e guiei-o até meu carro.
- Como você está? - perguntei, sem ter o que falar.
- 'To... Legal. - falou sem vontade alguma.
- Vou te levar... - deixei a frase morrer por ali, vendo que ele não estava prestando atenção.
Dirigi durante alguns minutos e segui até um lugar em que pouquíssimas pessoas provavelmente conheceriam. Meu pai me mostrou quando eu era pequena e acabei me apaixonando por aquele lugar.
Era um parque abandonado. Ficava bem no interior e, por muitos momentos durante o trajeto passamos por pessoas simples e homens com um pedacinho de capim na boca. Cada vez que eu via uma daquelas pessoas, me sentia mais em casa. Como se aquele lugar velho tivesse muita história pra contar. Me lembrava meu pai, minha vida verdadeira. Sem dinheiro, sem pseudo-fama, sem amores. Apenas a verdade e a beleza bruta e limpa, como eu costumava ver antes do meu piloto automático tomar o controle.

Lá tinha um balanço, uma roda e um escorregador. Todos enferrujados e antigos, lindos. O mato tomava conta de tudo. Desliguei o carro e fiquei olhando-o, de cabeça baixa olhando as mãos.
- David... Por favor.
- É foda, sabe? - sua voz era baixa e completamente destruidora. Meu coração apertou. Sufocando-me.
- Não sei, eu não senti na pele. Mas por favor David, isso vai passar.
Soltei o cinto, desci do carro e chamei-o pelo lado de fora. Dei alguns passos em direção ao balanço, sentindo aquela áurea de paz. Fechei os olhos suspirando aquele cheiro de mato e chuva.
- E qual é a história desse lugar? - perguntou ele ao meu lado.
Suspirei aliviada, vendo-o cruzar os braços ao meu lado, com o nariz um pouco vermelho.
- Sabe aquele lugar que todo mundo tem um preferido no mundo?
- Sei.
- Esse é o meu, gosto de vir aqui quando quero pensar. - tinha um vento frio batendo sobre nós, aquele vento de inverno que corta as bochechas.
- Gostei. É simples.
- Você foi muito forte semana passada. Eu não queria tocar no assunto... Mas ver como você está lidando com isso me faz perceber o quanto você é surpreendentemente humilde. - falei devagar, vendo-o absorver minhas palavras. Ficamos mais ou menos uns dois minutos em silêncio. Segui até o escorregador, passando a mão sobre ele. Todo aquele lugar parecia um baú de recordações.
- Eu entrei em campo, joguei o jogo inteiro e saí de lá pensando em apenas uma pessoa. Passei a semana inteira sendo torturado por perguntas que me machucaram por dentro e meu pensamento continuava indo apenas para um lugar. Quando te avistei há uma hora, a única coisa que você fez foi me aquecer. Tenho quase certeza de que você foi a única pessoa que sorriu pra mim. Que realmente sorriu sabe? Sem pena ou misericórdia. - ele disse, com as mãos no bolso do moletom. Seus cabelos estavam cobertos por uma toca preta.
Fiquei completamente sem graça. Tenho certeza que meu rosto ficou vermelho, não segurei meu sorriso, vendo que ele também sorriu.
- Eu te amo, .
Merda.
Havia um ano que nos conhecíamos. Um ano que conversei, conheci e aconcheguei sentimentos em meu peito que eu não sabia descrever.
O homem na minha frente me olhava, seus olhos simplesmente esperando minha resposta.
Eu o amava? Eu amava aqueles olhos? Eu amava seu humor afiadíssimo? Eu amava seu coração verdadeiro? Eu amava aquele jeito alegre e espontâneo? Eu amava a voz? O cheiro? As piadas? O cabelo? As propostas? A ingenuidade?
- Merda, eu te amo! - falei, como se estivesse realmente desacreditada daquilo ser verdade.
- Achei que você não fosse responder, que situação esquisita. - disse, colocando uma mão sobre o peito e suspirando aliviado.
- Eu te amo, David. - respondi, mais pra mim do que pra ele. - Meu Deus! Eu te amo! - falei colocando as mãos no rosto.
Ele riu alto, passou as mãos pelo meu pescoço e beijou-me.

19 de julho de 2013.

- Naquela hora em que a garçonete interrompeu... - ele disse puxando assunto. Já tínhamos tomado nossos sorvetes. Andávamos sem pressa pelo parque que tinha no caminho do meu apartamento.
Confesso que nem lembrava do que eu estava falando naquele momento. Juro. - Hm...? - indiquei que queria que ele continuasse.
- Você disse... Sabe... - sem jeito, passou a mão pelos cabelos e riu pelo nariz. Um vento incrivelmente frio passou por nós e minha pele inteira se arrepiou. Ele notou na hora, como todo gesto de cavalheirismo existente no universo dos clichês românticos, e tirou seu casaco de moletom e passou por meus ombros.
- Obrigada, não está com frio? - perguntei, colocando meus braços pelas mangas. - Um pouco, mas a minha educação grita mais alto. - disse dando de ombros.
- Que dó. - falei passando minhas mãos frias pelo seu braço em uma tentativa falha de lhe aquecer.
- Isso foi pra me esquentar? - perguntou rindo de mim. Meu rosto esquentou de vergonha, por ser tão óbvia que eu queria um contato de pele com ele.
- Talvez.
- Gostei. - respondeu. E mudou o assunto: - Então, como eu ia dizendo... Você disse antes que “nossa história de amor vai envolver mistérios, intriga, emoções fortes e...”?
- Beijos! - falei sem pensar e arregalei os olhos.
Era só o que passava pela minha cabeça: Seus lábios colados nos meus.
David riu, não consegui dizer se era de vergonha, de graça ou por não saber o que falar. Mas ele riu durante uns bons minutos, me deixando cada vez mais sem graça e revoltada.
- Era exatamente o tipo de coisa que eu estava querendo ouvir... Provavelmente desde que te pedi informação hoje mais cedo. - ele disse, sem olhar pra mim.
- Que delícia saber que o sentimento é recíproco. - analisei, lutando para tirar minhas mãos que se escondiam nas mangas longas do seu casaco comprido em mim.
- Você acha que pode dar certo? - perguntou ele mordendo o lábio inferior, e dessa vez olhando pra mim.
- O que?
- Nos beijarmos agora? Será que não tem nenhuma coisa que possa impedir isso? Nenhum fator do destino que diga que essa não é a hora? - perguntou ele parando de andar.
Dei de ombros parando de andar na sua frente.
- O meu destino está dizendo que você tem que vir me beijar agora. - falei, fazendo cara de confusa, colocando um dedo no ouvido como se estivesse com uma escuta escondida ali. - O quê? Está certo sr. Destino, é isso mesmo que eu vou fazer. - brinquei, vendo ele se aproximar passando as mãos pela minha cintura.
Depositei uma das minhas mãos na sua nuca e a outra no seu ombro. Senti a sua respiração no meu rosto e fechei meus olhos absorvendo aquele momento. Pelo menos naquele momento me parecia tão certo.
David encostou seu nariz no meu, antes de tombar levemente sua cabeça para a direita, encostando nossas bocas. Dei espaço para as nossas línguas encostarem-se e senti minha nuca arrepiar, minha mão puxou levemente seus cabelos por baixo da toca e senti suas mãos apertarem minha cintura.
Fácil de falar, difícil fazer.

Epílogo - 30 de abril de 2021.

- Merda, ela é tão linda! - exclamou rindo e chorando ao mesmo tempo, analisando as feições da pequena criatura no seu colo pela primeira vez. - Olha essas mãozinhas...
Segurei as lágrimas, vendo-as. Duas partes da minha vida que eu jamais esqueceria.
- Ela é perfeita, . - comentei, passando meu dedo nas suas sobrancelhinhas e descendo pelas bochechas.
- Dá vontade de morder, não dá? - perguntou, ainda rindo boba.
Era a primeira vez que ficávamos realmente sozinhos com a criança. Éramos nada mais que dois babacas amontoados em uma cama de hospital com um recém-nascido no colo, mas era muito mais do que isso.
- Já tens ideia de nomes? Esperamos a gravidez toda por esse momento. É uma menina, e agora?
A questão era que o exame morfológico tinha dado errado, e você me pergunta: como?! Não sei, não sou um médico. E pelo jeito o cara que nos consultou também não era. Ficamos durante nove meses chamando nossa filha de “Nicolai” e a pobre coitada era uma menina!
Demos risada durante provavelmente uns quinze minutos quando a médica que fazia o parto disse. Deu um monte de enrolação na hora de pegar os exames, na hora do parto e na hora da médica de plantão no momento vir. Mas deu tudo certo e agora os únicos obstáculos eram: um quarto mais azul que a bunda de um Smurf e um nome que se adequasse à perfeição que se encontrava na nossa frente.
- Ela não pode se chamar Nicolaia? - perguntou distante, olhando o bebê que começava a se mexer no seu colo e resmungar.
- Não, . Tem que ser nome de gente. Gosto de Eloá - comentei e ao mesmo tempo a pequena abriu os olhos.
- Eloá não.
- Luana? - perguntei na realidade jogando qualquer nome que vinha em minha mente que eu sabia que não tinha nem na minha família e nem na dela. - Patrícia? Mariana? Valentina?
- Seu nome é Valentina? - perguntou, olhando para a pequena que nos observava com curiosidade. As sobrancelhas enrugadinhas e as mãozinhas fechadas.
- Acho que não. - comentei rindo. - Katniss Everdeen? - perguntei, e me deu um empurrão forte.
- Ok. Qual nome você gosta? - ela me perguntou.
- Luana. - respondi, era um nome que eu já havia falado um zilhão de vezes pra ela. continuava negando-o.
- Gosto de Maria, mas Maria Luana não. - continuou ela, fazendo bico. A pequena continuava observando-nos. Silenciosa e esperta.
Tenho que admitir que seus olhos eram muito parecidos com os meus. Pelo menos a cor era.
Bebês são todos iguais afinal.
- Malu? - perguntei, e a criança me olhou. Retirando imediatamente o semblante sério do rosto e levantando levemente os lábios, como se quisesse sorrir a todo custo.
- Malu! - disse simplesmente, como se fosse aquele o nome dela o tempo inteiro e simplesmente percebemos que era o certo.
- Eu amo vocês. - falei rindo, vendo minhas duas pessoas preferidas no mundo ali na minha frente.
- Eu amo vocês. - falou, com a mesma verdade e entusiasmo que disse da primeira vez, me lembrava como se fosse ontem.
Minha vida estava completa. Nada mais de piloto automático.
Só o pato, que por acaso estava em casa provavelmente dormindo. Pato inútil.


FIM



Nota da autora:
Tenho essa fic enterrada no meu computador desde que a música que originou-a foi lançada, o único detalhe era que originalmente não foi escrita com o David Luiz. Mas parece que se encaixou certinho.
Eu queria uma fic simples, rápida e objetiva, do mesmo jeito que a música que inspirou é, algo sem rasgação de seda (mesmo que eu goste de uma boa enrolação), sem mimimi. Simplesmente escolhi os “melhores” momentos de um casal e escrevi como achei que deveria ser. O primeiro beijo, o primeiro encontro, o primeiro eu te amo, etc...
Bom, adoraria agradecer a todos que leram esta shortfic. Obrigada de verdade, é algo que me faz querer crescer sempre mais e mais e mais e mais.
David Luiz merecia uma fic. Não sei se essa agradou, ainda não tive tempo de analisar isso. Mas espero fielmente que tenha agradado :)
Ótima música, por sinal. Escutem-na! (Piloto Automático da banda Supercombo <3).
Mais uma vez, obrigada por lerem! E críticas são sempre bem-vindas.


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