Princess of Night
Autora: Madu Dellatorre | Beta: xGabs Andriani



Prólogo:

Minha mãe estava deitada na cama, o suor brilhando em sua testa, enquanto eu tentava amenizar sua febre com um pano molhado. Nos meus dezesseis anos de vida nunca tinha lhe visto assim. Deitada, frágil e cansada, respirando ofegante. Mas sua mão apertava a minha com força, me machucando, e eu deixava. Era bom saber que ela ainda tinha forças para segurar minha mão. Era quase como se estivesse com medo de eu partir.
- Filha... – ela disse, com sua voz fraca. - Fique comigo, entendeu?
Meus olhos se encheram de lágrimas. Não era ela que devia estar me prometendo isso?
- Claro que sim. – respondi, enquanto colocava sua franja, outrora loira e saudável, agora opaca e sem vida, atrás da orelha. Funguei. – Tem certeza que não é melhor irmos ao hospital?
-NÃO! – ela gritou, e apertou ainda mais minha mão. – Não, filha, não. Eles vão te tirar de mim.
-Mãe...
-Por favor, não. – disse, com os olhos fechados, e uma lágrima deslizou por sua bochecha.
-Okay, mãe, não se preocupe.
Sua respiração se normalizou e eu acreditei que ela havia dormido. Sua cicatriz na sobrancelha direita ainda estava feia, precisava cuidar disso o quanto antes possível. Levantei-me para ir pegar mais cobertores, mas quando voltei ela estava em um acesso de tosse e tentava se levantar. Segurei-lhe antes que caísse.
-Mãe, o que está fazendo? Volte para a cama, a senhora precisa descansar!
- Você. – respira. – Não estava. – respira – Aqui.
- Só fui pegar alguns cobertores! – a coloquei sentada na cama, mas se recusava a deitar.
-Filha, me prometa. Me prometa. Que não voltará aquela cidade. Àquela pessoa.
-Mas que cidade? Que pessoa?
- Me prometa! – ela disse, colocando suas mãos em minhas bochechas, me fazendo encarar seus olhos, que voltara a brilhar no azul tal como eu me lembrava. Suas mãos eram gentis, mas firmes. – Viva como eu te ensinei! Não se apegue a coisas desnecessárias!
- Sim, mamãe, prometo, mas...
- Nada de “mas”! – suas mãos relaxaram quando eu prometi, e ela respirava aliviada. Olhou para mim, chorando. Aquela fora a segunda vez que a vi chorar em todos esses anos.
- Mãe...
- Eu te amo, minha jujubinha.
Tentei falar algo, mas estava congelada. Não conseguia ver direito entre minhas lágrimas, que embaçavam a visão, mas senti ela se aproximar. E então senti seus lábios frios em minha testa, e eu fechei os olhos.
Antes de mergulhar na escuridão completa, escutei sua voz pela última vez: “Me desculpe”.
Acordei e vi apenas o branco. Ao me virar, notei que estava em um hospital. Como? Por quê? Duas pessoas se aproximaram, e uma delas era um policial.
- Moça? Está se sentindo bem? – o policial disse.
- Sim.
- Ótimo, porque tenho algumas perguntas. Poderia respondê-las?
- Sim.
- Seu nome? – disse, com um caderno e uma caneta na mão.
- .
- Sobrenome?
Abri minha boca para falar, mas nada saiu. O policial franziu a testa, mas eu não sabia o que havia acontecido. Eu apenas não sabia... Meu sobrenome. Como?
-Smith. – menti. Não poderia dizer que não lembrava, então disse o que me veio à cabeça.
- Ela bateu a cabeça, e está um pouco confusa. – o enfermeiro que estava com o policial informou.
- Ah, sim. E ela pode se levantar para fazer a averiguação do corpo? – perguntou, como se eu nãos estivesse aqui. Corpo?
- Sim. – não tinha percebido que havia perguntado em voz alta até que ele me respondeu. – Você foi achada em um quarto de hotel desacordada, mas não estava sozinha. Tem algo a me dizer sobre isso?
- Hã?
- Nada de documentos, nem cartões de crédito, apenas dinheiro. Você e uma mulher loira foram encontradas inconscientes no quarto. A mulher, que ainda não conseguimos identificação, estava com algum tipo de doença desconhecida. Infelizmente, ela faleceu há três dias.
-Espera. Há quanto tempo eu estou...
- Três dias. Você estava dominada pelo cansado, mas fora isso, sua saúde esta bem. A mulher faleceu na ambulância, vindo para o hospital. Queremos que você faça a identificação do corpo.
- Ah, ok.
Ajudaram-me a levantar, me colocaram em uma cadeira de rodas – só por precaução, eles disseram – e me levaram até o necrotério. As portas eram brancas com tudo ali, mas eu consegui ver a morte grudada naquelas paredes. Saí da cadeira de rodas para ver melhor a mulher deitada. Tinha um porte atlético e estava em boa forma. Um cabelo comprido e loiro, que deveria ser bem bonito quando ela estava viva. Uma cicatriz recente na sobrancelha direita. Eu a analisei.
- E então, você a conhece?
Olhei para o policial e respondi sinceramente:
- Não.
Um monte de burocracia caiu em cima de mim. “Então por que ela estava em seu quarto?” “Era uma mulher bêbada caída na frente do prédio, eu a ajudei.” “Seus pais?” “Estão fazendo uma viajam na África.” E tudo o mais. As mentiras fluíram rapidamente, e eu sabia que era melhor não comentar sobre eu não saber meu sobrenome. E quem sãos meus pais. E o porquê de eu não ter documento.
Fugi do hospital na primeira oportunidade, peguei minhas coisas do hotel, e saí andando.
Não era como se eu tivesse esquecido tudo. Eu me lembrava de cada casa em que morei, e foram muitas. Lembrava-me de quando aprendi escrever, de como o pão doce da padaria Sr. Evans era uma delícia. Sobre como Michelli Dikans, de Hudson, me odiava. Sobre aquela loja que adorava comprar maquiagem. Sobre o meu estranho poder de ler as memórias das pessoas. De tudo na minha vida. Mas era claro que algo faltava, e quando descobri, meu peito se encolheu de dor.
Eu não me lembrava de ninguém que fosse importante para mim.
Pais, amigos, bichos de estimação, namorados, nada. Pessoas que seriam significativas. Me via assinando meu sobrenome, mas não sabia qual. Sabia de um presente de Natal que eu havia ganhado, mas não me lembro de quem. Lembrava-me de um beijo na testa, mas o dono não me vinha à mente. Tudo era apenas... Um branco, um abismo profundo. Eu não lembrava, mas tinha que ter não é? Ou eu apenas vivi vagando? Nunca me liguei a nenhum ser humano na Terra?
O buraco vazio no meu peito me dizia que algo fora perdido. Eu não sabia o que, nem como, muito mesmo o porquê. Porém, eu iria descobrir. Guiada por algum instinto desconhecido, que me dizia exatamente o que fazer, segui em frente.
Mas, primeiro, era preciso ir ao lugar aonde pessoas sem nome vão.
Las Vegas.

*****

Cinco anos depois...
- Dobro a aposta. - o velho mascarado disse, sorrindo grotescamente. Mesmo com o ornamento cobrindo a cara, que poderia jurar ser toda enrugada, eu conseguia ver o desafio brilhando em seus olhos.
Sabia que os meus não estavam diferentes.
Com o mesmo sorriso, levei ao centro da mesa quase metade das minhas fichas. Minha máscara cobria apenas meus olhos, minha boca deixada a mostra, revelado maliciosidade. Havia apenas ele e eu restantes no jogo, porém uma roda de curiosos observava a grande disputa que se travava naquele cassino de Las Vegas. Era um jogo de patente alta.
Um vestígio de insegurança passou por seu rosto, mas ele logo se recuperou. Era um profissional, afinal. Juntou mais de suas fichas às minhas, formando um grande amontoado no centro da mesa. Logo que retornou as costas no encosto da cadeira acolchoada, piscou para mim. Ah, eu poderia ficar com medo se eu não soubesse o que havia em suas cartas.
Mas, é claro, eu sabia.
Minhas apostas aumentaram. Ele não deu o braço a torcer. E chegou a hora de revelar a cartas.
- Full House.* - anunciou, arrogante. E então olhou para mim, com uma pergunta naqueles olhos castanhos esbranquiçados. Sorri, lentamente abaixando minhas cartas, mostrando o que ele se perguntava desde que começamos a rodada.
- Poker.* - disse, me deliciando com as sílabas. O espanto já era esperado, enquanto o sangue sumia de sua face. Dando uma risadinha de garota, trouxe todas as fichas ao meu alcance, as arrumando. Já iria trocá-las, pois a noite fora longa, mesmo que produtiva, e eu não esperava a hora de me encontrar com a cama.
Sentia seus olhos me perfurando, porém não dei importância. Um funcionário trouxe uma maleta, onde agora eu colocava tudo o que ganhara ali. Já estava me levantando, quando me virei para o velho. Ele também estava em pé, e me observava com um olhar um tanto quanto penetrante. Retirou sua mascara de Fantasma da Ópera, e, como eu achava, a pele ao redor dos olhos estava toda enrugada, tal com o senhor gentil do pão. Sua fisionomia era estranha e não fui a única que escutou quando ele sussurrou, quase como se falasse de algo proibido:
- Princesa da Noite...
Os que estavam ao redor me encararam com a mesma expressão do velho. Com um sorriso inocente nos lábios, soprei um beijo para aquele que me deixara um pouco mais próxima do meu objetivo aquela noite, e me dirigi ao balcão do cassino.
Olhei para trás, a tempo de escutar um baque, e ver sua máscara cair no chão.

*Full House: quando se tem cinco cartas, um par e um trio de cartas iguais.
*Poker: o Poker é composto de quatro cartas iguais. Em uma partida, ele ganha do Full House.

***

Chamei um táxi. Gostava de andar por entre as luzes da cidade, mas estava muito cansada. Meu celular vibrou, com uma mensagem de Mike. Nem li. Ele havia sido apenas algo para passar o tempo, e agora vinha com um papo de “ficarmos sérios”. Isso não era possível. Eu não posso me apegar a coisas desnecessárias.
Por alguma razão, venho me repetindo essas palavras por cinco anos.
Quando cheguei ao apartamento, passei pelo guarda, que me olhou apreensivo, e o mesmo ocorreu com o moço na recepção. Eu sabia que havia algo errado. Sabia. Mas devo admitir que arregalei os olhos e escancarei a boca quando me deparei com uma tentação no meu sofá.
E ele tinha um distintivo do governo estampado em seu peito largo.
Minha primeira reação foi ficar parada e analisar o cara. Com a pele morena, cabelos negros, dentes brancos e uma boca vermelha e suculenta, ele sorria para mim, nada angelical. Seus olhos verdes eram tão intensos quanto às esmeraldas, e eles faziam a mesma análise que os meus. Percorrendo todo o corpo, verificando cada pedacinho de pele, vendo as verdades e mentiras da alma, me despindo para ele.
Cruzou os braços.
Mas fiz o mesmo, então não podia reclamar.
- Desculpe, acho que assustei o seu guarda e o recepcionista. Acredito que não é todo dia que eles veem um oficial do serviço secreto aparecendo, pedindo a chave do quarto de uma moradora, e ordenando para que ficassem de boca fechada. – ele começou, com um sorriso brincando em seus lábios.
- É, acho que não acontece com muita frequência.
Ele sorriu e se levantou do sofá. Era realmente alto. Toda a sua estrutura estava coberta com um longo sobretudo preto, as mãos com luvas pretas, a gola do casaco chegando em sua orelhas. Seu eu não fosse cuidadosa do jeito que era podia até pensar...
Com um sorriso no rosto, balancei de leve a cabeça. Aproximei-me do cara, que agora estava com o quadril encostado a minha mesa de jantar, ainda me encarando.
- Então... Smith*, mesmo? Você não é lá muito criativa.
Parei na metade do caminho.

*Smith é um nome muito comum nos EUA. Como Silva e Oliveira aqui no Brasil.
- Nenhuma criança escolhe o nome que tem. Não posso fazer nada se foi o que eu ganhei. Não faz ideia de como era difícil na escola sempre que chamavam um Smith...
Ele franziu os lábios, não mais sorrindo.
- Posso imaginar.
Fui em direção à geladeira, passando pela mesa, e abri um vinho. Peguei duas taças, as enchi, para então voltar. Ofereci uma para ele, com um sorriso travesso por trás. Ele retribuiu e a tomou de minha mão, fazendo a lã da luva roçar em meus dedos.
- Espero que não esteja envenenado. – ele disse, com a taça próxima a boca.
-É, eu também. – disse, dando um grande gole. Ele me acompanhou.
- Aproveitando a noite no Cassino? O Moon se não me engano, não é?
- Sim. Tenho 21 anos e gosto de frequentar esses lugares. Você?
Senti-me nua com meu vestido preto longo, a echarpe transparente nos ombros. Seria melhor se eu estivesse com a máscara preta que usava há pouco, mas a tinha tirado no táxi e ela já estava jogada em algum canto. Merda.
- Algumas vezes. Mas, claro, seria bem mais divertido se eu pudesse trapacear usando poderes psíquicos.
Todo o sangue se esvaiu do meu rosto. Suor frio escorria pela minha testa e precisava pensar em algo. Minha mão se ergueu para acariciar sua face, a única pele exposta do homem. Eu precisava saber de algum ponto fraco. Qualquer coisa para me livrar desta situação. Mas ele a segurou no ar, com ternura. Não era isso que eu precisava. Aquelas mãos fortes que cobriam as minhas estavam cobertas. Mas um impulso me fez agarrá-las de volta.
Ele me olhou, com um sorriso sacana apesar dos nossos dedos entrelaçados.
-Sim, sabemos quem você é, Princesa da Noite. O que é meio estranho te chamarem de princesa, quando seu apartamento tem a aparência de que foi atingido por um tornado. Tsc, tsc. Nada princesalesco.
Emburrei com o comentário. Tá, que eu não era muito organizada, e a mulher que vinha uma vez por semana precisou faltar então o apartamento não estava muito arrumado, mas não precisava jogar na cara. E então minha mente se focou no problema principal: eles sabiam sobre mim. Sobre minha identidade de Princesa da Noite. Porém, não havia nada que comprovava meus poderes de ler memórias para trapacear no pôquer. Então apenas bufei.
- Não querer mostrar o rosto em um cassino não é um crime, Sr. Oficial. Não sabe o quanto de pessoas são mortas ou espancadas nas saídas desses locais. E quanto à. – ri. – Poderes para trapacear? Eu sei de minha reputação de vencedora absoluta, e também da lenda que virei. Mas acrescentar detalhes sobrenaturais na mistura? Ainda não tinha escutado.
Ele me olhou, ainda com aqueles olhos de quem sabe tudo e segurou meu queixo com as mãos enluvadas, me fazendo encarar aquelas duas órbitas brilhantes.
- Fingir por um tempo considerável não vai fazer com que seja verdade, Princesa. E, se você quer jogar por esse lado de crimes, você pode ter vinte e um anos agora, mas nem sempre foi assim.
Soltei meu queixo de sua mão. O olhei brava, mas então percebi que essa não era minha abordagem para vencer. Eu sempre sabia de algum podre do passado antes. Sorri sensualmente, me aproximando e encostando nossos corpos. Uma corrente elétrica desceu por minha espinha, enquanto minha matéria implorava por um contato mais íntimo. Deus, havia feito sexo com Mike ontem mesmo, não estava passando necessidade!
Ignorando o clima, fui subindo minhas mãos por seu torso, mirando seu rosto. Mas ele me abraçou, impossibilitando-me de continuar.
- Deixe-me aproveitar de você primeiro então você poderá fazer o que quer, Princesa. – ele disse, com a boca na minha orelha. Sua respiração no meu pescoço me fez arrepiar. Ele lambeu meu lóbulo, e o mordeu de leve. Minha cabeça tombou para que ele tivesse um melhor acesso, e o oficial resolveu experimentar. Chupões, lambidas, mordidinhas, meu pescoço era alvo de sua língua impiedosa. Um gemido contido escapou de meus lábios, e eu me joguei ainda mais para seu corpo. Não fui a única que gostou.
Algo vibrou em seu bolso de trás, fazendo-o retirar sua boca – ó, que delicia de boca – de minha pele e balançar a cabeça, como se estivesse recuperando o foco.
-Certo, claro. Precisamos que você faça algo. – ele disse. Eu o olhei, confusa. – Você será recompensada, é claro.
Na verdade, eu estava perguntando por que sua boca não estava me torturando, pensei, mas não disse nada.
-Como assim, algo?
-Com sua psique.
Soltei-me de seus braços, que tinham relaxado na hora que o aparelho em suas calças vibrou.
-Oi?
-Escute, sabemos, não pode negar. Temos exames que compravam, feitos em um hospital.
-Mas eu não fui a nenhum hospital.
-Nenhum cinco anos atrás?
Lembranças me atingiram. Acordar no branco, policial James, a identificação do corpo, uma mulher loira. A última vez que eu havia ido a um hospital. Já que algo me dizia que não era seguro, eu sempre escutava esse “algo”.
- Eles não sabiam o que tinham em mãos. Achavam que era algum tipo de deformação no cérebro, mas, então, você já havia fugido.
Minha mente borbulhava, buscando uma forma de escapar.
-Desista. – ele disse, como se estivesse lendo minha mente. - Apenas recebemos esses exames pouco tempo atrás, e foi quando procuramos por você incansavelmente. Pense nas possibilidades. A taxa de resolução de casos, confirmação de suspeito, resgate, tudo iria aumentar. E você apenas tem que relar essas suas mãozinhas e pronto. O que você acha?
-E o que depois? Fazer sexo com ele?
Ele trincou seu maxilar, forte.
- Ninguém está falando disso. – rosnou – E então?
Pequenos passos me levavam para trás, eu tinha que sair dali.
- Hã, no momento estou feliz como estou. Além do mais, não é um pouco grosseiro de sua parte? Invadir minha casa e tudo o mais? Nem se apresentou. – disse, tentando ganhar tempo.
Seu semblante escureceu e ele não parecia muito satisfeito com minha resposta.
-. .
Um silêncio tenso se instalou cortado apenas por meus passos abafados, tentando chegar à porta. deu um suspiro impaciente, e com apenas algumas passadas, me alcançou, deixando seu nariz muito próximo ao meu. Sua voz saia em um sussurro. Eu estava perto, tão perto da porta. A maçaneta estava a apenas alguns palmos de distância.
- Princesa, deixe de ser mimada. Faço parte de uma facção da CIA destinada a casos sobrenaturais. Seus poderes são muitos comentados por lá. E preste atenção: Não sabemos apenas sobre a leitura de lembranças. Quando chegou a Las Vegas, a cidade não foi boa para você; sem emprego, sem casa, sem comida. Apenas mais um ser jogado na rua. Isso até perceber que poderia explorar no pôquer, apenas relando suas mãos em pele exposta e o jogo estava feito. Era muito fácil para você decidir se apostava ou não. Sua fama foi crescendo, e seu dinheiro também. Mas a tal Princesa da Noite não era um daqueles jogadores que não sabia quando parar, ah, não.. Investiu seu montante, e em pouco tempo já tinha um quarto para morar, e podia comprar fast-food na loja vinte quatro horas. Mas também não estava satisfeita com isso. Continuou indo toda noite em cassinos diferente, quebrando a cara de jogadores profissionais. E, o mais curioso, sempre com a face coberta com uma máscara. Você deve saber que agora não se entra mais em um cassino sem ver alguém de máscara. É a tão falada simpatia que circula no momento: “Use uma máscara quando jogar pôquer se quer ganhar!”. – Ele riu. – Os seres humanos tem uma terrível tendência de exagerar tudo o que escutam. Isso estava virando padrão. Mas, aí, algo mudou. Foi quando visitou o senhor Dillan, se lembra? Um detetive particular, não muito bom, se me permite dizer, mas com um preço acessível.

Engoli em seco. Sim, me lembrava do senhor Dillan. Um sujeitinho de bigode grosso, e um tanto quanto mal-educado, mas era o que eu podia pagar no momento. Mas, claro, não deu resultado. Nenhum deu. Levantei os olhos, quase me paralisava com seu olhar intenso. Meus membros pareciam pesar uma tonelada. Ele não parou por ali.
“Não funcionou pelo o que me parece. E então foi o Sr. Camp, o Sr. White, o Sr. Djamha, Smith, James, Fhilld, e vários outros detetives particulares. Seu desespero foi crescendo. O nível dos que contratava também. O último que você procurou pediu uma grana preta, certo? Por dia. E você nem pestanejou. Foi por isso que você veio para cá. Sem documentos, sozinha no mundo, e sua mente te direcionou a Las Vegas. Era seu objetivo, ganhar dinheiro e pagar pessoas para descobrir o que queria.”
Sim, sim, sim, sim. Por favor, é verdade, mas apenas pare de dizer tudo isso. Tudo o que sabe sobre mim.
“O que você está procurando tão avidamente, Princesa?” – ele terminou, com a voz meio cínica.
Meu passado. Minha vida. Minhas lembranças.
“Não precisa responder se não quiser. Mas... E que tal um acordo? Você lida com nosso criminoso e então nós te ajudamos a achar o que quer que você tão angustiadamente procura. Acredita que encontrará um detetive melhor do que um credenciado pelo governo americano?”
Minha mão parou a alguns centímetros da maçaneta.
-Você quer dizer que, se eu ler a memórias de um suspeito, a CIA me ajudará a encontrar o que desejo? – perguntei, aos sussurros.
-Sim, é isso que eu quero dizer. – ele respondeu, com a voz tão baixa quanto a minha.
- E eu posso confiar nisso?
O oficial se aproximou, quase tocando sua boca em meus lábios.
- Tem minha palavra de cidadão americano.
Minha mão despencou e bateu, inútil, em minhas coxas. Meus olhos estavam fechados, e minha testa latejava. Encostei-me a porta, suspirando. E então encarei aquele oficial de olhos verdes.
- Ok.

***

Olhava meu apartamento pela porta da frente, com apenas uma mala na mão, eu percorria meus olhos fazendo uma lista, mentalmente, de tudo o que eu precisava levar. Essa era minha primeira vez fora de Las Vegas, e seria uma viagem curta, mas eu sentia que nunca mais veria aquele lugar novamente.
O sofá azul que eu comprara em 10x sem juros, a mesinha que eu quebrei o pé, a poltrona que eu amava ler, assistir filmes, ou apenas me jogar e descansar. Uma vida noturna cansa mais do que aparenta. O oficial parou ao meu lado. Desde aquele dia, quando seus superiores vieram me ver para fecharmos o acordo, ele vinha me tratando friamente. Como se nunca tivesse me agarrado.
-Vamos. – ele avisou, com aquelas esmeraldas contrastando com seu sobretudo preto, e as luvas. Era assim que ele sempre se vestia. Minhas mãos se coçavam para tocar seu rosto, mas eu me reprimia; sabia que era errado, mas eu apenas me sentia realmente segura depois de vasculhar as memórias das pessoas. O que acontecia quando eu encostava a pele de minha mão em pele exposta. Em relação a um homem do governo, minha angustia sobre isso era ainda maior.
Não se pode confiar em caras assim. Usá-los para seu beneficio, tudo bem, mas confiança não é algo que eles mereçam.
É o que “algo” me dizia. Então era o que eu acreditava. Um carro preto nos esperava na garagem, e foi onde e eu entramos, em um silêncio absoluto.
- Nosso avião sai as quatro, e chegaremos em Washington pela manhã. Depois disso, vamos descansar no hotel, e então partiremos para a penitenciaria, onde você irá conhecer nosso criminoso.
- Diga-me um pouco sobre ele. – perguntei, distraída.
- Ele roubou 37 milhões de dólares do Banco Central de Washington. Walter Lonbarg. Advogado, trabalhava na Rede de Advocacia Kennedy. 39 anos. Sua esposa, Sue, estava viajando a negócios em Paris quando ele executou o roubo. O único problema é que não há nenhum sinal de arrombamento e as câmeras foram desligadas por algum motivo. Queremos que você descubra como ele fez isso, e onde está o dinheiro neste momento.
- Vocês não conseguiram recuperar o dinheiro?
- Nossa facção não trabalha com isso, mas disseram que apenas metade foi encontrado em um banco na Suíça.
- E depois vocês me ajudam, certo?
Ele deu uma risada sem humor.
-Sim, e então te ajudaremos, Princesa. – disse, com sarcasmo. – Além do mais, você nos fez assinarmos um documento.
- Era necessário. – disse, me exaltando, gesticulando com as mãos. – Vai que...
- Eu use seu poder e então te jogue fora? Tipo como se estivéssemos falando de sexo? – ele rebateu. – Não se preocupe, eu dei minha palavra.
Juro que foi puro impulso, eu nem registrei o movimento. Eu só precisava conferir. Minha mão avançou para a pele dele. Apenas uma camada fina de vento separou meus dedos de sua bochecha, e então a agarrou. Ele me encarou, com os olhos espreitados.
- Apreciaria se você não tentasse isso de novo. – ele salientou. – Existem lembranças que não podemos compartilhar, porque são propriedades somente de nós mesmos.
Sua voz se tornou extremamente gentil no final da frase; seu olhar me ultrapassava, como se estivesse perdido dentro de si mesmo, relembrando de coisas felizes. O sorriso que brotou em seus lábios causou uma reação esquisita no meu peito. Não era o tipo malicioso, como da primeira vez que o vi, nem o profissional, como o que ele exibiu perto de seus superiores. Não chegava nem perto do frio que ele mostrava até agora pouco. Era aquele tipo de sorriso que você deixava escapar sem querer quando se lembrava de alguém importante. Feliz, carinhoso. Infantil, até. Eu sabia por que já lera muitas memórias por aí.
E eu fiquei com muita inveja.
Acho que nunca poderei sorrir assim.
Quando voltou a me notar, seu sorriso sumiu, e ele se abaixou e pegou algo que havia por ali. Entregou-me um pacote, que abri com cautela.
- Você está louco? – perguntei, segurando um par de luvas pretas. – Tipo, eu realmente não me importo se você quer dar uma de MIB – Homens de Preto com todo esse seu conjuntinho ai, mas está 35 graus lá fora e eu não vou usar uma luva.
- O ar do avião é realmente muito forte. E em Washington está mais fresco que aqui. Além do mais, foi uma requisição lá de cima. Concordo com o pedido, mas não fui eu quem mandou. Eles pedem que você use seu poder apenas com o criminoso.
- Você deixaria alguém tampar seus olhos se pedissem?
- Se fosse o Presidente dos Estados Unidos, sim.
Continuei o olhando abismada, que me encarava de volta, sem nenhum vislumbre de emoção.
- Sério? – tentei mais uma vez.
Ele apenas me fitou.
- Merda.
É. Lá estava eu, com um vestido branco soltinho que marcava a cintura, uma sapatilha confortável, uma trança nos cabelos negros que chagavam até a cintura, e claro, luvas pretas que vinham até quase o cotovelo para combinar. Linda.
Não precisamos esperar muito. Ao que parecia, ser um oficial do serviço secreto tinha suas vantagens em relação a aeroportos. Dormi praticamente a viagem toda, acordando vez ou outra, mas no final nem vi o tempo passar. E, adivinhem, um menino do banco da frente me perguntou por que estava de luvas. fingiu dormir nessa hora, mas eu vi um meio sorriso.
Quando chegamos a Washington estava realmente mais frio, porém não dei o braço a torcer. Estava sentada em um banco qualquer do aeroporto, esperando comprar cafés, porque aparentemente nosso contato se atrasou no trânsito. Ótimo.
Ouvi uma comoção no lado direito, e, torcendo para que fosse algo que me tirasse do tédio, avistei uma bola de pelos correndo com suas patinhas curtas em minha direção. Não aguentei.
- Ei, ei, menina, vem aqui. – ela mexeu suas orelhinhas fofas, e se aproximou relutante no começo, mas depois praticamente se jogou em meus braços. Sua roupinha cheia de babados fazia cócegas quando ela se agitava e eu ria. Uma senhora ofegante parou ao meu lado.
- Me desculpe. – ela dizia, em arquejos. – Estava despejando a Pérola, mas ela pulou e saiu correndo.
- Que isso. – falei em meio a risos, causados pelas lambidas de Pérola. – Oh, então seu nome é Pérola? Combina com você sabia? É, é sim. Você é uma menina muito lindinha. Ai, mas que coisa mais gostosa. Vamos voltar para a mamãe, vamos? É, é.
Tentando segurá-la direito, que se mexia sem parar, me levantei, levando a cadelinha para a dona.
-É incrível, sabe. Ela geralmente não gosta de ninguém além de meu marido e meu filho. E eu. – a senhora gentil disse.
-Ah, mas que honra! Que bom que você gosta de mim, viu Pérola? Também gosto muito de você, sabia?
Depois de mais algumas lambidas, eu a entreguei para a mulher, que se despediu e seguiu seu caminho. Escutei uma risada atrás de mim. estava parado ali, com dois cafés nas mãos, e um olhar divertido no rosto.
- Gosto de cachorros. – disse.
-É, eu percebi. Ela também parecia gostar de você.
Dei de ombros.
-Ela é muito fofa. – respondi, observando a dono e a cadela desaparecer entre a multidão.
-Sim, é. – foi que ele disse. Mas olhava para mim, ao invés.

***

Quando chegamos ao hotel era quase hora do almoço, mas eu estava cansada demais, então tomei um banho demorado e pus logo meu pijama. Era uma camisola antiga de panda, uma das únicas peças de roupa que eu tinha desde cinco anos atrás quando acordei no hospital. Era do meu passado e, mesmo ela batendo em minha coxa, e estando mais para uma camisa que camisola, eu adorava senti-la sobre minha pele.
Batidas fortes na porta e a voz grave de :
-Princesa, não tenho o dia todo. – ele disse, e logo acrescentou. – Está de luvas?
Bufando, peguei-as e as coloquei, para então abrir a porta. Sim, eu sei, burra eu. congelou no lugar, os olhos bem abertos, olhando para mim. E então seu sorriso, que por algum motivo voltara a ter calor depois do episódio com Pérola, se alargou.
- Oh, você pretende ir ao restaurante assim, Princesa? Não que eu possa reclamar. – ele perguntou, descendo os olhos pele meu corpo vagorosamente. Detiveram-se em minhas pernas por muito mais tempo do que o necessário.
- Não, oficial, acho que não vou almoçar. – disse, tentando cobrir certas partes.
-Oh não, é alguma dieta maluca que vai fazer você desmaiar e provavelmente me dará problemas? Sabe, por enquanto eu preciso de você com saúde.
- Ah, qual é, . – falei, meio brincando, meio brava, e fingi dar um soquinho em seu ombro. Ele se moveu rápido demais, sem que eu percebesse.
E então sua língua estava brigando com a minha.
Um passo para frente e ele estava dentro do quarto, fechando a porta atrás de si com o pé. Suas mãos desceram e apertaram minha cintura, me fazendo soltar um gemido entre o beijo. Isso o excitou ainda mais. Minhas mãos subiram para sua nuca, puxando de leve seu cabelo macio, enquanto nossas línguas batalhavam, competindo para ver quem dava mais prazer ao outro.
Na pausa para respirar, ele atacou meu pescoço, e não teve interferência desta vez. Desta vez éramos apenas eu e ele. Voltando de onde tinha parado, ele mordeu forte entre a base do meu pescoço e o começo do meu ombro, e mesmo tendo doido um pouco, não resisti e puxei seu cabelo mais forte.
Caímos juntos na cama, e colocou cada braço em um lado da minha cabeça, continuando a beijar meus lábios. Virei as posições, agora ficando por cima, e comecei a retirar seu sobretudo, soltando um palavrão baixinho quando analisava a outra camada de roupa que ele vestia. Digeri-me a calça, sabendo que haveria apenas uma delas.
A tirei de uma vez, e ele se sentou, de cueca e blusa, com seus braços fortes ao meu redor, ainda me beijando. Suas mãos foram aos meus seios, mesmo que cobertos pelo fino pano da camisola, e os apertaram fortemente, me fazendo dar uma rebolada em seu colo, como retribuição. Nós dois gememos.
O oficial se desenvincilhou de mim, e me jogou contra os travesseiros. Uma mão na minha nuca, e a outra passeando pelos meus ombros, cintura, costas, contornando os quadris. Ele a deixou na parte interna da minha coxa.
- ... – sussurrou, antes de escorregar um dedo em minha intimidade, por cima da calcinha já molhada. Com o meu ventre pedindo por mais, ele empurrou o pedaço de pano e me penetrou fundo com seu dedo, arrancando um gemido animalesco de minha garganta.
- Tão... Apertada... – ele continuou, quando colocou mais um dedo dentro de mim, fazendo movimentos lentos. Pedi por rapidez. Ele explodiu. Seus dedos entravam e saiam de mim incontáveis vezes, fazendo movimentos bruscos, e seu dedão esfregava meu clitóris, me entregando a um prazer efervescente. Não satisfeito apenas com isso, sua boca sugava meu peito, por cima da camisola, e logo eu não conseguia mais fazer nada além de gemer e empurrar sua cabeça para mais próximo de meus seios.
E eu ainda estava totalmente vestida.
Uma beliscada em meu clitóris e eu cedi os pontos, gozando em sua mão, gritando. Peguei-o pelos pulsos, lambendo o líquido, sugando seus dedos, com meus olhos nos deles, deixando claro todas as minhas intenções. Seu conteúdo já estava completamente duro, e me dediquei a desabotoar sua camisa, imaginando todas as coisas pervertidas que eu queria fazer.
Com ele apenas de cueca, passeis as unhas por seu tórax, pousando-as em algo que ainda não tinha visto. Uma tatuagem, um pouco mais acima do lado esquerdo do peito. Pareciam desenhos aleatórios, em preto, mas percebi que esses traços elaboravam uma forma.
Um trevo de quatro folhas.
- Algum significado especial? – perguntei, traçando o dedo enluvado pelas linhas. Seu corpo inteiro se retesou. Levantei a cabeça, com cuidado, já temendo com o que estava por vir. Estava certa. Nunca tinha visto tamanha intensidade naquelas esmeraldas, que novamente me ultrapassava, vendo algo que não estava ali. Eram sentimentos caóticos.
Tristeza. Decepção. Raiva.
Uma mistura melancólica do que há de pior. Emoções que você confina dentro de si mesmo, que tranca com correntes em seu coração. Mas, de algum jeito, é ela que te prende em uma jaula e joga a chave fora.
Sem uma palavra, ele se levantou, pegou suas roupas no chão, as colocou e partiu. O barulho da porta se fechando ressoou em meus ouvidos até a hora que o cansaço me dominou. E um trevo de quatro folhas me perseguiu até os sonhos.
Acordei com dor de cabeça. O relógio do meu celular marcava 16h: 30min, e meu estômago roncava em protesto. Meio cambaleando, troquei de roupa e desci pelo elevador, para comer algo. Lanche feito, voltei ao quarto, onde assisti filmes até dormir novamente.
Estava na sala de espera da Penitenciária esperando para ver o criminoso, Walter. Estava um pouco impaciente e ninguém me dava nenhuma explicação. Até desapareceu assim que chegamos ali, , aquele que não me olhava diretamente nos olhos desde ontem. , que me excitava apenas de falar com aquela voz grave. . Meu Deus.
- Levanta-se. – apareceu. – Walter está te esperando na sala de interrogatório.
Dizendo isso, deu as costas e começou a andar, me obrigando a correr para alcança-lo. Ele estava tremendamente arrependido de quase ter feito sexo comigo. Isso não me deixava triste. Não! Mas sabe... Uma mulher tem seu ego e ele estar um pouquinho ferido era algo natural, certo?
Ele parou abruptamente e eu esbarrei nele. Suas costas paralisaram e eu logo desfiz o contato.
- Aqui. – ele disse, apontado para a porta. – Eu vou ficar na sala ao lado, vendo tudo. Não precisa se preocupar, dois policiais estarão juntos com você durante o processo. Qualquer perturbação e nós a retiramos de lá. Você apenas precisa ver suas lembranças. Sem nenhum perigo.
- Okay. – respondi, entrando. O lugar era pequeno, todo cinza, com apenas uma mesa no centro e duas cadeiras. Em uma parede havia um vidro, mas não conseguíamos ver por ele. Os dois policiais estavam ao lado de Walter, que se encontrava sentado em uma das cadeiras, postura ereta, como se estivesse comendo em um restaurante chique. Me acomodei em sua frente.
- Olá, jovem moça. – ele disse, com um sorriso cordial. Sua barba precisava ser feita, e havia sombras embaixo de seus olhos, mas ele continuava digno. Como se nunca estivesse na cadeia. – É você que me interrogará agora? Dei sorte grande. Você é muito mais bonita e agradável do que o outro.
- Obrigada. – disse, sem saber o que responder.
- A verdade tem que ser dita, querida. – sua voz era calma e firme, como a de um advogado deveria ser. – É muito melhor te olhar do que os guardas da minha cela.
Balancei a cabeça e retirei a luva da minha mão direita.
- Isso será rápido, Walter. – falei, então juntei minha mão a sua, me concentrando no que queria procurar. Ele sorriu.
- Que pena. – e falou mais alguma coisa, mas então eu já havia mergulhado em um redemoinho negro.

*** ***


- Querida, você está indo a Paris? – perguntei, enquanto Sue arrumava apressada sua mala.
- Ah, sim. Foi uma chamada de última hora. – ela falou, segurando duas blusas. – Voltarei daqui treze dias. O Sr. quer nos levar em uma exposição que terá por lá. Decidida, ela fechou a mala e me encarou.
- Desculpe, eu sei que teríamos um almoço especial esta semana. – ela disse, com uma voz triste.
- Não fique assim. Sempre podemos marcar outro dia. Aproveite, o taxi já está te esperando.
- Certo.
Pegando suas coisas. Sue me deu um selinho e então desapareceu pela porta. Esperei algum tempo se passar antes de pegar meu segundo celular e discar.
- Charles? Sim, sou eu, Walter.
- Me ligando a essa hora do dia? Algo ruim aconteceu? – ele perguntou, sempre pessimista.
- Não, Sue está indo para Paris, é melhor adiantarmos. Tenho 13 dias de descanso.
- Sério? Ótimo então, estou passando ai.

*


Charles chegou ao meu apartamento com seu usual estilo pessoa do bem.
- E então? – perguntei, enquanto abria um whisky para nós dois.
- Cézar já está fazendo o trabalho. – ele respondeu.
- E ele é de confiança?
- Trabalha comigo desde que cheguei aqui.
- Espero que sim, Charles. Não quero que meu plano vá para o espaço porque algum marmanjo não soube fazer seu trabalho direito. – falei, ameaçador.
- Isso não vai acontecer. – Charles me garantiu. – ele pegará os gêmeos na saída da escola e depois levará a uma casa alugada com um nome falso. E então você só precisa contatar os papais.
- Sim.
Rindo, bebemos até acabar a garrafa.

*


- Também te amo, Sue. Boa noite.
Mal desliguei, fiz outra ligação. O homem atendeu na hora. Já estava desesperado. Sorri.
- Peter, como vai? – perguntei, falando através de um aparelho para distorcer a voz. Ele não me respondeu. – E os filhos?
- Seu desgraçado. – Peter rosnou.
- Ah, não devia falar assim com alguém que tão gentilmente se propôs a cuidar de suas crianças. Parabéns, alás. Eles são obedientes. Uns anjinhos.
- O que você quer?
- Agora estamos falando a minha língua. Digamos que, sei lá, o sócio do Banco Central de Washington visitasse o lugar não seria estranho certo?
- Dinheiro? É o que quer? Apenas me diga o quanto, não é necessários joguinhos.
- Ah, mas Peter, o que eu quero você nunca conseguiria me pagar. E é por isso que meu alvo é outro. Agora, me escute, alguém vai te contatar dizendo exatamente o que é para você fazer. Essa conversa não sai daqui, e saberemos se você falar a polícia. Faço tudo o que eu pedir se quiser ver seus preciosos filhos novamente.
Um silêncio no outro lado linha e uma voz quebrada.
- Tudo bem.

*


Eu parei em frente a casa onde Charles, Cézar e os gêmeos estavam. Era pequena, branca, com um jardim cheio de flores, idênticas a tantas outras ao redor. Uma típica casa do subúrbio. Charles apareceu e entrou no carro.
- Você sabe que podemos pedir para outra pessoa fazer isso. – ele apontou, depois de um tempo.
- Não posso confiar essa quantidade de dinheiro a um capanga. – respondi.
- Okay. Sr. Peter, fez seu trabalho?
Ri.
- Aquele cara está totalmente em nossas mãos.
- Ótimo.
Seguimos ao banco.


*


-Hahaha! – estava meio bêbedo, no bar e duas prostitutas de cada lado. Geralmente não me permitiria fazer grande alarde, mas hoje foi uma exceção. Os 37 milhões eram meus. Era um motivo de comemorar. Charles, ao meu lado, fazia a mesma coisa.
Já havia pagado a parte dele e enviado metade para um banco na Suíça no nome de Sue. O resto escondi em um cofre na fazenda de meu pai. Tudo estava correndo exatamente como planejei.
- Um brinde, meu amigo. – disse. E brindamos.

*


Era madrugada, mas eu ainda estava acordado. Comecei com uma taça de vinho, mas já a havia largado e estava com a garrafa mesmo. Meu telefone tocou e pensei em não atender, mas no visor o nome “Charles” brilhava, chamando minha atenção.
- Sim? – perguntei, em meio a mais um gole.
- Eles estão atrás de você, você sabe. – foi direto ao ponto.
- Quem? - disse, enquanto brincava com o controle da TV.
- Quem você acha? Os policiais. Eles já rastrearam sua conta na Suíça. Parece que Sue foi detida na França.
- É o que aquela vagabunda merece. Tenho certeza que estava transando com algum francês fajuto em vez de trabalhar.
- Não é com isso que estou preocupado.
- Ah, Charles, Charles. Sempre pessimista.
- EU? Não sei como está tão calmo.
- Você apenas se esqueceu de um número nessa equação, Charles.
- Nunca fui bom em Matemática então, por favor, me esclareça.
- Temos ainda duas crianças.
Uma exclamação, e então um resmungo de entendimento.
- O trabalho de Peter ainda não terminou. – esclareci.

*** ***


Pisquei. Desencostei nossas mãos, com nojo. Ele me olhava com interesse, sem nenhuma noção. As crianças.
- Você está bem? – ele tentou pegar minha mão, mas eu as puxei. Ele sequestrou as crianças. – Por um momento seus olhos perderam o foco e brilharam.
Sem responder me levantei, indo em direção a saída, cambaleando. Me escorei na parede fria, ofegante. A mente daquele homem... Tão diabólica. As crianças.
A porta se abriu e entrou, me puxando pelo braço. Coloquei a luva, enquanto ele me sentava e ia pegar um copo d’água. As crianças. O oficial se ajoelhou a minha frente.
- Você está bem? – perguntou.
- Sim. – Não. As crianças. Meus Deus, as crianças.
- Tem certeza? Está pálida.
- Só preciso... Respirar.
Alguns copos de água depois, minha tremedeira passou e eu já conseguia falar normalmente. Precisava ir as crianças.
- Mas, deu certo? Você não ficou lá nem por três minutos. – olhou para mim.
- Apenas um toque e eu consigo ver tudo. Rápido assim. Parece pouco tempo, mas é como funciona.
- Certo. E então, você sabe onde está o resto do dinheiro?
- Sim, mas isso não é o que importa. Precisamos resgatar... As crianças.

*


O carro virava rápido, passando pelos sinais, subindo em calçadas. Logo após contar um resumo aos policiais, eles prontamente pegaram as viaturas. Eu fui junto, para ajudar identificar a casa.
- Senhorita ? É por aqui?
- É, é... Pode ir um pouquinho mais rápido? – respondi, me guiando pelas lembranças de Walter. Chagamos ao bairro e eu apontei a casa branca, parecendo tão normal. – Tem um cara, um cara com as crianças. Cézar.
Fizeram o cerco ao redor da casa, com as armas a postos. Sai do carro com , que me fez ficar mais para trás.
- , o que eles estão fazendo? Eles precisam pegar as crianças. As crianças! – falei, me agitando.
- Calma. Calma. – ele disse, segurando meus ombros. – Eu sei que você quer ir até elas, mas se simplesmente entrarmos ele poderia matá-las. Operações com reféns necessitam paciência.
Suspirando, tentei me acalmar em vão. Um dos policiais pegou um megafone e anunciou.
- Sabemos que está aí. Saia com as mãos para o alto.
Silêncio. E então um movimento. Em seguida tiros. Tiros. Tiros. Tiros. Me abaixai, em pânico, cobrindo meu rosto com as mãos, tentando não pensar em nada. Isso continuou até que um som diferente de arma soou, para em seguida uma calmaria. Ninguém falava nada. Apenas respirações eram escutadas.
- O suspeito foi atingido. Morto. Vamos entrar. – alguém disse. Corri.
- Espere! – o meu oficial gritou.
Juntando-me aos primeiros policiais, entrei na casa. Senti algo molhar meus pés. Meu café da manhã quase voltou enquanto eu dava passadas para trás tentando me esquivar do sangue, tanto sangue que parecia me perseguir. Bati em um peito forte.
- É por isso que você deveria esperar. – falou, bravo, mas me virou e colocou minha cabeça em seu tórax, me privando daquela cena. Sua mão afagava meu cabelo, a outra apertava minhas costas, enquanto eu soluçava, mas nenhuma lágrima escorria. Não. Eu não chorava fazia cinco anos.
- Achamos as crianças! – uma voz gritou, do andar de cima. Retirando força de algum lugar, comecei a subir as escadas, com a cabeça para cima, repetindo para não olhar para baixo, que era apenas água. Assim que cheguei, deparei-me com um ursinho de pelúcia rosa. Estava meio sujo, mas o peguei e segui vozes até um quartinho de limpeza.
Quase deixo o urso cair.
Ali, num espaço claustrofóbico, estava o casal de gêmeos, Alex e Lilia, abraçados um no outro, sentados no canto do quarto. O menino, de algum jeito, tentava proteger a irmã, colocando-se na frente dela mesmo com as lágrimas que caiam e suas mãos que tremiam. Os dois estavam encardidos e suas roupas amarrotadas, e choravam, desesperados.
Porém não faziam nenhum som.
Apertando mais o brinquedo em minha mão, me aproximei dos dois, que não pareciam entender que estávamos ali para ajudá-los. Olhando para os policiais enormes, armados, pude entender porquê.
- Ei, seu policial. – sussurrei. – Eu posso... É, tentar falar com eles? Talvez uma figura feminina os acalme mais do que um bando de homens armados.
Ele pensou um pouco antes de assentir, falou para os outros e abriu o espaço para que eu pudesse chegar perto das crianças.
- Hey, está tudo bem. – falei, calma e com a voz baixa, me agachando para ficar na altura deles. – Eu achei isto aqui lá na frente. É seu?
Perguntei, enquanto exibia o ursinho rosa, não fazendo nenhum movimento brusco. A cabecinha ruiva de Lilia se mexeu e escutei um sussurro:
- Teddy.
- Oh, Teddy é o nome dele? Ele estava com saudades de você. Vai querê-lo de volta? – falei, fazendo carinho no Teddy. Mãozinhas hesitantes se aproximaram, mas não o bastante. Empurrei o brinquedo, e ela o pegou, o abraçando.
- É, daqui a pouco vocês e o Teddy poderão ir para casa. O papai já já vai chegar.
Eles abriram os olhos, assustados.
- Não. – Alex disse. – O homem mal disse que ia nos bater se a gente chamasse o papai.
Meu coração encolheu.
- Não precisam se preocupar com isso. Já demos um jeito no homem mal.
- Cuidado. – Alex avisou. – Se não ele vai bater em você também.
Achei que a morte foi pouco para ele.
-É, mas, me deixe contar um segredo. Na verdade eu sou um super herói.
- Não, você não é. Você não tem uniforme. – Alex rebateu.
- Sim, agora eu estou sem uniforme. É porque eu estou disfarçada. Não quero ninguém descubra minha identidade secreta. Contei para vocês porque são de confiança.
- Verdade? – Alex perguntou.
- Sim, mas tem que ser segredo. O homem mal já está de castigo. Quando vocês fazem coisas erradas vocês ficam de castigo também, não é?
Eles assentiram.
- Então... O homem mal não vai mais brigar com a gente? – Lilia perguntou, com a vozinha fina.
- Não, querida. Nunca mais.
E, como se apertado um botão para ligar, os dois se desataram a chorar, gritando a pleno pulmões, jogando para fora tudo o que eles esconderam durante o tempo que ficaram presos. Cheguei mais perto, aonde eles vieram ao meu colo e os abracei, afagando suas cabeças, como fazia a pouco comigo. Eu murmurava palavras doces e calmas, enquanto suas mãozinhas sujas agarravam minha blusa, dizendo coisas incoerentes.
Um homem e uma mulher apareceram na porta, ofegantes, chorando e desesperados. Ao verem as crianças, eles vieram até mim, onde entreguei-as. Todos choravam, enquanto se abraçavam, mas riam no meio das lágrimas. Foi uma das cenas mais bonitas que já presenciei. Saindo de fininho para dar privacidade, mas continuava a olhar aquela família, de fora do quarto. Mesmo concentrada, imaginando se algum dia isso aconteceria comigo, senti olhares em minhas costas, e me virei para ver quem era.
Encontrei um par de olhos da cor de esmeraldas brilhando em adoração.
Sangue subiu em meu rosto e, depois de cinco anos, corei. Ele percebeu meu olhar e tentou disfarçar, porém já não havia volta. Nada me faria esquecer da adoração que eu vi. Com um humor melhor, como se tivesse lavado a alma, desci pelas escadas, saindo da casa.
Uma brisa gostosa e um beijo do sol me cumprimentaram.

***


- Gostaria de agradecê-la, , do fundo do meu coração. – General Lion disse, com aquele chapéu do exército no peito, e fez uma leve reverência.
- Não foi nada, General. – falei, tentando deixar de lado o fato do porque concordei em ajuda-los em primeiro lugar. – Falando nisso, o resto do dinheiro está em um cofre, na fazendo do pai de Walter. A sequência é 576-983-210, e está embaixo de um quadro retratando a avó de Walter. Ela está usando um chapéu bem grande, de palha.
- Oh, claro. Iremos rastrear essa propriedade agora mesmo. – ele afirmou, falando com alguém pelo rádio. Charles já estava sob custódia e Sue fora liberada, decidindo ficar na França mesmo. Um pedido de divórcio veio pelo correio. – E agora, creio eu, está na hora de completar nosso acordo.
Meu coração batia forte no peito e minha mão suava frio. Depois de tanto tempo, tanto, com a esperança quase acabada, aquilo chegou e a restaurou, me fazendo acreditar que agora, agora, eu iria conseguir. Iria saber o que aconteceu comigo.
- Bom, pelo que me disse você está procurando pessoas, que de algum modo, esteja relacionada com você até seus dezesseis anos. Nossa Inteligência já está lidando com isso. Mas, ... – ele disse. – Você alguma vez já se perguntou porque suas lembranças desapareceram?
Sim. Todos os dias nesses últimos cinco anos. Mas, não era isso que eu precisava descobrir. Eu poderia viver sem jamais saber disso. Porém, não saber sobre as pessoas que fizeram parte da minha vida... Isso eu não conseguiria.
- Sim, mas isso seria impossível para mim. – respondi, ao invés. estava em pé, junto à porta, enquanto eu observava, sentada, o General em sua imponente poltrona.
- Bom, isso não foi impossível para nós. Você gostaria de saber? Não era minha prioridade, mas...
- Sim. – falei.
- Olhe. – ele disse, pegando uns exames da gaveta e os abrindo. – Esse foi um exame feito na autópsia da mulher que foi encontrada junto com você no hotel, há cinco anos. Vê essa parte aqui no cérebro? É o local reservado para lembranças. Agora, olhe o exame de uma pessoa normal. Percebe a diferença? O tamanho do da mulher é bem maior do que de uma pessoa normal. Veja também a intensidade da cor deste local. Isso significa que a frequência emitida também é diferente.
- Certo.
O General continuou: - Com base nesses exames e com informações da Senhora Dolly, sabemos que a mulher não era um ser humano normal. E que, além de poder ler as memórias dos outros, ela também tinha outra capacidade. Ela podia... Roubar essas lembranças. A senhora Dolly disse que esse tipo de frequência significa que uma grande quantidade de lembranças foi roubada.
- Quer dizer que ela... Que ela... Que ela ROUBOU minhas lembranças? Que durante todos esses anos em que eu vivi, insegura e com medo, sofrendo por não me lembrar das pessoas que eu amo, foi por responsabilidade dessa mulher que tomou o que ela quis de dentro da minha cabeça? Que tipo de monstro faz isso?
Falei, rapidamente, alterada de mais para raciocinar. A raiva se misturou com a tristeza, formando um bolo de emoções negativas, que me fazia querer distribuir socos e chutes por aí. Eu simplesmente não conseguia aceitar que tudo isso foi causado por alguém. O General pareceu desconfortável e disse:
- Olha, eu poderia não contar, mas é algo que você precisa saber. Os exames que fizeram em você... Bem, eles também mostram o mesmo tipo de frequência do que o da mulher.
- Oi? – sussurrei. – Quer dizer que eu também, que eu também roubei lembranças de alguém?
- Sim. – O General disse, hesitante.
- Oh, não, não, não, não, não. – Murmurava, me levantando. Me dirigi a porta, onde me olhava preocupado. – Eu preciso de uma cerveja.
Passava pelos corredores, com ao meu reboque. Os sons, as vozes, tudo ao meu redor não fazia importância. O Oficial não disse nada, porém perdeu a paciência quando eu quase trombei com a parede.
- Escuta, eu sei que você está chocada, mas precisa recuperar o controle. – ele falou, segurando fort em meu braço. Ri, com nenhum resquício de humor.
- Oh, , . Recuperar o controle? Você faz ideia do quanto que eu sofri, do quanto que eu me perguntei o que eu havia feito de errado a Deus para merecer isso? Ser um pedaço oco de carne, sem lembrar do seu passado? É, agora eu sei o que eu fiz. Infligi a outra pessoa exatamente o que eu senti. Bem merecido, não?
- Cale a boca.
- Ah, por quê? Já que eu sou o monstro mesmo devia simplesmente largar as pontas, não acha? Quem sabe roubar uma loja, vender bebida para menores, ou fazer sexo de cinco?
- Eu mandei calar a boca. – ele rosnou, ameaçador. – Você é um monstro? Então porque a cachorra da senhora se jogou a você como se fossem amigas de tempo? Por que os gêmeos confiaram em você, de todos que estavam ali, depois de terem sido mantidos presos por dias? Você pode estar pisoteada em um poço fundo, mas fez isso com seus próprios pés, Princesa. Ninguém aqui está te julgando.
Foram aquelas palavras duras, o aperto firme, que me trouxeram a realidade, mais eficaz do que qualquer palavra doce jamais faria.
- Obrigada. – disse, murmurando. – Obrigada.
Ele me deu um beijo terno na testa.
- Ao seu dispor.

*


- Então, hã, me desculpe por sair daquele jeito, General. – falei, envergonhada. Estávamos novamente em sua sala, porém agora sentara ao meu lado.
- Não se preocupe. Foi um choque, eu entendo.
- Mesmo assim...
- Sabe, , acredito que a única razão para sermos tão apegados em lembranças é que elas nunca mudam. Mesmo que as pessoas tenham mudado. Por isso, querê-las de volta é natural.
- Obrigada. – falei, realmente agradecida.
- Bom, enquanto nossa equipe da Inteligência faz seu trabalho, eu vou mandar vocês dois para a Senhora Dolly.
- Dolly, tipo, Dolly, a ovelha? – perguntei. Ele riu.
- Sim, mas não comente isso perto dela, senão ela ficará brava. Ela é uma senhora com poderes videntes, e tem um vasto conhecimento no sobrenatural. Assim acho melhor você ir falar com ela.
- Okay.
- A Major os levará a até a casa de Dolly. É em um bosque, há algumas horas daqui.
- Certo, e muito obrigada, General.
- Não há de que.


***


Estávamos no carro fazia três horas. e a Major iam no banco da frente e eu tentava me ajeitar no de trás. Nos encontrávamos no meio de uma conversa agradável, apesar da Major ser meio rígida.
- Não entendo muito essa tal de lembrança. – Ela dizia. – Acho que sou meio dura para me emocionar com aquilo que se foi, se passou é porque não me pertencia, se ficou, dou valor do meu jeito e sem exagero para não sofrer.
Entendia o que ela queria dizer, e seria muito mais fácil se eu fosse assim também.
- Chegamos ao ponto onde o carro pode ir. – ela anunciou. – Agora é só seguir essa trilha que vocês encontrarão uma cabana. Vou espera-los aqui, já que a senhora Dolly só solicitou vocês. Sendo uma das principais informantes do governo, seria ruim deixa-la brava.
- Ok. – disse, saindo do carro e começando a caminhada ao lado de .
- Ah, e... A Senhora Dolly é um pouco... Bem, vocês verão. - com essas palavras ela fechou o vidro do carro.
O lugar estava fresco e silencioso. A típica floresta em que os mocinhos entram e saem mortos. Não que eu seja a mocinha da história.
Minha respiração saía em arfadas, enquanto meus passos me direcionavam ao meu destino. Apesar de ter me acalmado depois da bronca de , eu continuava apreensiva. Não sabia se queria lembrar de tudo de ruim que eu fiz, mesmo sendo por boas intenções. E se o que disse fosse mentira? E se eu gostasse de roubas lembranças? E se, e se? Suspirei. Uma vez li sobre o "se". Uma palavra de duas letras, sinônimo de inutilidade. Suspirei de novo. Concordava plenamente.
- Pare de suspirar. - ele disse. - Você fez tudo que fez para estar aqui.
- Eu sei. - murmurei. - Acontece que eu vejo o crepúsculo.
- Como?
Bati o pé, com raiva por ter que explicar.
- Eu vejo o crepúsculo, entendeu? Quando está no finalzinho do dia, quase noite, mas não totalmente. O céu fica escuro, mas ainda há raios de sol esperançosos que passam pelas nuvens. Mas, uma vez que eu fiquei ali por mais tempo... O sol vai sumir, e eu estarei na escuridão.
Ele parou ali, me analisando. Porém, por alguma razão, não disse nenhuma palavra, nem pareceu nervoso. Apenas estava medindo o que eu disse, ponderando minhas ações.
- Mas... - ele começou. - E se você ficar ali por mais tempo? A noite irá embora e o sol voltará novamente. É um ciclo.
- Não é... Não é assim que funciona.
- Então você está negando o que uma pesquisa de séculos e milhares de cientistas com um Q. I. muito superior ao seu afirmam? - riu, se aproximando de mim. Tão, tão perto. Um movimento e nossas bocas estariam coladas. Seus olhos brilhavam como nunca. - O sol... Nunca desaparecerá.
E então nossas bocas se...
- Hey, eu sei que os pombinhos estão com o fogo aceso, mas temos um trabalho a fazer! Sexo só depois da gente terminar nossas tarefas! Uma velha, segurando uma colher de pau, vestido florido, com o cabelo todo branco preso em um coque desarrumado no alto da cabeça e a cara toda enrugada apareceu.
- Quem é você?! - perguntei.
- Quem mais estaria em uma floresta na frente de uma cabana?
- Senhora Dolly? - falei, e então notei a pequena casa de madeira, com fumaça saindo da chaminé. - Eu nem tinha visto a casa aparecer. Ele me deu um sorrisinho, em segunda olhou de esguelha para .
- Claro que não. - foi o que ela disse, antes de se virar e ir em direção a casinha.
Ficamos apenas olhando-a.
- Estão esperando o que? Um telegrama cantado?
Eu e nos encaramos, e seguimos aquela velha, a tão falada Senhora Dolly. A "casa" era realmente pequena, mas aconchegante; um cheirinho gostoso vinha da "cozinha", mas tudo era tão apertado que bati em uma mesa, derrubando alguns livros.
- Desculpa. - disse, abaixando para pegá-los. Senhora Dolly apenas mexeu as mãos, sinalizando que não se importava.
- Senhora Dolly... - comecei, mas ela me interferiu.
- Só Dolly, por favor. Não me faça me sentir uma velha. Isso aqui - ela falou, apontando para si mesma. - Ainda vai durar muito.
- Okay. Então, Dolly... - mas fui interferida de novo.
- Sim, sim, negócios a tratar, mas estava bem no meio de uma receita de sopa que Santo Eros! É demais, vocês vão ter orgasmos só de prová-la. - ela disse, enquanto experimentava um pouco. - Hum, precisa de mais pimenta.
- Eros não é um deus do sexo? - murmurou. Dei de ombros. Dolly corria para lá e para cá, pegando e murmurando coisas, jogando-as no caldeirão, deixando eu e plantados no meio da sala.
- Santo Eros! A lenha está quase no fim! Por que eu cismo em continuar com um fogão a lenha? - e então, a velha se virou e mirou seus olhos em . - Você!
-Eu? - ele repetiu.
- Sim! Poderia ir lá fora e pegar um pouco de lenha para esta velhinha adorável e frágil? Tem umas toras atrás da casa, mas é preciso cortá-las em pedaços menores. - suspirou exageradamente. - Eu vivo aqui, sozinha, nessa floresta. Uma pessoa da minha idade não consegue fazer o que jovens fazem.
-Ah, certo. Eu o farei.
-Oh, sério? É muito gentil de sua parte se oferecer. - Dolly falou, e pegou um machado que estava atrás do armário. - Aqui.
Ela colocou o instrumento com facilidade em uma mesinha, mas o peso a fez quebrar. Meu oficial se aproximou e segurou o machado.
- Meu Deus. Isto aqui deve pesar no mínimo dez quilos.
- Quer outro? Tenho um mais pesado em alguém lugar por aqui...
- Não precisa. - eu falei, com medo do quão pesado pudesse ser. -, pode ir.
Ele deu de ombros e saiu pela porta. Fiquei no mesmo lugar, pensado no que falar, observando enquanto Dolly continuava a fazer sua sopa. Alguns minutos se passaram, até que ela tampou a panela.
- Ótimo! Agora só falta cozinhar mais um pouco e estará pronta! Vamos, querida, sente aqui no sofá.
Nos acomodamos, e eu estava prestes a perguntar quando um barulho lá fora me chamou a atenção. Pela janela, consegui ver o que era. . Oh, Meu Deus.
Sem a camisa, ele cortava as toras, levantando aquele machado pesado, fazendo seus músculos peitorais se mexerem, numa imagem de deus grego. Apesar do friozinho, suor caia por seu tronco, indo, escorregando, até se perder no cós de sua calça e imaginei o que havia por lá.
Lambi os beiços inconscientemente.
- Pode se masturbar, querida, eu não ligo não. - ela disse, compreensiva.
- Co-como... O que... O que disse? - me embaralhei, chocada.
- Se um olhar comesse alguém... Ele já estaria sem um bom pedaço. Ah, não precisa se envergonhar. - ela disse, rindo e mexendo as mãos. - Ele olha para você desse jeito também. Quando abaixou para pegar aqueles livros... Nossa, achei que ele fosse te atacar ali mesmo! Não se preocupe!
- Hã, eh, Hã... - continuei, sem conseguir formular palavras.
- No meu tempo era assim também, porém tudo escondido! Eu adoro essa liberdade sexual que a modernidade dá. E, deixe eu te de ensinar umas coisinhas bem úteis. Hoje em dia tem aqueles, aqueles, como chama? Óleos aromatizados, né. Dai você lambuza em sua mão, e começa com os dois dedos, o indicador e o do meio bem fundo, enquanto o dedão você acaricia...
- OKAY, JÁ ENTENDI! - gritei, quando as palavras voltaram subitamente. - O que você já entendeu? - apareceu, ainda sem camisa. - Ai ai - com as toras na mão, nos olhando curioso.
- Ah, eu estava ensinado a ela umas técnicas de mas...
- Máscaras! - a interrompi, falando rapidamente. - Uma máscara, é, noturna, né, você passa antes de dormir, pros olhos, sim, pros olhos. Para ficar mais jovem.
Dolly soltou uma risada nasalada.
- Isso realmente sempre me deixa mais jovem! Ah, meu filho, pode colocar a lenha lá no fogão.
- Certo.
Ele se virou, nos dando uma boa olhada de seus músculos traseiros.
- Mas que bundinha, hein. Escolheu bem. - ele sussurrou para mim, fazendo joinha com o dedão.
"Ah, e... A Senhora Dolly é um pouco... Bem, vocês verão." Foi o que a Major disso. Pervertida. Sexomaniaca. Muito obrigada por explicar, Major. Eu realmente gostei de chegar na casa bem ignorante desse fato. voltou e se sentou ao meu lado.
- Bom, agora podemos tratar de negócios. - ela anunciou. - Eu sei sobre a sua situação, . Suas lembranças foram roubadas por um ladrão de lembranças. E, ao contrário do que pensa, não foi só sobre as pessoas importantes. Sua habilidade de roubar não apenas de ler, e tudo o que você fez com ela. E agora você as quer de volta.
- Sim. - digo, hesitante, mesmo tendo sido uma afirmação e não uma pergunta. Ela suspirou.
- Lamento, mas recuperar lembranças roubadas é impossível.
- Oh. - foi apenas o que consegui dizer. Não sabia se estava triste ou aliviada.
- A menos que você as roube de volta. - ela terminou.
- Ah. - novamente, não sabia se estava triste ou aliviada.
- Mas a mulher que as roubou está morta. - interviu. Ah, é, tinha esse problema.
- No caso da mulher morta, as memórias que roubou ficam presas em seu corpo, já que não podem ir para o céu, ou inferno, porque são lembranças de alguém ainda vivo. Assim, você só precisa ir até onde ela repousa. Não é necessário contato com as mãos.
- Como então? - perguntou, parecia com medo de ficar estusiasmado.
- Sendo as memórias de , assim que ela ativar seu poder, elas serem atraídos para seu corpo. Como um imã.
- Ah, sim. - ele disse e sorriu.
- Mas, - ela falou, numa voz totalmente diferente. - Eu tenho que te dizer uma coisa, menina. Eu expliquei um pouco para o General Lion, mas gostaria de dizer tudo para você pessoalmente.
Engoli em seco. Ela continuou:
"Você é conhecida pela comunidade sobrenatural. Não apenas por seu poder, mas por causa de seu sangue. Seu pai era muito poderoso. Tão poderoso que todos os países o queriam em seu território, seja para utilizar seus poderes, quanto para manter um olho em suas ações. Os EUA e a Inglaterra era os mais ambiciosos. Mas, um dia, seu pai foi assassinado. Um corpo morto não havia utilidade para o governo. Mas, a pequena filha do ladrão tinha. Tão poderosa quanto o pai, você era o novo alvo. Na época, era o antigo presidente. Eu não expliquei isso ao General, sobre a pequena diferença que havia entre as frequências dos dois exames. Ele presumiu que fosse por você ainda não ser totalmente madura, mas estava errado."
- E qual era? - perguntei, aflita.
- Que você - ela disse, sombria. - roubava lembranças de alguns... Até a morte.
Estourou. Como se eu estivesse flutuando dentro de uma frágil bolha de sabão e a de repente estourasse. E eu caía, caía e então, me encontrava com o chão.
- Como assim? - foi que perguntou. Não importa. Eu estava com medo de ter feito pessoas sofrerem, mas não. Ah, não. Eu as matava.
- Não estou falando de todas, . - ela disse, suavemente. - Mas, as vezes, você perdia o controle de seus poderes. Não conseguia parar de sugar lembranças e então... Levava tudo. Até mesmo a memória de como se respira. E, sem saber como, elas não respiravam, até que seus corações paravam de bater.
- Mas respirar é um ato inconsciente. Não da para morrer segurando a respiração. - rebateu.
-Isso não tem nada a ver com ciência, meu filho. Apesar de com apenas um simples exame podermos saber se algum de nos é diferente, o porque de sermos e como é algo que não dá para explicar. - então se virou para mim - Ela está em um cemitério nesta mesma floresta. Depois da autópsia pedi para trazê-la aqui. Agora, eu sei que está chocada com a informação, mas... Você não quer se lembrar das pessoas que foram importantes para você?
- Eu... Eu não sei mais. - sussurrei.
- O que você está FALANDO? - gritou. - Tudo o que você tem que é ir até esse cemitério e pronto! Agora você NÃO SABE MAIS se quer isso?
- Eu... Eu...
- Você o que?
- Eu... Preciso de ar. - e dizendo isso, me levantei. Não corri, não me apressei. Apenas me arrastei até a porta como um zumbi, sendo perseguida pelos olhares dois dois. Sai, e continuei andando, não prestando atenção específica por onde ia. Acordei quando um galho afiado cortou minha bochecha esquerda.
- Onde...
- Pare onde está. - a voz de veio por trás. Ele não gritava, ao contrário, quase não pude escutá-lo. Quando me virei, não consegui ver seus olhos. Ele tinha colocado sua roupa usual novamente, e parecia um cavalheiro negro. - Vamos.
- Pra onde? - perguntei, estupidamente.
- Para o cemitério. - ele respondeu. Apesar de já saber a resposta, uma onde de raiva percorreu meu corpo. De , dos ladrões de lembranças, da situação. De mim.
- Ah, não. - as palavras nem saíram de minha boca, e ele grunhiu, se aproximando, segurando meus pulsos. Forte.
- Ei, o que você está fazendo? - perguntei, alterada, tentando sair de seu aperto. Ele apenas apertou mais. - Me solta! Larga de ser covarde!
Gritei. Eu me mexia, girava os braços, o tronco, até que consegui sair, escorregando minhas mãos pelas luvas negras. Com o impulso, fui para trás, batendo as costas em uma árvore. Minhas luvas pendiam entre os dedos de .
- Covarde? - ele grunhiu. Conseguia ver seus olhos, que brilhavam, porém estavam escuros, quase pretos. - Covarde, realmente covarde, é apenas quem teme as próprias lembranças.
- Oh, me desculpa se você ama suas lembranças mais que tudo, se vive feliz em suas memórias! - explodi. Ele deixou minhas luvas caírem no chão, se misturando com as folhas.
- Acontece, princesa, - ele rosnou. - que não posso mais viver de lembranças.
E dizendo isso, agarrou meus ombros, descendo suas mãos para os meus cotovelos, levando meus braços a sua nuca, colando nossos lábios.
Sua língua capturou a minha, mas então, eu já havia mergulhado em um redemoinho negro.

*** ***


- , pare! - gritou, mas eu não conseguia ouvir nada. Tudo na minha mente, tudo nos meus sentidos, gritavam para esmurrar aquele cara até a morte. Como, COMO, ele ousava aparecer na festa de aniversário da minha mãe? E, pior ainda, trazendo outra mulher, uma prostituta de esquina, aqui no restaurante? Ele estava pedindo por uns socos e era isso que ele iria receber.
- Ah, que olhar é esse? Deveria respeitar mais o seu pai. - ele disse.
- Você não merece ser chamado de pai. - lati. - Lá. Fora.
Peguei e o arrastei porta a fora. Não deixaria que minha mãe visse o estrago que eu faria nesse vagabundo. Era aniversário dela, e isso não poderia estar acontecendo. Apenas de lembrar o olhar em seu rosto quando ele entrou... Meus punhos se fechavam.
A noite estava silenciosa, mas ainda era cedo. Eu o empurrei, que caiu no asfalto.
- Saia daqui e leve sua prostituta com você. Se não vou partir seus ossos em dois. - ele riu.
- Prostituta? Olha quem fala. O famoso , aquele que as meninas piram. A única diferença entre nós dois é que eu pago um pouco mais para levá-las para cama.
- Eu não pago para dormir com prostitutas. - rosnei, e ele deu de ombros.
- Garotas que se jogam em cima de você oferecendo sexo para mim são prostitutas. E você pode não pagar oficialmente, mas há sempre gastos como gasolina e coisa e tal. E, além do mais, depois da noite não há mais contato, certo? Um sexo casual e tchau. O que você acha que é isso?
- Cale a boca.
- Oh, ficou bravo. Eu tenho tanto direito de estar aqui com você, filhão. Até porque, fui eu quem construiu esse restaurante.
- Sim, mas o juiz determinou que seria o preço dos meses com pensão não pagos. Ou seja, de todos os meses da minha vida.
- Por favor, sem essa agora. Ninguém mandou ela engravidar.
Trinquei os dentes. Se ele morresse iam saber que foi você. Minha parte racional avisava. Que se dane. A minha outra falava. Sim, mas dai você iria para a cadeia e ninguém poderia cuidar da sua mãe. Acalma-se e depois, quando não tiver nenhuma suspeita sobre você, a gente pega ele.
Todas minhas partes concordavam que ele tinha que apanhar. Aquele era o traste do meu pai. Fugindo depois que descobriu que a namorada estava grávida, ele era o melhor exemplo de vagabundo. E, apesar de nos ter abandonado, fazia questão de aparecer no restaurante.
- E, de todo o jeito, eu sabia que era um golpe da barriga para nos fazer cas... - meu punho encontrou sua cara, e sorri quando escutei um estralo.
- Saia daqui, agora. - com o mão no nariz, ele se levantou, entrou em seu carro e partiu, patinando o pneu. Agora só faltava a prostituta lá dentro. Então, algo me chamou a atenção.
Uma garota me olhava. Parada na calçada, ela piscava seus olhos para mim. Mesmo estando apenas de calça e moletom, era incrivelmente linda. Devia ter uns 15 ou 16 anos. Com as maçãs do rosto coradas, olhos expressivos e, claro, um corpo gostoso, era uma das minhas. Se eu não estivesse com sangue nas mãos e esse dia não estivesse tão péssimo como estava, eu iria até ela. Mas não. Ela continuava a me encarar.
- Vai cuidar de seus próprios problemas. - grunhi, e comecei a voltar ao restaurante. Quando estava na porta, me virei, mas ela já tinha desaparecido.

*


- Ah, que merda. - murmurei, enquanto o professor explicava algo que, mesmo se escutasse, não iria aprender. Era realmente de matar ter que ir para a escola -quase- todo dia. Mas, se isso deixava minha mãe feliz era o que eu faria. Principalmente depois do desastre do aniversário de ontem. O sino estridente me acordou.
- Hey, cara. Vamos rápido porque eu quero comprar um daqueles salgadinhos antes que acabem. - disse. Cansado, me levantei e fui com ele até o refeitório.
- Ah, sabe a Lisa? Então ela está caidinha por você. Me pediu seu telefone. Eu, claro, não dei, mas pedi o dela.
- Hum, qual delas é a Lisa? - perguntei, me referindo as líderes de torcida. Afinal, não se daria o trabalho se não fosse uma delas.
- A que fica atrás da capitã. - ele respondeu. Assentindo, entramos no refeitório, onde havia um aglomerado de gente ao redor de uma mesa. Quando notei quem era que estava lá, congelei. Era a garota de ontem.
- Quem é aquela? - perguntei, apontando para ela. riu.
- Nada esperto você, hein. O nome dela é . Chegou com a mãe ontem. Elas moravam em New York. Muito gata ela, né?
- É. - disse. Os olhos da garota se movimentaram na multidão, e encontraram os meus. Achei que ela iria, quem sabe, falar comigo sobre o que ela viu ontem, mas não. Apenas deu um aceno da cabeça e voltou a falar com uma menina.

*


Depois de esperar em uma fila imensa para que conseguisse seu salgadinho, estávamos sentados na arquibancada do ginásio, onde sempre comíamos. Escutei a porta se abrir e alguém entrar. Era ela.
- Hey, vocês! - ela disse e se aproximou. Segurava bolas de basquete, e quando foi nos cumprimentar, elas caíram, quicando por todo lado. Uma delas rolou até meu pé, então a peguei e dei a ela. Nossas mãos se encontraram e seus olhos brilharem e perderam o foco, mas foi tão rápido que achei ser coisa da minha imaginação.
- Ah, obrigada! - ela disse, sorrindo. Eu não respondi. Rolei os olhos. Outra garota que tenta se aproximar de nós, fingindo ter que fazer algo no ginásio. Por que ela estaria com bolas de basquete afinal? Não terá nenhum jogo. Irritante. Hilário, mas irritante. O treinador apareceu e gritou:
- ! Obrigada por me ajudar a trazer as bolas. - e em seguida, colocou as que estava segurando em um carrinho. - Pode colocar essas aqui.
- Okay. - ela disse e, antes de se virar, sussurrou para mim. - Sua mãe é uma boa pessoa.
E, então, foi embora.
- Você achou que ela veio aqui só para falar com a gente, não é? - disse, segurando o riso. - E então quebrou a cara quando o treinador apareceu, não é?
- Cala a boca.

*


Depois de mais um dia entediante de escola, peguei meu carro para ir para casa. Morávamos em um bairro meio longe, então deu tempo de eu pensar besteiras até lá. Droga, preciso de um descanso. Tirando meu celular do bolso, disquei o número que me deu.
- Alô? - uma voz melosa atendeu.
- Lisa, certo? - perguntei.
- Sim, e você?
- . - um silêncio no outro lado e então ela disse, sedutoramente:
- Oh, e o que você deseja, ?
Ri.
- Você sabe.
Ela riu.
- Sim, acredito que sei.
- Pego você às 10:00. - falei, e desliguei quando ela concordou. E, então pensei que isso realmente era coisa de prostituta. Bati com força no volante. Cheguei em casa, chamando minha mãe. Morávamos só nós dois e sempre comíamos juntos. A achei ajoelhada em seu quarto.
- Mãe, o que a senhora está fazendo? - perguntei, e congelei quando vi lágrimas escorrendo livremente em seu rosto. - Mãe, o que aconteceu? Mãe, fale comigo.
Me aproximei e abracei seus ombros frágeis, tão pequena.
- Levaram tudo. Tudo, bebê. - dizia entre soluços. Então notei uma caixa com o trinco quebrado. Eu conhecia aquela caixa. Era onde minha mãe guardava suas joias, que estavam em sua família a gerações.
- Ladrões? - disse, e me assustei. - Mãe, a senhora estava aqui?
- Não, não, estava no restaurante.
- Ah, sim. - suspirei, aliviado. - Eles levaram mais alguma coisa?
- Não. - ela disse - Apenas as joias da minha família. O estranho é que levaram exatamente as que eu mais gostava.
Minha respiração ficou presa. Não ousava botá-la para fora. Uma suspeita, uma afirmação, um objetivo, se formaram em minha mente.
- Okay, mãe. Eu vou à delegacia registrar um boletim de ocorrência. Você vá para a casa da sua amiga, no caso de eles resolverem voltar.
Quase como um robô, eu fui com ela lá na frente, que pegou o carro e se foi. Meus pés automaticamente se dirigiram para aquele lugar que eu tanto odiava.
E então eu vi a menina.
- Qual é, você está me perseguindo agora? - falei para . Ela não se abalou pelo meu tom de voz e apenas levantou a sacola que até então eu não tinha visto.
- Não. Estava no mercado. Vê? - e apontou para o mercadinho ali perto.
- Ah.
- Você está nervoso. - ela disse, então pegou uma bala de dentro da sacola. - Pode ficar. Fará você melhor.
Encarando aqueles olhos tão intensos, simplesmente não pude dizer não. Peguei o doce de sua mão e nossos dedos de encostaram. Novamente seus olhos brilharam e perderam o foco, e desta vez eu sabia o que tinha visto.
- Que Canalha! - ela gritou, do nada. - Ótimo, eu vou te ajudar a desmascara-lo!
- Oi? Quem?
- Seu pai, é claro. Não foi ele que roubou as joias de sua mãe?
- O que você sabe sobre isso? - perguntei, sombrio.
- Ora. - ela disse e parecia preocupada. Mas então balançou a cabeça e me encarou, com coragem. - Eu, na verdade, consigo ler memórias. Ela falou rápido demais.
- Ler... Memórias.
- Olha, eu sei que isso é meio impossível, mas é verdade. Além do mais, como eu saberia que ele roubou as joias de sua mãe?
- Talvez porque você é uma perseguidora obsessiva e viu pela janela. - sugeri. Ela pareceu considerar.
- Hum. Okay. E como eu saberia que quando você tinha 7 anos você quis porque quis ser um super herói e pulou do muro achando que voaria?
- Toda criança já fez isso.
- É, mas eu acho que só você que pulou com uma mangueira na mão em cima do pai, e depois molhou ele e a mulher prostituta que estava com ele.
- ...
- Vamos, lá. Eu não aceitarei não como reposta. Eu lerei as memórias de seu pai e então pegaremos as joias de volta.

*


Lá estava eu, atrás de um arbusto da casa de meu pai, com uma menina louca que totalmente me manipulou até aqui.
- Escute, eu tenho um plano. - ela disse, como se estivéssemos em um filme de espião. - Pelo que eu vi, ele não vai te deixar entrar. Por isso serei eu, fingindo ser uma prostituta.
- Como se você conseguisse. - foi só o que eu consegui pensar em falar. Ela cismava que tinha esse tal poder. Louca.
Ela riu.
- Uma vez eu li a memória de uma. Acho que dou conta do recado. Vou deixar a porta aberta e então você entra, bate nele, depois procuramos as joias. - se levantou e dobrou mais o shorts, fazendo-o ficar bem curto, expondo suas coxas. Hum. Soltou os cabelos do rabo e bagunçou-os um pouco. E, então, tirou a blusa.
Sim. Tirou a blusa.
Ficou só de top, e caminhou para o interfone, rebolando aqueles quadris. Deus. Tocou e parecia conversar um pouco no interfone; isso nunca daria certo. Estava prestes a me levantar quando o portão abriu, e minha boca foi ao chão.
Ela entrou e eu fui atrás.

*


tinha subido as escadas, eu demorei um pouco sobre ao ver o tanto de bebida que tinha por ali. Então escutei seu grito:
- , eu achei! - em seguida um som de soco e vidro se quebrando. Corri a tempo de vê-la caída no chão entre cacos do vaso e meu pai se preparando a chutá-la. Tudo aconteceu rápido demais. Minha visão, minha mente, meus sentido foram tomados de raiva e tingidos de vermelho; pulei em cima dele e comecei a socá-lo, chutá-lo, até que senti seu corpo mole. Me afastei, e vi que ainda respirava. Puxei meu braço para trás, pronto para recomeçar.
Uma mão pequena e delicada me segurou. Olhei para , que estava arfando. Seu olho tinha hematomas e ficaria roxo; Sua boca estava machucado e havia um corte em sua testa, que escorria sangue.
Apesar disso ela tinha o sorriso mais lindo que já vira estampado do rosto.
- Pronto, . Já está tudo bem. - ela disse meigamente e me abraçou. Por um momento fiquei parado, até que passei meus braços por ela. Apesar tudo, ela estava tremendo.
Tão pequena, tão vulnerável.
Quando me peguei sentindo o cheiro de morango de seu cabelo, foi que percebi algo estranho, mas real.
Eu queria protege-la.
Sim. E eu iria.

*


Fazia cinco meses que tinha vindo para cá. E eu, , estava totalmente caído por ela.document.write(Maria) saiu sorridente, com um vestido leve. Sua mãe, que estava na porta, tinha um olhar não muito bom no rosto. Ela abriu a porta e entrou.
- Sua mãe não gosta muito de mim. - disse o óbvio.
- Ela não te conhece. - disse, otimista como sempre. - Ah, e quando eu estava explorando eu achei um lugar que é simplesmente o máximo! Eu quero te mostrar.
Ela sorria. Droga, ela simplesmente sempre conseguia me fazer o que ela quer.
- Okay. Me diga. - falei, girando a chave.

*


O lugar era realmente bonito. Uma clareira dentro de um bosque, uma pequena cascata seguia seu rumo, enquanto a tranquilidade e paz daquele lugar nós faziam sentirmos felizes.
- Eu vivi minha vida inteira nesta cidade e nunca soube deste lugar.
- Você apenas não sabia onde procurar. - ela disse. - Venha, vamos nadar!
- Nadar? - eu falei, mas ela já havia tirado suas roupas, mostrando um biquini por baixo. Hum. Eu fui junto, é claro. Afinal, ainda sou homem.
- Hahahaha! - ela ria, enquanto jogava água em mim. Me aproximei e segurei seus braços, para que ela parasse. Nossas bocas estavam muito próximas. Eu me aproximei. Ela não se afastou. Tomando isso como um sim, colei nossos lábios.

*


-Venha, está ficando tarde. - disse, já colocando o vestido e torcendo o cabelo.
- Mas a água está tão boa.
- Larga de ser um bebê, e vem.
Ela foi em direção a sua bolsa e soltou um grito.
- O que foi? - perguntei, saindo da água. Ela pegou algo em suas mãos e se virou para mim. Segurava um trevo de quatro folhas.
- Impressionante. Agora você terá muita sorte. - sorri, verdadeiramente impressionado.
- Sabe, uma vez me disseram que cada folha do trevo significa algo. - ela sussurrou, admirando a planta. - a primeira folha significa esperança, a segunda fé, a terceira amor e a última sorte.
Enquanto falava, ia se aproximado de mim, até que suas mãos estavam quase em minha barriga.
- Você sabia que a cada 10.000 trevos, apenas um tem quatro folhas? É por isso que as pessoas passaram a acreditar que ao encontrar um, essa pessoa terá muita sorte. - Ee, então, ela olhou para mim, com tanta emoção que eu não sabia o que falar. - E não é que é verdade? Neste momento, eu sabia que estava completamente perdido.
- Fique com isso, . - ela disse, e colocou o trevo em minha mão. - Já tive toda a sorte que preciso.
A puxei e a beijei com força.

*


- ! - chegou, com os olhos vermelhos.
- O que aconteceu? O babava do Erick mexeu com você novamente? Ah, mas eu vou quebrar a cara daquele filha da pu...
- Não, não foi isso. É... É que eu vou me mudar.
- Como?
- Eu realmente estranhei o tanto de tempo que ficamos aqui. Nunca ficamos tanto tempo em uma cidade. E já estamos aqui quase um ano...
- Mas você precisa falar com ela!
- Já está tudo conversado, . - a mãe dela apareceu. - Eu realmente sinto muito, mas não há nada que eu possa fazer. Vamos, filha. Temos que arrumar nossas coisas. ficou apenas parada por um momento, fitando a mãe. Então suspirou e olhou para mim, e, então, sorriu triste. Me deu um beijo, e sussurrou, tão baixo, que só eu pude ouvir.
- Faça os seus dias valerem as lembranças. Eu vou voltar.
E dizendo isso, me deu as costas e seguiu a mãe.

*


Olhava para o teto do meu quarto pensando. Pensando o que eu poderia fazer. Minha mãe gritou:
- Filho! Tem alguém aqui para te ver!
Pensando nela, fui até a sala correndo. Não era.
- Hã... - falei, para a mãe de .
- Olá, . - ela disse. Não do jeito frio como sempre falava comigo, mas sim de um jeito realmente triste. - Podemos nos sentar? - ela disse. Havia sombras em seus olhos e ela parecia realmente cansada. - Senhora , a senhora também.
Nos sentamos, estranhando tudo aquilo. Nunca a tinha visto deste jeito. Ela suspirou.
- Eu realmente agradeço por tudo o que fizeram para a minha filha. - ela disse. Oi? E então, para nossa estranheza total, segurou nossas mãos.
- Por favor, me desculpem. - disse meio desesperada.
Eu fechei meus olhos.


*


Estava em um lugar escuro. Não sabia onde era. Atrás de mim, havia uma luz. Então uma risada, que eu havia aprendido a amar.
- ...
- Adeus, . - ela disse, se virando. A luz saia de seu corpo. Ela brilhava. Ela começou a andar.
- Ei, espera. - corri atrás dela, mas ela era muito rápida. se distanciou, distanciou, até que era apenas um ponto de luz naquela escuridão. Escutei sua voz uma última vez:
- Me desculpe...
E, sem sua luz, tudo ficou escuro.

*


- Você passou na prova, meu filho! Estou tão orgulhosa! - minha mãe disse, chorando. Ela estava feliz e em paz, meu pai estava preso por algo e tudo estava indo muito bem, se não fosse pelos sonhos cada vez mais esquisitos que eu andava tendo.
Uma menina linda, que atendia o nome de . Isso estava ficando cada vez pior. Eu não poderia me apaixonar por uma garota que eu sonhava. Balançando a cabeça, disse para a minha mãe:
- Vou descansar, okay? Amanhã conversamos.
- Certo.
Fui ao meu quarto, e dormi.
E sonhei. E lembrei.
Lembrei de tudo. Como se uma onde me atingisse, tudo veio a mim como mágica. Cada beijo, cada toque, cada olhar, cada sorriso. Tudo apareceu. Estava ofegante, e o suor grudava em minhas costas. Ela era real. era real.
E eu definitivamente a encontraria.


*** ***


Encostei minha testa na de . Eu vi tudo. Cada beijo, cada toque, cada olhar, cada sorriso. Nossa primeira vez. Como ele havia ficado bravo por eu não tê-lo reconhecido. Como ele tinha ficado triste quando perguntei o porque do trevo na tatuagem. E tudo fez sentido. Suas atitudes, frias, depois calorosas. Sua diversão quando me viu brincar com Pérola, mostrando que isso continuava igual. Seu orgulho quando cuidei dos gêmeos, lembrando de quando enfrentei o seu pai. Seu desejo. Tudo. Mas, eu havia visto apenas a parte dele. Estava na minha vez.
- Vamos. - sussurrei. - Vamos para o cemitério.

*


Estava na frente do túmulo da mulher que roubou minhas lembranças. Não sabia o que fazer. Então apenas pensei sobre como vagueava pelas lembranças de e eu senti. Um vento balançou meus cabelos. Um toque. Minhas pernas tremeram e cai de joelhos. Minhas lágrimas escorriam sem parar, de tristeza, alegria, raiva e alívio. Aquela satisfação de colocar a última peça do quebra-cabeça, e ver como tudo se encaixava.
- Vejo que você decidiu optar por ter suas lembranças de volta. - Dolly apareceu.
- Sim. - disse e continuei. - Por que você não me disse que a mulher que roubou minhas memórias era minha mãe?
- Se eu dissesse isso, o que você pensaria dela? Era melhor você tirar suas próprias conclusões.
-Sim. - falei. - não sabia. Ela não era loira na época.
Sorri para . Afinal, agora lembrava de tudo pela minha perceptiva.
- Verdade. - Dolly falou. - Você e sua mãe fugiam dos homens do governo que queria esse poder. Quando ela viu o apego que você tinha pelo garoto... Ela não gostou. Porque sabia que você teria que se separar dele mais cedo ou mais tarde. Ela tentou adiar ao máximo, porém chegou uma hora que não dava mais. Ela roubou as memórias de cada um que teve contado com você.
"Mas, roubar memórias de outro ladrão de memórias não é tão fácil assim. Ela continuou roubando-as enquanto você estava cuidando dela. Mas, ela perdeu o controle. Ocasionou sua morte. Isso pode acontecer quando usado deste jeito. Assim, roubou não apenas sobre aquela cidade, mas todas as pessoas queridas para você. Inclusive ela. E também acabou levando sobre sua capacidade de roubar lembranças. Ela sabia que isso te fazia triste. Tudo o que ela queria era que você não sofresse. Acabou roubando memórias de amor. Porque, afinal, o amor e o sofrimento sempre andam juntos." - Ela disse, mas então sorriu, encarando as minhas mãos e as de , entrelaçadas. - "Mas, com certeza, vale a pena."
- Sim. - concordei chorando. - Mas... Como se lembrou de mim?
- Dizem que não há nada que consiga apagar as lembranças grudadas na alma. Mas... Parece que depois que sua mãe morreu, as memórias retornaram. Ela fez um trabalho muito rápido e falho em . Com você foi um período bem maior. Provavelmente ele tem sangue de ladrão de memórias também, por isso que as recuperou. Mas eu realmente não sei.
- Deus. - sussurrei, mas me concentrei em outra coisa. - Depois... Depois eu gostaria de levar minha mãe para um cemitério na minha cidade. Para poder visitá-la. - falei. Eu ainda não queria acreditar que ela havia morrido por mim.
Eu entendia tudo agora. Desculpe, mamãe. Eu estava completa. Olhei para . olhou para mim. Sorri.
Sim, completa.


Epílogo - by

Um ano depois...
Eu respirava rápido. Estávamos cercados. Eu não tinha nenhuma arma, e ela ainda não estava aqui. Nunca senti tanto medo na minha vida.
- Calma, garoto. A noiva já vai chegar. - , meu padrinho, sussurrou.
- Eu não estou preocupado. - respondi. Mas continuava a encarar a porta da igreja. O lugar estava lotado. Acontece que o Presidente quis vir. E, assim, todos os seus bajuladores -ou não- vieram. E, claro, consequentemente a mídia também. Além de nossos familiares e amigos, não havia mais lugar para ninguém.
Então a música começou a tocar e ela entrou. Deslumbrante, num vestido branco, um sorriso maravilhoso. Major segurava seu véu. Elas se davam estranhamente bem.
Ela chegava cada vez mais perto. Alguns passos e ela seria minha. Minha. Eu não conseguia deixar de sorrir de volta. parou em minha frente, e nós viramos para o padre.
- e , viestes aqui para celebrar o vosso Matrimónio. É de vossa livre vontade e de todo o coração que pretendeis fazê-lo?
- É, sim.
Eu podia ouvir os sussurros na multidão. Os que sabiam falavam uns aos outros, ou apenas olhava . Ela havia decidido utilizar seu verdadeiro sobrenome um ano atrás, mas era a primeira vez que usava em público. "? Ela é filha de ?" "Sim, ouvi que ele tinha uma filha chamada ," "Disseram que ela foi assassinada junto com o pai." "Aparentemente não." "Ah, posso entender o porque do presidente está aqui, então." "Há quanto tempo ela vem trabalhando para o governo?" "Escutei um rumor, mas...". E por ai vai. Uma mão enluvada encostou em meu queixo.
- Não se preocupe, meu oficial. - ela disse, sorrindo. E, então, só havia eu e ela. O casamento continuou.
- Eu, , recebo-te por minha esposa a ti, , e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. - falei, colocando a aliança em seu dedo.
- Eu, , recebo-te por meu esposo a ti, , e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. - ela disse, colocando a aliança em meu dedo.
- Confirme o Senhor, benignamente, o consentimento que manifestastes perante a sua Igreja, e Se digne enriquecer-vos com a sua bênção. Não separe o homem o que Deus uniu. Pode beijar a noiva.
Foi o beijo mais doce da minha vida.

***


O telefone não parava de tocar. Todos queriam fazer um contrato, um acordo, ou qualquer coisa em relação ao poder de . Estávamos na nossa lua-de-mel, mas mesmo assim eles não davam descanso. Suspirei e abri a gaveta. Peguei minha arma e verifiquei se estava carregada. Eu precisava ficar alerta. Havia aqueles que a queriam viva, mas... Havia aqueles que não.
- , você ainda está pensando sobre isso? Apenas tire o telefone da tomada. E guarde a arma. - disse, do banheiro.
- Mas se qualquer um entrar aqui para machucá-la eu tenho que estar alerta. - respondi. Sim, alerta.
- Querido, estamos em um hotel, não vão simplesmente deixar pessoas estranhas entrarem aqui. Pare de se preocupar.
- Essas pessoas mataram seu pai.
Ouvi um suspiro. E então ela apareceu de robe de seda na porta do banheiro.
- Mas, , é nossa lua-de-mel... - ela disse, sensualmente, se aproximando. Meu membro pulsou.
- Sua segurança é mais importante. Apenas por agora devemos ser cuidadosos. Eu devo ficar alerta.
- Sim, sim. - ela disse, deixando seu robe escorregar pela pele, mostrando sua lingerie branca. Hum. - Eu vou te deixar bem alerta. Subiu na cama, e deu beijinhos em meu pescoço. Mais um pouco e eu perderia o controle.
- ... Ela não me deu ouvidos e subiu em cima de mim, colocando cada perna de um lado do meu corpo. Eu não a impedi. Continuou depositando lambidas e mordidas no meu pescoço e eu gemi:
- O que você está fazendo comigo? - falei. Ele me olhou, com amor nos olhos.
- Lembranças. Muitas e muitas lembranças.
E então, seu olhar se transformou em malicioso e ela mordeu meu lábio.
- Porque, quando estivermos... - ela prensou seus seios fartos em meu peitoral - em uma reunião bem chata - levou minhas mãos em suas coxas - eu posso simplesmente te tocar - me deitou, passando suas unhas em meu abdômen – usar meu poder – lambeu o traço de seu dedo - e lembrar de como eu te fiz gemer e gritar o meu nome. - Terminou, rebolando em cima de mim. Deixei minha arma escorregar da minha mão. Agarrei sua cintura, lascando um beijo em seus lábios suculentos.
Ah, como eu amava aquela mulher.


FIM





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