- Você precisa acordar logo, baby. Por favor. Você não pode me deixar agora. Você é tudo pra mim. Por favor. Por favor. [...]
- Como você está hoje? Embora eu tenha a certeza de que você ainda está aqui, eu sinto a sua falta todos os dias em casa. Lá não é a mesma coisa sem você. Por favor, . Abra seus lindos olhos. Volta pra mim. [...]
- Eu sei que prometi não ser insistente, mas não posso evitar. Eles querem desligar as máquinas, . Eu simplesmente não consigo fazer isso. Não consigo deixar você ir embora assim. Você é a melhor parte de mim. É a única que eu quero. [...]
- Não sei se você pode me escutar, mas eu não me importo de falar pela milésima vez: não me deixe. Sei que você está lutando há muito tempo e provavelmente quer um pouco de paz, mas sou egoísta. Sou egoísta e quero você. Quero que abra seus lindos olhos para mim. Quero que sorria o meu sorriso favorito. Quero vê-la usando um vestido branco quando disser “eu aceito”. Quero a nossa casa, quero nossos filhos. Quero te fazer feliz. Quero que você me faça feliz. Quero o nosso ‘para sempre’. Mas para isso, meu amor, você precisa acordar. [...]
- Eu te amo, . Eu te amo.
Abri meus olhos como se eu tivesse dormido a noite inteira um sono bastante tranquilo, daqueles em que você nem se lembra de ter desmaiado na cama porque só acordou no dia seguinte, completamente descansada. A primeira coisa que eu percebi, no entanto, era que meus membros pareciam muito – muito mesmo – moles. E que minha garganta estava tão seca que eu poderia jurar que estivera no deserto durante muito tempo.
Tentei me apoiar em meus braços para conseguir levantar e ir atrás de um copo d’água, mas notei que eles estavam fracos demais e me fizeram cair de volta no colchão. Além disso, de algum jeito, havia alguns fios grudados em mim, ligados a alguma coisa que fazia um barulhinho incessante – e irritante também.
Não entre em pânico, a voz do meu pai simplesmente soou na minha cabeça. Ele era a pessoa mais centrada que eu conhecia e aquele era sempre o seu discurso para qualquer coisa, de modo que não foi uma surpresa ouvir essa frase, mesmo no meu subconsciente. Decidi logo olhar ao meu redor, porque de uma coisa eu tinha certeza: aquele não era o meu quarto.
As imediações do hospital eram reconhecíveis para qualquer um, mas especialmente para mim, que costumava fazer trabalho voluntário com crianças por ali pelo menos duas vezes por semana. Não eram só as paredes e o teto brancos, a cama desconfortável, o formato do quarto ou mesmo aquele avental típico de pacientes (o qual eu estava usando agora). Havia um cheiro característico de hospital: medicamentos, sangue e tristeza.
Ter noção da onde eu estava fez com que eu me perguntasse como havia parado ali, e logo resolvi forçar minha mente atrás de algumas respostas, mas de nada adiantou. Aquela inquietude fez o meu coração disparar dentro do peito, e logo o bipe da máquina ao meu lado começou a apitar desenfreadamente até que eu me acalmasse. Engoli em seco, sentindo minha garganta arranhar mais ainda e clamar por um gole de água.
Eu estava fazendo força novamente para me sentar quando a porta do lado esquerdo se abriu e por ela passou um homem segurando um pequeno buquê de rosas – as minhas favoritas. Ele não olhou para mim, mas andou direto até a janela que ficava na parede em frente da cama, tampando um pedaço da claridade do sol e me fazendo ficar olhando para as suas costas, incerta.
Não consegui ver o que ele estava fazendo, mas não precisei de muito, pois havia um pequeno vaso de cerâmica em cima de uma mesinha que ficava ao lado da janela, e ele continha algumas flores secas. Foi fácil deduzir que ele estava trocando as flores velhas pelas novas.
Ele estava vestido com uma calça jeans escura e uma camisa preta, com as mangas compridas dobradas até seus cotovelos. Havia também um cinto no passador e um sapato social em seus pés, ambos também da cor preta. Consegui perceber que ele era bem alto e que mantinha os cabelos num corte bem curtinho, simples e muito masculino.
Quando ele virou de lado, me deu a visão de seu perfil.
Foi naquele momento que todo o meu corpo se arrepiou e eu senti uma sensação estranha na barriga. Meu coração começou a disparar dentro do meu peito sem que eu tivesse controle algum, de forma muito mais intensa do que anteriormente, fazendo com que o bipe da máquina triplicasse seu volume e chamando atenção do homem para mim.
Aconteceu em câmera lenta: meu coração disparou, o bipe apitou loucamente, ele se virou para mim e... bem, me viu. Então seus incríveis olhos azuis se arregalaram, sua boca fina se abriu e o vaso e as flores secas caíram de suas mãos para o chão com um barulho muito alto antes dele sair correndo na minha direção ao mesmo tempo em que gritava “Enfermeira!”
Eu apertei meus dedos no pequeno lençol que ainda me cobria, assustada demais com a reação dele e também porque ele agora havia se sentado na beirada da minha cama, perto das minhas pernas. Para o meu espanto maior (como se aquilo tudo não bastasse), ele começou a chorar e sorrir e levantou uma mão para me acariciar na bochecha:
- Você acordou. Você finalmente acordou. Baby, senti sua falta...
Antes que seus dedos pudessem encostar em mim, eu recuei, puxando o lençol comigo do jeito que consegui. Ainda assim, aquela voz fez o meu estômago embrulhar de novo, de um jeito estranhamente... familiar.
- ? – ele chamou o meu nome, dessa vez parecendo tão assustado quanto eu.
- Quem... – comecei, sentindo minha voz raspar de um jeito bizarro, como se não tivesse sido usada há muito, muito tempo. – Quem é você?
Ele abriu a boca para falar algo mais, mas desistiu no meio do caminho quando as lágrimas se acumularam em seus olhos e começaram a escorrer pelas suas bochechas. Pude ver que ele tentou escondê-las, mas não conseguiu.
Mesmo que eu não soubesse quem ele era, meu coração se apertou ao vê-lo chorando.
De alguma maneira esquisita, eu não gostava de ver aquele homem sofrer.
A mulher que me examinou me disse que eu poderia chamá-la de Dra. Soo, e que era ela quem estava cuidando de mim desde que eu dera entrada no hospital. Antes que qualquer pergunta fosse feita, ela verificou meus olhos com uma luz branca, mediu minha pressão, escutou meus batimentos cardíacos com um estetoscópio e fez outras coisas médicas complexas, tudo com uma expressão inalterada no rosto.
Ainda assim, eu sabia que algo estava errado, porque o homem de anteriormente ainda estava no quarto, mas mais afastado de mim. Meu pai, meu irmão (que estava bastante diferente do que eu me lembrava) e , minha melhor amiga, também estavam ali. Esses três também estavam com os rostos inchados de chorar e pareciam felizes comigo, pois assim que me viram acordada, correram para me abraçar.
Não havia muito segredo: eu sabia que tinha acontecido algo comigo e que eu havia passado um tempo no hospital para me recuperar. A única incógnita nisso tudo, entretanto, era aquele homem. O que estava fazendo aqui? Como sabia o meu nome? Por que as pessoas o haviam deixado entrar? Por que toda a minha família parecia conhecê-lo, menos eu?
Pedi um pouco de água para a Dra. Soo, e ela mais do que rapidamente me arranjou um copo com um canudo. Enquanto eu bebia, constrangida ao máximo porque todos me olhavam como se eu tivesse sido o mais novo milagre da igreja, notei meu irmão, Jonathan, e o homem trocando algumas palavras perto da janela, esse último parecendo muito cabisbaixo. Vi quando o meu pai suspirou e apertou-lhe o ombro de forma gentil, e o homem acabou dando um pequeno sorriso amarelo antes de olhar novamente para mim.
Ele me pegou em flagrante, observando-o minuciosamente, e por esse motivo me arrumei na cama do jeito que pude e coloquei a água de lado, fingindo que eu não havia percebido que ele havia percebido.
- Vou te fazer algumas perguntas agora. Tudo bem? – Dra. Soo perguntou delicadamente para mim. Parecia muito profissional, apesar da aparência jovem. Seus cabelos eram lisos, bem escuros, e estavam presos num rabo. Seus olhos eram puxados e ela tinha uma estatura pequena e magra, me dando a certeza de que deveria ter alguma descendência oriental (tá, e também o nome dela me deu a dica.)
- Tudo bem. – eu respondi. Sentia-me um tanto intimidada com tantos olhares.
- Você sabe o seu nome?
- Claro. .
- Sabe como veio parar aqui? – neguei com a cabeça, mesmo depois da hesitação. A médica acenou e escreveu em alguns papéis presos na sua prancheta, antes de voltar seus olhos pequenos novamente em minha direção. Ela mastigou a ponta da sua caneta bic azul, respirou fundo e continuou – Você sofreu um acidente, . Um caminhão atravessou o cruzamento no semáforo vermelho e atingiu o seu carro.
- Eu... eu não me lembro de nada disso. – foi o que saiu da minha boca. Era muita informação para processar. O que ela havia acabado de me falar não parecia ter acontecido comigo, porque eu não me lembrava de absolutamente nada.
- Nós sabemos, filha. Você vai ficar bem. Já está bem. – meu pai se intrometeu, chegando mais perto ainda da Dra. Soo.
- ... - de novo aquele homem. Por que tanto me olhava? Por que me chamava daquele... jeito? Ele deu alguns passos cautelosos na minha direção, embora seus olhos estivessem brilhando para mim, e aquilo foi o bastante para que eu me encolhesse. Eu já estava cansada daquilo. Não gostava de me sentir daquela maneira.
- Quem é você? – perguntei mais agitada que o normal. – O que você quer comigo?!
Os bipes dispararam. Parecendo arrasado, o homem recuou e colocou as mãos no bolso, virando o rosto agonizante para longe. Notei uma aliança de prata em um de seus dedos, mas ela logo desapareceu pelo tecido de sua calça.
- , você não se lembra dele? – Jonathan perguntou. – Ele é...
- Acho melhor que todos saiam. – A Dra. Soo (para o meu alívio) o interrompeu, expulsando todos do meu quarto. – Preciso examiná-la com calma e vocês a estão deixando agitada.
- O que aconteceu? – ouvi perguntar com sua voz tímida.
- Por que ela não se lembra de mim? – o homem perguntou.
- Apenas saiam, sim? – Dra. Soo falou novamente. – Assim que eu acabar aqui, conversarei com todos vocês. Agora a precisa descansar.
Sem ter muito que fazer, aquelas quatro pessoas saíram pela mesma porta pela qual haviam entrado, sem não antes se despedirem de algum jeito: meu pai apertou minha mão, Jonny me deu um beijo na testa, acariciou um dos meus ombros e o homem... bem, ele apenas me deu um sorriso triste porque percebeu que eu não aceitaria seu toque.
- , como você está se sentindo? – a médica sentou do meu lado na cama, me perguntando com calma. Seus olhos puxados dançavam pelo meu rosto, ela parecia muito atenta à minha resposta. – De verdade. – acrescentou, me fazendo suspirar antes de responder.
- Não sei. Estranha. Cansada, apesar de eu saber que estava deitada. Não sei, droga! Quero saber o que está acontecendo comigo!
- Você sabe quem eram as pessoas que estavam aqui com você agora pouco?
- Meu pai. Jonny, meu irmão. , minha melhor amiga desde que tínhamos cinco anos. É só aquele cara! Quem é ele? Por que sabe o meu nome? – perguntei desesperada. Fiz força para tentar alguma pista, mas não havia nenhuma.
- , preciso que me responda mais uma coisa. – pediu. Acenei com a cabeça. – Sabe que dia é hoje?
- Como assim que dia é hoje? – perguntei assustada. Médicos conseguiam fazer perguntas ridículas...
- Dia, mês e ano. – Bufei, mas decidi responder. Pelas minhas contas, minha formatura na faculdade havia sido há poucos dias, então...
- 25. 25 de julho de 2012.
Foi a vez da médica suspirar. Ela colocou suas anotações de lado e pegou a minha mão, como eu sempre fazia quando dava notícias ruins às famílias das crianças com as quais eu trabalhava no outro hospital.
Aquilo era mal.
- , sei que você está um pouco confusa, mas preciso dar a notícia de uma vez só, e ela pode ser muito impactante. Tente ficar calma, ok?
- Fala logo, doutora. Está me deixando nervosa. – pedi.
- Hoje é 20 de agosto de 2014.
O... O quê? Senti que ficava branca e fraca. Minha boca se escancarou, mas meus olhos estavam secos. Uma vertigem tomou conta de mim e logo os bipes começaram descontrolados mais uma vez, quase me fazendo arrancar todos os fios.
- Você sofreu o acidente há dois anos, . Ficou em coma durante todo esse tempo.
Chorar. Essa era a vontade que eu tinha: chorar até não poder mais. Só que as lágrimas já haviam secado há muito tempo, porque elas caíram dos meus olhos durante a noite passada inteira, sem hesitação ou pausa.
Como eu tinha perdido dois anos da minha vida e só percebera agora? O que havia acontecido com o mundo nesse período? Minha família? Comigo mesma? Era inacreditável. Eu havia ficado em coma por dois anos. Dois anos. Eu só não sabia como ninguém havia desligado as máquinas por todo o tempo que eu precisei delas.
O pior é que, além dos dois anos em coma, eu também havia perdido parte da minha memória, e agora havia um buraco na minha vida. Um imenso buraco que eu não sabia se algum dia voltaria a fechar.
No dia anterior, assim que passei por uma bateria de exames (afinal, eu era mesmo um milagre, já que era muito raro pessoas voltarem sem sequelas de um coma de dois anos – na realidade, era muito raro pessoas voltarem do coma após um ano), as pessoas vieram conversar comigo, apesar da Dra. Soo ter dito que eu precisava ir devagar e que ninguém deveria me forçar. Jonathan me disse como estava sua vida. me explicou um pouco do nosso círculo de amigos, nossas saídas, coisas de garotas. Meu pai me contou sobre a nossa família, que havia finalmente se aposentado e... bem, me contou quem era o rapaz desconhecido do meu quarto. Tal foi a minha surpresa quando descobri...
O nome dele era . E ele era o meu noivo.
Como posso estar noiva de uma pessoa se eu não faço a mínima ideia de quem ela seja? Não sei absolutamente nada sobre – ou, como meu pai me disse que eu o chamo, . Tenho certeza que ele é um homem bom, porque de outra forma eu não estaria com ele, mas ainda assim é uma situação esquisita.
A Dra.Soo me disse que, durante o meu acidente, acabei batendo a cabeça gravemente. Para o resumo da história, eu tive várias contusões graves, meu coração parou de bater duas vezes (por um minuto e um minuto e meio) e eu passei por algumas cirurgias, mas meu corpo acabou em colapso. Ela não sabia se a minha perda de memória era temporária ou não, mas me disse que, apesar dos dois anos “perdidos”, eu não me lembro de nada dos últimos dois anos antes disso, ou seja: quatro anos, no total, deletados.
Em algum momento disso tudo, conheci . Me apaixonei por ele. Acabamos namorando e, agora, éramos noivos.
O problema era que eu não lembrava de nada disso.
Uma lágrima escorreu do meu olho surgida do nada, e acabei apertando a foto e o pequeno objeto que estava em minhas mãos. Tentei evitar todas as pessoas o máximo que pude hoje, mas não consegui me esquivar de . Ela (assim como meu pai e Jonny) não me disse absolutamente nada sobre o meu relacionamento com porque era o direito do homem de fazer isso, embora eu me sentisse mais confortável com ela me contando tudo. A única coisa que ela fez foi me entregar a minha aliança (idêntica a que estava usando) numa corrente de prata minha e uma foto de nós dois: eu estava sentada numa cadeira, parecendo muito sorridente, e o homem estava atrás de mim, com o queixo apoiado na minha cabeça e os braços em torno da minha cintura, também sorrindo para a pessoa que havia tirado a foto. Meus braços estavam por cima dos dele e nossos dedos estavam parcialmente entrelaçados.
Parecíamos tão felizes e apaixonados.
Mais algumas lágrimas conseguiram cair enquanto todo aquele redemoinho de sensações parecia me atormentar. Por que, de todas as pessoas do mundo, aquilo fora acontecer justo comigo? Era tão injusto. Tão injusto.
Antes que eu pudesse me acalmar, alguém bateu na porta e a abriu, dizendo:
- ? Posso entrar?
Não posso negar, mas um solavanco estranho me acertou no estômago quando eu o ouvi me chamar daquele jeito. Não era só a sua voz – que me parecia vagamente familiar – ou seu rosto transparente, com o qual eu ainda estava tentando me acostumar, mas sim a maneira que ele me chamava.
Antes de acenar com a cabeça para , tratei de esconder a foto e a aliança debaixo do meu travesseiro, porque eu ainda não tinha certeza se ele deveria me ver com todas aquelas coisas nas mãos. Se já estava sendo difícil para mim, imagine para ele.
O homem andou até mim com uma expressão um pouco ansiosa, afinal, aquela era a primeira vez que ficávamos sozinhos desde que haviam me explicado tudo sobre quem era ele e qual era o nosso relacionamento. Observei-o inclinar o corpo para sentar-se ao meu lado no colchão, mas em seguida ele mudou de ideia e arrastou uma poltrona para o lado da cama, o que me deixou imensamente mais aliviada.
Não consegui evitar encará-lo. Apesar do meu coração batendo fortemente dentro do meu peito e de um singelo arrepio perpassar pelo meu corpo, eu mantive meus olhos nos olhos tão azuis dele, percebendo que ele me encarava de volta também. De alguma maneira, não conseguimos fazer com que nossos olhos saíssem da hipnose um do outro, então senti que estava ficando vermelha e que uma nova onda de lágrimas parecia querer explodir.
É uma sensação horrível estar diante de uma pessoa que te olha com tanta admiração e amor e não fazer a mínima ideia de quem é ela.
- Você estava chorando? – foi a primeira coisa que ele me perguntou depois que o nosso contato visual foi quebrado. Por mim, devo confessar. Não conseguiria ficar encarando-o por muito mais tempo.
Neguei com a cabeça, encarando minhas unhas. Pude ouvi-lo suspirar e ver pelo canto dos olhos que ele coçava a nuca, parecendo sem graça.
- ... – ele me chamou de novo daquela maneira e esticou seus dedos para o meu rosto, mas aquilo foi o bastante para que eu arregalasse os olhos e me afastasse, assustada mais com a minha reação automática do que com o fato de que ele realmente queria estar mais próximo de mim.
A dor que passou seus orbes foi tão visível que eu pude senti-la em mim, mas não havia nada o que eu pudesse fazer. Não que eu não gostasse que as pessoas tocassem mim. Pelo contrário, eu estava acostumada com contato corporal masculino porque eu fazia parte da população jovem que me divertia em bares, baladas, restaurantes e esse tipo de coisa. Mas o toque de ... mesmo que eu ainda não tivesse sentido, eu sabia que seria íntimo. Íntimo demais.
E eu ainda não estava preparada para aquela sensação.
Sentir o toque íntimo de uma pessoa (e saber que com certeza vai lhe causar reações intensas) de um desconhecido é um tanto... complexo.
- Me desculpe, eu esqueço como isso deve ser estranho pra você, mas é que... – começou, parecendo arrependido. - Você passou tanto tempo desacordada e, agora que está aqui, me olhando de volta, conversando... a única coisa que eu quero fazer é te tocar, e ver nos seus olhos que você sente o meu toque.
Nossa.
Uau.
Aquelas palavras foram o bastante para meus olhos se arregalarem de surpresa e meu estômago... bem, parecia que ele havia sido invadido por borboletas, no sentido mais clichê de todos os clichês de todos os séculos.
- Eu... – não consegui formular uma singela frase depois daquilo. pareceu perceber o peso de suas palavras e coçou novamente a nuca – de um jeito muito adorável, devo confessar -, sem graça.
- Ahn... desculpe. De novo. – pediu, me olhando de novo. – Sou o . – disse simplesmente.
Se aquela situação não fosse tão estranha, eu teria rido. Teria mesmo.
- Então você é o meu noivo. – consegui falar, encarando-o. Apesar de ser um novo dia, mantinha as mesmas roupas de ontem; havia algumas olheiras debaixo de seus olhos e alguns pelos despontavam em seu queixo, caracterizando uma singela barba escura.
- É... eu sou. – ele completou, incerto, mexendo na aliança (igual a minha, que estava escondida) sem perceber.
- Olha... – comecei, sem saber o que falar direito. – Isso é tão esquisito. Eu... Me desculpe, mas eu não me lembro de nada sobre nós.
- Eu sei... – ele me interrompeu. Seu pomo-de-adão subiu e desceu repetidas vezes, mostrando claramente que ele estava engolindo em seco. Pude ver suas mãos, em seu colo, tremerem, e seus belos olhos azuis foram se enchendo d’água ao mesmo tempo em que sua boca se remexeu numa careta de dor.
- Não faz essa cara, por favor. – saiu da minha boca sem que eu tivesse controle, e aquilo fez com que todas as reações nele se abrandassem.
- Desculpe-me? – disse perdido.
- Eu só... – como falar para ele que alguma coisa se despedaçava dentro de mim quando eu sabia que ele estava sofrendo? – Me desculpe. Me desculpe mesmo. Eu queria... mas a médica disse...
- , não é culpa sua. – falou sério, e pude vê-lo segurar as próprias mãos para que elas não subissem até a cama, perto de mim. – Você não tem que pedir desculpas por nada.
- É só que eu queria me lembrar. – confessei. Era estranho. Apesar de não me lembrar dele, alguma outra parte de mim lembrava, porque eu tinha uma necessidade tremenda de falar para ele tudo o que eu estava sentindo. – É sério. Tem... tem um buraco de quatro anos na minha vida. Dois eu já sei que perdi definitivamente. Não quero perder os outros dois também.
ficou parado, me olhando. Estava sem reação com as minhas palavras, do mesmo modo que eu ficara com as dele há segundos atrás. Eu não sabia mais o que falar, se deveria pedir alguma coisa; e ele também parecia não estar processando mais nada por conta de toda a surpresa do que estava acontecendo conosco.
- Eu... – começou, mas acabei interrompendo-o.
- Você deve ser um cara incrível. – falei. Minha garganta raspou. – Eu me apaixonei por você. E, se eu me apaixonei, é porque confio em você. Mas essa situação, agora... isso é muito estranho. – aquela sensação horrível começou a tomar conta do meu corpo. Ele tremeu por completo, me deixando agitada. A angústia estava entalada na minha boca, deixando um gosto de tristeza amarga. - Me desculpe, mas eu não consigo lidar com isso. – comecei a me mexer, querendo sair da cama. Eu não conseguia ficar mais no mesmo ambiente em que ele. Alguma coisa dentro de mim parecia querer explodir.
- , calma. – ele pediu quando viu que eu já estava me desfazendo dos lençóis, pronta para sair da cama. – Você precisa descansar. Por favor. – ele falou centrado, mas não encostou em mim, mesmo que pudesse ter feito isso para me arrastar de volta para a cama.
- E-eu acho que você precisa ir embora. – soltei. Pela milésima vez eu senti que estava prestes a me debulhar em lágrimas.
- Me escute, sim? – pediu, atencioso e até um pouco desesperado, não desviando nossos olhares. Acabou deixando a poltrona e sentou-se no colchão ao meu lado, mas manteve uma distância segura. – Eu não faço ideia do que você deve estar passando no momento, mas eu sei que você não precisa passar por isso sozinha. Se é estranho pensar em mim como alguém com quem você tem um relacionamento amoroso... pense em mim como um amigo, ok? – ele disse. Aquilo me assustou, mas a ideia não era tão ruim, por isso não a descartei de imediato. – Antes de nos envolvermos, éramos amigos. Melhores amigos. Podemos começar com calma até que sua memória volte. Podemos fazer o que você quiser. Só... só não me peça para me afastar de você, ok? Eu não conseguiria fazer isso. Eu te... – ele ia falar as palavras, mas meus olhos já cheios de lágrimas se arregalaram, então ele refez a frase ao perceber que eu ainda não estava pronta para ouvir aquilo. - Você é uma das pessoas mais importantes para mim.
Era oficial: eu estava chorando novamente e, dessa vez, o fluxo de lágrimas parecia não ter fim.
- Promete q-que vai me ajudar a passar por isso c-com calma? – sussurrei, apertando os lençóis nos dedos, sem conseguir desviar o olhar de seu rosto.
- Prometo tudo o que você quiser. – ele concordou comigo e, antes que eu pudesse evitar, sua mão foi até o meu rosto. Fiquei estática, apenas sentindo minhas terminações nervosas ligadas, e logo todo o meu corpo havia se esquentado a partir de onde ele havia me tocado primeiro. – Agora pare de chorar. Detesto te ver assim.
Respirei fundo audivelmente, apenas sentindo seu carinho em meu rosto enquanto ele limpava as lágrimas. Meu corpo parecia ter sofrido um ataque de tão elétrico e calmo e estranho que estava, todas as sensações pipocando por todos os lados sem que eu tivesse controle algum.
Para a epifania total, uma das minhas mãos acabou subindo involuntariamente e apertou a dele que estava em meu rosto, como se ela precisasse tocar a dele para conseguir ficar quieta, para sentir segurança.
Dei um meio sorriso porque sentir a mão dele na minha, de alguma forma, me fazia bem. E então, para a minha surpresa, ele abriu um sorriso gigante, com todos os dentes, e seus olhos se iluminaram de uma forma tão gloriosa que pareceu selar o nosso acordo mútuo, e que também me deixou hipnotizada: fiquei vidrada naquilo, meu corpo inteiro congelou e descongelou num mero segundo, e logo percebi que todas as reações que ele já havia causado em meu corpo triplicaram de intensidade.
Eu podia não me lembrar dele completamente, mas alguma parte de mim sabia que eu sempre fora irremediavelmente apaixonada pelo seu sorriso.
Assim que abri a porta de casa, uma sensação incrível de alívio tomou conta de todo o meu corpo. Aquele ambiente era conhecido, familiar e aconchegante, e eu estava grata por finalmente, depois de uma semana, ter saído do hospital – apesar de ter que voltar para ele a cada 15 dias, para exames de rotina, durante alguns meses.
- Lar doce lar. – exclamei risonha e me joguei no sofá da sala, sendo observada por Jonny, que já havia largado minha pequena mochila com roupas ao pé da escada.
- Você está feliz. – ele constatou, me empurrando no sofá a fim de abrir um espaço para se sentar ao meu lado.
- É claro que eu estou feliz. Saí daquela droga de lugar. Lembro da minha casa. Você está comigo. – sorri para ele, observando-o suspirar e baixar os olhos. Imediatamente percebi que alguma coisa estava errada. – O que foi?
- É sobre isso o que eu queria falar com você, mana.
- O que aconteceu? – perguntei já preocupada, agarrando as mãos dele nas minhas. Seus olhos castanhos, idênticos aos meus (herdados da nossa mãe) estavam cabisbaixos. – Jonny...
- É só... você sabe que eu moro numa cidade há duas horas daqui, não sabe? – ele começou e eu logo acenei com a cabeça, concordando. Meu pai havia me explicado que Jonny havia se mudado assim que eu me formei, apesar de não ter ido para muito longe (e de eu não lembrar disso). Ele me visitara toda semana durante todo o tempo em que passei no hospital, por isso dei a sorte dele estar ali quando acordei. – Enfim... é aniversário da Penny no próximo final de semana, e a Lizzy está ficando louca com todos os preparativos. Ela precisa da minha ajuda.
- Quem é Penny? – perguntei perdida. Eu sabia que Lizzy era a namorada de Jonny, eu me lembrava dela porque eles namoravam desde a época do Ensino Médio.
- Penny é minha filha, . Ela vai fazer três anos. – ele deu um pequeno sorriso, orgulhoso, mas ainda assim desconcertado, ao passo em que eu arregalei os olhos e quase engasguei.
- Eu sou tia?!
- Sim. E ela adora você.
Ah, meu Deus. As coisas estavam mais complexas do que eu tinha imaginado. Parecia que eu tinha mergulhado numa vida que não era minha e estava forçando tudo para parecer que era.
- Jonny... – comecei assustada, mas ele sorriu e me deu um beijo na testa, tentando fazer com que eu me acalmasse.
- Desculpa, eu não queria ter dado essa notícia assim, mas não havia outro jeito. – afagou meu rosto. – O que eu estou tentando dizer é que o timing está completamente errado. Eu queria ficar aqui com você agora nesses primeiros dias, te ajudar depois de tudo o que você passou... mas preciso estar em casa, entende?
- Eu entendo, Jonny. – falei. Era verdade. Não queria que ele parasse a sua vida só por minha causa.
- E eu sei que teve que fazer uma viagem urgente de negócios e não tem data para voltar.
Ah, sim, mais essa. havia me visitado no hospital no dia anterior, aos prantos, porque teria que fazer uma viagem de emergência para a empresa pela qual trabalhava. Estava realmente mal por não me ver voltando para casa e me ajudar nesse “período de adaptação”, mas eu falei para ela que estava tudo bem e que, quando ela voltasse, passaria uma semana dormindo comigo para que pudéssemos matar as saudades.
- Está tudo bem.
- Não, não está. – ele apertou os olhos, irritado. – Você precisa de alguém agora, . Nem eu nem a sua melhor amiga podemos estar aqui. O pai... bem, ele já é de idade. Não consegue mais acompanhar o nosso ritmo.
- Jonathan, eu não vou ficar sozinha... – comecei a falar, mesmo sabendo que aquilo era mentira, mas ele me interrompeu.
- Você sabe que isso não é verdade, e por isso quero te pedir uma coisa.
- Que coisa?
- Deixe que ele cuide de você, . – disse simplesmente. Eu sabia de quem ele estava falando, mas me mantive calada. – . Ele gosta muito de você e está sofrendo também pela situação, mas tenta se manter forte porque sabe que é isso o que você precisa. Na verdade, ele sabe exatamente do que você precisa e não vai te deixar sozinha. Apoie-se nele, .
Aquelas palavras mexeram comigo. Eu sabia que meu irmão era ciumento e protetor em relação a mim porque eu era a única garota da família e, ainda por cima, a caçula. Entretanto, se ele estava falando tão bem de , se estava me pedindo para confiar nele... é porque gostava dele.
- Tudo bem, Jonny. – suspirei e concordei. – Tentarei fazer isso.
- Obrigado. – ele me abraçou e se levantou, me fazendo acompanhá-lo. – Eu tenho que pegar estrada agora. Vou tentar ligar para você todos os dias.
- Sei que vai. – eu sorri enquanto o levava em direção à minha porta. – Qualquer problema eu ligo pra você.
- Tchau então. – ele sorriu e me beijou na testa antes de me abraçar. – Amo você, mana. Se cuida.
- Também te amo, Jonny.
Depois que Jonathan se foi, me vi finalmente sozinha, e por isso fui explorar a minha própria casa. Alguns móveis estavam em lugares diferentes e havia algumas coisas que eu não me lembrava de estarem ali, mas no geral tudo estava igual: o sofá de três lugares na sala, na frente da televisão; minha prateleira de livros, ao canto, mais cheia do que eu me recordava; alguns quadros que eu nunca havia visto pendurados pelas paredes, mas ainda assim belos; o banheiro de baixo estava exatamente como eu me lembrava, assim como a cozinha; na varanda dos fundos havia duas bicicletas desconhecidas, mas parecia arrumada e limpa, assim como a lavanderia e o resto da casa.
Voltei onde Jonny havia deixado a minha bolsa e a peguei, subindo as escadas em seguida. Meu estômago protestou um pouco, mas eu não tive vontade alguma de comer porque já tinham me entupido de comida hospitalar na hora do almoço antes que eu voltasse para casa.
Antes de entrar no meu quarto, onde eu sabia que o impacto seria um pouco maior, fui em direção ao meu banheiro. O segundo andar era menor que o primeiro por conta da ampla varanda, de modo que era composto apenas pelo meu banheiro, meu quarto (que fazia ligação com a varanda) e um outro quarto pequeno onde eu guardava algumas tralharias. De qualquer maneira, segui para o meu banheiro, espantando-me sobre o quão limpo ele estava. Em nenhum lugar da casa eu vi sequer a presença de pó, de modo que eu tinha certeza de que alguém a tinha deixado organizada para mim.
Sem abrir armários ou ficar procurando por outras coisas, eu apenas deixei a mochila no chão e, ainda de roupas, me deitei na banheira seca que havia perto do box. Aquela era uma mania estranha que eu tinha desde os dez anos (por isso, quando comprei essa casa, fiz questão da banheira): quando eu queria pensar, quando estava triste ou quando só queria um lugar para mim, eu me deitava naquele lugar. Às vezes, o tempo de reflexão era durante o banho, então eu ficava submersa na água até meus pulmões quase explodirem e suplicarem por ar. Na maioria das vezes, entretanto, a vontade era só de deitar naquele pequeno espaço vazio e olhar para o teto. A sensação era boa, especialmente porque eu não conseguia ver as redondezas por conta das bordas altas.
Não sei quanto tempo fiquei por ali, mas depois aproveitei para entrar no banho e tirar todo aquele cheiro de hospital de cima de mim. Lembrei-me das palavras de Jonny, de , do meu pai e até de , e logo percebi que estava chorando novamente.
Eu precisava parar com aquilo.
Quando vi que já era o bastante, fui finalmente em direção ao meu quarto. Eu me lembrava dele, mas algumas coisas estavam fora do lugar. A cama de casal estava exatamente no meio do espaço, e estava coberta com uma colcha que eu não conhecia e muitas almofadas. Havia uma mesa de cabeceira (com uma gaveta) de um lado, com um abajur, relógio, bloquinhos de anotações, canetas e o que parecia um carregador de celular – aquilo sim era a minha cara. O guarda-roupa era o mesmo, numa das paredes, e do lado dele havia um espelho de corpo inteiro. Na outra parede, perto da porta, havia uma escrivaninha com alguns papéis jogados, um notebook (novo, que eu não conhecia), alguns porta-lápis e outras coisinhas. Havia também um armário embutido na parede, em cima da escrivaninha. Ao lado dele, havia um quadro magnético com fotos.
Deixei aquilo por último, porque eu sabia que o impacto seria maior.
Corri até o guarda-roupa e tomei um susto gigantesco quando abri a porta. Ele estava dividido na metade – apesar de a minha “metade” parecer bem maior. Apesar de minhas roupas ocuparem todas as gavetas, metade dos cabides guardavam meus casacos e calças, enquanto a outra guardava camisas e calças masculinas. No espaço abaixo disso, mas em cima das gavetas, também havia algumas roupas masculinas dobradas, algumas até misturadas com as minhas.
Enquanto me vestia tentando ignorar aquele susto, eu sabia de quem aquelas roupas pertenciam: . De algum modo, aquilo fazia completo sentido. Éramos noivos, éramos íntimos e, apesar de não morarmos na mesma casa (de alguma forma, eu tinha certeza disso) eu não duvidava que boa parte das minhas roupas também estaria na casa (apartamento?) dele.
Aquilo fazia tudo ser mais intenso.
Cocei os olhos, sem saber o que pensar. Minha cabeça estava doendo, mas ainda assim não aguentei e estiquei uma das minhas mãos para uma camisa dele, puxando-a do cabide. Ela era macia, simples, preta e vagamente familiar...
Balancei a cabeça, assustada comigo mesma. Por que eu estava mexendo nas coisas de um completo estranho? Irritada, voltei à camisa no lugar e fechei com firmeza as portas do armário, andando em seguida até onde eu havia jogado a mochila e tirando de lá a aliança e a foto que haviam me dado no hospital.
Suspirei olhando para aquilo e apertei-os com firmeza, fechando os olhos e fazendo força com a cabeça para tentar me lembrar de alguma coisa, mas foi em vão. Não havia nada a não ser escuridão. Chateada, andei até a mesinha de cabeceira e coloquei os dois objetos dentro da gaveta, fechando-a em seguida.
No próximo segundo, já estava de pé observando o quadro de fotos. E, como eu havia pensado anteriormente, aquilo mexeu muito comigo, porque meu coração começou a bater descompassadamente dentro de mim. Minha respiração falhou e eu tinha certeza que havia levado um soco no estômago.
80% das minhas fotos eram com . De todos os jeitos possíveis, de todas as maneiras, de todos os ângulos, em lugares variados, em diversos momentos do dia. Peguei cada uma delas, tentando me lembrar de como e quando haviam acontecido, mas não adiantou nada. Conforme as tirava do imã, observava-as e percebia que aquela pessoa na imagem não era eu, mas uma estranha feliz perto de um cara igualmente feliz, então as jogava na cama.
Fiz isso com cada uma delas e só parei quando cheguei em fotos minhas com a , Jonathan e meu pai. Algumas eram tão antigas que eu me lembrava perfeitamente, outras, mais atuais... eu podia ver perfeitamente a passagem do tempo, porque em algumas, meu cabelo estava bem curto, em outras ele já havia crescido.
Todas estranhas. Tão, tão estranhas.
Joguei as desconhecidas na cama também e me sentei para observá-las de perto, meus olhos voando rápido por todas as cenas sem que eu tivesse controle. Uma a uma, todas elas desconhecidas. Não faziam parte da minha vida, não faziam parte da minha história. Apesar delas estarem ali, não eram minhas. Todo mundo tira fotos para se recordar de um momento que nunca mais vai voltar e, dessa maneira, algum tempo depois, quando você a pega novamente para admirar, lembra-se de todas as sensações e do quão feliz fora aquele dia. Só que tudo isso eram fotos de uma estranha, de momentos não vividos.
Sentindo as lágrimas voltarem com força, um grito preso na minha garganta escapou ao mesmo tempo em que eu passava o braço e arrastava todas aquelas fotos para o chão, completamente fora de controle.
- ?! – alguém apareceu na porta do meu quarto, me dando um susto gigantesco.
- ?! – eu gritei também, assustada. – O que você está fazendo aqui?
- Eu... eu tenho uma cópia da chave da sua casa. – ele disse sem reação, olhando para mim, meu estado deplorável, e as fotos jogadas no chão. – Você... quer que eu devolva? – perguntou, parecendo perceber o que eu havia feito.
- Eu... – enxuguei as lágrimas com as costas das mãos, tentando me recompor. Eu não queria que ele tivesse me visto nesse estado. – Não, pode ficar. – falei. Lembrei-me das palavras de Jonny e pensei comigo mesma que era melhor tê-lo por perto (mas não tão perto assim). – Só não faz isso de novo, ‘tá? – pedi.
concordou com a cabeça e acabou se ajoelhando na minha frente, tomando cuidado para não subir em cima das fotos. Ele olhou para elas e sorriu, como se estivesse lembrando de todos aqueles nossos momentos; depois seus belos olhos me encararam. Cruzei os braços e desviei, sem graça. De novo as palavras de Jonny inundaram a minha mente, sobre como ele estava sofrendo também... e eu parecia estar piorando toda a situação.
- Você está com fome? – perguntou. – Quer que eu faça a janta?
- Janta? – arqueei as sobrancelhas antes de olhar para a janela e ver que já havia escurecido. – Nossa!
- Pois é. – ele me deu um pequeno sorriso e, sem dizer nada, começou a recolher as fotos como se nada demais tivesse acontecido.
- Você... você não tem que ir pra casa? – perguntei incerta. Ele parou tudo o que estava fazendo e me olhou.
- Você quer que eu vá?
- Não! – escapou. Coloquei as mãos sobre a minha boca, assustada com a reação (automática?) que havia acontecido. Seus belos olhos se suavizaram e ele sorriu aquele mesmo sorriso do hospital.
Meu coração disparou. Meu estômago afundou e as borboletas o invadiram. Meus pulmões pararam. Minha pele se arrepiou. Tudo num mero segundo.
E eu sorri também.
- É só... você trabalhou o dia inteiro, não é?
- Sim, mas não tem problema. Normalmente eu costumo passar aqui depois do trabalho, antes de voltar. Ou você passa lá em casa. – explicou.
Ele se levantou e colocou as fotos organizadas em cima da minha cama, sem dar muita atenção a elas. Depois, ajudou-me a ficar de pé também.
- E então, quer que eu faça a janta?
- Você sabe cozinhar? – perguntei e ele riu novamente, deixando minhas pernas bambas.
- Você já vai descobrir. – ele disse misteriosamente enquanto andava para fora do quarto e pegou minha mão, entrelaçando nossos dedos.
Deixei que ele fizesse isso.
- Estava delicioso! – elogiei assim que acabei de comer. havia feito o meu prato favorito: espaguete com molho à bolonhesa. Simples e delicioso.
- É o seu prato favorito. – ele disse sorrindo depois de afastar o prato também.
- É mesmo. – concordei, sentindo meu coração saltar. Ele havia lido meus pensamentos ou...? – Se eu te pedisse agora uma coisa estranha, você diria que sim? – perguntei.
Apesar dos acontecimentos fatídicos do começo da noite, eu e havíamos passado um jantar muito agradável. Eu não me lembrava do de antigamente, mas eu gostava do de agora: ele era simpático, humilde e parecia respeitar os meus momentos. Sem contar que me olhava de um jeito que nenhuma outra pessoa havia olhado antes.
- Hm... espero que sim!
- Me fale mais sobre você. – pedi, um tanto tímida. – Você me conhece, mas eu não sei nada sobre você. É só pra... bem, pra eu conseguir te conhecer melhor.
- Bom... – ele pareceu pensar. – Tenho 27 anos, sou alguns meses mais velho que você. – começou. – Nasci na Califórnia, mas me mudei para cá quando tinha apenas dois anos. Tenho uma irmã mais velha, que já é casada e tem três filhos maravilhosos. Sou formado em Relações Públicas... é isso. – ele deu de ombros, sem saber o que falar. – Isso foi estranho. – disse e eu acabei rindo.
- É, eu imagino. Foi estranho para mim também. Você me contou coisas tão... normais. – mordi o canto dos lábios. Ele só me disse informações básicas, e não era isso o que eu queria. Na realidade... não sabia direito o que eu queria.
- Bom... ainda há tempo para você descobrir mais coisas sobre mim. – ele me deu uma piscadela singela que fez meu corpo derreter.
era agradável. Muito agradável.
Tomei um gole amplo do meu copo de suco para criar coragem para a minha próxima fala. Eu preferia um vinho, mas a Dra. Soo havia me proibido bebidas alcoólicas nos primeiros dias.
- Então... – apertei minhas mãos entre meus joelhos, nervosa.
- O que foi, ? – me perguntou.
- Quero fazer uma pergunta pra você, mas ela é... estranha. E eu não sei como você vai reagir a ela, mas estou bastante curiosa.
Seus orbes azuis piscaram vagarosamente para mim, e percebi que agora ele fitava meus lábios, que estavam presos entre meus dentes. No mesmo instante, meus olhos se moveram do seu rosto para sua boca também, o que me deixou arrepiada.
- Pode me perguntar qualquer coisa que queira, . – senti sua mão se arrastando pela mesa até segurar a minha. Seus dedos tocaram os meus, e eu consegui sentir sua aliança raspar na minha pele.
Saber que ele usava uma aliança mesmo dois anos depois do ocorrido fez com que eu o olhasse de forma diferente. De alguma forma esquisita, eu me sentia feliz por ele ainda não ter desistido de mim. De nós.
- Como nos conhecemos? – soltei de uma vez. Era uma pergunta plausível, e ele deveria saber que eu a faria uma hora ou outra. Imediatamente pude vê-lo relaxar na cadeira.
- Ah, essa é uma história engraçada. – ele disse rindo e parecendo pensativo, brincando com os meus dedos quase imperceptivelmente. – Tem certeza que quer mesmo saber?
- É claro que sim! – exigi, fazendo-o rir mais ainda.
- Tudo bem. – suspirou, ainda sorrindo. Seus olhos brilharam no contraste da luz. – Logo que você se formou, conseguiu uma entrevista de emprego na Sparks Company.
- É sério? – perguntei assustada e maravilhada ao mesmo tempo. Aquela empresa sempre havia sido meu sonho!
- Uhum. Eu trabalhava lá também há um tempo. Eu me lembro que estava dentro do elevador, preparado para começar o expediente em plena segunda-feira, quando ouvi alguém gritando para que segurassem o elevador. – riu sozinho, imerso em lembranças. – Você apareceu e parecia um vulcão em erupção. Estava vermelha, ofegante, com os pulmões quase saindo pela boca, e murmurava sozinha como estava atrasada para uma entrevista super importante.
- Nossa.
- Você me agradeceu e apertou o botão de um andar. Não reparei em qual porque estava ocupado demais olhando para a sua saia escura e camisa de botões. Você estava linda com os cabelos soltos e os saltos nos pés, e parecia muito formal. – fiquei vermelha na hora ao saber que ele ainda se lembrava da minha roupa, mesmo há tantos anos. Depois disso, teria que tomar cuidado com o que faria na frente dele. Estava sempre prestando atenção em mim, e eu não queria pagar um mico. – Foi então que aconteceu.
- O quê? – perguntei interessada quando ele fez mistério.
- Estávamos quase chegando ao meu andar quando as luzes se apagaram e o elevador parou.
- Não acredito! – exclamei impressionada.
- Você ficou tão desesperada. Não por estar presa, mas porque isso faria com que você chegasse ainda mais atrasada, e isso daria uma péssima impressão. Você estava tão nervosa, e eu, paralisado, que nenhum dos dois se deu ao trabalho de apertar o botão da emergência, indicando que havia gente presa ali.
- Paralisado? Você é claustrofóbico? – ri.
- Eu... não gosto de ficar preso em lugares fechados, pequenos e sem luz. – riu também. – Então eu comecei a passar mal e você finalmente percebeu que eu estava com problemas. Tomou as rédeas da situação e começou a conversar comigo para me distrair, o que deu bastante certo. – observei-o se afundar na lembrança, parecendo contente. – Ficamos 30 minutos presos no elevador até o pessoal da manutenção trocar algo que havia queimado na caixa de luz. Eu te agradeci, você disse que tudo bem e saiu correndo balançando os cabelos até a sala da secretária do chefe, para a sua entrevista.
- Eu consegui o emprego?
- Conseguiu. Fiquei surpreso quando você apareceu na empresa no dia seguinte, pronta para trabalhar. Você se lembrou de mim e me cumprimentou, e parecia tão feliz... até que eu te vi minutos depois, parecendo muito desesperada porque tinham te jogado um montão de responsabilidades que não lhe competiam, e você ficara nervosa porque não sabia de nada, já que era o seu primeiro emprego na área. Você pediu a minha ajuda e assim nos tornamos muito amigos.
- Trabalhamos lá por muito tempo? – Ele riu com gosto. Eu não sabia direito se queria uma resposta positiva ou negativa. A Sparks Company era um sonho e uma multinacional muito conhecida, mas não parecia ter sido muito justa comigo nos meus primeiros dias.
- Deus, não. Ainda bem. – ele comentou e eu olhei sua cara de interrogação. – Eu logo recebi uma proposta de emprego melhor e saí de lá sem nem pensar duas vezes, mas nós mantivemos contato. Uma semana depois você pediu as contas. Disse que não aguentava ficar lá sem mim para cobrir suas bagunças.
- Eu não disse isso! – dei-lhe um tapinha nas mãos e dei risada, fazendo com que ele me acompanhasse antes de dar de ombros.
- Consegui para você uma nova entrevista de emprego através de um amigo.
- Na Grayson’s Inc? – perguntei e ele acenou com a cabeça afirmativamente. Segundo Jonny, era lá que eu ainda trabalhava, apesar da licença médica. Na verdade era um pouco mais complicado que isso, mas já que eu estava de “folga” por mais um mês, decidi que não queria resolver esse tipo de assunto no momento.
- E foi assim que nos conhecemos. – finalizou, sorrindo.
- É uma boa história. – acrescentei, tentando reviver tudo o que ele havia me contado.
- É a nossa história. – consertou, me fazendo sorrir.
O assunto acabou e acabou me ajudando a organizar a cozinha: enquanto ele tirava a mesa e guardava os materiais que havia utilizado, eu lavava a louça.
Achei engraçado como nós havíamos nos conhecido, mas aquilo era tão a minha cara. Eu era mesmo muito desesperada e, dependendo do dia, a Lei de Murphy me perseguia, então não era muito difícil de acreditar que eu havia ficado presa num elevador com o meu futuro noivo. Aquilo era como se fosse o capítulo inicial de um livro, e eu estava curiosa para o resto.
Já passava das onze quando decidiu ir embora. Ele me contou que, em dias como esses, quando ficava muito tempo aqui, ele acabava dormindo em casa (ou eu na dele, caso fosse o contrário). Como a situação entre nós ainda estava estranha e não a esse ponto de intimidade, ele disse que voltaria para casa e que isso não era um problema para ele.
- Obrigada pela janta e pela noite, . – eu agradeci perto da porta. Ele estava parado na minha frente, também feliz com o resultado do dia.
- Você pode me chamar de , . – me deu um singelo sorriso que fez meu coração retumbar e as novas borboletas levantarem voo no meu estômago, como sempre estava acontecendo agora, daquele jeito mais clichê.
- Tudo bem... .
Foi engraçado chamá-lo dessa maneira. . Era tão fácil de falar. E, para falar a verdade, eu parecia muito acostumada a isso. O nome dele saíra facilmente pelos meus lábios. Muito facilmente.
- Obrigado por tudo. – ele disse e, antes que eu fizesse alguma coisa, já estava me dando um beijo na testa.
O local onde seus lábios encostaram esquentou, fazendo todo o meu corpo tremer de excitação.
Gostava quando ele me beijava assim. Era protetor, carinhoso e estranhamente familiar.
- ? – eu o chamei antes que ele passasse pela porta, que agora já estava aberta. Ele virou seu corpo na minha direção, prestando atenção em mim.
- Sim?
- Você vai me contar como... como nos tornamos mais que amigos? – perguntei. Era aquela pergunta que estava na ponta da minha língua desde o começo da noite, mas que eu tivera coragem de perguntar só agora.
abriu aquele meu sorriso preferido que me congelava e me esquentava ao mesmo tempo, me fazendo ficar tão envergonhada que acabei mastigando um dos lábios durante esse processo.
- Claro que sim. – ele pediu sorrindo e acariciou o meu rosto, espalhando o dedão pelo meu lábio inferior para que eu parasse de mordê-lo. – Amanhã quero te levar a um lugar. Você topa?
- Sim. – respondi sem nem hesitar.
Eu iria com ele para onde quer que me levasse.
- Te vejo amanhã então. – piscou um dos seus olhos azuis para mim antes de virar de costas e andar até o seu carro, parado na frente de casa.
- Até amanhã.
[…]- Você precisa acordar logo, baby. Por favor. Você não pode me deixar agora. Você é tudo pra mim. Por favor. Por favor. [...]
Acordei assustada com o barulho da campainha, as palavras do sonho (se é que aquilo fosse mesmo um sonho) ainda martelando com força na minha cabeça. Já era a sexta ou sétima noite que eu sonhava com alguém dizendo todas aquelas coisas. A voz era irreconhecível, mas bastante clara durante os dizeres, e não havia imagens. Eu sabia que elas eram para mim. Pareciam sofridas, mas eram doces e, de certa forma, românticas. Cheias de conteúdo.
Eu não sabia de onde elas haviam saído.
Ouvi o barulho da campainha novamente e aquilo foi o bastante para que eu pulasse do sofá para ir atender a porta, não acreditando que eu havia conseguido cochilar numa hora daquelas.
- Oi! – eu exclamei abrindo um pequeno sorriso ao ver parado em frente à minha porta.
Ele estava muito bonito, e vê-lo parado com as mãos dentro dos bolsos da calça jeans fez meu coração acelerar de um jeito que eu ainda não estava acostumada. Ele tinha um par de all star preto nos pés e vestia uma camiseta branca um tanto apertada, a qual ressaltava alguns de seus músculos – nada muito excessivo, mas tonificados o bastante para que qualquer mulher os percebesse. Seus cabelos escuros estavam iguais a todos os dias: um pouco em pé na frente, e bem curtinhos atrás; e a luz do pôr-do-sol refletia em seus belíssimos olhos azuis, me dando uma sensação de profundidade tão grande que parecia que eu estava nadando em mar-aberto.
- Você está linda! – ele disse antes de se inclinar para mim e me beijar na bochecha. O ato foi tão rápido que não deu tempo de eu me esquivar ou aceitar efetivamente o carinho, me fazendo ficar estática por alguns segundos (ou talvez houvesse sido o toque de seus lábios em mim, que petrificou todo o meu sistema).
- Obrigada! – agradeci meio constrangida ao ver que ele encarava meu corpo, mas fiquei feliz que ele havia gostado do resultado.
Eu não sabia para onde iríamos ou com quais roupas estava acostumado a me ver usar, por isso tentei algo bem simples e que eu tinha aos montes no meu guarda-roupa: um vestido de alcinhas, florido, com uma fita de cetim preta para demarcar a cintura – da mesma cor das minhas sapatilhas.
- Você estava dormindo? – ele perguntou arqueando as sobrancelhas. Não acredito que mesmo com a maquiagem ele notou a minha cara de sono... esse cara reparava em tudo mesmo.
- Eu só cochilei! – disse rindo e tratei de mudar logo de assunto. – E você, porque não abriu a porta com as suas chaves?
- Bem... achei que era melhor tocar a campainha dessa vez... devido aos acontecimentos de ontem.
- Ahn. – cocei a nuca, sem graça e me lembrando da terrível cena de ontem, no quarto. Observei-o fazer a mesma coisa que eu, também constrangido.
- E então, podemos ir? – ele perguntou antes que a situação ficasse ainda mais esquisita e eu o agradeci por isso.
- Podemos! – eu concordei feliz e corri novamente para dentro de casa só para pegar minha pequena bolsa tiracolo que estava no sofá. – Para onde vamos? – perguntei enquanto trancava a casa.
- Surpresa. – me deu uma piscadela e ofereceu um sorriso na minha direção, antes de andarmos em direção ao seu carro, parado na rua.
- , não foi engraçado! – eu exclamei em sua direção, tentando não rir, depois que havia parado finalmente de correr para longe daquele lugar assustador.
Minhas pernas estavam tremendo e eu estava sem fôlego, com as mãos apoiadas nos joelhos para ao mesmo tempo conseguir respirar fundo e fazer meu coração parar de saltar dentro do meu peito. apenas gargalhava de mim, sem nem tentar esconder.
- Meu Deus, eu amo esse lugar! – disse rindo e apontando para a Casa dos Sustos, a principal atração do parque de diversões em que estávamos, o qual, segundo , abria apenas durante um mês ao ano.
Sim, havia me levado ao parque de diversões. Ele era lindo, antigo, estava completamente cheio e continha as atrações mais clássicas de qualquer parque: a Casa dos Sustos, a Casa dos Espelhos, um montão de barraquinhas de tiro-ao-alvo (e suas variantes), os carrinhos de doces e pipocas, as quitandinhas de outras comidas e a grande roda gigante.
Nem preciso falar que aquilo era a minha cara. Ele havia acertado em cheio.
- Pare de rir de mim! – eu pedi ainda ofegante e risonha, dando-lhe um empurrão com os meus ombros, o qual ele nem sentiu direito.
- Desculpe, mas eu amo essa cara que você faz quando vê um palhaço!
- Eles estavam cobertos de sangue! Eles são assustadores!
- A clássica fala de . – exclamou, parando de rir aos poucos. – Você sempre diz isso! – não comentei nada sobre o fato dele ter relembrado de um passado que eu não conseguia me lembrar. Mas, como ele pareceu não perceber o que havia falado (e como essas coisas costumavam escapar dele, mas sem ser de propósito) decidi relevar, ouvindo-o continuar a falar. – Bem, depois dessa, vou deixar você escolher aonde quer ir agora.
- Finalmente! – exclamei levantando as mãos para o céu, dramática, fazendo-o revirar os olhos para mim antes de abrir um sorriso ladino. – Vamos nas barraquinhas! – pedi feliz apontando para elas, há alguns metros à nossa frente.
concordou com a cabeça e nós fomos andando lado a lado, conversando sobre todos os monstros e situações macabras que havíamos visto na Casa dos Sustos. Na realidade, ele fazia questão de me imitar em meus momentos mais constrangedores, minhas caras assustadas, meus gritinhos e meus comentários infames, zombando de mim. Eu apenas gargalhava da sua atuação e o empurrava.
Naquela situação, não parecia que eu havia acordado de um coma depois de dois anos. Não parecia que eu estava andando pela cidade com um completo desconhecido, porque agora não era mais um desconhecido para mim. Apesar de ainda ser um pouco estranho e de ele estar tentando me contar mais sobre sua vida, suas preferências e seu jeito de ser, alguma parte de mim estava familiarizada com a presença dele. Parecia que minha cabeça e meu coração estavam em um apurado embate: minha cabeça me dizia para tomar cuidado porque eu havia conhecido essa pessoa há apenas alguns dias; ao passo em que meu coração me mandava confiar cegamente nele, mostrando que eu o conhecia e que aquele sentimento fervoroso que eu tinha em eram baseados em motivos verdadeiros - e que uma hora eu iria perceber isso.
O pior é que eu estava realmente mais propensa mesma em seguir o meu coração – não somente porque aquilo que eu sentia era mais forte que todo o mistério assustador, mas também porque minha família e meus amigos haviam me aconselhado a me apoiar em .
E ele era digno desse apoio e dessa confiança. Eu sabia que ele sempre estaria lá para mim, em qualquer momento que eu precisasse.
Eu estava revirando os olhos para as caretas dele e gargalhando novamente quando uma garota apareceu no nosso caminho repentinamente, fazendo parar e me fazendo trombar em suas costas, antes de me afastar para o lado para ver o que tinha acontecido.
Ela parecia ter por volta doze anos e trajava um vestido xadrez e botas de camurça até os joelhos, além de estar segurando uma cesta cheia maçãs-do-amor. Seus longos cabelos castanho-claros estavam amarrados em duas tranças e ela tinha um sorriso encantador. Parecia bastante humilde.
- Olá! – disse para mim e para , sorridente. Em seguida, falou apenas para ele: – O moço não gostaria de comprar uma maçã-do-amor para a namorada? São apenas três dólares! E ainda o casal pode aproveitar a cabine de fotos ali! – ela apontou para a máquina há poucos passos dali, da onde saíam quatro adolescentes bêbados muito felizes. Ao lado, havia uma mulher que parecia tomar conta de tudo, e a semelhança entre ela e a garota era inegável.
- Ahn... – , como de costume quando estava nervoso, começou a coçar os cabelos. Eu acabei ficando vermelha, mas não soube como dizer para a garota que não era meu namorado e que nós não éramos um casal.
É... por enquanto. Ainda. Sei lá.
- São apenas três dólares! – ela incentivou tirando uma maçã e inclinando-a para , o rosto agora num sorriso um tanto forçado, como se ela tivesse implorando. – Para a sua garota! – ela deu uma piscadinha para ele e balançou o dedão para mim.
Observei enrubescer violentamente, e aquilo me deu vontade de rir. Ele estava tão acuado não sabendo se deveria constranger a garota ou a mim, porque claramente estava com medo da minha reação.
- Desculpe, mas é que... – ele começou. Eu bufei (numa tentativa de não rir alto) e revirei os olhos, interrompendo-o, e procurei algumas notas na minha bolsa.
- Três dólares, certo? – perguntei e a garota balançou a cabeça com avidez, claramente feliz. – Aqui. – entreguei as notas para ela e peguei a maçã que ela me dera, guardando na minha bolsa em seguida.
- Venham tirar as fotos! – ela riu e me pegou pelo braço, puxando-me enquanto corria para frente.
Antes que pudesse ir no embalo, agarrei o braço de , observando-o soltar o ar preso em seus pulmões e dar um sorriso aliviado. Eu ri também e balancei a cabeça, me deixando ser levada pela menina de tranças e sentindo a mão de na minha.
A garota entregou o dinheiro para a mãe e nos empurrou para dentro da cabine de fotos, dizendo que a máquina bateria três fotos nossas em um intervalo de segundos e que depois que a gente acabasse poderíamos pegar duas cópias antes de ir embora.
Nós dois sentamos num banquinho que havia por ali e acabamos olhando um para o outro, sem saber direito como agir.
- O que fazemos agora? – perguntei.
- Ahn... poses? Pra tirar as fotos? – ele rebateu, rindo de mim, me fazendo dar-lhe um leve tapa antes de suspirar.
Fotos... ah, fotos. Elas haviam sido o problema de ontem e estavam sendo um problema agora também. Mais ou menos.
- É irônico, não é? – eu comentei, séria, e ele percebeu o meu tom.
- O que é irônico? – perguntou. Olhei para frente, sem coragem de encará-lo.
- Nós estarmos aqui. Tirando as fotos. Quando ontem eu estava justamente olhando nossas fotos antigas e pensando em como aquela mulher que estava lá se parecia comigo, mas não era eu. Porque eu não me lembrava de nada.
- ... – ele tentou falar, mas acabei interrompendo-o e olhando de volta em seu rosto.
- , não quero brigar. Estamos aqui e eu estou adorando o nosso passeio. É só que é uma coisa que não dá pra esquecer.
- Então essa é a hora.
- Hora do quê? – agora quem estava confusa era eu.
- Você disse que não se lembrava daquelas fotos. Tudo bem. Vamos tirar novas fotos, daqui e do agora. Desse momento. De nós. Se você não se lembra do passado, não importa. Vamos construir novas memórias. Juntos.
Sem que eu tivesse controle, um sorriso gigantesco despontou pelos meus lábios. Eu gostava dessa ideia. Construir novas memórias junto com ele.
Eu gostava muito.
No ímpeto, inclinei-me contra ele e o beijei na bochecha, acariciando um de seus ombros e sentindo-o me enlaçar pela cintura do jeito mais amoroso que isso pode ser feito. Ele pareceu surpreso com o meu gesto, mas não me afastou.
- Obrigada, . – eu disse sorrindo depois de abraçá-lo, e nossos rostos estavam tão pertos que se um vento batesse era capaz de nossos narizes acabarem se encostando. – Acha que ainda dá tempo de uma foto? – perguntei rindo e olhando para frente agora.
- Diga “xis”! – ele riu também e me abraçou pela cintura, nos preparando para a foto.
Nada aconteceu, então nós começamos a gargalhar, até que a mãe de garotinha empurrou a cortina para o lado e nos chamou, brava:
- Vão ficar aí dentro até quando? A fila ‘tá se formando aqui fora!
Nós dois saímos logo e recebemos da simpática garotinha (ao contrário de sua mãe) as nossas fotos. A primeira delas mostrava eu e nos olhando profundamente, no meio da conversa tensa. A segunda havia sido tirada enquanto eu lhe dava um beijo no rosto, me mostrando de olhos fechados e com um meio sorriso no rosto e um um tanto assustado. A terceira e última era eu olhando para a câmera, sorrindo, enquanto não havia dado tempo de olhar para o foco também, de modo que ele estava com os braços nos meus quadris e me olhando, seus grandes olhos azuis parecendo estrelas brilhantes e um sorriso grande no rosto.
Prometi a mim mesma que guardaria aquelas fotos para sempre e que nunca, nunca mais me esqueceria delas.
Eu e , depois de guardar nossas fotos cada um em sua carteira, acabamos finalmente indo até uma das barracas de jogos.
- Ah, ! Eu quero o porquinho verde! – implorei com as mãos quando vi o bicho de pelúcia.
- Você quer o prêmio justo do jogo mais difícil?! – ele arqueou as sobrancelhas para mim. Não era verdade, não parecia tão difícil assim. O objetivo era acertar os tubarões (que ficavam se movendo) com umas bolinhas de tênis. No entanto, os tubarões estavam misturados aos patinhos e, se derrubássemos três desses últimos, iríamos perder.
- ! Por favor! – implorei. O moço da barraca, que estava ouvindo a nossa conversa, se intrometeu:
- Não vai ganhar um prêmio para a moça, rapaz?! Não se fazem mais homens como antigamente...
revirou os olhos em deboche para a fala do homem, ao passo em que eu continuei implorando, fazendo a maior e melhor cara de cachorrinho que acabou de cair do caminhão de mudança.
- Por favor...? – fiz mais uma tentativa. Ele suspirou e começou a tirar o dinheiro do bolso, suspirando. Dei um pulinho de vitória.
- O que você não me pede chorando que eu não faço sorrindo...
Foi quando o homem lhe entregou as bolinhas e ele começou a se concentrar para atingir a tarefa que uma coisa estranha aconteceu, sem que eu tivesse qualquer controle. Aquela sensação estranha se apoderou do meu peito e foi como se alguma coisa tivesse desligado a minha mente e a religado em outro lugar: ainda estávamos eu e , no parque e na barraca, mas o homem era diferente. Nós estávamos com roupas diferentes também e, ao invés de noite, era dia.
Assim como veio, se foi. A visão fora rápida, durante apenas alguns segundos, mas aquele sentimento continuou, me fazendo ficar desconfiada de que o que estava acontecendo agora já havia acontecido antes, de algum jeito. E a sensação presa agora no meu peito era de um imenso déjà vu.
- , nós já... – “viemos aqui antes?” Era isso o que eu ia perguntar, mas percebi que ele estava concentrado demais na última bolinha para me ouvir.
Observei-o prender a respiração e fechar um dos olhos, mirando a bolinha no último tubarão que faltava. Vê-lo tão dedicado a uma tarefa que eu havia pedido fez com que eu abrisse um sorriso e aquele desconforto no meu coração e estômago já tão recorrentes aparecessem com força.
Ele colocou um pedaço da língua para fora, mirando.
Minha boca formigou.
No próximo segundo, o tubarão já estava caído e estava vibrando, escolhendo da prateleira o porquinho verde que eu tanto queria.
- Aqui. – ele me entregou o prêmio todo contente. Eu segurei o objeto em minhas mãos e sorri, me jogando em seus braços.
- Meu herói! – exclamei rindo, sentindo seus braços apertarem meus quadris. – Obrigada! – agradeci, ainda sorridente, e tentei nos soltar, mas ele não me deixou. Olhei-o interrogativamente. – O que foi? – perguntei, incapaz de desviar meus olhos dos dele.
- Eu estava com saudades de ouvir a sua risada. De ver você tão feliz. – confessou, me deixando encabulada.
- ... – comecei, mais desconfortável agora, e aquilo fez com que ele largasse a minha cintura, embora continuasse perto.
- Desculpe. – pediu. – É só que... quero te ver sempre feliz, . Sempre. – pegou uma das minhas mãos, intercalando nossos dedos. Deixei que ele fizesse isso e mexi positivamente a cabeça, entendendo o que ele queria dizer. – Agora... que tal irmos na roda gigante?
A visão de cima era incrível. Apesar de já ser noite, a imagem ainda era bela: pontos iluminados, caracterizados pelas luzes de toda a cidade – e, principalmente, pelas atrações do parque, que ainda estava cheio de gente – dançando e parecendo refletir no céu escuro, se misturando às estrelas. As pessoas abaixo de mim e de pareciam um imenso formigueiro, e o único barulho audível era o das ferragens do brinquedo, que ficavam mais proeminentes especialmente quando a roda gigante girava (coisa que não estava acontecendo agora).
- Isso aqui é lindo! – eu exclamei maravilhada para tudo.
- É mesmo. – concordou, mas, quando o encarei, ele estava com seus brilhantes olhos azuis fisgados em mim, e aquilo me fez tremer (uma tremedeira boa).
- Alguém já te disse que seus olhos são lindos? – perguntei quando eu vi que estava novamente hipnotizada por aqueles orbes. Eram irresistíveis e me puxavam para algum lugar ainda não definido no planeta Terra. Eu não sabia como parar de encará-los. Não queria fazer isso.
riu do meu comentário, parecendo muito relaxado.
- Sempre desde que eu tinha dois anos. – gargalhei.
- Convencido!
- Só falo a verdade, ué. – deu de ombros. – Mas obrigado.
Eu estava prestes a rebater toda aquela sua humildade quando o nosso assento deu um tranco antes de voltar a se mexer, acompanhando o ritmo que o mecanismo do brinquedo impunha. Eu dei um grito alto com o susto e agarrei o braço de , ao meu lado, apertando-o com força entre meus dedos. Ele me olhou assustado e eu fiquei encarando-o por alguns segundos com a boca aberta antes de seus olhos se iluminarem de uma forma que eu nunca havia visto antes e, bem... ele começar a rir.
Não conseguiu parar por muito tempo.
- Por que você tanto ri quando eu estou com medo, hein?! – perguntei torcendo a boca e ia me afastar, mas ele segurou minha mão em seu braço, tentando se controlar.
- Você é inacreditável, sabia?
- O quê? – perguntei, sem saber o que ele queria dizer com aquilo. – O que é isso? – perguntei novamente revirando os olhos ao ver que ele já estava ficando roxo de segurar as risadas. – , pare de rir de mim! – pedi, sentindo minhas próprias risadas virem.
Era sempre assim. A risada dele era contagiante.
- Nada não. – foi a única coisa que ele me respondeu, mas ainda parecia saber de algo que eu não sabia. – Deixa pra lá. – cortou o assunto de modo misterioso, mas ainda havia um resquício de sorriso em seus lábios.
Olhei ao redor novamente enquanto a roda girava, maravilhada com a visão e com o sentimento bom que enchia meu peito cada vez mais. Então a roda parou de novo, exatamente quando o nosso assento passava do topo mais alto. Suspirei ao perceber a grande altura em que eu e estávamos.
- E então, quais são seus planos para essa semana? – ele me perguntou. Levando em consideração que já era domingo...
- Vou ao hospital para os exames de rotina. – respondi sem nem pensar muito, olhando para ele e vendo-o franzir as sobrancelhas.
- Você quer que eu vá...
- Não precisa. – interrompi-o, sorrindo com a preocupação dele. – Você vai estar trabalhando e meu pai disse que quer ir comigo.
- Entendo. – disse suspirando também. Notei sua postura um pouco mais rígida e ele intercruzou seus dedos, pensativo. Decidi continuar falando então para distrai-lo de seus pensamentos, que não pareciam muito agradáveis.
- Bom, eu também marquei de almoçar com meu pai um dia desses. Passar um tempo com ele depois de tudo o que aconteceu. Também quero tentar conversar melhor com a , então vou ver se consigo ligar para ela numa boa hora. – fui fazendo a lista em voz alta e pareceu muito concentrado nas minhas palavras. – Ah! Também preciso comprar o presente de aniversário da minha sobrinha. – soltei. Aquele fato, de eu já ser tia, ainda fazia com que eu me sentisse estranha.
- Ah, sim. É no próximo final de semana, né?
- Uhum. Você vai também? – perguntei. Não me aguentei. A realidade é que, se Jonathan o aprovava, com certeza o teria convidado também.
E eu queria que ele fosse, para falar a verdade.
- Sim. Jonathan me chamou. E eu não perderia a festa dela por nada!
- Que bom! – sorri verdadeiramente, entusiasmada, e virei meu corpo mais ainda para ele. Em seguida, não consegui evitar pensar em Penny. Como ela seria? Com quem se pareceria? Do que será que gostava? E o pior: como eu mesma reagiria quando ela viesse me cumprimentar?
- ... – comecei, preparada para perguntar, mas ele subitamente estendeu uma mão na minha direção. Fiquei parada, apenas esperando a sensação que tomaria o meu corpo quando ele me tocasse, sensação que veio segundos depois quando ele puxou uma mecha do meu cabelo que o vento havia levantado e a prendeu atrás de uma das minhas orelhas. Acolhimento. Carinho.
Fiquei parada enquanto ele me acariciava na bochecha, seus olhos fixos em algum ponto em mim. Seus dedos eram tão gentis e me deixavam tão extasiada que eu quase perdi quando ele murmurou um “hm?”, indicando que era para que eu continuasse a falar.
- , você... como a Penny é? Sabe, eu não conheço a minha sobrinha... – dei um meio sorriso sem graça. Ele parou com os carinhos, mas ainda ficou me olhando, paralisado.
Quase soltei um muxoxo quando seus dedos finalmente deixaram meu rosto. Ele procurou no bolso da calça o seu celular e, pela proximidade, pude ver quando ele o desbloqueou. Respirei fundo ao perceber que o plano de fundo do aparelho era uma foto de nós dois, do jeito mais romântico e clichê possível.
As borboletas voaram no meu estômago.
Observei a garotinha quando ele abriu a foto, inclinando-me contra o seu corpo para poder enxergar. Ela era pequena, tinha os cabelos enrolados e castanhos da mãe e os olhos do pai (e da tia). Estava usando eu e como cadeira, seu corpo precisando de uma perna de cada um de nós dois para se estabilizar, os braços em nossos pescoços, e fazia uma careta, como se estivesse odiando ter que tirar a foto. Eu estava com um sorriso tão grande que deixava o meu rosto desproporcional, e ... bem, ele parecia incrível, como sempre. Como sempre.
- Ela é adorável. – admirei-a por mais um tempo, segurando o celular dele com as minhas próprias mãos antes de devolvê-lo a ele.
- É sim. – concordou, guardando o aparelho de volta no bolso.
- Você sabe do que ela gosta? Não sei o que comprar... – ele riu.
- Você ‘tá me pedindo conselho sobre presentes?
- Sim. – dei de ombros, sem graça.
- Não é você que sempre diz que eu sou péssimo nisso? – fuzilei-o com os olhos, mas ele riu mais ainda, parecendo não ligar para a minha confusão. – Vai pelo seu instinto, . Sério. Você é ótima com crianças e tem uma mão boa para presentes. Além disso, a Penny te ama, e com certeza vai gostar de qualquer coisa que você lhe der.
Concordei com a cabeça, me sentindo esquisita por não saber do que minha própria sobrinha gostava. Não sei se foi essa sensação que me apertava o peito ou se foi o vento característico da altura em que estávamos, mas acabei me arrepiando de frio, e por isso me abracei.
- Você está com frio? – ele me perguntou, preocupado.
- Um pouco. – disse marota. – Mas acho que há nada que se possa fazer, já que você não tem uma blusa de frio para me emprestar. – dei a língua e apontei para sua camiseta. não parecia com frio, mas isso era porque ele não estava usando um vestido que deixava suas pernas descobertas.
- Bom, eu tenho braços, e eles podem servir para alguma coisa, né? – ele riu também enquanto eu concordava com a cabeça, me aninhando no abraço que ele havia me oferecido.
Apoiei minha cabeça em seus ombros. Senti uma de suas mãos me enlaçando pelos ombros e ele a deixou lá, fazendo um carinho singelo como se estivesse tentando me esquentar. Eu acabei estendendo meus próprios dedos para a sua outra mão, em cima do joelho, e as deixei grudadas, sentindo sua aliança.
Meu corpo se esquentou instantaneamente e eu acabei sorrindo, sentindo seus toques, nossos corpos juntos, observando a paisagem dali de cima.
Era tão bom.
- ? – eu o chamei, sem olhá-lo. Ele apertou meus dedos, indicando que eu continuasse a falar. – Já estivemos aqui antes? – perguntei o que eu queria já há um bom tempo.
Apesar de não vê-lo, eu sabia que ele estava sorrindo aquele meu sorriso preferido. Logo seus lábios deixaram um beijo incrível na minha têmpora e eu inconscientemente me apertei mais contra ele, sabendo de um jeito ou de outro que todos os caminhos acabavam me levando até ele.
- Você está pronta? – me perguntou depois de fechar o porta-malas do seu carro.
- Sim. – eu exclamei baixinho.
Ainda não havia amanhecido e eu estava morrendo de cansaço porque a festa de Penny, no dia anterior, havia durado até depois da meia-noite, de modo que eu não havia conseguido dormir quatro horas completas. No entanto, eu não podia reclamar muito. havia dormido menos que eu, iria dirigir o caminho todo de volta para casa e ainda teria que trabalhar amanhã.
Eu estava no lucro.
Abracei Jonathan e Lizzy, agradecendo a hospitalidade do final de semana e pedindo para que eles mandassem um beijo para Penny, que ainda estava dentro de casa, dormindo. A festa de aniversário da garota havia sido muito emocionante e, ao contrário do que eu havia pensado, nada estranha. Primeiro porque eu havia chegado lá com meu pai um dia antes, então consegui ver Penny antes de qualquer outro parente. Segundo porque ela havia sido uma graça comigo. Apesar do que a gente possa pensar, crianças são muito inteligentes.
Além disso, eu acabei entregando meu presente a ela antes. Era uma boneca de pano, escolhida a dedo por sua simplicidade e fofura, e Penny pareceu adorar. Foi o preferido dela, na verdade – levando em consideração que eu fui uma das poucas pessoas que lhe dera brinquedo.
chegou no sábado de manhã e, assim como meu pai e eu, se hospedou na casa do meu irmão. Nós acabamos dividindo o quarto por uma noite, mas havia duas camas pequenas por lá, então não foi bem um problema. Nós havíamos combinado também de eu ir embora com ele no domingo, deixando assim o meu carro para meu pai voltar na segunda-feira, já que ele queria passar um dia a mais com a neta.
Durante a festa foi divertido, eu e ficamos juntos, conversando sobre assuntos aleatórios, e fomos os únicos adultos que faziam brincadeiras ridículas com as crianças (e elas pareciam gostar). Num momento, ele me chamou de canto e perguntou se a gente poderia sair bem cedo no dia seguinte, porque ele queria passar num lugar no meio do caminho para casa. Logicamente, eu concordei.
E então estávamos ali, com o carro já com as nossas poucas mochilas. Um vento veronense refrescante tomava conta do local, balançando todas as árvores que havia ali por perto, e o céu ainda estava escuro. A vizinhança estava silenciosa.
- Tchau, pai. – abracei-o também enquanto se despedia de Jonny.
- Tchau, filha. Se cuida. – meu pai beijou o topo da minha cabeça.
- Você também. Vamos almoçar de novo essa semana, ok?
- Combinado. – ele sorriu e em seguida foi abraçar , ao passo em que eu entrei no banco carona.
Um tempinho depois o homem se sentou ao meu lado no carro e, acenando para o restante da minha família, seguimos pelas ruas até chegar na estrada, a qual estava bastante vazia devido ao horário. Eu acabei ligando o rádio porque, apesar do silêncio não estar desconfortável, eu estava ficando com sono de novo, e não queria dormir com dirigindo estando ainda mais cansado que eu.
- E então, onde vamos parar? – perguntei curiosa tamborilando os dedos na perna, ao som da música pop que tocava.
- Você vai ver. – ele olhou de relance para mim, mas não tirou o foco da pista. – Você vai adorar.
- Como pode ter tanta certeza?
- Ah. – ele riu, misterioso. – Eu tenho certeza.
Quase uma hora depois, diminuiu a velocidade do carro até estacioná-lo perto de um quiosque com três vagas para automóveis. Nós estávamos à beira de uma praia, a qual ainda estava completamente vazia porque ainda era de madrugada.
Eu conhecia aquela praia. Já havia ido nela algumas vezes quando era criança, e era uma das minhas favoritas. Eu tinha boas memórias nela. Que ironia.
Virei o rosto para ele, sorrindo o meu sorriso mais incontido, e não tive coragem de falar absolutamente nada. Ele tinha acertado, eu adorara a surpresa. me olhou, misterioso, quase sorrindo também antes de se virar para o banco de trás e puxar duas toalhas e uma garrafa de... coca-cola? Arqueei as sobrancelhas na direção dele, desligando o rádio e cruzando os braços.
Ele deu de ombros.
- A ideia era uma garrafa de vinho, mas eu não tinha um abridor. Além disso, você ainda não pode tomar álcool.
- Você planejou isso. – eu disse mordendo os lábios, animada com qualquer que fosse a ideia dele (que parecia bem genial).
- Ah, sim. – ele riu e mirou um beijo na minha bochecha, mas acabou escorregando na posição e sua boca atingiu o canto dos meus lábios. Quando eu sorri, seus olhos se iluminaram. – Vem comigo.
Ele abriu a porta do carro e saiu, me fazendo sair atrás dele. Ajudei-o a segurar as coisas enquanto trancava o carro, e em seguida andamos até a areia, mas não muito perto do mar, apenas o suficiente para que não ficássemos visíveis na beira da estrada.
estendeu as toalhas na areia e colocou a bebida de lado, antes de jogar as chaves do carro, carteira e celular num canto. Fui fazer o mesmo, jogando minha bolsa de mão perto das coisas dele, mas esqueci que ela estava com o zíper aberto, então minha carteira acabou rolando para fora, aberta. Abaixei-me para juntar as coisas, mas já estava fazendo isso quando paralisou ao segurar um papel.
Ah, droga.
Ele olhou do papel para mim, e eu acabei enrubescendo. Abriu o meu sorriso predileto e virou o que segurava na minha direção, me fazendo encarar a nossa foto tirada no parque de diversões, há uma semana, a qual eu levava agora na carteira.
Na realidade, era uma das fotos. Como cada um de nós havia ganhado três, eu acabei recortando as minhas e as organizando em lugares diferentes, porque senti necessidade de manter aquelas fotos por perto: na minha carteira, outra no meu quadro de fotos (única minha e de lá) e a última na minha gaveta de cabeceira, porque eu a havia colocado no lugar daquela foto antiga minha e de que haviam me dado quando eu estava no hospital.
- Não pergunte nada! – eu apontei o indicador para ele, risonha, e arranquei a foto de suas mãos, guardando-a em seu devido lugar depois de me sentar.
- Eu não ia! – ele reclamou, me puxando para mais perto, e eu o obedeci revirando os olhos para a sua fala.
- Certo. – bufei novamente e ele gargalhou.
Acabei me acomodando entre suas pernas, minhas costas apoiadas em seu peito e sentindo sua respiração no meu ouvido. Apoiei meu cotovelo em um de seus joelhos dobrados e ele me acariciou na cintura com uma das mãos.
Olhei ao redor e suspirei, feliz. Apesar do dia estar começando a invadir a noite e da praia deserta, nada estava silencioso. Eu podia ouvir o barulho das ondas do mar, da areia se misturando à água, dessa mesma água batendo num rochedo, mais ao longe. Conseguia ouvir o assovio do vento, das folhas de coqueiro balançando perto do quiosque e até mesmo alguns carros bem distantes.
E eu poderia jurar estar escutando o coração de também, batendo exatamente no mesmo ritmo que o meu.
A sensação de paz era inacreditável. Ele me fazia tão bem, era uma sensação tão gostosa... eu podia ver porque tinha me apaixonado por ele. era muito apaixonável.
- É sempre tão fácil estar com você? – perguntei pensativa.
- É fácil estar com você também. – ele disse e eu virei meu rosto para fitá-lo.
- Você é sempre tão perfeito assim? A gente nunca briga? – eu perguntei e ele riu, passando as mãos pelos meus ombros e me deixando alerta, com todas as terminações nervosas ligadas.
- Ah, a gente briga sim. Um monte. E por um montão de besteiras.
- É sério? – disse assustada. Era meio difícil de visualizar aquilo.
- Sim.
- É um pouco difícil de acreditar nisso. – confessei.
- Acredite, não é. – explicou-me. – Todos os casais brigam. De vez em quando é exagero, mas algumas vezes essas brigas são saudáveis. Fazem parte do relacionamento, é o que o fortalece, e com elas a gente pode aprender mais do que talvez aprenderíamos se fingíssemos que tudo estivesse bem.
- É, acho que você tem razão. – suspirei mais uma vez e voltei a olhar para frente. respirou fundo também (percebi isso com todos os detalhes) e senti seus lábios encostando levemente no meu pescoço, onde depositou um beijo casto. Eu tremi com a sensação, porém me apertei ainda mais nele.
- Por que me trouxe aqui? – perguntei olhando para o céu. Ele estava cada vez mais e mais claro.
- Queria ver o nascer do sol com você. – ele disse sorrindo e eu o olhei, impressionada.
- Comigo?
- É claro. – ele riu. – Quero fazer tudo com você, . Tudo o que eu puder fazer na minha vida, quero fazer com você ao meu lado.
Eu sorri, meu coração quase saltando pela garganta, e me inclinei para beijá-lo na bochecha, mas novamente houve um desequilíbrio por conta da posição complicada e acabei encostando meus lábios na sua mandíbula. É engraçado como esses gestos de carinho involuntários acabam dando errado e se tornam uma coisa a mais, porque eu acabei rindo devido às cócegas que sua barba me fez.
- Gosto da sua barba assim. – eu ri mais ainda, passando a mão pelos pelos curtos.
- Por que será que eu não me surpreendo? – revirou os olhos, mas riu comigo, parecendo muito feliz, apertando minha cintura e fazendo cócegas. Remexi-me, gargalhando, e acabei me sentando de lado, abraçando-o com uma mão e apoiando minha cabeça na região de sua clavícula.
- Falta muito para o sol nascer?
- Daqui a qualquer minuto. – respondeu.
- Onde ele vai aparecer? – perguntei sussurrando a ele, sem perceber que estava fazendo isso.
- Ali. – sussurrou de volta para mim e apontou com a mão. – Fique esperta. Dizem que quando o sol toca a linha do horizonte, dá pra escutar um barulhinho.
Eu ia perguntar que barulhinho era aquele, mas acabei ficando em silêncio e esperei, atenta ao momento. Pude sentir a respiração de se misturar com a minha, nossos corações batendo como se fossem um só. Suas mãos faziam um carinho delicioso na minha pele, e eu acabei acariciando seus ombros quando o sol começou a raiar, aos poucos, subindo como se tivesse sido submerso na água do mar. Talvez tivesse sido só impressão, mas podia jurar que escutara um barulhinho não-identificável, tal qual havia me dito.
- Por que eu, ? – soltei depois daqueles segundos silenciosos, enquanto a grande bola alaranjada subia vagarosamente pelo céu.
- Por que o quê? – ele perguntou franzindo a testa, me olhando. Olhei para ele também.
- Por que eu? Nós… Você… Eu fiquei dois anos entre a vida e a morte, . – comecei, tentando entender. – E, depois que eu acordei, você descobriu que eu tinha perdido mais dois. Ainda assim, você não desistiu de mim. Ainda assim, você está aqui, comigo, me mostrando todas essas coisas bonitas, me ajudando. Por quê? – perguntei olhando fundo em seus olhos.
Eles brilharam, um contraste perfeito com o sol que havia acabado de raiar. A visão de seu rosto era tão intensa que quase me fez chorar.
- Pelo mesmo motivo que você está aqui comigo. – respondeu. – Pelo mesmo motivo que você me deixa ficar aqui. Pelo mesmo motivo de você me deixa mostrar todas essas coisas, . – ele disse muito sério, passando a mão pelo meu rosto. – O motivo é exatamente o mesmo.
Aquilo bastou para que algo dentro de mim destravasse e no próximo segundo me vi me inclinando e juntando os lábios quentes de nos meus. Foi uma coisa rápida, mas pareceu durar uma eternidade. Começou timidamente, ambos chocados, mas logo nossas bocas pareceram admitir um ritmo próprio, uma completando a outra. Suas mãos acariciaram meu rosto e todo o oxigênio dos meus pulmões se foi quando nossas línguas se encostaram, surpresas com as sensações que explodiam em nossos corpos.
De uma coisa eu estava certa: se eu não tivesse tão confusa e surpresa com os meus próprios atos, poderia ficar beijando pelo resto da eternidade.
Nós nos afastamos um tempinho depois, e estava ofegante igual a mim. Então, abriu um sorriso de iluminar galáxias e me disse sorridente:
- Ah, . Seu timing é... é simplesmente impressionante.
[...] Eu simplesmente não consigo fazer isso. Não consigo deixar você ir embora assim. Você é a melhor parte de mim. É a única que eu quero. [...]
Ah, céus. De novo aquelas palavras. Aquelas frases. Por que na minha cabeça? Por que comigo?
Levantei da cama com dificuldade (eu odiava dormir de tarde, mas havia acordado cedo para ir ao hospital para minha consulta de rotina com o neurologista, então não aguentei) e corri em direção ao banheiro. Abri a torneira e joguei a água gelada no meu rosto, o que me fez perceber que ele já estava molhado por conta de algumas lágrimas que caíram durante o meu sono, sem que eu pudesse evitar.
Ao contrário do que eu queria, aqueles sonhos estavam se intensificando cada vez mais. Não sabia o que os estava desencadeando, mas eles acabavam sendo um fardo, porque me deixavam com uma sensação esquisita no peito pelo resto do dia. Eu estou aqui querendo memórias perdidas e alguém me mandando sonhos sem nexo...
Quando voltei ao meu quarto, escutei a campainha tocar. Desconfiei de quem seria a pessoa, já que normalmente tinha uma cópia da chave e entrava sem permissão (além disso, ele estava trabalhando hoje, e nós havíamos nos visto ontem) e eu tinha combinado com o meu pai de vê-lo no dia seguinte.
Esperei mais um tempinho, mas a pessoa foi insistente. Suspirando, calcei meus chinelos – que nada combinavam com o meu short jeans e minha regata verde – e andei até a sala, abrindo a porta de entrada. No próximo segundo, um ser humano se pendurava em cima de mim, me apertando tanto que eu até fiquei sem ar.
- ! – ouvi o grito do meu nome enquanto eu acabei comendo um montão de fios de cabelos que não eram meus.
- ! – exclamei assustada e feliz ao mesmo tempo por ela estar ali. - Socorro! – gritei ao perceber que estava ficando sem ar de verdade.
- Ah meu Deus, você está tão linda! – ela disse quando me soltou, sorrindo e fechando a porta depois de entrar.
- ! – foi a minha vez de me jogar em seus braços, agora compreendendo que a minha melhor amiga estava realmente ali depois de tanto tempo longe. – Não acredito que você está aqui! Você não ia chegar só daqui dois dias? – perguntei impressionada. Nós nos falávamos todos os dias pelo celular, contando as novidades.
- Consegui adiantar a viagem de volta, então quis fazer uma surpresa pra você! – ela se jogou no meu sofá, e eu fiz o mesmo, sentando-me ao seu lado. – Gostou?
- Eu amei! – disse rindo. – Cadê suas coisas? – referi-me à sua mochila.
- Eu passei em casa antes. Deixei tudo na portaria e corri pra cá. O taxista só me cobrou uma corrida!
Nós duas rimos, felizes. apertou as minhas mãos, e eu reparei como o sorriso dela estava brilhante, assim como os olhos. Ela estava realmente feliz por estar ali comigo, afinal, nós havíamos tido um azar muito grande quando ela fora designada para trabalhar na outra cidade por um tempo para resolver um problema bem na época em que eu acordara. Mesmo todo esse tempo longe (os dois anos meus no hospital e quase um mês sem ela depois de acordar) nada entre nós parecia ter mudado. A sensação de amizade, conforto e segurança era exatamente a mesma desde que tínhamos cinco anos de idade.
- Muito bem, agora trate de me contar como foi o seu dia ontem! – exigiu, me fazendo ficar um pouco vermelha. Sábado a noite havia contado a ela que sairia com no dia seguinte (ontem, no caso), e novamente ele havia me feito suspense, então eu tinha estado bastante curiosa, ainda mais depois... bem, depois do ocorrido na praia.
- Você não está com fome não? – perguntei tentando desviar o assunto.
- Estou! – ela concordou levantando e me puxando consigo até a cozinha. – Você pode cozinhar para mim e contar os detalhes ao mesmo tempo, certo?
- ! – repreendi-a, observando-a sentar-se folgadamente numa das cadeiras, rindo.
- Você não vai escapar de mim, só arranjou mais trabalho pra você! – zombou me dando a língua. Eu revirei os olhos, rindo, mas fui esperta e peguei o litro de leite e o pote de manteiga da geladeira, jogando-os na mesa. me olhou, então peguei uma faca, copo e o saquinho de pão, me sentando na frente dela em seguida.
- Não vou cozinhar pra você, sua folgada. Se vira! – ela me olhou boquiaberta antes de cair na gargalhada, acenando com a cabeça.
- Justo. – ela encheu o copo com a bebida (pura e gelada, do jeito que mais gostava) e preparou seu pão. – Agora desembucha. Onde ele te levou?
- Ele... – comecei mordendo os lábios para conter o sorriso, mas não consegui. Lembrar do dia anterior, com , era como lembrar de um sonho muito bom. Não parecia ter acontecido de verdade, não parecia ter acontecido comigo... mas acontecera. – Ele me levou no Aquário da cidade.
- Aquário? – ela arregalou os olhos, depois franziu a testa, pensativa. – , você já não f... Ah. – ela mesma se interrompeu, como se tivesse tido uma ideia brilhante. Depois, começou a rir. – Entendo. Entendo perfeitamente.
- O quê? – perguntei, não entendo nada do que ela estava falando.
- Nada. – riu. – Ai, esse . Você realmente fez uma ótima escolha, amiga. Ele é demais.
- ...
- Deixa pra lá, você não vai entender nada mesmo. – zombou de mim novamente. Ai, intimidade! – Conta mais. O que vocês fizeram?
- Ah, amiga. Foi tão lindo. Vimos tantas coisas legais...
- Agora nós vamos fazer uma última coisa. – me contou assim que saímos da praça de alimentação do aquário.
Nós já havíamos visitado todos os andares e estávamos ali há quase duas horas, vendo os mais diversos tipos de aquários, peixes, tartarugas, polvos, estrelas-do-mar, ouriços, moreias, lagostas, seres luminosos... e por aí vai. Havia até um espaço aberto ao público com uma espécie de piscina com alguns animais, e os especialistas deixavam que os visitantes se aproximassem para tocá-los, dando algumas instruções para que não houvesse problemas.
Aquilo havia sido o máximo.
- Mais coisa? Ainda tem mais coisa pra fazer aqui? – perguntei realmente assustada.
- Tem. – ele riu. – Deixei o melhor para o final.
- Ok, vamos lá! – concordei animada, pegando a mão que ele oferecera para mim e deixando que ele me guiasse.
Não posso negar que a situação estava muito mais tranquila agora do que quando ele me pegara em casa. Depois do beijo na praia, as coisas ficaram um pouco estranhas entre nós. havia gostado da intimidade, mas aquilo serviu para me deixar ainda mais confusa, ainda mais porque eu é quem havia dado início ao beijo, e eu ainda não sabia direito da onde aquilo havia surgido. De qualquer maneira, ele percebeu o meu distanciamento e eu acabei lhe falando que aquilo na praia havia sido um acontecimento inédito para mim também, e que eu ainda estava confusa com tudo o que estava acontecendo e precisava de um tempo.
Pois é, ele se assustou. Achou que eu não queria mais vê-lo, mas isso não era a verdade. Muito pelo contrário: a necessidade de sair com ele cresceu. Eu queria nosso tempo juntos, mas não estava preparada para outra intimidade naquele nível. As coisas dentro de mim estavam estranhas, mas também era injusto com ele, então eu me sentia muito mal por deixá-lo afastado e ao mesmo tempo precisar que ele estivesse comigo.
Para a minha não-surpresa, pareceu entender perfeitamente o que eu estava passando e recuou um pouco, mas não totalmente.
Mas eu sabia que não seria assim para sempre. Eu não poderia deixar isso acontecer com ele.
Enfim, a situação se amenizara porque ambos deixamos que ela esfriasse, e preferimos aproveitar nosso tempo juntos ao invés de ficar pensando sobre como era estarmos juntos.
- É aqui. – ele disse piscando o olho para mim e se apoiando num balcão. Logo uma moça apareceu, sorridente em nos atender, e eu comecei a ler a todas as placas que havia ali em volta, meus olhos se arregalando mais e mais ao perceber o que estávamos prestes a fazer.
- Duas entradas? – ela perguntou apontando para nós dois com uma caneta, um sorriso muito grande em seu rosto.
- , o que...
- Sim, duas. Queremos participar do mergulho.
Ah, meu Deus! Eu não podia acreditar naquilo. Estava mesmo acontecendo? Nós íamos mesmo nadar com os tubarões dentro daquele tanque gigante? Com outras pessoas nos vendo por conta do vidro num nível abaixo?
- Ótimo. Vocês só precisam preencher essa ficha. – a mulher loira continuou sorrindo na direção de e nos entregou papeis e canetas. Agarrei o braço do homem, puxando-o para mais longe.
- O que estamos fazendo? – perguntei desesperada. Aquilo era emocionante e aterrorizante, tudo ao mesmo tempo.
- Vamos nadar. – me disse, rindo.
- É seguro?
- , você acha que eu te levaria para um passeio em que não fosse seguro? – riu de mim, acariciando meu pescoço. Neguei com a cabeça.
- Tem tubarões de verdade lá em baixo! – apontei para a beirada do tanque, por onde um grupo de pessoas devidamente vestidas saía, todos rindo e falando o quão impressionante era ficar submerso, encostando nos animais à vista de qualquer pessoa que passasse perto do vidro.
- Você não quer ir? – ele perguntou mudando de postura, preocupado. – Se você não quiser, nós...
- Não, eu quero! – apertei a mão dele, porque a ideia de desistir daquela aventura era broxante demais. – É só que... ‘tô com medinho. – mordi os lábios e encolhi os ombros.
- Vou estar lá com você, linda. – ele me puxou, trocando minha mão pela minha cintura, e me beijou na testa. – Qualquer problema você me avisa e a gente sai, ok?
- Ok. – respondi sorridente. A segurança de era impressionante, e me deixava mais segura também. – Vamos responder logo essas perguntas! – arranquei uma folha da mão dele e me dirigi para uma das mesinhas que havia ali perto para poder escrever.
Depois de entregarmos as fichas, nos juntamos a um grupo paralelo de amigos, os quais iriam entrar com a gente nessa rodada. Um dos monitores foi conosco, nos levando para um lugar em que pudéssemos colocar as roupas de mergulho e explicando algumas coisas básicas, já que as específicas teriam que ser quando estivéssemos já dentro da água. O mergulho tinha em média 30 minutos de duração, e vários especialistas estariam de olho na gente caso ocorresse algum problema.
Eu estava me organizando para começar a me trocar quando percebi que fitava assustado e descaradamente alguma coisa no meu peito. A boca dele estava aberta, os olhos arregalados, e tudo o que estava em suas mãos caíra direto no chão, porque ele não conseguiu (na verdade, nem fez questão) de segurar.
Abaixei a minha vista para ver o que ele tanto encarava, e acabei mordendo os lábios quando percebi que... bem, que a aliança na corrente, a qual eu havia voltado a usar escondida, havia saído de dentro da blusa. Eu o encarei, sem graça, e fiz menção de voltar a esconder o objeto, mas meu gesto foi o que bastou para que ele saísse do transe e impedisse o meu movimento, segurando meu pulso.
Suas pupilas estavam dilatadas. Eu soltei o objeto ao mesmo tempo em que ele soltava meu pulso e passava os dedos pelo anel e pela corrente, pensativo.
- Você está usando isso há quanto tempo? – me perguntou, extasiado. Ele sabia o que aquilo significava.
- Bem... desde o nascer do sol na praia. – mordi os lábios, envergonhada por estar confessando aquela informação. abriu o meu sorriso. Ele estava tão amplo que fez meu estômago revirar de um jeito intenso.
- Como eu não vi isso antes?
- Eu não s...
Não deu tempo de falar. No próximo segundo, estava me agarrando pelos quadris e me puxando para si.
Ele me beijou. Foi uma coisa rápida, incontrolável, no calor do momento. Eu arregalei os olhos, assustada com o seu gesto, mas ao mesmo tempo meus lábios formigaram pedindo por mais e meu coração bateu cinquenta vezes mais rápido do que de costume.
Só que, assim como veio, se foi.
- Desculpe! – ele falou atordoado com a sua própria reação, quando não fazia nem dez dias que havíamos conversado sobre evitar esse tipo de intimidade. – Desculpe.
E então ele começou a rir. Rir não, gargalhar. Eu nunca o havia visto tão feliz. não conseguia conter seu sorriso, e seus olhos azuis brilhavam tanto que pareciam pedras preciosas. Observei-o (ainda petrificada) passar a língua pelos lábios, mexer no cabelo, pôr as mãos na cintura e dar alguns passos para lugar nenhum, como se não aguentasse ficar parado.
Pisquei meus olhos para ele, ainda sem esboçar reação. Não consegui exteriorizar nada... mas, dentro de mim, eu sabia que ver aquele tão feliz era o meu novo objetivo de vida.
Subitamente, ele deu mais um passo na minha direção e puxou meu rosto para si, encostando nossos lábios pela segunda vez em menos de um minuto, numa espécie de selinho incontrolável e eufórico.
- Ah, . – ele encostou nossas testas por um tempinho antes de se afastar, sorrindo. – Você é tão especial.
Inclinei a cabeça para ele, arqueando as sobrancelhas. Um sorriso escapou enquanto eu escondia novamente o colar/aliança dentro da roupa, e acabei revirando os olhos para o irreverente à minha frente.
- Vamos logo nadar, sim? – eu ri e virei de costas, agarrando a mão dele e o arrastando para que pudéssemos entrar no tanque.
Foi incrível. Incrível de verdade. A sensação de medo saiu pela culatra quando eu entrei com o corpo inteiro na água, agarrando a mão de como se, caso eu soltasse, pudesse morrer. Foi tão lindo e tão incrível que eu não sei nem como descrever, mas com certeza quero fazer isso pelo menos uma vez por ano, porque é algo diferente de tudo o que a gente conhece. A gente acha que conhece, acha que sabe como é, mas só vamos saber de verdade quando fazemos.
Com certeza minha próxima aventura será mergulhar num mar de verdade, não num tanque (imenso e muito rico, mas ainda assim um tanque).
Eu estava bastante animada agradecendo por não ter me deixado desistir enquanto tirávamos os equipamentos básicos que me assustei quando dois casais nos abordaram – na verdade, eles falaram com o .
- Oi! – um deles começou, me assustando. – Viu cara, desculpa interromper, mas é que a gente ‘tá precisando de mais uma pessoa no nosso grupo, pro mergulho. Parece que os monitores não deixam nós irmos em quatro, precisa de mais uma pessoa para fechar o grupo.
Encarei-os, confusa. Eu não sabia dessa regra, se bem que nós havíamos realmente entrado em cinco pessoas.
- Eu?! – perguntou de modo calmo. – Vocês querem que eu vá de novo com vocês?
- É, se não for pedir muito. Não tem mais ninguém na fila e a gente logo precisa ir embora. – a namorada desse mesmo cara disse para nós, apontando para a moça no balcão e realçando o fato de que ela não estava atendendo ninguém.
Confirmei que não havia realmente gente na fila, mas quando voltei meu olhar para o grupo percebi que a outra das garotas me olhava com um sorriso esquisito no rosto. Franzi o cenho para ela, que pareceu perceber sua atitude e logo voltou a olhar para , esperando sua resposta.
- Ah, eu... – ele começou, sem saber o que fazer. – Tudo bem pra você? – me perguntou. Eu me surpreendi com a sua atitude repentina, mas, realmente, não havia problema.
- Tudo bem. – concordei.
- Você pode me ver no andar debaixo, pelo vidro. Que tal? – disse abrindo um sorriso gigante. Parecia animado demais com a ideia de eu vê-lo mergulhando.
- Ótimo. – eu ri dele. Parecia uma criança feliz.
Os casais nos agradeceram e foram colocar suas roupas, e eu fui me organizar também, enquanto esperava sentado na beira do tanque.
Alguns minutos depois eu me encontrava novamente trocada e perto do vidro. Muitas pessoas estavam ali olhando para os tubarões, mas incrivelmente havia um espaço para mim também, bem no meio. Demorou alguns minutos (os quais fiquei pensando na reação dele quando viu que eu estava usando de volta a aliança, mas como um pingente, e nas minhas próprias atitudes depois do ocorrido na praia), porém logo reconheci a figura de nadando com aqueles pés de pato, máscara, tanque de oxigênio. Acenei em sua direção, sorrindo, e ele me fez um movimento positivo com os dedos.
Observei-o nadar um pouco e logo as cinco pessoas lá dentro fizeram um grupinho fechado, de costas para o vidro, como se estivessem conversando entre si – não que isso fosse possível, mas enfim. Então acenou para mim, chamando a minha atenção. Fez um gesto que indicava que era para que eu ficasse olhando para ele.
Eu acenei com a cabeça positivamente, rindo. Do jeito que ele estava feliz e parecendo uma criança, eu não duvidava nada que quisesse me mostrar como conseguia fazer uma cambalhota ou algo parecido.
Para a minha surpresa, no entanto, as cinco pessoas se alinharam diante do vidro, segurando alguma coisa nas costas. Franzi a testa e vi quando elas colocaram na frente do corpo lousas brancas pequenas, embora do lado contrário a da escrita, e me lembrei que o monitor havia explicado que aquelas placas com canetas eram uma forma de comunicação submersa, já que os visitantes não sabiam a linguagem de sinais, então escrever era bem mais fácil caso uma emergência aparecesse.
Perguntei-me o que era aquilo quando a primeira pessoa – que era o – virou a sua plaquinha, me fazendo ler o que estava escrito:
“.”
Olhei assustada para ele e fiz um sinal de “o que raios você está fazendo?”, quando, uma seguida da outra, as lousas foram sendo viradas, me fazendo visualizar a frase por completo.
Levei as mãos à boca, sem saber se eu ria, se chorava ou se matava por ter chamado tanta atenção assim para nós, já que todo mundo parecia estar olhando para mim. Ele esperou a minha resposta, mas eu não consegui fazer nada até perceber que estava chorando e rindo ao mesmo tempo, inconformada. Ele havia planejado aquilo! Planejado na cara dura! Todo mundo ali sabia, menos eu!
Coloquei uma mão na cintura e esfreguei a outra na testa, sorrindo enquanto o meu coração se desmanchava dentro do peito de tanta alegria.
Eu podia não saber de outros caras, mas aquele na minha frente era uma pessoa de quem eu nunca, em toda a minha vida, me esqueceria. Ele era o único que fazia esse tipo de loucuras, o único que conseguia me deixar ao mesmo tempo tensa e alegre, o único que me deixava com sensações tão intensas em todos os órgãos do corpo e não pensar que estava enfartando.
Era o único que me fazia sentir daquela maneira.
As lágrimas pingaram pelas minhas bochechas enquanto eu acenei vigorosamente com a cabeça o ‘sim’ mais bem dado de toda a minha vida. Ouvi as pessoas ao meu redor baterem palmas e chegou perto do vidro, estendendo uma mão. Eu corri para ele e estendi a mão também.
Mesmo com o gelado do vidro, eu podia sentir a comunicação entre nossas mãos, causando calafrios por todo o meu corpo. Eu não podia ver direito o rosto de por causa da máscara e ele não podia sorrir por causa da aparelhagem, mas eu sabia que ele estava imensamente feliz.
Fez um gesto de que iria subir e eu acenei, limpando as lágrimas.
Quando ele se foi, eu ainda estava rindo, maravilhada com ele.
A sua frase não queria sair da minha cabeça:
“, me dá uma chance?”
Sim. Sim, sim e sim. Mil vezes sim.
- E foi isso. – disse sorrindo e suspirando do jeito mais tolo possível. Quando saí do mundo da lua, peguei me olhando com uma cara desconfiada, segurando as gargalhadas que eu sabia que estavam prestes a explodir. – Ainda não acredito que ele fez isso.
Ao contrário do que eu havia pensado, ela nada falou. Apoiou o queixo em ambas as mãos e me olhou com uma carinha fofa, mexendo os olhos para algo abaixo de mim. Segui seu olhar, percebendo que eu estava brincando com a minha aliança na corrente, a qual agora vivia em meu pescoço. Do jeito mais irônico possível, percebi que havia contado toda a história mexendo naquele objeto tão significativo.
- Você gosta dele, não gosta? Tipo... de verdade. – ela começou.
- Gosto dele, . Muito. – confessei. – É fácil estar com ele. Parece saber exatamente do que eu preciso e do que eu gosto, tem humor na medida certa, é carinhoso, responsável, e minha família gosta dele.
- Mas...?
- É só... Não sei, sabe? É esquisito. – suspirei, confusa. Era aquele assunto que ficava rodando na minha cabeça. – Eu não me lembro de nada antes disso, eu praticamente o conheci há apenas algumas semanas e já estou desse jeito. Estou tão... assim, sei lá, que já decidi que quero dar uma chance a ele. Eu deveria ter medo por ele me conhecer tanto assim, mas não consigo.
- , de fato é esquisito. Mas isso não significa que vocês não podem ter um recomeço. Quantas vezes você não saiu com caras que conheceu durante saídas à noite?
- Eu sei, mas... é diferente. – tentei explicar. – Além disso... e se ele achar que isso é só uma fase? Ele deve achar que a minha memória vai voltar e que tudo vai voltar a ser como era antes, mas... e se não voltar? E se ele perceber que...
- Amiga, não. – ela me parou. – não é assim, e acho que você já percebeu isso. Ele gosta de você de verdade. E, mesmo que a sua memória não volte nunca mais, quem garante que vocês não vão ter uma nova história? Aliás, já estão tendo. Já construíram algo novo novamente.
- Não sei...
- Entendo que você esteja com medo. – ela disse, parecendo ler meus pensamentos. – Afinal, você não conhece o cara, mas ele conhece tudo sobre você. Faz você se sentir a pessoa mais linda e importante de todo o universo. Faz você dizer sim sem nem hesitar. E parece gostar de você. Será que isso é só uma mentira? Não, não é. Porque tenho certeza que você, durante esse tempo, também aprendeu coisas sobre ele. Na verdade, re-aprendeu.
- Tenho medo, . Medo de que talvez me foi dada essa segunda chance e eu a estou desperdiçando novamente.
- Você sente que está desperdiçando tempo com o ?! – ela me perguntou chocada e eu arregalei os olhos, negando violentamente com a cabeça.
- Não, não é isso! Ele é... ele é incrível. A melhor pessoa que eu já conheci. Eu só... só não sei o que acontece dentro de mim. Está tudo uma bagunça. – soltei de uma vez, suspirando e passando uma mão pelo rosto. Encarei a aliança novamente e coloquei-a no meu dedo, mesmo com o fio.
Ela tinha a minha medida. Combinava comigo. E pensar sobre ela, sobre , fazia meu coração saltar dentro do meu peito de uma forma muito louca.
- , presta atenção no que eu vou te dizer agora, ok? – chamou minha atenção.
- Ok. – respondi num sussurro.
- Você se apaixonou por uma vez. Por que não pode se apaixonar novamente?
Pois é... por que não?
Passei a mão pela minha roupa, admirando minha própria imagem no espelho para verificar se não havia nenhuma falha. Eu me sentia... bonita. Extremamente chique.
havia me ajudado a escolher meus trajes para essa ocasião, algo que foi do nosso gosto em comum e, consequentemente, consagrando o nosso lema: simples e elegante. Meu vestido era preto, de alças finas e cruzava nas costas. Era bem delineado no corpo, um pouco solto a partir do quadril e tinha alguns poucos centímetros de comprimento – embora nada muito exagerado – que deixava boa parte das minhas coxas à mostra. O sapato de salto, também preto, combinava com o vestido e me deixava dez centímetros mais alta.
Ajeitei novamente meus cabelos, jogando-os de um lado e depois do outro para dar um movimento. Eles estavam muito simples soltos, mas eu havia caprichado na maquiagem, dando vida aos meus olhos pequenos.
Minha bolsa pequena de mão já tinha sido devidamente arrumada com poucos pertences, então decidi mandar uma mensagem para avisando que eu estava pronta e ansiosa demais, porque pela primeira vez eu sairia com para um restaurante muito chique, e não fazia ideia se estava vestida adequadamente ou como deveria me comportar nesse tipo de situação.
A resposta dela foi imediata:
“Deixa de besteira e se divirta!”
Eu ri sozinha antes de suspirar, desviando meu olhar novamente para o espelho e acabar encarando o anel suspenso na corrente, no meu pescoço. Peguei o objeto entre os dedos, passando-os pelos números escritos na parte de dentro, números que simbolizavam uma época da qual eu não me lembrava.
Também havia um coração do lado, e aquela simples imagem fez com que eu abrisse um sorriso, pensativa. Mordi os lábios e senti meu estômago reclamar (não de fome), então decidi logo o que iria fazer, porque se ficasse muito tempo teorizando sobre o assunto eu acabaria voltando atrás.
Antes que eu fizesse qualquer gesto, a campainha tocou e eu ouvi uma porta sendo aberta.
- ? Você está aí?
- Já estou descendo, ! – gritei para que ele me escutasse.
Mais do que rapidamente, arranquei a corrente do pescoço e tirei o anel dourado, colocando-o no meu anelar direito. Levantei da cama e, pegando minha bolsa, saí do quarto e desci as escadas correndo para o andar de baixo.
estava irresistível. Não, ele estava lindo. Não, maravilhoso. Perfeito. Divino. Tudo de bom. A coisa mais incrível de todo o planeta Terra. Não, de toda a galáxia.
- Uau. – ele exclamou rindo e estendeu a mão para mim enquanto eu descia o último degrau. – Você está maravilhosa.
- Obrigada. – deixei que ele me beijasse no rosto e sorri de volta. – Você também está incrível.
Ele estava mesmo. Vestido com um smoking preto, calças e sapatos da mesma cor, uma camisa branca de botões por dentro e uma gravata no pescoço. Tão lindo, e me olhando daquele jeito, sem conseguir nem piscar, me fazia tremer da cabeça aos pés.
- O que foi? – perguntei coçando a nuca, sem graça.
- Eu quero muito te beijar agora.
Não consegui não sorrir para a sua frase, então acabei dando um passo em sua direção, ficando na ponta dos pés ao mesmo tempo em que estendi minhas mãos. Acariciei sua nuca, puxei seus cabelos e beijei sua mandíbula levemente, deixando que a eletricidade entre nós crescesse até não poder mais.
me agarrou pela cintura também, me trazendo tão perto que nossos corpos ficaram totalmente colados um no outro. Quando dei uma trégua nos beijos foi a vez dele, que começou encostando os lábios no meu lóbulo esquerdo, minha mandíbula, e foi descendo até o pescoço. Ele beijou toda a região diversas vezes, me arrancando suspiros. Senti sua língua e seus dentes na minha pele, e não consegui deixar de puxar seus cabelos, até perceber que aquilo tudo estava acabando com a minha sanidade mental e que ele precisava ficar longe.
Empurrei-o sem vontade, rindo porque ainda conseguia sentir seus lábios em mim, e ele também cedeu. Quando se afastou, seu sorriso foi diminuindo até que ele apertou os olhos na minha direção, parecendo muito concentrado. Então disse:
- Cadê o seu colar?
Ele me pareceu muito curioso, então acabei mordendo os lábios antes de responder.
- Eu tirei.
- Tirou...? – me olhou desacreditado, os olhos arregalados de susto. Então eu acabei soltando uma risada inevitável.
- Tirei. Não posso ficar usando uma aliança lá para sempre, né? O lugar dela é no dedo. – disse e estendi minhas mãos para que ele visse.
abriu o meu sorriso e me estendeu o braço, o qual eu agarrei.
- Pronta para irmos?
- Pronta.
- Obrigada. – agradeci o garçom depois de instalar eu e numa mesa e nos deixar o cardápio. – , aqui é lindo! - elogiei, olhando embasbacada para o local.
Era incrível e muito romântico. As paredes do local eram muito brancas, da mesma cor das toalhas das mesas, embora essas tivessem alguns enfeites dourados. A iluminação de cima era meio rosada e fraca porque em todas as mesas havia velas, acompanhadas de um arranjo de flores simples e elegante. Os garçons estavam vestidos em trajes formais e usavam gravatas borboletas.
As janelas eram amplas e estavam abertas – refrescando todo o local - e se você sentasse numa mesa perto de uma delas poderia ter a visão do jardim enfeitado do lado de fora. Além disso, havia também um espaço amplo perto de uma espécie de palco, onde uma banda tocava uma música muito calma por meio de um piano e outros instrumentos.
Havia algumas pessoas dançando ali, e aquilo tudo me trouxe uma sensação de familiaridade tão forte que eu jurava que estava tendo um dèjá vu.
- Fico feliz que tenha gostado. – sorriu para mim, me fazendo sorrir de volta.
- É muito romântico.
- É. – ele riu. – Muitos casais vêm aqui para comemorar aniversários.
- É mesmo? – perguntei interessada, olhando ao redor.
Só havia casais mesmo. Observei quando alguns homens chegaram com violinos e se aproximaram de uma mesa específica, ficando de pé e começando a tocar uma música muito suave. A garota que estava ali começou a rir ao observar aquilo, então o homem à sua frente se levantou da cadeira e ajoelhou na frente dela, tirando uma caixinha de veludo do bolso. Ela o olhou abismada e começou a chorar com um sorriso gigante no rosto, em seguida se jogou nos braços do amado gritando um “Sim!” que só parou quando ele a calou com um beijo.
As outras pessoas do restaurante que, assim como eu, observaram a cena, começaram a aplaudir. Eu ri, olhando de volta para , que riu também e acenou com a cabeça, como se respondesse à minha pergunta de minutos atrás.
Nós dois fizemos nossos pedidos ao garçom, com um bom vinho para acompanhar – o qual eu podia beber agora, finalmente – e a conversa fluiu entre nós muito facilmente, como sempre acontecia. Falei dos acontecimentos da semana, ele me contou também como havia sido os seus últimos dias, e ficamos assim até a comida chegar. Quando isso aconteceu, a conversa diminuiu porque os pratos estavam divinos e nós queríamos aproveitá-los, e foi só quando estávamos no final da sobremesa que me soltou uma pergunta muito intensa:
- Por que voltou a usar a nossa aliança agora?
- O quê? – eu perguntei sobressaltada, soltando a colher do pudim sem nem disfarçar. Ele estava tão sério, mas parecia muito... curioso a respeito do assunto. Eu só não sabia por que ele o tinha trazido à tona justo agora.
- É. – ele me incentivou. – Quero saber se posso ficar feliz com isso... se significa algo para você.
- , é claro que significa algo para mim. – comecei já me sentindo desesperada. Por que ele estava fazendo aquelas perguntas?
- Não, não me entenda errado. – falou calmamente e colocou sua mão por cima da minha estendida em cima da mesa, seus dedos quentes apertando os meus. – É só que isso tem um significado muito importante para mim, e quero saber se você compartilha esse mesmo significado... entende?
Eu pisquei os olhos, sem saber direito como reagir. Entendi o que ele quis dizer, mas eu não havia pensado dessa forma quando voltei a usar o anel. Agora, com isso acontecendo, vejo que deveria ter pensado mais sobre isso.
via aquilo como um noivado retomado, e eu... bem, eu ainda estava confusa. A aliança de volta no dedo, para mim, significava que havia sim um relacionamento entre nós. Mas um noivado... um noivado era algo muito grandioso para o momento.
- Me desculpe. – eu exclamei, puxando minha mão da dele e sentindo meu corpo tremer. Uma súbita vontade de sair correndo tomou conta de mim. – Me desculpe, . É só que você me pediu uma chance e eu disse que sim, mas porque estamos indo devagar, então eu achei que... – senti meu rosto muito vermelho.
Idiota. Idiota.
Antes que eu pudesse me conter, já estava tirando o anel do meu anelar, me sentindo a pessoa mais estúpida do planeta porque não tinha percebido que aquele gesto significava tanto para ele.
- O que você está fazendo? – ele me perguntou com os olhos arregalados quando viu o que eu estava fazendo. Senti que iria chorar a qualquer minuto.
- Desc...
- , não. – ele colocou sua mão de novo por cima da minha, impedindo que eu tirasse a aliança totalmente. Seus olhos estavam refletindo todo o desespero que sentia. – Não faça isso.
- , eu... eu não quero te fazer sofrer. – engoli seco. – Eu fui idiota. Deveria ter pensado em como você se sentiria ao ver isso, com todo o nosso histórico. Eu só... não sei direito o que estou fazendo, . – suspirei, sentindo meus olhos arderem. – Eu só agarro a sua mão e te sigo para onde for, de olhos fechados. Não sei onde estamos indo, mas eu não consigo... não fazer isso.
- . – me chamou e empurrou sua cadeira para perto de mim, sentando-se ao meu lado. Segurou minhas mãos e deu um beijo em cima da aliança, seus lábios quentes esbarrando em meus dedos. – Me desculpe. Sei que deve ser muito confuso para você, e só posso imaginar como deve estar se sentindo agora. Ei... – ele passou a mão pelo meu queixo, içando-o e fazendo com que eu o encarasse, apesar da vergonha. – Olhe para mim, querida. – pediu e assim eu o fiz. – Não posso negar que ver você usando isso não significa algo importante para mim, porque significa. E ouvir você falando que me segue assim, de olhos fechados... me deixa feliz e com medo. Feliz porque você confia em mim o suficiente para fazer isso, e com medo porque a minha responsabilidade só cresce, e eu não quero te desapontar.
- Me desapontar? – perguntei boquiaberta. - , você não me desaponta nunca. Eu só não sei como você consegue me aguentar...
Ele riu abertamente e passou a mão pelos meus lábios, então eu percebi que o clima mais tenso já havia passado e que estávamos bem novamente.
- Ah, , é um privilégio te aguentar, acredite em mim. – ele sorriu e se levantou da mesa. Arqueei as sobrancelhas para ele quando estendeu as mãos na minha direção. – Agora, deixe essa linda aliança nos dedos, ponha um sorriso divino nesse rosto e venha dançar comigo.
Assim eu fiz, aceitando suas mãos e deixando que ele me levasse para a pista de dança, onde alguns casais já dançavam ao som calmo da banda.
passou os braços pela minha cintura e me puxou para perto, ao passo em que eu entrelacei minhas mãos em volta de seu pescoço, afundando o rosto em seu peito. Ele nos movimentou devagar no ritmo da música, e eu o segui, aspirando o cheiro da sua colônia e sentindo seu coração bater acelerado, junto com o meu.
Apesar de ter feito o possível para acalmar o clima, a situação que parecia pairar sobre nós era estranha. A atmosfera estava tensa, e eu sabia que ele sentia aquilo tanto quanto eu. Minha cabeça estava pesada, mas tentei relaxá-la naquele momento, porque dançar com era uma coisa que eu não me lembrava de ter feito, e era muito bom.
Quando as coisas entre nós iriam se resolver? Quando toda aquela angústia, aquela confusão, iriam passar?
’Cause you’re a sky, you’re a sky full of stars. Such a heavenly view… Ouvi cantar no meu ouvido, como se não conseguisse controlar. Aquela música, aquela letra, misturada com aquela melodia lenta, misturado com o que estava acontecendo entre nós, fez com que eu me afastasse com os olhos cheios de lágrimas.
Ele me encarou e soltou um sorriso triste na minha direção. Soltou toda a respiração que parecia presa e apertou os olhos, para depois de abri-los e soltar:
- Desculpe, – ele parecia sentir dor ao falar aquilo, mas não estava aguentando. – Desculpe. Não consigo mais. – respirou novamente antes de começar - , eu te a…
- Não. – impedi-o de falar colocando os dedos em seus lábios. Ele me olhou tristonho, e isso me apertou o coração, mas eu não podia deixá-lo falar aquilo naquele momento. – Por favor, . Eu só... não estou preparada para ouvir isso agora.
Quando todos aqueles desconhecidos foram embora de minha casa, consegui finalmente respirar de uma maneira decente, aliviada. Acabe me jogando na primeira poltrona e baixei a cabeça entre os meus joelhos, respirando languidamente até que meu coração se acalmasse e eu percebesse que as lágrimas presas não corriam o risco de cair.
Não sei como eles descobriram, mas o fizeram.
Eu estava pronta para curtir a minha sexta-feira jogada num sofá quando tocaram a campainha de casa. Pensando que era , abri a porta sem nem pensar duas vezes, dando de cara com um bando de desconhecidos com feições de alívio e sorridentes para mim.
As pessoas me abraçaram, felizes, falaram que sabiam que eu iria me recuperar, que estavam com saudades de mim e que eu fazia muita falta, e por isso precisava voltar a trabalhar logo.
Só entendi que aquelas dez pessoas segurando bolos e pratos de torta eram meus amigos do serviço quando eles já haviam entrado em casa e armado a festa, sem perceberem o meu desconforto. A partir daí, não pude mais expulsá-los ou ao menos falar um “eu não faço a mínima ideia de quem são vocês”.
Eles me trouxeram presentes, flores e cartões me desejando boas vindas. Suspeitei de que eles sabiam do meu acidente, mas não dos efeitos que ele causara em mim. Além disso, estavam visivelmente atrasados no tempo, no entanto pareciam ter vindo até mim assim que receberam a notícia de que eu acordara e tivera alta do hospital.
Uma vantagem daquela situação era que eu não precisava falar muito, já que eles falavam por mim. Eu apenas sorria (aquele sorriso amarelo sem graça) e fingia estar comendo ou bebendo quando me perguntavam alguma coisa, então o foco acabava indo para outra pessoa.
Tentei prestar atenção na conversa e nos detalhes, apenas para saber quem eram eles, seus nomes. Mas a situação ficou cada vez mais esquisita (para mim, já que todos eles não pareciam notar nada de estranho), especialmente porque eu descobri que não queria falar da minha condição para eles. E, quando já estava me sentindo muito sufocada, resolvi dar um perdido e tentar ligar para vir me socorrer de alguma maneira, porque eu não conseguia e nem queria continuar ali com aquele bando de gente.
Ela não atendeu ao celular. Tentei também, mas, assim como a minha amiga, não obtive resultado, porque seu celular estava fora de área. Não cogitei nem a possibilidade de ligar para o meu pai, porque me senti envergonhada o suficiente para tanto (além disso, talvez a presença dele ali pudesse piorar um pouco as coisas, porque ele reconheceria a minha cara de quem não estava bem na hora).
Aquelas pessoas passaram quatro horas dentro da minha casa. Conversando, rindo, me abraçando, sem perceber como eu estava realmente me sentindo.
Aquilo me deixou com raiva. Principalmente, raiva de mim mesma. Eu não podia acreditar que podia chamar aquelas pessoas de amigos... eles não pareciam saber nada sobre mim ou sobre como eu era. Eram amorosos, calorosos e um grupo bastante unido... só que não eram ou .
Todos eles me ajudaram com a maioria da bagunça que haviam feito, mas o resto sobrou para que eu fizesse sozinha.
Levantei da poltrona algum tempo depois que já havia conseguido me acalmar, mas minha cabeça ainda parecia em ebulição por conta dos últimos acontecimentos, então eu precisava relaxar. Precisava de um momento de paz, porque as coisas que estavam acontecendo na minha vida vinham em grande intensidade.
Como se tivesse ligado o piloto automático, minhas pernas me fizeram subir as escadas e fui direto até o banheiro. Sem nem pensar muito, entrei na banheira, deitando-me de barriga para cima para poder encarar o teto, apesar do espaço ser um pouco pequeno para que eu ficasse totalmente esticada.
Minha vida estava tão bagunçada. Eu estava tentando retomá-la aos poucos, com ajuda das pessoas em que eu confiava, mas quando coisas desse tipo aconteciam faziam com que eu perdesse a fé de que um dia tudo daria certo. Os médicos (neurologistas, psicólogos) com quem eu me consultava toda a semana haviam me dito que eu era um milagre, que nenhuma outra pessoa que eles conheciam haviam se recuperado incólumes de um coma tão grande. No entanto, eles não sabiam se minha memória voltaria, e esse era um assunto muito delicado para mim.
Delicado porque era um assunto que envolvia, mais do que qualquer outra pessoa, . E ele era importante para mim.
Eu gostava tanto dele. Isso era uma verdade incontestável: eu havia me apaixonado por ele nesse pouco tempo que passamos juntos. E, por esse tempo ser tão curto e por ele já me conhecer há anos, eu não sabia se era bem justo. Além disso, eu não sabia o que ele estava esperando de mim. Ele podia não verbalizar, mas eu tinha certeza de que esperava que minha memória voltasse em algum momento – ele deveria querer sua noiva de volta. No começo eu acreditei que ela poderia realmente voltar, e que aquele tempo com ele era para conhecê-lo melhor e para a situação não ficar muito estranha, mas agora... agora eu tenho as minhas sérias dúvidas.
Não que eu duvide dos sentimentos dele por mim. Céus, não. Apesar de eu ter impedido suas palavras no nosso último jantar, eu sabia que ele sentia por mim o mesmo que eu sentia por ele. A aliança em nossos dedos comprovava isso. O problema era que... eu não sabia qual era o problema direito. Eu odiava ficar teorizando sobre o assunto, mas também não havia como não fazer isso.
Eu me sentia muito idiota, a pior pessoa do mundo em fazer isso com quando as coisas entre nós pareciam tão claras e óbvias. O problema era eu. Eu sabia disso.
Eu só tinha que parar de ficar pensando sobre essas sensações estranhas, sobre a minha memória e sobre todo o contexto em que eu e estávamos. Tinha que começar a viver as coisas boas. Como havia me dito, já dera tempo da estranheza passar. Eu tinha que levar aquilo como uma coisa normal, porque, de certa forma, havia sido algo normal. disse que começaríamos devagar, e foi assim que aconteceu. Eu o “conheci”, nós saímos em alguns encontros, nos beijamos. Não havia nada de estranho nisso, era como as pessoas se conheciam e como relacionamentos começavam.
Então por que era tudo tão difícil? Ah, talvez porque, na realidade, nós éramos noivos há dois anos. E eu não me lembrava daquilo.
E tudo piorava com acontecimentos como o de hoje.
Mas que droga.
Ouvi a porta do banheiro se abrir num estrondo, passos pesados rápidos até a banheira e, no próximo segundo, estava no meu raio de visão. Ao me ver ali, soltou toda a respiração pela boca, como se a tivesse prendido por muito tempo. Suas bochechas estavam coradas, e seus olhos aterrorizados se suavizaram quando encontraram os meus. Vi seus ombros balançarem, indicando que ele havia subido as escadas correndo.
provavelmente tinha tocado a campainha, entretanto não devo ter escutado porque estava me afogando em pensamentos pessimistas e confusos. A sorte é que ele tinha a chave de casa, senão teria ficado desesperado do lado de fora.
Ele continuou de pé, e eu deitada. Não falei absolutamente nada, e ele também não. Parece que todas as palavras estavam sendo ditas no silêncio dos nossos olhares, que não se desviaram um do outro por nenhum segundo. E então, antes que eu pudesse me conter, acabei me encolhendo num canto, abrindo um espaço para ele.
não pensou duas vezes antes de entrar na banheira vazia comigo, deitando de frente para mim. Passou os braços pela minha cintura, nos encaixando para que ficássemos o mais confortável possível, e eu afundei meu rosto em seu ombro, aspirando seu cheiro característico de perfume amadeirado com menta, minhas mãos espalmadas em seu peito.
- Como sabia que eu estaria aqui? – perguntei num sussurro. Suas mãos fizeram um carinho suave nas minhas costas, e eu podia sentir sua respiração contra os meus cabelos.
- Sou seu noivo, esqueceu?! – me disse dando um pequeno sorriso e mexeu nos meus cabelos suavemente. – Presto atenção em você. Do que gosta, do que não gosta. Do que costuma fazer quando está triste. Dos lugares estranhos que vai quando quer pensar... – ele não terminou a frase, então submergimos num silêncio.
- Isso é um pouco constrangedor, não acha? – comecei depois de alguns segundos, observando-o arquear as sobrancelhas para o meu comentário. – É um lugar bizarro para se estar. E, ainda assim, você está aqui.
- É claro que eu estou aqui, . Somos um casal, mas, antes disso, somos amigos e confiamos um no outro. Não me importaria se você tivesse que pensar dentro da pior e mais nojenta espelunca da cidade, eu iria até lá se soubesse que você estaria ali. – respirou fundo. - Vou estar onde você precisar que eu esteja, porque eu te amo. Te amo, . E sei que você faria a mesma coisa por mim.
“Te amo, .”
Ah, meu Deus. Aquilo foi mais do que eu pude aguentar.
No próximo segundo, eu já estava soluçando. As lágrimas caíam sem controle e molhavam toda a camisa listada de , que me apertou mais forte em seu abraço e acariciou meu cabelo, sussurrando desculpas, mas que ele simplesmente não conseguia mais não expressar todo aquele sentimento.
Nem preciso falar que aquilo foi o bastante para que eu chorasse mais ainda.
- , eu... me desculpa... – ele puxou meu rosto para que eu o olhasse, embora eu estivesse morrendo de vergonha. – Por favor, não chora... – limpou minhas lágrimas com os polegares enquanto eu negava com a cabeça.
- Ah, ... – apertei minhas mãos nas suas, tentando encará-lo, mas a vista estava embaçada porque meus olhos estavam cheios de água.
- Eu...
- Você n-não tem que pedir d-desculpas por n-nada. – tentei falar, controlando minha respiração. – Eu s-sou tão idiota.
- Não, não é. – pegou meu rosto com as mãos e apoiou sua testa na minha enquanto eu tentava engolir o bolo que se formava na minha garganta.
- Eu sou. – acenei com a cabeça. – Você está falando todas essas coisas para mim, enquanto tem um monte de coisa na minha cabeça impedindo que eu fale o mesmo pra você.
- Você não precisa falar nada, ... É só que eu tinha que falar isso. Eu tinha. – reforçou, me fazendo lembrar de quando eu o impedira no restaurante e do quanto isso havia sido ruim. – Mas você não precisa falar nada. É sério.
- Eu sei que não. – minha voz saiu num sussurro. – Mas eu queria. – apertei os olhos um contra o outro, tentando em vão impedir mais uma enxurrada de lágrimas. – Você não merece o meu silêncio.
- , me escuta. – pediu passando a mão pelo meu rosto. Encarei-o, vendo seus olhos desesperados. Desesperado com as minhas palavras. Com a minha reação. Com... tudo. – Não importa o que aconteça, vou esperar você.
- ... – comecei a me desesperar.
- Não importa. – reforçou. – Vou respeitar o seu tempo. Esperar que se sinta confortável para estar comigo de verdade. Esperar que consiga dizer alguma coisa para mim. Não vou desistir de você.
- Você não deveria fazer isso... é injusto.
- Não me importa se é injusto ou não, meu amor. – ele me deu um pequeno sorriso, mas sua voz estava trêmula como a minha. – Enquanto eu tiver uma chance, vou me agarrar a ela. Eu já disse e repito: não vou desistir de você.
- Não vai? – perguntei com a voz fininha.
- Não. – ele abriu meu sorriso preferido e eu afundei meu rosto em seu peito, abraçando-o com todas as forças que consegui.
Deixei que mais algumas lágrimas caíssem antes delas finalmente cessarem. Aos poucos minha respiração foi ficando mais calma, no mesmo ritmo que seus carinhos na minha pele. O contato entre nossos corpos era firme e quente, e, apesar do espaço pequeno, eu me sentia muito confortável em seus braços.
Decidi não pensar em nada naquele momento, mas em apenas sentir. Os carinhos de , sua respiração no topo da minha cabeça, nossas pernas intercaladas, nossos dedos entrelaçados. Seus batimentos cardíacos estavam num ritmo cadenciado e eu conseguia senti-los estourando em seu peito e vibrando no meu, no entanto, eu não conseguia conter as explosões do meu próprio coração, porque sempre quando eu estava com ele cismava de bater num ritmo muito acelerado.
- Você é o único que faz o meu coração disparar desse jeito, sabia?
- Ótimo. – ele riu. – Isso significa que estou no caminho certo.
Minhas pernas latejavam e meus joelhos pediam trégua, mas eu simplesmente não conseguia parar de correr. Podia sentir meus pulmões muito debilitados e meu coração batendo acelerado por conta da adrenalina palpitando em minhas veias, porém me forcei a correr cegamente até finalmente chegar a algum lugar.
Era um parque. Eu soube disso não porque tinha me jogado num banco de pedra que ficava na frente da ciclovia, ou porque as gramíneas estavam tão verdes que contrastavam com a cor da copa das árvores, mas porque, de alguma maneira, eu conhecia aquele lugar. Era tão familiar.
Respirei fundo e apertei as mãos no rosto, tentando acalmar a reviravolta que acontecia dentro de mim. Minha cabeça doía tanto que eu tinha certeza que me faria vomitar a qualquer hora. Meu estômago se contorcia dentro de mim de um jeito muito incômodo e as pontadas atrás dos olhos quase fizeram com que eu soltasse um gemido de dor.
Abaixei a cabeça entre os joelhos e massageei as têmporas ao mesmo tempo em que imagens vívidas da minha vida apareciam na minha mente sem que eu desse autorização. Elas eram novas e antigas, embora conhecidas, e pareciam fora da ordem cronológica.
Mordi os lábios com força quando mais pontadas surgiram e soltei um gemido sôfrego.
- ! – ouvi alguém gritar o meu nome e eu sabia que era . Só que a última coisa que eu queria fazer agora era vê-lo. Talvez pelo que havia acabado de acontecer.
Depois de tantas semanas me apaixonando por ele sem controle algum, decidi que era hora de conhecer o seu apartamento – e também porque ele já havia me convidado diversas vezes, mas eu não tinha me sentido preparada até hoje. Além disso, era muito injusto que ele ficasse indo até a minha casa sempre, quando poderíamos revezar para que não ficasse cansativo para nenhum dos dois.
Após o episódio da banheira, as coisas entre e eu haviam ficado bem melhores. O nosso relacionamento parecia fluir melhor agora que estávamos retomando o controle e curtindo o momento.
Então eu acabei indo até o seu apartamento. Só que, assim que ele abriu a porta, o mal estar começou e eu não pude pará-lo, especialmente por conta da minha cabeça. Uma sensação pesada se alojou no meu peito enquanto eu analisava minuciosamente o local.
- Você está bem? – ele me perguntou antes de qualquer coisa ao ver a minha cara.
- Eu... só preciso de um copo d’água. – pedi. acenou com a cabeça, fechou a porta de entrada e me deixou à vontade, dizendo que iria buscar o meu refresco. Quando ele se foi para a cozinha (e eu não sabia como tinha tanta certeza de que aquele caminho levava à cozinha), me vi oprimida por todos os lados.
O apartamento dele era simples, e a sala muito grande e masculina, porque quase todos os móveis eram de tonalidade escura. Havia uma grande televisão de plasma na frente de um sofá preto de três lugares, ambos por cima de um tapete grande com desenhos abstratos. Também tinha uma estante preta de livros e filmes, a qual dividia a sala em dois ambientes: o da televisão e uma outra parte que dava para o corredor do quarto e do banheiro. Além disso, um pequeno armário com gavetas de madeira escura, perto da janela, servia de abrigo para um aparelho de som, um laptop e... porta-retratos. Com muitas fotos. Poucas dele sozinho, algumas dele com os amigos, com a família, comigo.
Muitas fotos de comigo.
De um segundo para o outro, tudo naquele ambiente se tornou conhecido. A estante, a qual eu havia passado um dia inteiro arrumando, pondo os livros em ordem alfabética porque ele não conseguia se achar. O tapete na frente da TV, onde havíamos derrubado latinhas de cerveja enquanto comíamos pizza assistindo a filmes de terror. O sofá, onde e eu havíamos adormecido espremidos porque ele ficou até tarde me ajudando com a análise de um relatório para o serviço. Tudo tão real. Momentos que eu, de algum jeito, me lembrava.
O desespero pelo reconhecimento foi subindo pela minha garganta e, quando percebi, já estava saindo novamente pela porta e correndo para longe.
Fui parar no parque. Não sabia como ou porque, mas agora eu estava lá. O vento estava intenso e refrescante, um prelúdio de uma chuva de verão forte que iria cair na cidade a qualquer momento.
- ! – me chamou novamente.
Ele entrou no meu raio de visão como num flash de uma máquina fotográfica, todo suado, com os olhos esbugalhados e as feições preocupadas. Algumas pessoas que andavam por ali acabaram nos notando, mas logo seguiram seus caminhos para um provável abrigo, já que as nuvens cinzas e pesadas se aproximavam cada vez mais da região.
- ! O que foi? O que aconteceu?
- Você precisa ir embora, . – pedi me levantando do banco meio trôpega por conta da dor e das imagens. Elas não davam trégua. Imagens minhas e de , juntos. Em casa, num jantar, nos lugares que visitamos. Na época em que trabalhamos juntos. Quando nos encontramos no elevador. Quando viramos amigos. Tudo.
- De jeito nenhum! – ele ralhou, me segurando para me firmar. Quando me senti melhor, me soltei de seus braços e tentei virar de costas para andar para longe, porque vê-lo fazia com que as imagens permanecessem atrás dos meus olhos, mas ele se colocou na minha frente. – O que foi? O que está sentindo?
- Minha cabeça dói. – falei a verdade. – Desde que eu entrei no seu apartamento, tudo dói. Tudo me é tão... familiar. Conheço aquilo, . – comecei a falar, observando-o congelar e processar as minhas palavras. Seus olhos se suavizaram e sua boca se abriu um pouco. – Conheço tudo.
- Você... você se lembra? – perguntou com os olhos arregalados. Senti sua expectativa, e aquilo me deixou mais nervosa ainda.
- Eu não sei! – gritei, minhas palavras ecoando com o barulho intenso do vento mexendo as folhas. – Não sei de nada! Tem um monte de coisa na minha cabeça... – fechei os olhos, apertando os cílios.
- , respira. Fica calma... Olha pra mim, ‘tá? – ele pediu, mas não consegui. - Me escuta. Você não pode desistir. Não agora. Por favor, . Abra seus lindos olhos. Volta pra mim. - Essa frase. – disse num sussurro, abrindo os olhos apenas para arregalá-los quando percebi o significado daquilo. Quando percebi que já tinha ouvido aquela frase antes, junto com outras, e achei que eram só coisas do meu inconsciente.
- Todas essas frases com quem eu tenho sonhado, não são só sonhos, não é? – perguntei e observei-o acenar com a cabeça, não reparando nas gotas de chuva geladas que caíam do céu. – Você me disse tudo aquilo quando eu estava em coma. Foi real.
- Sim. – ele confirmou para mim, mesmo que eu não tivesse feito uma pergunta. Mesmo que eu não soubesse como ele sabia sobre essas frases na minha cabeça. – Foi real.
- E não foi à toa que você me levou àqueles lugares, não é? – comecei, minha mente fervilhando. apenas piscou os olhos para mim, tentando suprimir o pequeno sorriso enviesado em seus lábios. – Fomos à roda-gigante primeiro porque foi o lugar onde você se confessou para mim. – disse, os olhos arregalados com todas as memórias, de antes e de agora, misturando-se na minha mente, como num filme colorido e preto e branco. Por isso todas aquelas sensações de déjà vu. – Depois você me levou naquela praia, porque foi nela onde nos beijamos pela primeira vez. – meus olhos começaram a marejar quando eu percebi as semelhanças nos diálogos. Era por isso que ele ficara rindo de mim diversas vezes. Mesmo sem memória, eu tinha falado as mesmas coisas de quando tudo acontecera pela primeira vez. – E depois no aquário, que foi onde você me pediu em namoro. E então no restaurante, onde comemoramos dois anos juntos. E agora eu acabei espontaneamente vindo para cá, onde você me pediu em casamento. – lembrei-me exatamente da cena. Ele, ajoelhando-se para mim, ao pôr do sol, na frente de todas as pessoas. - E eu aceitei.
Era tudo ao mesmo tempo. As lágrimas, as memórias misturadas, o sorriso... a sensação de que eu estava agora finalmente completa. E graças a ele.
As gotas da água da chuva se engrossaram e se misturaram às minhas lágrimas. Elas ensopavam a minha roupa e a roupa de , mas eu não me importei. O quebra-cabeças estava finalmente terminado. As memórias já tinham voltado. Meu peito parecia explodir com tantas revelações ao mesmo tempo.
- Eu não te falei nada porque não queria que você achasse que eu estava tentando forçar a sua memória e... – ele tentou falar, suas sobrancelhas franzidas, mas eu abri um sorriso gigante, sentindo as lágrimas caindo do meu rosto, e me joguei em seus braços. Agarrei sua nuca firmemente e puxei-o para baixo, ficando na ponta dos pés para poder beijá-lo nos lábios de um jeito que eu não fazia há muito, muito tempo.
Nossas línguas colidiram famintas, e aconteceu aquela explosão de sentimentos dentro de mim, abarcando sensações de reconhecimento, saudade, inovação, cautela, carinho. Ele congelou momentaneamente, talvez assustado com a minha reação. Em seguida, em meio ao beijo, percebi que ele sorrira, e então seus braços me apertaram a cintura e me içaram, fazendo com que eu tirasse os pés do chão. Tive que afastar nossos lábios para gargalhar, enquanto ele me girava debaixo da chuva torrencial, sorrindo também. Apoiei minhas mãos em suas bochechas e colei nossas testas, ainda sentindo as lágrimas descompassadas escorrerem pelo meu rosto, sem trégua.
- Eu te amo, . – beijei-o mais uma vez assim que ele me colocou no chão, satisfeita ao perceber como nossos lábios pareciam perfeitos um no outro. – Eu me lembro. Me lembro de nós. Me lembro de tudo. Graças a você.
- . – ele me puxou novamente pela cintura e pela nuca e mais uma vez nossas bocas colidiram, desesperadas.
- Você não desistiu de mim. – falei, não me importando nem um pouco com a chuva. Eu estava feliz em seus braços.
- É claro que não. – riu. – Você é tudo o que eu sempre quis. Eu nunca desistiria de nós. – ele sorriu, me fazendo ampliar ainda mais o meu sorriso antes de beijá-lo mais uma vez.
Ah, como eu amava beijar aqueles lábios sem peso na consciência, sem sentimentos confusos, sem nada. Apenas pelo prazer de beijá-los. Apenas porque eu queria beijá-los.
- Posso te contar um segredo? – sussurrei entre seus lábios, minhas mãos massageando ainda sua nuca. Ele acenou com a cabeça e fitou a minha boca sem piscar, como se não conseguisse tirar os olhos dali. – Eu já estava apaixonada por você. Só tinha medo de admitir. – confidenciei. gargalhou, seus olhos brilhando.
- Eu sei.
- Não, você não entendeu. – expliquei, mexendo em seus cabelos e sentindo seu carinho nos meus quadris. – O que eu quis dizer, , é que eu devo ser a única garota no mundo inteiro que se apaixona pelo mesmo cara. Duas vezes.
continuou a rir, parecendo maravilhado com tudo. Em seguida, encostou nossas bocas mais uma vez, deixando um beijo delicado no meu lábio inferior antes de repuxá-lo com os dentes de um jeito muito sensual que esquentou todo o meu corpo.
- Quer saber um segredo, ? – repetiu a minha pergunta. Pisquei para ele, marota.
- Hm?
- Também devo ser uma exceção nesse universo, e sabe por quê? – perguntou e eu neguei com a cabeça, maravilhada. – Porque eu me apaixono por você... – ele me beijou nos lábios antes de continuar. – Todo... – beijo. – Santo... – beijo. – Dia.
As lágrimas escorreram por mais um tempinho antes de eu puxá-lo novamente para perto para juntar nossas bocas.
O beijo foi inspirador. Molhado, incrível e aqueceu alguma coisa dentro de mim que eu não sabia que existia. Eu só queria ficar o tempo inteiro ali, beijando-o debaixo daquela chuva, sentindo seus braços em torno de mim, sua língua acariciando a minha, percebendo o sorriso por trás de cada gesto, a ternura por trás de cada sorriso, a felicidade por trás de cada olhar.
- Podemos nos casar logo? – perguntei ofegante quando tivemos que nos separar.
- Ah – ele riu. – Podemos, meu amor. Com certeza.
Olhei para sentindo meu coração palpitando na boca. Ele percebeu que eu estava muito nervosa e emocionada, e por isso piscou um olho para mim e abriu aquele sorriso que fazia as famosas borboletas no meu estômago levantarem voo.
O pastor me pediu para repetir as palavras dos votos, e assim o fiz enquanto encaixava a aliança dourada no anelar direito de . E então, antes que eu pudesse perceber, era ele quem estava repetindo aquelas mesmas palavras para mim, colocando a aliança no meu dedo à vista de todos os nossos familiares e amigos: Meu pai, Jonathan, Lizzy e Penny, , vários amigos do serviço... a lista era gigante.
Os “eu aceito” foram ditos. Houve permissão para beijar a noiva, vestida com um vestido branco rendado aberto nos lugares certos (Deus abençoe e seu incrível senso de moda).
não hesitou em me puxar pela cintura na frente de toda aquela plateia e me beijar languidamente, o primeiro de nossos muitos beijos na nossa vida oficial de marido e mulher.
- Eu te amo. – ele sussurrou no meu ouvido assim que nos separamos, sem nunca me largar totalmente, não se importando com os vivas e aplausos que as pessoas soltavam porque seus lindos olhos azuis estavam fundidos nos meus.
- Eu também te amo, . – abri meu sorriso para ele, que sorriu de volta. – Me faz um favor? – acrescentei.
- O que você quiser.
- Se eu perder a memória alguma vez novamente... dê um jeito de me fazer lembrar do dia mais feliz da minha vida, ok?
riu abertamente aquele sorriso de iluminar galáxias distantes, me beijou na testa e entrelaçou nossos dedos.
- Ok. Combinado.
E foi então que eu prometi a mim mesma que faria de tudo para guardar aquele momento na memória para sempre.
Fim!
Nota da autora: (16/10/2015)
Alô, gente! Mais uma fic chega ao fim e eu não tô nem acreditando! Enfim, eu espero MUITO que vocês tenham gostado! Já agradeço desde já todos os comentários maravilhosos e incentivadores de vocês, e muito obrigada por terem recebido essa fic (e me recebido também) com tanto carinho.
Essa fic foi escrita já há um tempinho, e eu tenho problemas com o final dela, mas eu realmente espero que eu não tenha decepcionado ninguém! E, ao contrário do que muitos possam pensar, eu NÃO assisti (ainda!) aquele filme lá com a Rachel e o Channing (‘Para sempre’ é o nome, né?), então qualquer semelhança é mera coincidência!
Uma curiosidade sobre a fic é que, quando a escrevi, o nome dela era “Remember Us”. Como já tinha uma fanfic assim aqui no FFOBS, tive que mudar o nome para “Remember Me, Remember Us”. Acho que combinou também, né?
Vou aproveitar e agradecer à Dri, minha beta querida que sempre me motiva e é muito querida. Obrigada por todo esse trabalhão!
Para os curiosos de plantão, já enviei uma nova fanfic para o site. Ela se chama “Je te veux, mon amour!” e vai entrar na categoria Restritas/Finalizadas. Você saberá melhor sobre ela assim que eu a postar! Rs
Bom, eu espero que vocês me digam o que acharam dessa história. Vocês podem comentar aqui em baixo mesmo ou me achar no twitter (@paula_salmazzo). Ate a próxima! <3
Ps.: Segue a listinha das músicas inspiradoras para o nome dos capítulos:
Lista de músicas: Prólogo. I won’t give up – Jason Mraz
1. Haven’t met you yet – Michael Bublé
2. Where did you go? – A Rocket to the Moon
3. Must be love – Christina Grimmie
4. Not over you – Gavin DeGraw
5. Everything has changed – Taylor Swift ft. Ed Sheeran
6. Maps – Maroon 5
7. All of the stars – Ed Sheeran
8. Make you feel my love – Adele
9. A sky full of stars – Coldplay
10. One thing – One Direction
11. Everything – Michael Bublé
Epílogo. Love Story – Taylor Swift
Outras fics: Everything will change (McFLY/Finalizada) e We’re both confused (McFLY/Finalizada)
Nota da beta: Mais uma fic maravilhosa, Paula!!!! Me sinto honradissima em poder betar suas histórias, elas são incríveis demais!!!!
Vou logo avisando para segurarem os forninhos, pois a fic nova É FODEROSAMENTE INCRÍVEL!